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ANÁLISE DE INVESTIMENTO

por Idel Halfen


Em qualquer empresa é usual a realização de estudos para avaliação de possíveis investimentos, nos quais se estimam o retorno esperado ao longo do tempo comparando esses resultados com outras opções disponíveis no mercado. 

Por se tratarem de avaliações com cunho fortemente econômico-financeiro, os aspectos intangíveis geralmente não têm uma participação significativa nesses cálculos. Ainda assim, mesmo diante dessa particularidade, tais análises são fundamentais, salientando que as mesmas fornecem um indicativo e não uma certeza, visto que, excetuando os títulos pré-fixados e operações do gênero, nenhum investimento pode ter garantia absoluta de retorno.

Além do que, dependendo das necessidades, características e momentos da empresa, as conclusões sobre o investimento podem ser diversas. Aproveitando esse contexto, vale refletir sobre a contratação de um jogador, ressaltando que nesse caso é impossível não se considerar os aspectos intangíveis, o que faz da análise de investimento uma ferramenta menos rígida aqui.


A propósito, um mesmo jogador pode trazer retorno para um clube e não trazer para outro, o que não tem relação exclusivamente com esquema tático dos times.

Entre as variáveis impossíveis de serem mensuradas quantitativamente estão:

  • Liderança – fator que auxilia não só nos diálogos com árbitros e adversários, mas também para deixar os jovens de sua equipe mais seguros, principalmente aqueles recém-promovidos da base.
  • Identidade com a instituição – essa característica, tão rara nos dias de hoje, é importante para que os torcedores tenham um ídolo que os “represente” e para que as crianças passem a se identificar mais com o clube. No passado era bem mais fácil dispor de um jogador identificado com a organização, os melhores dificilmente iam jogar em outras equipes e quando faziam era para outro estado e país. Hoje, com a globalização e a influência mais forte do poder econômico, é bastante difícil encontrar um jogador identificado com algum clube.
  • Idolatria – pesquisas mostram que a maior parte das crianças faz a escolha do time pelo qual vai torcer influenciada pela família. Os fatores que aparecem posteriormente como influenciadores são: conquistas e ídolos. Assim, clubes que passem por momentos com reduzidas perspectivas de títulos, condição que pode até fazer com que os pais se “ausentem” do esporte, podem ter na vinda de um ídolo a oportunidade de aumentar a sua base de torcedores. Os clubes, como qualquer marca, são dependentes da sua torcida, a qual ao longo do tempo será responsável pelo apoio – que pode ser decisivo nas competições –, por receitas advindas de bilheteria, pay-per-view e produtos oficiais, além de serem úteis nas negociações com patrocinadores. Acrescente-se que esses também podem se mostrar mais interessados em associar suas marcas a clubes que tenham ídolos.
  • Desempenho esportivo – o quanto o time pode ser beneficiado no campo.


Já os fatores mais objetivos se resumem à valorização do jogador para futuras negociações, à liquidez do mesmo e ao fluxo de caixa da instituição, de modo que o impacto com salários não a deixe inadimplente diante dos compromissos vitais para sua operação.

Diante do que foi exposto, qualquer decisão que se tome acerca de algum investimento deve ser respeitada, desde que sejam consideradas na análise todas as variáveis importantes no contexto da organização, inclusive aquelas que contemplem os retornos de médio e longo prazos e que tenham foco também no marketing.

NO MEIO DO CAMINHO RUMO À EXCURSÃO PARA A EUROPA, UMA TAL ENCEFALITE

por Marcelo Mendez


As eliminatórias de 1981 haviam acontecido sem maiores sobressaltos.

Em um grupo com Venezuela e Bolívia, o Brasil passou vencendo todo mundo na ida e na volta, com direito a goleada de 5×0 nos Venezuelanos. Em 1981, isso era uma obrigação e como sempre, achávamos que poderia ter sido mais.

Na nossa vida, a novidade era o Nacional do Parque Novo Oratório.

Com o Esquerdinha à frente da coisa toda, a gente formou um baita time de bola; Pena, Leitão, Baianinho, Camarão e Rubinho na zaga. No meio tinha Batata, Pedrinho e Eu. O ataque, nosso poderoso ataque, tinha Regê, Carlão e Lidú.

Treinando aos sábados de manhã, para jogar no domingo, antes do time principal, a gente foi se conhecendo, se entendendo e então, mais uma turma surgia na minha vida. Com os caras do Nacional, comecei a jogar futebol de campo e o nosso time tinha estreado no campeonato da categoria mirim em Santo André.

Nos três primeiros jogos, goleamos geral. Santo Alberto, Vila Alice e time do Clube de Campo de Santo André, metemos gol a dar com pau. O barato no Parque Novo Oratório, começou a ser, acordar cedo, para ver o mirim do Nacional jogar.

E com a beira do campo lotada, a gente voava. Depois do jogo, sempre tinha a nossa resenha, movida a tubaína de garrafa e um lanchão de mortadela.

O assunto era sempre a Seleção que jogaria a Copa de 1982:

– Rapaz, agora vai ter a excursão para Europa, ceis viram? – perguntou o Baianinho, zagueiro firme, ligeiro:

– Sim. Vai ser foda, hein? Vamos pegar Inglaterra, França e Alemanha…

– Ah se liga, Pedrinho. Time tá bom, passou voando pelas eliminatórias.

– Eliminatória o que, Batata? Jogou contra quem? Agora a parada é outra! – alertou o Rubinho

– Ô Marcelo… Cê tá quieto por quê? Fala pra Caralho e nem no jogo reclamou! Que foi? Tá doente? – me perguntou o Batata.

– Não sei, tô meio estranho. Acho que vou pra casa. Falou aí…

– Num vai nem comer o lanche?

– Não, pode comer, Camarão. To indo embora!

Na hora, O Carlão e o Pedrinho, amigos da Rua Tanger, vieram comigo. Eu não conseguia entender o que eu tinha, minha cabeça doía muito, o corpo começava a doer, tinha um pouco de enjôo e quase que Carlão teve que me carregar. Cheguei em casa e encontrei minha mãe preparando os salgados que venderíamos de tarde. Quando me viu, arregalou o olho e falou:

– Você ta branco! Que aconteceu com ele, Carlos?

– Não sei, Dona Claudete. A gente jogou, ele tava bom, depois começou ficar estranho. Eu e o Pedrinho trouxemos ele!

Na hora, minha mãe correu até a casa da Angélica. Em 1981, na Rua Tanger toda, o único telefone que tinha era o dela. Ligou pra o lugar onde meu pai estava fazendo uns trabalhos temporários, avisou a ele que me levaria para o Hospital, recomendou que por lá ele nos encontrasse.

Pouco depois, chegou o carro do vizinho, o Tecí, uma Brasilia nova, que nos levou até o Hospital Santo André, na Avenida Dom Pedro, centro de Santo André. Quando chegamos, meu corpo todo mole, minha mãe preocupada, Teci me levou no colo até o PS quando eu já estava em vias de apagar. O clinico de plantão, me recebeu, me medicou e recomendou internação imediata.

O diagnóstico chegou alguns minutos depois:

– Encefalite!

Eu não sabia o que era Encefalite, mas a julgar pelos rostos ali a me olhar, deduzi que devia ser algo muito ruim.

Tomei uma injeção com uma agulha enorme no meio das costas, depois tomei uns comprimidos que me deram e, em breve, as dores foram diminuindo. A situação toda parecia preocupante, mudaria minha vida e eu não saberia o que viria pela frente.

Mas ali, quando meu pai chegou para nos encontrar, perguntei a ele a única coisa que me interessava ali:

– Pai, como eu vou ver os jogos do Brasil?

Com uma cara muito preocupada e aflita, meu Pai não soube me responder. Depois disso, fui levado de cadeira de rodas para CTI do Hospital e nem meu pai, nem minha mãe puderam ir comigo.

Passada aquela porta, entrando naquele lugar irritantemente branco, comecei a primeira grande luta da minha vida, mas não sabia disso.

Naquele momento, eu só queria saber como faria para ver os jogos do Brasil, na Europa…

A SUBIDA DAS PAINEIRAS

por Zé Roberto Padilha


Viciado em uma atividade física diária, a opção desta manhã foi ir de Três Rios a Paraíba do Sul, de bicicleta, pela estrada da Barrinha. Desde que foi asfaltada, tem sido dez km pra lá, dez km pra cá e, no intervalo, você tem a dúvida salutar, nada cruel. Com que água hidratar o treinamento: magnesiana, ferruginosa ou alcalina? Eu, com ritmo de stress, contra o tempo, minha esposa, sempre ao lado, sem ligar para os dois e a favor da natureza. Hoje ela não foi e eu tratei de violar minha natureza.

Sei que não sou mais ponta esquerda e voltava em um bom ritmo quando o meu amigo Dr. Edson, ortopedista e apaixonado pelo esporte, passou voando ao meu lado em uma bela Caloi 10. Só deu para ouvir a frase: “Desculpa, não dá para parar, estou treinando!” E sumiu. Tudo bem, normal se pesarmos idade, equipamentos, visitas regulares ao divã do Gerson Brasil, se esta irrequieta raposa felpuda, prestes a ingressar na Route 66, não recordasse das corridas das Paineiras batendo pega com Edinho, Toninho e Carlos Alberto Pintinho. Das batalhas na Vista Chinesa contra o tempo e o Adílio, que abusado aquele juvenil! Nem bem foi promovido já queria chegar na frente da gente! E como não lembrar na carreira da chegada ao Americano de Campos, com 34 anos, e um só morro à nossa frente para provar no tempo que ainda tinha alguma lenha para queimar? Minha maior arma para sobreviver no futebol, o preparo físico, não me foi concedida geneticamente. Foi construída com muitos treinos. E corridas.

Sendo assim, e tendo como testemunha o sol das dez e um bocado de urubus a secar, sem ter às mãos o certificado 2018 do Toninho Chimelli, devendo há anos a dedada ao Alcendino e sem um equipamento de qualidade (nossas bicicletas, de estimação, completaram 27 anos), resolvi ir atrás. Com o cuidado de não ser percebido na caça, diminuía nas subidas, mas ele compensava nas descidas. Até que chegando em frente aos Aços Mil o ultrapassei. Neste momento, o manual indica, mesmo sem ter pernas ou gás, dar uma acelerada psicológica para sufocar uma possível reação. E, como uma criança teimosa, devolvi: “Obrigado por me obrigar a treinar também!”. E deu para ouvir a resposta que ficou pela estrada: “Eu sabia que você…..!”.


Perto do SESI, ele me alcançou. É um dos nossos, acreditem, e cruzamos juntos à linha de chegada. Enquanto narro este experiência fresquinha, minhas pernas doem, a cabeça ora concorda, ora repudia, mas não são elas que me preocupam. Será como vou usar, daqui pra frente, minha arma competitiva que começa a virar, com o passar do tempo, a mira do revolver não para abater adversários, mas em minha própria direção.

Zé Maria

ZAGUEIRO GLORIOSO

entrevista: Sergio Pugliese | texto: João Pedro Planel | fotos e vídeo: Guillermo Planel | edição: Daniel Planel 

Recentemente, eu participava da minha primeira entrevista e não foi com qualquer um. Jamais poderia imaginar que, aos 13 anos, o primeiro personagem da bola a ficar frente a frente comigo seria o meu tio-avô Zé Maria,  o “Zé Maria do Botafogo”, “o melhor parceiro de zaga de Nilton Santos” ou, se preferirem, “o zagueiro que cortou Garrincha em pleno Maraca antigo”. A pinta de galã é a mesma desde os tempos em que calçava as chuteiras: um homem alto e de olhos azuis, que nos recebeu muito bem em Niterói e nos divertiu relembrando causos da bola.

Chegando lá, nos abraçamos e nos posicionamos para o início da resenha.  Ao lado de Sérgio Pugliese e do meu pai, comecei a recitar a escalação de uma foto emblemática em pleno General Severiano com a “Seleção Mundial” que aposto que quase todos devem conhecer: Manga, Nilton Santos, Zé Maria, Rildo, Garrincha, Quarentinha, entre outros craques.

Era, de fato, um momento emocionante, visto que estávamos imortalizando toda a história de um jogador que atuou em uma época de ouro do futebol. Em meio a muitas mudanças num mundo onde o que importa é a mídia, o dinheiro e a fama, Zé Maria nos deu uma verdadeira aula de simplicidade. A cada história contada por ele, eu, Sérgio e meu pai ficávamos mais encantados. Eram histórias fascinantes, emocionantes e lúdicas! E o que fazia delas melhores era o jeito que o Zé as contava, com uma ótima descrição e muito capricho.

Para mim, é uma honra imensa ter um parente que participou da Era de Ouro do meu Glorioso e que jogou ao lado de lendas como Garrincha, Nilton Santos, Amarildo, