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RONDINELLI, A ‘PEDRA FUNDAMENTAL’ DE UMA ERA RUBRO-NEGRA

“Ele é o jogador que tem alma. Isso é o que eu queria dizer: sem alma não há um grande jogador. Na decisão de 1978 contra o Vasco da Gama, ele tinha aquele impulso profético do gol. Rondinelli é um jogador de grande emoção, de grande coragem, de grande vontade de vencer, que crava no peito a estrela rubro-negra. Rondinelli é dono dessa mística da camisa rubro-negra, dono de uma torcida, de uma nação, de uma religião. Ele é o padre da religião apaixonante, ele é o ídolo de sangue da torcida”. Palavras de Nelson Rodrigues sobre o “Deus da Raça”, e é apenas o preâmbulo de uma grande história!

por André Felipe de Lima


Não é pretensão o título ali de cima. Sim, foi o zagueiro Rondinelli o responsável pelo início da maior era da história do Flamengo. Com o seu gol nos últimos momentos da espetacular final do Campeonato Carioca de 1978, contra o Vasco, Rondinelli, que hoje comemora seu aniversário, tornou-se a “pedra fundamental” de um longo período marcado pelas maiores glórias do time mais popular do Brasil.

Talvez, se Rondinelli não tivesse assinalado aquele gol, a história seria outra. Mas o “talvez” não coube na trajetória do zagueiro, que, após aquela conquista sensacional, foi elevado ao posto de “Deus da Raça” pelos fiéis torcedores do Flamengo.

Rondinelli é inesquecível para eles e para mim, um vascaíno, que sofri amargamente com aquele córner magistralmente batido pelo Zico, com endereço certo: a cabeça do Rondinelli. A subida canhestra do zagueiro na bola foi impiedosa com Leão. Que, com o seu notório “golpe de vista”, jamais imaginou que a pelota invadiria a rede cruzmaltina. Mas invadiu. E assim começou a história…

Rondinelli nasceu em São José do Rio Pardo, interior paulista, em 26 de abril de 1955, mas parece ser mais carioca que muitos que nasceram em um dos dois lados do Sumaré. Aprendeu a ser campeão desde cedo, e, obviamente, com o Flamengo. Foi bicampeão carioca de juvenil em 1972 e 73 e levantou o primeiro título profissional em 1974, o Campeonato Carioca, a primeira conquista daquela geração assombrosa.


Daquele título em diante, ver o nome de Rondinelli nas seleções da rodada dos jornais de segunda-feira era mais comum que feijão com arroz. E não havia botafoguense, vascaíno ou tricolor que torcesse o nariz para ele. O cara era bom mesmo. Logo, não escalá-lo em times da rodada corresponderia a uma perversa inveja dos rivais. Mão, portanto, à palmatória de todos, que se renderam ao Rondinelli.

Um dos seus fãs foi o técnico Carlos Froner: “É corajoso, dono de grande habilidade, bastante veloz e técnico. Bate quando acha que é preciso bater e pede calma aos companheiros na hora certa”. O gaúcho Froner sabia das coisas…

Rondinelli sempre foi um cara na dele. Tímido e avesso a elogios rasgados. Ficava vermelho quando os ouvia. Chegava a baixar a cabeça, como escreveu o repórter Luiz Augusto Chabassus, em 1976. Quem o levou para a Gávea foi o sergipano Velal, que jogou no Flamengo. Certo dia Velau (vejam só) decidiu montar uma oficina mecânica na cidade de Rondinelli. “Velal já havia trazido o Zanata (conterrâneo de Rondinelli) para o Flamengo. Fiquei muito empolgado quando, em 1970, ele disse que eu também poderia fazer testes no Rio”. Foi recebido por Jouber, que o aprovou. A família estava ressabiada. Não queria que o menino morasse sozinho no Rio. O avô Silvio (sempre ele) é quem convenceu os pais a o deixarem seguir no Flamengo.

Deveria ter crescido mimado, afinal tem quatro irmãs, e ele o único homem. Era de classe média. Estudava, mas gostava mesmo é de jogar bola. Os pais, ao contrário de muitas biografias de outros craques, não se importavam muito se o menino trocava as matinês de cinema nas tardes do fim de semana por uma pelada na rua. “Eles não ligavam para o meu interesse pelo futebol. Achavam que ia continuar estudando. Em compensação, meu avô Silvio, que já morreu, sempre procurou me incentivar”, disse Rondinelli, em 1976.

