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SEM LERO LERO, BIRO-BIRO FOI ‘MELHOR’ QUE MARADONA

Se Biro-Biro foi ou não melhor que o “deus” argentino, pouco importa. O mais significativo de tudo é que hoje o grande ídolo da Fiel faz anos. Conheça um pouco mais sobre o incomparável craque que tantas alegrias proporcionou ao Corinthians

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Não há no Brasil inteiro quem não conheça a marca “Biro-Biro”. Apareceu um lourinho (ou parafinado, como o original) de cabelo encaracolado, e pronto, logo o chamam de Biro-Biro. Não há apelido mais apropriado. Esta marca, aliás, tem dono e se chama, na “razão social”, Antônio José da Silva Filho.

Se muitos não conseguem associar o nome e o apelido ao dito cujo, tenham certeza que isso não é problema para nenhum corinthiano que se preze. Biro-Biro é, para os fanáticos pelo Timão, mais que um ídolo, é – e os iconoclastas que me perdoem – a alma do Corinthians, que encarnou no Estádio do Morumbi, no nublado dia 12 de dezembro de 1982, quando estava em disputa o título de campeão paulista.

De um lado, o poderoso elenco do São Paulo, com Serginho, Renato, Oscar, Dario Pereyra e Valdir Peres, tentando o inédito de tri, do outro a Democracia Corinthiana, com seus inabaláveis mosqueteiros. Um deles, o mais ousado naquela tarde, o mais mítico… era o Biro-Biro.

Horas antes do inesquecível jogo, o quadro clínico do jogador não estava lá essas coisas. Uma forte gripe o incomodava. Após almoçar no hotel-concentração Planalto, subiu imediatamente para descansar. Quando embarcou no ônibus que levaria o time para o estádio, exibia olheiras e uma indisposição flagrante. Para piorar seu quadro, o tornozelo direito estava comprometido há semanas. O temeroso treinador do Corinthians, Mário Travaglini (1932–2014), confidenciara ao diretor Adílson Monteiro Alves que, sem Biro-Biro, o time também ficaria sem o contragolpe para abater o forte time Tricolor.

Mas o inigualável Biro-Biro ensinou no gramado como ser ídolo de uma torcida. Prendeu a bola, quando tinha de prendê-la, e marcou dois gols inesquecíveis. No final, o Timão derrotou o São Paulo pelo placara de 3 a 1 e o herói levantou o troféu, recusando qualquer proposta de troca de camisa com o adversário. “Essa eu prometi ao meu pai”. Afinal, o craque era fiel. Fiel como a apaixonada torcida corinthiana.

Regularidade. Essa a palavra-chave para toda a trajetória de Biro-Biro com a camisa do Corinthians. Quem bem o definiu foi outro ídolo inesquecível: Sócrates: “Ele não joga bem só nas finais. Joga bem sempre”. A mais pura e cristalina verdade.

Biro-Biro nasceu no dia 18 de maio de 1959 em Santo Amaro, Pernambuco. Filho de Cândido José da Silva e Ivanice Marques de Souza. O pai, portuário, separou-se da mãe quando Antônio e os três irmãos ainda eram pequenos. A vida foi muito difícil para o garoto. Mas a vida casca grossa ficaria para trás, e um dia o garoto de cabelo oxigenado encantaria a torcida do Corinthians e se tornaria um símbolo da raça alvinegra, jogando como meio-campo na virada da década de 1970 para 80. Enquanto o destino não cumpria seu vaticínio, a mãe de Antônio sustentava os filhos com os bolos que fazia, muitas vezes das mangas e cocos surrupiados pelo menino Antônio das árvores dos quintais alheios. Quem, afinal, não teve um dia de moleque na infância? E o coco era importante, pois o prato predileto do menino era camarão com coco, que dona Ivanice preparava como poucos.

A vida, contudo, permanecia difícil. Quando Dª. Ivanice conseguiu trabalho em São Paulo e deixou os filhos com a avó. Antônio, com 11 anos, morou com o pai em uma palafita. Tentou pescar caranguejo, mas um beliscão fez com que desistisse da vida de pescador antes mesmo de ser iniciada. E foi da paixão que o pai tinha por um doce feito de biri-biri (uma fruta da família da carambola e também é conhecida como limão-de-caiena), que nasceu o apelido que o projetaria para o Brasil: Biro-Biro. Antônio era a cara do pai. Nada mais natural do que herdar o apelido paterno.

O curioso é que Biro-Biro não era muito bom no que se propunha a fazer. Na escola, não era dos melhores; subir em árvore alta demais, nem pensar; chegou a se entusiasmar com o surfe – daí, a inconfundível cabeleira oxigenada; mas era, como rege a gíria surfista, maroleiro.

No futebol, era diferente. Chamava a atenção durante as peladas. Aos 14 anos, embora dizendo-se torcedor do Náutico, foi levado para o juvenil do Santa Cruz. O destino começava a esboçar seu traço. Biro-Biro passou em um teste no Sport e logo já estava no time juvenil do rubro-negro. Foi campeão juvenil em 1975 e repetiu o feito no ano seguinte. Já ostentava pinta de ídolo.

Em junho de 1977, quando dividia a sala de aula com o campo de futebol, Toinho Biro-Biro, que cursava o segundo ano do antigo científico do Colégio Pedro II, levou a torcida do Sport à loucura com um gol sensacional contra o Santa Cruz que garantiu o título do primeiro turno para o Leão de Recife. No colégio, foi recebido pelos colegas com o coro “Biro, Biro, Biro/Biro Tetéia”, paródia da garotada para uma famosa música do começo dos anos de 1970.


(Foto: Reprodução)

Passou a manhã de segunda-feira contando aos colegas sobre o grande feito e, em casa, em Olinda, onde morava com a família, não perdeu a chance de tripudiar do pai, torcedor fanático do Santa.

Num amistoso contra a Seleção Brasileira de novos, deu outro show. Não ficaria por muito tempo em Recife. Vicente Matheus, o folclórico presidente corinthiano, viu Biro-Biro contra a Seleção e não pensou duas vezes: “Quero Biro-Biro no Corinthians”.

Conseguiu. Pagou 2,5 mil cruzeiros em agosto de 1978 ao Sport, que queria 4,5 milhões, mas o garoto de 19 anos não era bobo. Entrou na Justiça e obteve os 15% do valor do seu passe que estava com o rubro-negro de Recife.

Matheus estava obcecado pelo bicampeonato. Afinal, o Timão, campeão em 1977, após impiedoso jejum de 23 anos, precisava recuperar definitivamente a hegemonia no futebol paulista. Tentara Falcão e Batista, ambos da máquina de jogar bola que era o Internacional. Nada conseguiu. Biro-Biro foi a melhor solução.

Os representantes do cartola do clube paulista foram à casa de Biro-Biro e o rapaz sequer teve a chance de dizer sim ou não. Só teve tempo de arrumar as malas e partir para São Paulo, sem discutir salário, valor do passe, luvas… não era uma proposta e sim uma determinação. Recebia do Sport 12 mil cruzeiros mensais. O Corinthians passou a pagar 20 mil.

“Eu não queria (deixar Recife), foram me buscar em casa quando meu pai estava viajando. Não entendia de negócios, nem entendo até hoje (em 1981, quando concedeu esta entrevista à “Folha de S.Paulo”). Nunca fiquei sabendo quanto realmente custou meu passe, e só fui receber os 15% a que tinha direito na Justiça. Deixei minha avó doente e vim, em agosto de 1978. Trazia roupa para uma semana, e só voltei para o Recife em dezembro. Dormi a primeira noite na concentração do Parque São Jorge, pedi para mudar e o Luciano (outro pernambucano, vendido pelo Sport ao Corinthians nessa mesma época, quando o clube de Recife entrou em liquidação por não disputar o campeonato regional) me levou para morar com ele num apartamento. Fiquei por lá”.

Em São Paulo, o garoto sentia-se mesmo muito só, mesmo dividindo o apartamento com Luciano e Jaime, que já conhecia de Recife. Tinha medo da cidade grande. A eloquência e o cimento paulistanos verdadeiramente assustam. Restava-lhe de consolo uma televisão.

“Corremos para comprar seu passe porque o São Paulo, com essa história de Marião e Chico Fraga, estava era querendo furar nosso negócio com o Sport. Mas nosso espião no Morumbi nos alertou a tempo”, contou José Teixeira, técnico do Corinthians na ocasião da chegada de Biro-Biro ao time.

“Quando deixei o Recife, eu nem mesmo sabia para que time estava me trazendo. Só sabia que vinha para São Paulo. E isso, falando em futebol, não me preocupou nada. O que a gente sabe, com um pouquinho de tempo para se adaptar, a gente mostra em qualquer lugar”.


(Foto: Reprodução)

Biro-Biro, que um dia lavou carros e vendeu mangas para ajudar a mãe em Recife, foi apresentado ao Timão exatamente no dia 10 de agosto de 1978. Chegou ao Parque São Jorge praticamente junto com Sócrates, que veio do Botafogo de Ribeirão Preto. “Falei que ia montar um time para brigar pelo título. Já trouxe o Sócrates e agora está chegando um garoto novo, que jogava em Recife. O nome dele é Lero-Lero”.

E a célebre frase de Vicente Matheus nunca mais foi esquecida pela crônica esportiva. O garoto era esforçado. Treinava bastante e logo garantiu vaga no time que conquistou o primeiro turno do Campeonato Paulista. Mas o Timão não garantiu o título estadual de 1978. A festa foi transferida para janeiro de 1980, quando Sócrates e Biro-Biro conduziram o Corinthians ao título do Campeonato Estadual do ano anterior, após tirar o Palmeiras do caminho, com um gol de canela assinalado por Biro-Biro.

Logo após o sucesso repentino antes mesmo do campeonato de 1979, o craque – vá lá… – lourinho acabaria se soltando um pouco mais na Paulicéia Desvairada. O reflexo do desprendimento fora dos gramados era visível.

“Eu comia sanduíches, dormia tarde, treinava mal, fui facilitando. As gripes – por causa do tempo frio de São Paulo – sempre me pegavam, como as contusões. E eu fui caindo. Quando cheguei ao fim do poço, reserva sem chance no time, um mês machucado sem treinar, percebi que estava sozinho. Fiquei meio desesperado, queria voltar, pedi ao Isidoro Matheus (na época, vice-presidente de esportes do Corinthians, tio da esposa Luciane) que me deixasse voltar para o Recife. Não comia, nem treinava, nem jogava, nem tinha amigos”.

Diante desse contexto, não demoraram a surgir críticas de que Biro-Biro gostava da noite. O craque reconhecera que havia extrapolado. “A cidade me engoliu. Eu já conhecia tudo, conhecia bem, mas estava sem rumo, todos diziam que eu vivia em boates. Sei que isso é a morte do atleta. Quando pega essa fama, o sujeito está desgraçado. Nesse momento da minha vida, apareceram uns amigos pra aconselhar. O Luciano (ainda aquele Luciano, passando então por Juventus e Portuguesa de Desportos) deu força pra que eu não desesperasse. Tinha só o futebol pra me segurar aqui, sem ele era um nordestino igual aos outros todos, sem profissão nem jeito de me manter. Veio também ‘seu’ Jorge Vieira (treinador, em novembro de 1979), e eu passei a encarar as coisas com mais confiança”.


(Foto: Reprodução)

O segundo campeonato de Biro-Biro – jogando como ponta-esquerda – pelo Timão foi o já mencionado em 1982, ano, aliás, em que Sócrates institucionalizou no clube a Democracia Corinthiana, da qual Biro-Biro discordava. Achava que a diretoria concedia privilégios aos membros mais atuantes do movimento. Foi, talvez, uma das poucas vozes dissonantes do grupo de jogadores. Dizia que alguns tinham mais liberdade que outros e que não recebera o reconhecimento da diretoria.

Anos mais tarde, acirrou ainda mais as críticas: “Se a proposta deles fosse real, seria ótimo; mas a Democracia Corinthiana nunca existiu. Na verdade, existia só que para apenas dois ou três jogadores que muitas vezes não representavam a vontade do elenco”.

Política à parte, o bicampeonato aconteceu no ano seguinte. Biro-Biro, agora na ponta-direita. O craque disputou onze campeonatos paulistas e chegou a sete finais. Ganhou quatro. A última delas em 1988. Era o capitão do Timão. Foram 589 jogos pelo Corinthians, com 265 vitórias e 199 empates. É o quinto jogador que mais vestiu a camisa corinthiana em toda a história do clube. Marcou 75 gols. Tinha, portanto, crédito com a torcida.

E isso foi posto a prova em 1987, após uma derrota para o Atlético Mineiro de Telê Santana, quando a torcida ameaçou agredir os jogadores. O único “absolvido” e aplaudido de pé pelos torcedores foi Biro-Biro, o único a sair pelo portão principal do estádio.

Além dos títulos paulistas, conquistou a Taça Governador do Estado (1978), o Torneio de Hidalgo (1981), a Taça de Porto Alegre (1982), a III Taça das Nações de Los Angeles (1985) e o Torneio de Verão (1986–1987).

No Corinthians, das glórias guardou uma em especial: a esposa Luciane, sobrinha de Vicente Matheus. O curioso é que ela, somente depois de algum tempo de namoro, confessou ser sobrinha de Matheus. Biro, por sua vez, dizia se chamar Tony. Casaram-se em outubro de 1980 e têm três filhos.

No começo, a timidez de um monossilábico Biro-Biro impressionava Luciane: “Viu como ele melhorou, já está falando mais..”, disse ela ao jornal “Folha de S.Paulo”, logo após o Corinthians conquistar o Campeonato Paulista, em 1982. “Quando conheci, nem falava, era um sacrifício. Depois que passou a ler um pouquinho, ir mais ao cinema… Ele precisava disso, tem que dar entrevista toda hora. Imagine se continua como naquela época em que passou a me namorar em casa. Era minha mãe que precisava manter a conversa, ele respondia ‘é’, ‘não’, ‘obrigado’”, completou Luciane, que foi fundamental para que o ainda jovem Biro-Biro acertasse o prumo sem temor na gigantesca São Paulo.

Ele mesmo, em entrevista à “Folha de S.Paulo”, publicada em fevereiro de 1981, reconheceu isso: “Então, casei. Conhecia a Luciane de encontrar perto da escola, ela é também sócia do Corinthians, e nós achamos que era hora. Ela? Agora tem 18 anos. E me incentiva para estudar, sempre coloca um livro na bolsa, quando vou para a concentração. Prefiro assistir televisão (gosto mais dos desenhos do Pica-Pau, não sou muito chegado a novela), mas acabo lendo os livros. O último acho que foi de Francisco de Assis ou qualquer coisa assim. Sobre o quê? Olha, não lembro bem, mas era sobre uma história do que acontece na vida real das pessoas. Muito interessante”.

Biro-Biro era simplesmente inconfundível e não menos impagável. Nos dois primeiros anos em São Paulo, Biro-Biro era como um peixe fora d’água. Totalmente macambúzio, angustiado. Sentia falta da famosa sopa que a avó Maria Conceição fazia; e do café com leite, com pão com manteiga picado, tudo mexido na caneca pelas zelosas mãos da vovó.

Em São Paulo, perdera o mimo da avó Maria. Era um cara “largadão”, como se autodefiniu. Raramente sorria ou se enturmava.

Foi Vicente Matheus quem mais se preocupou com a melancolia de Biro-Biro e passou a incentivar o namoro dele com a sobrinha Luciane. “Esse rapaz precisa casar”. E assim foi feito. Com a aliança no dedo, o jogador passou a jogar ainda mais.

Mas o enlace de Biro-Biro com a sobrinha de Matheus era visto pelos outros jogadores como o motivo para o craque ter privilégios no clube. Era um Corinthians rachado pelo ciúme. O craque não estava nem aí para o disse-me-disse. Levava uma vida simples, sem ostentação, morando no populoso bairro Tatuapé e andando para lá e para cá em sua Brasília 79, contrastando com os carrões de outros craques de sua época. Seu estilo de vida construiu sua fama. Não havia corinthiano que com ele se identificasse. Tanto que lançou uma bola de futebol com o seu nome, que fez algum sucesso entre a garotada em 1987. No mesmo ano, o jogador pleiteou 15% do valor de seu passe, caso fosse vendido. Bateu boca com os cartolas. Disse que sairia, mas permaneceu no clube. Sabia, entretanto, que a carreira estava no fim.

Em novembro de 1978, sem ser candidato, Biro-Biro recebeu mais de 30 mil votos de protesto, como acontecera com o famoso voto no Cacareco – o rinoceronte do Jardim Zoológico paulistano que, nas eleições de outubro de 1959, para vereador da cidade, ganhou cerca de 100 mil votos –, e decidiu levar a política a sério.

Em 1988, foi eleito vereador pelo Partido Democrático Social (PDS), partido formado por políticos da antiga Arena, especialmente Paulo Maluf, com quase 40 mil votos. 
Se já havia ciúme de grande parte dos jogadores, o sentimento de indignação se acirrou, como escreveu Ariovaldo Izac, quando o então técnico Carlos Fascina (técnico do Corinthians entre o final de 1988 e o começo de 1989) começou a questionar se Biro-Biro teria realmente como conciliar a função de vereador com a de atleta.

A situação no Parque São Jorge ficou insustentável. Trocou, em 1989, a sede alvinegra pela da Lusa, no Canindé. Mas não brilhou. Apesar do retrospecto extremamente positivo no Parque São Jorge, não teve sorte na Seleção Brasileira.

Em 1996, pela manhã, Biro-Biro dava expediente na metalúrgica do sogro, à tarde era professor de futebol no Centro Educativo, Recreativo e Esportivo do Trabalhador (CERET), do Governo de São Paulo, tudo no Tatuapé, onde também mantinha uma agência de automóveis. Dois anos depois, a paixão pelo futebol prevaleceu.

O tímido – e de poucas palavras – Biro-Biro começou a carreira de treinador-jogador no Mauense. Passou também por Coritiba, Guarani, Botafogo de Ribeirão Preto, São Bernardo, Remo, Paulista, Nacional de São Paulo e, com 43 anos de idade, no Vera Cruz, de Santa Catarina. Parou de jogar em 2002.

Somente como treinador, trabalhou no Barra das Garças (Mato Grosso), no catarinense Tupi, no São Carlense, na Francana e no paulista Ranchariense. No Botafogo, aonde chegou a janeiro de 1994, após aceitar um convite informal de Sócrates, prometeu fundar a “Democracia Botafoguense”, em alusão ao movimento liderado pelo mesmo Sócrates no Corinthians, no começo da década de 1980.

Nunca deixou de lado o futebol. Mata saudades dos gramados em jogos pelo time de masters do Corinthians. Continua porém dividindo o campo com a política. Foi assessor parlamentar na Assembleia Legislativa de São Paulo e tentou, em 2004, sem sucesso, uma vaga na Câmara dos Vereadores da capital paulista.

Estava longe do noticiário esportivo até estrelar uma campanha publicitária da Coca-Cola, na qual a pergunta mobilizou muitos brasileiros: “Afinal, quem foi melhor, Maradona ou Biro-Biro?”. A brincadeira com os hermanos não poderia ter outro resultado: deu Biro-Biro na cabeça.

CANHOTEIRISMO

por Rubens Lemos


Há uma leal legião de nostálgicos que jura sem admitir ponderações: Canhoteiro, ponta-esquerda do São Paulo na década de 50, foi o Garrincha da canhota. A biografia dele é um espetáculo de tão bem feita pelo escritor e jornalista Renato Pompeu. Canhoteiro disputava com Pepe em talento e os dois perdiam em sorte para Zagallo.

Chico Buarque, dono do time de peladas Politheama, já havia homenageado o ídolo rebelde na música Futebol, escalando uma linha de ataque sensacional, ritmada pela magia dos seus versos: “Para Mané, para Didi, para Pagão, para Pelé e Canhoteiro”. Pagão é o maior ídolo de Chico. Até hoje é o artilheiro do seu time de futebol de botão, matador na proporção do dueto com Pelé ainda menino.

Mas Canhoteiro é a graça nunca alcançada. O toque de melancolia naqueles que voltam no tempo e o enxergam de novo costurando defesas pela extrema esquerda. Virou sinônimo de injustiça, de jogador que deveria ter ido mas não foi a uma Copa do Mundo. Jogava aberto, ofensivamente, driblando, driblando e driblando.

Perdeu para Zagallo e o estilo que recuaria o ponta para o meio, onde seria muito mais marcador do que pesadelo dos laterais. Muitos choram sua ausência em 1958 e em 1962. Com Garrincha de um lado e ele do outro, a Suécia teria tomado uns 10, e não os 5×2 da final no Estádio Rasunda. A Tchecoslováquia levaria 6×1 e o Ferro cortaria sua cortina espiã.

Canhoteiro também tinha uma queda pela boemia. E pânico de andar de avião. Anjo caído, morreu cedo, em 1974, de problemas cardíacos. Contava 42 anos. Passou a lenda. Arredio, mal se deixava fotografar. É luta encontrá-lo em arquivos. Gostava de humilhar o raçudo corintiano Idário e depois fazia as pazes seduzindo-o com cervejas. Idário tentava atingi-lo e Canhoteiro pulava de Pererê Tricolor.


Todos temos um Canhoteiro no coração. O meu é Geovani, do Vasco da Gama. Melhor do Mundo no Mundial de Juniores de 1983, disparou como âncora de uma geração brilhante. Não foi a Copa de 1986 e Lazaroni o barrou quatro anos depois. Não dá para aceitar até hoje Bismarck ter ido e Geovani, não. Futebol acadêmico, requintado, condutor.

A geração que me antecedeu sofre por dois Canhoteiros: Dirceu Lopes, parceiro de Tostão, driblador elétrico do Cruzeiro dos anos 1960, que para eles era nome certo na Copa de 70. Ficou aqui e Dadá Maravilha é um dos tricampeões mundiais. Reclames e lamentos também por Ademir da Guia, o Divino, que é um Canhoteiro mesmo tendo ido à Copa da Alemanha passear.

Jogou 45 minutos contra a Polônia, na decisão do terceiro lugar, Brasil já longe da briga pelo título. Noutra vertente do canhoteirismo, Zico foi a três Copas e jamais comemorou no fim. Copa tem mau gosto. Paulo Sérgio, Baldochi, Viola e Belleti são Campeões do Mundo. Alex, Djalminha, Pita e Adílio, fantásticos artistas, limitam-se a pôsteres clubísticos. O futebol – capengando – é o que é pela atmosfera de paixão e de saudade. Que comovem.

Aos eternos Canhoteiros, o brinde amargo e amante.

CÉSAR, O MALUCO BELEZA

Foi um dos melhores parceiros de área de Ademir da Guia. Os dois juntos marcaram muitos gols pelo Verdão. Hoje é festa para César Lemos. Conheça um pouco mais sobre esse grande ídolo do Palmeiras nas linhas abaixo

por André Felipe de Lima


César não era fácil. Principalmente se o adversário fosse o Corinthians. Na semana que antecedia a partida contra o rival mor, provocava os jogadores alvinegros. Os zagueiros, coitados, eram os alvos das frases mordazes e debochadas do atacante palmeirense, que prometia gols e apostava sempre 10 contra um na vitória do Verdão. Os programas esportivos de rádio e TV não falavam em outra coisa.

César era um exímio vendedor, sobretudo de bom humor, e sequer desconfiava do outro talento que não fosse o de marcar gols. Fez muitos pelo clube do Parque Antarctica. Oficialmente, 180 gols em 324 jogos, dos quais ganhou 170 e empatou 91. Só Heitor, do Vecchio Palestra, das décadas de 1910 e 20, marcou mais vezes. Inclusive no clássico entre Palmeiras e Corinthians. No placar, 16 gols para Heitor e 14 para César, que de “maluco”, apelido que recebeu da torcida e que não gostava nem um pouco, não tinha nada.

Antes de os jogos começarem, se aproximava dos zagueiros — importunados por ele a semana inteira pela mídia — e perguntava se a família estava bem, os filhos, sogra, papagaio… essas coisas. Conversava amenidades e gesticulava. Da arquibancada, a impressão era de que César provocava ainda mais o adversário. A galera vibrava com as cenas do cabeludo centroavante do Palmeiras, que jogava futebol na mesma medida em que arrumava confusões. Jogando contra o Corinthians, o Palmeiras vencia por 1 a 0 e era muito pressionado. César chutou uma das duas bolas para a arquibancada, e a pelota sumiu. O Timão empatou no começo do segundo tempo, e como ele fez cera pra recomeçar a partida, foi expulso. Mas deu trabalho, pois levou a única bola para o vestiário, obrigando jogadores, comissão técnica e representantes da Federação Paulista de Futebol a buscá-lo no vestiário.

Foi suspenso e não disputou nenhuma partida do Brasileirão de 1972, vencido pelo Verdão.

César Augusto da Silva Lemos nasceu em Niterói, no dia 17 de maio de 1946. Irmão dos também centroavantes Luisinho Lemos, que brilhou no América e no Flamengo, e Caio Cambalhota, César iniciou a carreira no clube da Gávea, em 1962, aos 16 anos. Disputou 58 jogos, dos quais venceu 32 vitórias e empatou 18, marcando 38 gols.


No final de 1966, chegava ao Palmeiras por empréstimo. Em depoimento ao maestro e escritor Kleber Mazziero de Souza, César recordou sua chegada ao Parque Antarctica. “Nem me fale! Eu fui recebido bem demais. Fiquei encantado com o ambiente e com o time. Eu, garotão, carioca, cheio de saúde, de pique, estava louco para arrebentar. Cheguei e me senti em casa”. Mas, em janeiro, teve de retornar ao Rio porque o Flamengo teria de pagar uma taxa extra para negociar, definitivamente, o seu passe com o Palmeiras. Tudo acertado entre os dois clubes, César embarcou para Lima, onde se juntou à delegação alviverde, que excursionava pelo Peru. Aimoré Moreira escalou-o paulatinamente, ora na ponta-direita, ora como centroavante. Jornais como o tradicional Jornal dos Sports sinalizavam que o Verdão havia encontrado o herdeiro de Vavá. Vaticínio preciso. César firmou-se e foi fazendo gols seguidos contra Fluminense, Corinthians e Santos.

O currículo do camisa “9” no Palmeiras explica a admiração por parte da torcida: foram três Paulistões conquistados em 1966, 72 e 74, dois torneios Roberto Gomes Pedrosa, em 1967 e 69, a Taça Brasil, em 1967, e os Brasileirões de 1972 e 73. Foi artilheiro do Paulistão de 1971, no vice do Palmeiras, com 18 gols. O campeão foi o São Paulo.

O último jogo pelo Verdão foi contra o São Paulo, partida que terminou empatada em 6 de outubro de 1974.

César trocou os “parques”. Do Antarctica rumou para o São Jorge. Pelo Corinthians, disputou 37 jogos e assinalou apenas 8 gols. No primeiro jogo vestindo a camisa do arquirrival, em 2 de março de 1975, o centroavante perdeu um pênalti no último minuto de partida contra o XV de Novembro de Piracicaba, pelo campeonato paulista.

O craque peregrinou por Santos, Fluminense, de Feira de Santana; Botafogo, de Ribeirão Preto; Rio Negro, de Manaus; Universidad Católica, do Chile; Salonica, da Grécia e Fluminense, do Rio, no qual parou, em 1977. Pela seleção nacional, esteve no elenco da Copa do Mundo de 1974, na Alemanha. Vestiu canarinho em 11 jogos, com seis vitórias, três empates e um gol.

Abandonou a carreira nos gramados e iniciou a de técnico, mas sempre dividindo o tempo com a de vendedor de carros. Investiu em concessionárias, mas não deu certo. O resultado não o desanimou e permaneceu no setor, mas como funcionário de outras empresas.

O “ex-maluco” mora na capital paulista e, em 1988, arriscou-se na política após aceitar um convite do deputado Afanásio Jazadji para concorrer pelo antigo PDS a uma vaga na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Foi mal nas urnas, repetindo o fiasco no pleito de 1992. Creditou o insucesso eleitoral ao apelido do qual jamais curtiu.


César Maluco e Ademir da Guia

Pai de três mulheres e já vovô, César já deu o ar da graça na TV fechada, como apresentador esportivo. E o programa levou seu nome: “César na área”.

Mas, em 2006, o grande artilheiro passou por um revés. Sofreu um grave acidente automobilístico na avenida Heitor Penteado, na zona oeste de São Paulo. Só Deus sabe como sobreviveu. Mas as sequelas foram inevitáveis. Fraturou uma perna e operou o quadril, tendo de caminhar com o auxílio de um andador. Ocaso infindável, César ainda submeteu-se a várias cirurgias no estômago. Outro baque forte foi a morte da esposa, em 2011, vítima de câncer.

Igualmente nos gramados, César sempre foi um camarada com uma garra incomum. Escapou da morte aos trancos e barrancos da mesma forma que escapava dos zagueiros. Mas sempre com aquele velho e inconfundível sorriso nos lábios. “Pois é, um sorriso nos lábios”, como cantava Gonzaguinha. César Lemos foi mesmo um maluco… um maluco beleza!

ENTREVISTA / SÉRGIO CABRAL

por Mário Moreira


“QUEM QUER POSAR DE MAIS CONHECEDOR QUE OS OUTROS NÃO É BOM JORNALISTA”

Houve um tempo, acredite, em que o nome Sérgio Cabral só evocava coisas boas: futebol, Carnaval, música popular… Culpa do brilhante jornalista, escritor e pesquisador que completa 81 anos neste 17 de maio. Cabral pai é um dos mais importantes jornalistas brasileiros, com passagens por veículos como Última Hora, Jornal do Brasil, Jornal dos Sports, O Globo, O Dia e, claro, do Pasquim, do qual foi um dos fundadores. Hoje, infelizmente, está retirado em razão do mal de Alzheimer.

Sérgio Cabral foi também político, eleito vereador do Rio por três legislaturas, nos anos 80 e 90. E foi em seu gabinete na Câmara Municipal que fui entrevistá-lo em junho de 1989 para minha monografia de fim de curso na PUC-RJ, sobre comentário esportivo. Foi a última entrevista de uma série que incluiu conversas com Sérgio Noronha, João Saldanha e Achilles Chirol (todas já publicadas aqui no Museu da Pelada). À época, o jornalista escrevia uma coluna diária em O Dia e participava da mesa-redonda de domingo na TV Educativa.

Cabral me recebeu com grande simpatia e rendeu um ótimo papo, que divido agora com os leitores do Museu. 

Eu primeiro queria que você contasse como foi que começou no jornalismo esportivo.

Esportivo foi… Eu comecei em primeiro lugar fazendo um trabalho… Eu era do Jornal do Brasil, e houve a Copa do Mundo de 62, aí o pessoal do Esporte me chamou pra ser copidesque do Esporte durante a Copa. Portanto, foi uma coisa eventual. Como, aliás, as minhas incursões pelo esporte durante toda a década de 60 foram eventuais. Foi essa, depois eu participei de programa de televisão, mesas-redondas, eu era o vascaíno da mesa… É…. Em 71 fui ser editor do Jornal dos Sports. Fim de 71.

Você nunca chegou a ser repórter esportivo?

Não, nunca fui, nunca fui, nunca, nunca, nunca, nunca, nunca. Depois, em 80, O Globo – eu escrevia sobre música popular no Globo, né? Parei de escrever, aí o Globo me chamou pra fazer uma coluna de esporte. Aí eu fiz até 86, quando fui demitido na greve.

É, eu soube disso… (risos)

É… (risos) Aliás, eu sou o único jornalista da história do Brasil que foi demitido duas vezes por causa de greve.

Por causa de greve?

É.

Ah, é?

Em 86, no Globo, e em 62, no Jornal do Brasil.

Por ter cumprido a decisão do sindicato.

É um orgulho que eu tenho.

De um tempo pra cá, você está na mesa-redonda da TVE.

Tá havendo greve lá.

Ah, por isso que não teve (mesa-redonda no domingo anterior)…

Exatamente. É um orgulho.

Tem greve…

É, exatamente. Nem saí de casa.

É dos jornalistas da TVE?

Não, é da TVE. Mas eu não quero furar greve de ninguém.

O que você acha que os comentaristas esportivos têm, quer dizer, qual é a autoridade que eles têm pra falar sobre futebol? Eles entendem mais de futebol do que o público em geral?

Não. Eles são jornalistas. Um dos setores do jornalismo é o comentário esportivo. Só isso. Ele não tem mais autoridade que ninguém. Às vezes até tem, porque você, sendo obrigado profissionalmente a se aprofundar em determinado assunto, você acaba geralmente entendendo mais do que os outros – até por razões emocionais, quer dizer… Uma coisa que eu acho muito curiosa, eu que sou há tantos anos comentarista esportivo, embora seja jornalista já há 30 e tantos anos, é que meus colegas comentaristas, o assunto principal deles é esporte, é futebol. Quando eu saio da televisão e pego uma carona no carro de um deles, a gente vem conversando, o assunto é futebol. Eu doido pra mudar de assunto até, muitas vezes (risos), mas eles querem comentar, querem reclamar, que o Otavio Pinto Guimarães (ex-presidente da Federação de Futebol do Rio e da CBF), que não sei quem, que tal time jogou errado… Eles continuam. As pessoas… se apaixonam. Agora, eles não são obrigados a ser melhor que os outros, nem sempre são, muitas vezes não são… Né?, eu acho  até que às vezes são ruins… Mas isso depende: um bom jornalista ou um mau jornalista. O cara que quer posar de mais conhecedor que os outros não é um bom jornalista. Isso não é uma forma de fazer um bom jornalismo. Porque o conhecimento sai naturalmente. Você não tem que forçar uma barra, né?

Então não tem requisitos especiais pra ser comentarista?

Eu acho que tem. Você deve estudar, deve ser estudioso, deve acompanhar os acontecimentos internacionais, os acontecimentos nacionais, os acontecimentos locais, e deve estudar, deve realmente se aprofundar.

Você tem essa preocupação de se atualizar com táticas, por exemplo?

Tenho, tenho, tenho, tenho. Eu sei sobre táticas, sobre arbitragem… Isso tudo. Eu tenho, modéstia à parte, uma boa biblioteca sobre… E leio e gosto. Até porque, se eu não lesse e não gostasse, não estaria escrevendo sobre isso, não é por questão de honestidade, é porque eu seria um mau jornalista. Eu estaria inventando coisas, né? Eu não, não… Eu faço questão de me aprofundar. Eu acho que várias outras pessoas também são assim.

Por que você acha que, para o público, é importante existir a figura do comentarista? Ou ela não é fundamental?

Olha, eu acho importante o comentarista, não só de esporte como de qualquer outro tipo de comentário. Eu acho que o público nem sempre tem condições de se nortear, ele precisa saber certas opiniões, até pra ter a sua. Ele não deve nem… Ele não é obrigado nem deve até seguir a opinião dos comentaristas, mas ele deve saber a opinião das pessoas para, enfim, saber qual o caminho a tomar. Eu escrevi muitos anos sobre música popular, esse foi meu assunto…

Esse livro que você tá escrevendo é sobre música popular?

É, é sobre música. É. É uma biografia do Almirante (Henrique Foréis Domingues, o Almirante, importante cantor, compositor e radialista da Era de Ouro do rádio. O livro saiu em 91).

“A maior patente do rádio”.

É. E através da biografia dele eu tô montando uma história da música popular e do rádio. É um livro que eu tô… apaixonado. Mas… Eu, quando escrevi sobre música, eu percebi em mim, e era claro, que o que eu botava pra fora era fruto de um gosto que não tava só em mim, que foi um pouco herdada das leituras que eu tive de certos, de outros comentaristas, né? Tipo Sérgio Porto, Lúcio Rangel… Evidentemente, essas pessoas me influenciaram. Eu li Mário de Andrade, e sem dúvida nenhuma o que eu sou hoje é um pouco fruto dessas leituras. Então eu acho que um comentarista não tem uma posição negativa, eu acho que até positiva, na formação… na formação da cabeça das pessoas.

Mas você acha que o comentarista forma cabeças ou ele só orienta?

Ajuda. Ele ajuda. Ele dá subsídios.

Embora às vezes o torcedor possa discordar dele.

Claro, mas não só pode como deve. Deve. Aliás, aquele que discorda é exatamente sinal de personalidade, sinal de independência intelectual.

Você acha que os comentaristas têm a função de auxiliar na evolução do futebol?

Não. O comentarista tem a obrigação de ser um bom jornalista. E mais nada. O comentarista não tem que resolver problema. Se ele quiser resolver problema do futebol, ele vá trabalhar na CBF, ou vai pra Federação ou vai pros clubes. Ele tem que ser um bom jornalista. Se o que ele produz é bom para o futebol, ótimo. Mas, se não for, não tem grande importância. Importante é que ele seja um bom jornalista. Seja honesto, fale o que pense e não fale besteira.

Sugerir caminhos você não acha…

Sugerir é uma… A sugestão é uma das atividades que o comentarista tem. Ele sugere, mas não vai resolver, ele sugere. Você se lembra que a CBF foi ocupada aí por um bando durante três anos (refere-se à gestão Otavio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid) e teve a reclamação total dos jornalistas. E ficou três anos. (risos) A gente pagou aí por uma porção de besteiras, de modo que nós tamos pagando até agora. E… Mas não foram os jornalistas que tiraram eles.

Não, quando eu perguntei se o comentarista também tinha a função de ajudar, seria na tentativa de ajudar, não necessariamente no resultado. A tentativa pode às vezes…

Sem dúvida, sem dúvida. Eu tenho certeza de que alguns treinadores já tomaram atitudes decorrentes da opinião de comentaristas. SEI disso.

Bom, você é um vascaíno notório…

Modéstia à parte.

Na hora de comentar um jogo do Vasco, você se sente à vontade, você fica mais preocupado?… “Não posso…”

Olha, eu faço o possível pra ser isento na hora de comentar. Né? O ideal pra mim seria que toda vez que eu fosse comentar um jogo do Vasco, eu abrisse da seguinte maneira: “Olha, pessoal, eu sou Vasco, mas… dois pontos.” E aí… O ideal seria isso. Pras pessoas saberem, né? Não tô enganando ninguém.

Se bem que no seu caso nem é necessário, porque todo mundo sabe.

É. Mas eu, na hora em que comento um jogo Vasco x Botafogo, Vasco x Flamengo, Vasco x Fluminense ou lá quem for, eu faço O POSSÍVEL pra ser isento. O possível até… pra ter crédito junto ao leitor. Isso é uma coisa que não… É um crédito que eu não quero perder. Eu me lembro em 82, na eleição, uma coisa muito frequente que aconteceu comigo, na hora em que tava fazendo panfletagem de rua – mas eu vi muitas vezes: “Olha, eu vou votar em você porque você é Botafogo, hein?”. Eu ouvi Botafogo, bastante. Claro, Vasco eu ouvi mais. Mas ouvi Botafogo bastante, ouvi Fluminense e ouvi Flamengo. Gente pensando que eu era… Depois de 82, eu fui trabalhar em televisão, mais constantemente, e aí, como vascaíno aberto e tal, já nesta eleição não foi tanto. Mas ouvi gente dizendo “Você, apesar de vascaíno, e tal, fala bem do meu time, e tal…”. E o caso do Botafogo é até explicável porque o time do Botafogo é o meu assunto predileto de cronista. Porque o Botafogo é um tema riquíssimo! Imagina essa coisa… Eu, domingo passado, escrevi uma crônica sobre uma prova de matemática que o professor aplicou naquele Centro Anísio Teixeira aos alunos dele. E era uma prova que só falava do Botafogo, de matemática! E só falava do Botafogo! Então, quer dizer, o Botafogo é um clube que pelo drama que vive, de 21 anos sem título, provoca esse tipo de reação, de imaginação. Então eu adoro escrever sobre o Botafogo. (Curiosamente, o clube se sagrou campeão carioca dali a poucas semanas.)

Mas voltando ao tema do clube. Por exemplo, você já se pegou na situação de comentar um… Você já comentou em rádio um tempo, né, pouquinho?

Pouco, é, pouco.

Em televisão, comentar jogo na hora, nunca?

Na hora, já. Já.

Mas você já se pegou na situação de comentar uma partida do Vasco e depois assistir ao videotape e tal e reformular a sua opinião? “Não, o que eu comentei não era bem isso…”

Não. Não. Bom, pode acontecer, mas não em função do meu vascainismo. Pode acontecer. “Estava impedido.” Aí você vai ver, não estava. Mas uma opinião deformada por causa do vascainismo, modéstia à parte, nunca aconteceu. Nunca. Nem em jornal, nem em… lugar nenhum. Nem rádio nem televisão. Eu não… Eu procuro ser o mais honesto possível, merecia cartão amarelo, merecia cartão vermelho, foi impedido, essas coisas.

Você acha então que essa tentativa de ser isento…

É bem-sucedida, modéstia à parte.

E com relação a essas frases feitas que tem no futebol? Você falou agora do Botafogo, tem a famosa frase “Há coisas que só acontecem ao Botafogo”. E outras frases, do tipo “Quem não faz, leva”, esse tipo de coisa, o que você acha disso?

Eu acho que toda atividade tem chavões. Os seus chavões particulares. Eu evito repetir. O Nelson Rodrigues, que foi um brilhante cronista esportivo, quando queria dizer uma besteira dessas, ele se socorria de um personagem que ele inventou.

O Gravatinha, o Sobrenatural de Almeida?

Não, era uma vizinha gorda e patusca. Né? E eu, quando quero usar uma besteira dessas, eu digo: “Como diria a vizinha gorda e patusca do Nelson Rodrigues, quem não faz, leva”. (risos)

É, porque são frases que não… Elas não são verdadeiras, né? Nem sempre acontece.

Não…

E no entanto elas se mantêm…

Porque é fácil, é um chavão, e o segredo do chavão é esse. Porque qualquer frase, por mais sábia que ela seja, ela é discutível. “A união faz a força.” Nem sempre. A união faz a confusão também. Depende. É uma… Enfim… O Nelson Rodrigues, aliás, pra citar o mesmo autor, dizia: “Toda unanimidade é burra”, o que se contrapõe um pouco à ideia de que a união faz a força. Eu acho que não, a gente pode discutir. Eu não me louvo nessas frases e acho que ninguém deve se louvar pra passar o seu pensamento. Isso não. Ela pode ser citada como um enfeite, né, um toquezinho ali, um toquezinho aqui, mas sem se segurar nela como se ela fosse uma coisa importante.

Você acha que a imprensa esportiva cria ídolos?

(Silêncio) Eu me lembro uma vez, eu estava num restaurante, com o Nelson Rodrigues e outros, e o garçom falou assim: “Vocês… Esse Pelé foi inventado pela imprensa! Isso é coisa de imprensa! Ele é um jogador igual aos outros! Todo jogador é igual!” E o Nelson Rodrigues falou assim: “Ah, quer dizer que você acha que o Napoleão Bonaparte e o general Eurico Dutra são a mesma coisa porque os dois são generais?” Eu acho que pode ser que a imprensa de vez em quando force a barra de algum deles, mas eu não me lembro de um erro grave. Eu acho que nessa tendência da imprensa de criar ídolos está uma representatividade da opinião pública. Acho que É assim. Esse é um desejo da opinião pública, quer dizer, a opinião pública também acha que aquele cara caminha pra ser um ídolo, etc. Acho que às vezes a imprensa demora a descobrir o cara. Um cara que… tá na cara que o cara é bom, mas a imprensa… A não ser um troço escandaloso: Pelé… Garrincha… Zico… Tostão… Não adianta, tá na cara que vai ser ídolo, um jogador excepcional.

Mas você não acha que às vezes surge um jogador jovem, e o cara faz duas ou três boas partidas, e aí tem logo um que diz “Esse é craque!”.

Tem UM que diz, tem UM que diz… Acho que não é um consenso. Eu já quebrei a cara achando que o sujeito ia ser craque e não foi. Eu me lembro que escrevi uma crônica no Globo sobre o Pingo, do Campo Grande. “Eu não tenho a menor dúvida de que vai ser craque.” Eu vi dois jogos dele e fiquei impressionado com o cara. Não, não foi, quebrei a cara e tal. Mas em compensação, o Geovani, desde os primeiros chutes no Vasco, eu vi que é craque. E esse demorou pra reconhecerem. Muito. Até hoje ainda tem gente… Eu acho um jogador genial.

Você, quando escreve uma crônica no jornal… No jornal nem tanto, porque O Dia tem um público mais ou menos dirigido, mas quando você tá falando na televisão, aí sim fala pra um público diversificado. Na hora da linguagem a ser utilizada, como é que você…

A minha. É a minha. Não mudo, é a minha de sempre. A minha linguagem é o que eu uso no Dia, na televisão, na Câmara de Vereadores, onde eu estiver. É essa linguagem.

Mas você tem a preocupação de fazer uma linguagem, vamos dizer, democrática, pra que todo mundo entenda?

Não, eu SOU democrático, eu sou democrático.

Ou é o seu próprio jeito de ser que já?...

Eu sou como eu sou, eu falo como eu sou em qualquer lugar que eu estou. Eu não tenho nenhuma preocupação especial de falar as coisas.

Voltando um pouco à questão da isenção, na hora da seleção brasileira numa Copa do Mundo, é fácil ser isento? Ou é mais difícil?

Olha, há um momento em que a isenção é difícil. Você fica torcendo pra que o jogador do seu time seja convocado e seja escalado. Mas há um outro momento que fala mais alto, e aí a paixão clubística cede terreno ao chamado patriotismo, né? A pessoa acaba ficando mais brasileiro do que vascaíno, rubro-negro ou lá o que for.

E aí? Dá pra…

Ah, dá, tranquilo, tranquilo. Eu agora, por exemplo, do Vasco, eu não tenho a menor dúvida de que o Geovani tem que entrar, seja qual for o time. Acho que Mazinho pode brigar ali com o Branco. Acho que dá pra brigar. E acho que Bismarck, a médio prazo, vai dar um jogador excepcional. A médio prazo. Ainda não. Tá chegando lá. É um menino de 19 anos. Mas vai chegar, sem dúvida que vai. Na Copa de 94, eu tenho a impressão que ele vai ser o melhor jogador do mundo.

ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM

por Zé Roberto Padilha


Quem o julgou, Guerrero, não sabe o que faz
Impedir um menino simples e talentoso
Criado em um país humilde das Américas
Ter o direito de passar toda uma vida lutando
Para realizar seu sonho de criança
Que é jogar uma Copa do Mundo

Difícil para eles, os sabidos, filhos dos sabidos
Procriados nos primórdios das Américas, enviados à Coimbra
Enquanto os colonizados sofriam e pagavam impostos à matriz
Não convidados ao açoite, poupados ao submisso
Entender o que é ter um filho seu, nativo, sobrevivente e excluído
Ser convocado a jogar uma Copa do Mundo

Porque seus filhos, os filhos das elites
Tiveram acesso aos melhores salões, as mais belas cortesãs, cargos de chefia
Os melhores brinquedos
Do autorama ao videogame, de ultima geração
A serem escolhidos por méritos, conquistas pessoais, gols marcados
Não acordos escusos, indicações, bocadas, fisiologismos

Ao não terem como única opção, à sua disposição
Apenas um campo de terra batida, no Peru, Argentina ou Vila Maria
Uma bola de futebol, como única diversão
Jamais aos seus rebentos fora permitido uma topada sobre pés descalços,
Numa pelada a céu aberto, pois estes calçariam mais tarde, na posse, 
Mocassins italianos pela manutenção da ordem e sobrevida
De suas eternas oligarquias


Essa semana, a FIFA acabou de impedir, no alto do seu poder absolutista
Que a arte de um exímio artista, seu raro domínio sobre os quiques
E o rumo da razão maior de toda a festa do futebol
A bola de futebol bonita, colorida e atrevida, 
Que aos poucos foi cedendo seu encanto, sua magia e empatia
A quem melhor aprendeu, como Paolo Guerrero,
A alinhá-la nas redes que perseguia, seu alvo, sua razão maior de existir

Para eles, Guerrero, que estudaram Direito desde cedo para serem justos
Mas precisam ser justos apenas com os seus e consigo mesmo
O chá de coca que você toma, desde menino, virou cocaína na festa deles
E acaba de estragar a festa do seu povo, peruano
E outra festa da sua nação, rubro-negra
Apenas porque o mundo é sempre injusto com o sul da América
E incapaz de reconhecer o valor dos seus heróis e guerreiros.

Eles não sabem o que fazem, e o artista da festa que estão perdendo.