O vovô Silvio era um italiano de Luca, cidade próxima a Roma. Torcia efusivamente pelo “vecchio” Palestra Itália, e fazia questão de “doutrinar” o neto com as maravilhas de que eram capazes os craques palestrinos, como Djalma Santos, Tupãzinho, Ademir da Guia, Dudu e Servílio. “Ele queria que eu fosse um craque como eles”. Haveria de ser, sem dúvida, mas precisaria percorrer um longo caminho na Gávea.

No Rio, Rondinelli morava na concentração do Morro da Viúva com todos os meninos de sua geração de ouro, entre eles Geraldo “assoviador”. O garoto promissor do Velau, do Jouber, do Modesto Bria e do Valter Miraglia tornou-se presente em 1974. E presente em todos os sentidos semânticos e saudáveis que a impoluta palavra sugere. Rondinelli foi presente para o Flamengo, em especial. “Foi aí, no início de 1974, que assinei meu contrato de profissional com o Flamengo. Passei a ganhar 4500 cruzeiros por mês. Aluguei com o Cantarele um apartamento na Praia do Flamengo e tudo ficou melhor”. Melhor ficou mesmo para o Flamengo, que passou a contar com o mais eficiente beque da cidade.

Todo rubro-negro que se preza idolatra Rondinelli. Tanto que em muitas escalações de “times dos sonhos” do Flamengo, ele aparece lá, na zaga, “brigando” com cobras como Domingos da Guia, Reyes, Pavão e Mozer.


Em novembro de 1979, o carioca Luiz Allan de Almeida, autor do livro “Rondinelli, o Deus da Raça”, da Editora Fusão, fez uma pesquisa entre as diversas torcidas do Flamengo na época para saber quem era o maior ídolo da moçada na ocasião. “Fiquei surpreso com o resultado: ele é mais ídolo do que o Zico. Por quê? Rondinelli dá a sensação de ser amador, de jogar por puro amor à camisa, coisa que você não encontra nos outros. É disso que a torcida gosta”, declarou o apaixonado rubro-negro Allan de Almeida.

O histórico de Rondinelli permite isso. Houve um Fla-Flu amistoso em 1977 (vejam bem, amistoso) em que Rivellino tentou dar um balãozinho no zagueiro, na entrada da área, mas a coragem do beque foi impressionante. Rondinelli mergulhou nos pés do tricolor, e de cabeça tomou-lhe a bola. No final, deu Flamengo, pelo placar de 3 a 0.

“Sou sempre assim: na área, não brinco. Dou bico pra cima, para os lados, quero ver a bola sempre longe do gol do Cantarele. Agora, se der para sair jogando, sem trazer qualquer perigo para o nosso goleiro, então saio. Numa bola dividida, por exemplo, vou para ganhar. Ou paro a jogada ou saio com a bola dominada. Um adversário dificilmente leva vantagem comigo. Pensa bem: sou um dos últimos jogadores pela frente de um atacante. Depois de mim, só tem o Cantarele ou, no máximo, um jogador do Flamengo que venha na minha cobertura. E, às vezes, esse meu companheiro já chega meio vendido no lance. Então, ou ganho, ou paro a jogada. Mas sem violência. Decisão é uma coisa, violência é outra”, ensinou o craque, em entrevista realizada em 1977, com o saudoso repórter Raul Quadros.

MEU ‘MALVADO’ VASCAÍNO FAVORITO

O maior adversário de Rondinelli não foi propriamente um time de futebol. Foi um centroavante. Foi Roberto Dinamite. Os dois estiveram frente a frente pela primeira vez numa ensolarada manhã de sábado, em dezembro de 1972, decisão do Campeonato Carioca de juvenil. A peleja aconteceu no velho estádio da Gávea. O Flamengo venceu de 2 a 0 e ficou com o título. “O jogo ainda estava uma zero e o Vasco pressionava. O time deles era muito bom. O Fumanchu era o ponta-direita, o Gaúcho jogava na frente ao lado do Roberto. Sei que houve um córner, nós dois pulamos e ele me deu uma cotovelada. Quando caímos, quase rolando no chão, ele me deu uma cusparada. Nem vacilei, pisei na perna dele”.


O lance desdobrou-se em uma onda do Dinamite, que rolou no gramado, “urrando” de dor. O objetivo, claro, era convencer o juiz a marcar o pênalti. Mas o árbitro comeu mosca, ou seja, não viu o lance. Quatro anos depois, a mesma cena se repetiria com os dois quase se engalfinhando na decisão do terceiro turno do Campeonato Carioca de 76. Dessa vez o juiz viu. Era a forra do vascaíno.

“Com um minuto de jogo, o Vasco deu um ataque, e acompanhei o Roberto até a linha de fundo, protegendo a bola. Ele chutou, pensei, o juiz deu tiro de meta. Só que caímos fora do campo e tivemos um início de briga ali mesmo. O Cantarele havia batido o tiro de meta, o Renê (zagueiro vascaíno) já havia dominado a bola no meio de campo e eu, sentindo que havia levado a pior na briga, parti pra cima do Roberto, dando-lhe uma cotovelada. O Agomar (juiz Agomar Martins, que passou a cantar bolero em Porto Alegre) estava em cima do lance e deu o pênalti”.

Roberto recordou a jogada, e descreveu o final: “Bom, assim que levei a cotovelada, me atirei no chão. Era o que tinha de fazer, pô!, já que estava na área do Flamengo e o pênalti beneficiaria o Vasco. O Rondinelli ficou mais bravo ainda e disse ao Agomar que ele teria de nos expulsar, não marcar o pênalti. Bom, acabei batendo o pênalti e fazendo o gol”.

O jogo terminou 1 a 1, com Geraldo descontando para o Flamengo. Na decisão por pênaltis, o Vasco derrotou o adversário. Consumou-se, portanto, a doce vingança do Dinamite.

Os jogos entre os dois sempre foram encarniçados. Dava gosto assistir Vasco e Flamengo no Maracanã; Roberto e Rondinelli se enfrentando era um colírio. Os dois hoje são bons amigos. A indispensável rinha dos gramados ficou no passado. Sem ela, afinal, o futebol fica insosso. Quando conseguem se encontrar para uma resenha, os dois riem de tudo. Inclusive das brigas e catimbas que fazem parte do dia a dia dos boleiros.

Sobre Rondinelli, Roberto sempre dizia: “É, sem dúvida, um dos maiores zagueiros que conheci. Provavelmente, o mais difícil de ser vencido”. Rondinelli costumava retribuir a gentileza do adversário e grande parceiro de histórias do Clássico dos Milhões: “Dificilmente ele vem com a bola dominada e, quando isso acontece, sai de baixo. Seu estilo é de jogar mais fixo, dentro da área. Qualquer vacilada, ele enfia a cabeça, mete a perna, o gol está feito. Por isso, eu procuro sempre me antecipar”.

Rondinelli foi sempre muito leal. Mostrava a sola dos pés, às vezes, claro. Mas qual zagueiro não bate às vezes? Zagueiro em campo abstrai qualquer laço afetivo, e parte para dentro de qualquer atacante metido a besta. Durante uma boa peleja não pode ser diferente. Futebol é arte, mas também tem lá sua dose de arrojo. Sem essa combinação, fica difícil sair do gramado com a vitória. Rondinelli dominava esse equilíbrio. Por isso, com ele na zaga, o Flamengo ficava mais tranquilo e as taças eram erguidas.

O sonho do velho Silvio se concretizou. Rondinelli foi mais que um craque. Um deus guerreiro dos rubro-negros. O “Deus da Raça”.

Túlio Maravilha

O CARA DE 95

entrevista: Sergio Pugliese | texto: João Pedro Planel | fotos e vídeo: Daniel Planel 

Aos 48 (e não do segundo tempo), o veterano Túlio Maravilha voltará aos gramados para disputar a quarta divisão do Campeonato Carioca pelo alvinegro Atlético Carioca. Dessa forma, os mais velhos poderão matar a saudade da contagiante irreverência e os mais jovens terão a oportunidade de apreciar tamanha habilidade dentro da pequena área.


Embora muitos pensem que, pela idade e pelos cabelos brancos, Túlio não deveria voltar a jogar, o craque dos mil gols garante que está pronto para se tornar artilheiro do torneio e aumentar sua contagem. Durante o papo, o artilheiro revelou que nunca havia marcado um gol no Aterro do Flamengo e por isso fez questão de deixar sua marca. De calça jeans e sapatênis, converteu duas das três cobranças de pênalti.

– Quando Túlio entra em campo, não há placar em branco! – se gabou o goleador.

Ele está ótimo, continua o mesmo moleque que era nos anos 90; os zagueiros podem até tentar, mas não vão parar o cara de 95, o verdadeiro artilheiro! Se cuide, Zé Roberto, pois mais um recorde será quebrado: Túlio será o jogador mais velho a jogar com futebol, com quase 50 anos!

Muitíssimo obrigado, Túlio, por nos proporcionar mais um momento de felicidade em meio a uma situação crítica para o futebol brasileiro, que sofre com os constantes micos e vexames.

Pois bem amigos, aturem ou surtem, porque o nosso herói voltou!

 

GOL, O GRANDE MOMENTO DO FUTEBOL

por Serginho 5Bocas


Gol sem dúvida é o grande momento do futebol e como todos sabem, bola na trave não altera o placar. Descontado os clichês, a coisa mais importante do futebol merecia uma homenagem, já que por ele, e quase só por ele, vamos aos estádios e assistimos aos jogos na tv, depois, muito depois, vem todo o resto.

Quase um orgasmo para uns exagerados, alegria da galera para outros mais animados, seja feio ou bonito, ele é o protagonista, então vamos ao que interessa e sem pressa…

Dizem que o gol é libertador, como foi para o bambino d´ouro Paolo Rossi ao fazer o primeiro gol da vitória histórica da Itália por 3×2 frente ao Brasil, no jogo épico conhecido mundialmente como a “Tragédia de Sarriá”, abrindo as porteiras de quem não marcava há quatro jogos daquela Copa e há quase dois anos de carreira por conta de uma punição da justiça desportiva. Dali pra frente, mais dois contra o Brasil, dois na Polônia e um na final contra a Alemanha, e pronto, livre e solto, nascia mais uma lenda dos grandes artilheiros.


Um gol no estádio faz estranhos na arquibancada se abraçarem e brincarem de pirâmide humana feito criança. Gol é gol, mas não podemos esquecer que hoje obrigatoriamente tem que ter coreografia. Se fizer três no domingo, tem direito à música e o escambau, mas inventar nessa hora não é coisa nova, como veremos a seguir:

O Rei Pelé imortalizou o soco no ar a partir de um jogo contra o Juventus na Rua Javari, quando a torcida local o hostilizava e ele. A fim de dar uma resposta à altura, fez gol e deu vários socos no ar, xingando palavrões e imortalizando sem querer aquela que seria sua marca registrada e indelével.

Na Copa de 70, Tostão que já estava de saída, pois Roberto fazia sombra à beira do campo, resolveu bagunçar a zaga da Inglaterra, com direito a caneta em Bobby Moore e cruzar no peito do Rei que majestosamente, passou para Jair dar números ao incômodo 0x0 contra os inventores do futebol e atuais campeões do mundo da época. Gol de excelência da maior das maiores seleções.

Reza a lenda que naquele dia, um menino inglês ao ver a qualidade desconhecida e impressionante daquela seleção brasileira, ficou tão encantado com aquele futebol de sonhos, que disse se sentir como se estivesse dentro de  um carro de James Bond, no momento em que apertamos o botão de ejetar e se perde o fôlego como num voo sem escalas, não é mesmo Nick Hornby?


Caio e André Catimba davam cambalhotas acrobáticas comemorando seus gols;

Lela corria balançando a cabeça e a cabeleira dando língua, uma figuraça;

Careca fez gol na final e se jogou para trás, caindo de costas no gramado;

Neto fez de bicicleta e gritou para todos que era f…;

Roger Milla dançou uma lambada africana e deu voltinhas na bandeirinha depois de um gol que acabou com a empáfia de Higuita da Colômbia na Copa de 90;


Bebeto na companhia de Romário e Mazinho fez o gol nana neném (ou nana Mattheus) na Copa de 94, homenageando o filho que acabara de nascer;

Rondineli fez o gol do título carioca de 1978, que virou gol da raça e ele nem sabia que era o inicio de uma era fantástica.

Ronaldo Fenômeno fez dois na final de 2002 e espantou pra bem longe a fama de amarelão que ele iria carregar se perdesse outra Copa do Mundo, já que havia deixado passar em branco a de 1998 diante da França.

Rivaldo não deixou barato e fez gol de sonhos, ao dar uma bicicleta espetacular no fim do jogo, levantando os torcedores do Barcelona, o banco de reservas a até a torcida adversária, um primor.


Junior, o maestro, fez o gol da alegria aos 38 anos, saltando feito garoto e comandando a molecada rubro-negra na final do Brasileiro de 1992;

Almir Pernambuquinho fez o gol da raça ao arrastar seu rosto na lama para fazer um gol que entrou para a história.

Washington, do Fluminense, fez gol de pelada de rua contra o Vasco. Foram tantas fintas e quase chutes que quase matou a torcida do coração até a estocada final com bola na rede.

Assis, seu companheiro de clube, foi o maior carrasco que se tem noticia ao fazer gol em duas finais de Carioca seguidas contra o Fla. No primeiro, em 83, contou com a sorte de pegar mal na bola e enganar Raul, no segundo foi a consagração com uma cabeçada certeira frente ao monstro Fillol, ali nascia a lenda.

Zico fez muitos gols, mas dois deles foram com muita dor, quando entrou febril e cheio de furúnculos contra o Boca Juniors no Maracanã em 1981 e derrotou a gripe, a própria dor, o goleiro Gatti e Diego Maradona de uma só vez, valorizando o ingresso da massa e a despedida do amigo Carpegiani.


Roberto Dinamite fez o gol de enciclopédia que todo menino sonha em fazer um dia, dando um lençol no beque e batendo de primeira sem deixar cair no chão, no finalzinho da partida, uma explosão de alegria. Osmar está procurando o Bob até hoje…

Falcão fez o gol de empate que o mundo todo torceu para entrar e comemorou de um jeito tão contagiante que até os defuntos em suas tumba, levantaram e aplaudiram de pé. Eu chorei no dia e me arrepio até hoje quando vejo aquele 2×2, coisa de cinema.

Depois desse cardápio de gols, podemos dizer que temos gol pra tudo que é gosto.

Hoje se comemora fazendo coraçãozinho, apontando pistola pra torcida, metralhando a tudo e a todos, dançando funk ou sertanejo universitário, mas nada supera o gol.

Tem gol fácil e gol difícil.

Tem gol feio e gol bonito.

Tem de bico, tem de sola, de barriga e de peito.


Tem gol que é decisivo e o que não vale nada, tem de chapa, de trivela, calcanhar e de cabeça. Gol é gol e não há o que reclamar e como dizia a fera do gol: três vezes artilheiro do Brasileiro, o rei Dadá, o peito de aço, o cara que parava no ar feito beija-flor e helicóptero:

– Não existe gol feio, feio é não fazer gol!

Tem gol de todo jeito que se possa imaginar e por isso eu teimo em afirmar, nada é mais emocionante do que ver a rede balançar, pois o gol é ou não é o grande momento do futebol?

E tem gente famosa que diz que é só um detalhe…

ESQUERDINHA E O MAIS IMPROVÁVEL ZICO SURGEM NO PARQUE NOVO ORATÓRIO

por Marcelo Mendez

Já era comum vê-lo ali parado todas as vezes que a gente jogava no Campinho dos Padres.

Sempre acompanhado de sua bicicleta barra forte, vestido com roupa suja de concreto, fumando seu cigarro, olhando atentamente para a cancha, aquele senhor de pele queimada de sol e de vida ficava ali por nos observar as jogadas.

Fez isso para mais de dez, quinze vezes até o dia em que finalmente chegou até onde estávamos após a gente sapecar um 8×2 em cima da Rua Camerum:


– Ei moleque, como você chama?

– Marcelo. E você? Que você quer?

– Calma, rapaz. Meu nome é Esquerdinha, sou técnico aqui do Nacional do Parque Novo Oratório e tô montando a categoria mirim do time. Você quer ir la sábado, fazer um teste?

– Teste? Como teste? Cê tá todo dia aí vendo a gente jogar. Seguinte; Num vou fazer teste no seu time não e tem mais, se quiser que eu vá, vai ter que levar meus parceiros também. Senão num vou.

Nesse momento, Esquerdinha arregalou o olho, surpreso com minha firmeza, que na época, eu nem sabia que chamava isso, “firmeza”. Pra mim era amizade. Tá comigo, tá sempre e em todas. Mas ele aceitou. Disse pra todo mundo ir sábado no campo do Nacional para a gente jogar por lá, na tal categoria mirim.

Eu, Carlão, Pedrinho topamos, os outros acharam muito cedo essa coisa de ir pro campo às 07 da manhã do sábado e não quiseram saber. Mas no final, veio o problema:

– Vão de chuteira, hein? – recomendou o Esquerdinha, enquanto subia na sua barra forte pra ir embora.

Caraca… Chuteira!

A gente não tinha uma. Também não tinha a menor chance de ter. Em 1981 a vida era dura no Parque Novo Oratório, meu pai desempregado, minha mãe fazendo salgadinhos pra vender e comprar comida pra eu e minha irmã, como íamos arrumar chuteira?

– Foda-se a chuteira, Marcelo. A gente é Rua Tanger, jogamos de kichute e tênis velho e se ele quiser a gente, vai ter que ser assim! – disse o Carlão. Eu e Pedrinho concordamos e assim fomos para o tal jogo, sábado…

A camisa 10 e eu…

Chegando lá, havia alguns moleques, que junto com a gente, formavam um grupo com 12 caras.

– Tá bom, já dá o time. Vamos para o vestiário!

Vestiário…

Alí com 11 anos de idade foi a primeira vez que tive contato com esse lugar tão santo no futebol. Ali, com as meias e calções azuis amarrados e pendurados no cabide, as camisas amarelas com uma faixa central azul, arrumadinhas em um monte. As camisas do Nacional do PNO. Esquerdinha foi distribuindo a partir da posição de cada um:

– Goleiro… lateral-direito…

Pedrinho levantou a mão quando ele falou, “Meia Direita”. Carlão, alto, forte, todo tanque de guerra, levantou a mão quando o Esquerdinha falou “Centroavante”. Depois disso ele parou me olhou e perguntou.

– E você, Marcelo?

– Eu o que?

– Joga do que?


– Eu quero jogar onde joga o Zico! – respondi com toda a convicção que o desejo dá pra gente, nessas horas de encanto.

Nesse momento, Esquerdinha me olhou com um sorriso no rosto. Depois foi até o monte, pegou a camisa, trouxe até a mim, sentou do meu lado e falou um lance que marcaria toda minha vida:

– Marcelo, essa aqui é a camisa 10. Cê ta vendo ela?”

– Sim, tô…

– Pega ela (Eu peguei…), olha bem pra esse número das costas; Daqui pra frente, você é o meu camisa 10, o 10 desse time, o 10 do Nacional do PNO. Pelo tempo que você jogar bola, você usa essa camisa e nunca mais deixa ninguém tirar ela de você. Joga, mas joga muito. Você vai ser o comandante do meu meio-campo, combinado?”

Combinado. Aceitei a tarefa, peguei a camisa e vesti.


Enquanto aquele pano grosso descia pela minha pele, me senti o cara mais realizado do mundo aos 11 anos de idade. Naquele momento, além de ser jogador da Rua Tanger, eu também passei a ser jogador do Nacional do PNO.

Entrei naquele campo de terra com a tarefa de comandar o time que ali estava se formando e tal e qual a nossa seleção havia escolhido o Zico para ser o seu 10, no Parque Novo Oratório, o Esquerdinha me escolheu para a mesma missão.

No Parque Novo Oratório, o Zico era eu…

SÃO JORGE: CORINTHIANO OU FLAMENGUISTA?

por Frederico Silveira (Futebol Comportamental)


No dia de São Jorge, as duas maiores torcidas do país têm motivos para celebrar: afinal, o Santo Guerreiro está intimamente ligado à história e tradição de Corinthians e Flamengo. Mas, qual a ligação do santo com alvinegros e rubro-negros?

A história com o Corinthians é intensa, e repleta de simbolismos dos mais variados. Em 1926, o Alvinegro adquiriu um terreno, localizado no bairro do Tatuapé, no extinto Parque São Jorge, que viria a se tornar a sede do clube. Do antigo parque, restou apenas o nome, que o Timão resolveu adotar. A sede social, fundada em 1928, fica na Rua São Jorge, 777, no bairro Parque São Jorge. Por isso, o santo teria sido adotado como patrono do clube. Em 1967, foi construída também uma capela em sua homenagem.

A capela, aliás, traz outra vertente dessa ligação sagrada entre o Santo Guerreiro e o Timão. O monsenhor Arnaldo Beltrame, responsável pela capela do clube, relata que São Jorge era o padroeiro do Corinthians Football Club, equipe inglesa que, em excursão ao Brasil, teria sido fonte de inspiração para o nome do time paulista, em 1910; consequentemente, o santo também teria sido adotado como padroeiro.

Independentemente da origem histórica, fato é que a união entre Corinthians e São Jorge se fortaleceu e se materializou em 1974, um ano complicado para todo corinthiano. Com um jejum de 20 anos sem conquistar um título, a equipe caía frente ao arquirrival Palmeiras na final do Campeonato Paulista. Foi então que o compositor Paulinho Nogueira gravou o sucesso “Meus 20 anos (Ai, Corinthians)”. Nos versos, um apelo ao santo: “Meu São Jorge, me dê forças, pra poder um dia, enfim, descontar meu sofrimento em cima de quem riu de mim”.

Três anos depois, em 1977, o Corinthians viria a quebrar o jejum de títulos. No dia 13 de outubro, o Timão vencia a Ponte Preta por 1 a 0, no Morumbi. A partir de então, os torcedores adotaram de vez o apego ao santo, consolidando inclusive o mascote do clube, o mosqueteiro D’Artagnan de São Jorge.


Em 2011, o clube lançou uma camisa que trazia a figura de seu padroeiro:

Já a ligação do Santo Guerreiro com o Flamengo não está vinculada a raízes históricas e nem geográficas: a conexão com o santo se dá através do gosto popular de sua torcida. História bem parecida com a da própria cidade; muito embora São Sebastião seja o padroeiro oficial, na prática São Jorge, erigido pelo povo, acaba cumprindo esse papel. Tanto é assim que o dia 23 de abril é feriado no Rio de Janeiro.

No Mengão, São Judas Tadeu, o padroeiro oficial do clube, é tratado com muito carinho pelo rubro-negro, por toda a história vinculada a ele; essa conexão remonta da Igreja São Judas Tadeu, no Cosme Velho, onde aos párocos, rubro-negros doentes, eram atribuídas as vitórias do Flamengo, através da conexão com o santo. Dali em diante, ele ganhou muitos adeptos entre os flamenguistas, a ponto de se tornar o padroeiro do clube.

Já São Jorge é tratado pelos torcedores como o padroeiro extra-oficial, por ser identificado com o “povão”, com a “massa”, e um santo muito querido, até pelos mais ilustres rubro-negros. Em 1976, o craque Zico, com dores na perna direita e ameaçado de corte na seleção brasileira, doou uma camisa do Flamengo autografada para a Igreja Matriz de São Jorge, em Quintino. A camisa 10 rubro-negra foi colocada sobre a imagem do santo e a paróquia levou a prenda a leilão, movimentando a festa e ganhando a capa do Jornal O Globo em 24 de abril daquele ano. Devoto, o Galinho de Quintino fez sua primeira comunhão na Igreja de São Jorge.

E, assim como no Corinthians, São Jorge aparece em uma célebre música vinculada ao Flamengo: o Samba Rubro-Negro (O mais querido), de autoria do compositor Wilson Batista, em parceria com Jorge de Castro, foi imortalizado na voz de João Nogueira, e atravessou gerações como um dos principais hinos informais do Mengão. Num de seus versos, traz: “Eu já rezei pra São Jorge, pro Mengo ser campeão”.

Corinthians ou Flamengo? Não importa quem tenha a maior ligação com o Santo Guerreiro: o que importa é a fé e devoção que move seus torcedores, invocando a sua força e proteção em todas as demandas, seja nas vitórias ou nas derrotas de seus amados clubes. Salve Jorge!

 

Texto publicado originalmente no blog Futebol Comportamental em 23 de abril de 2016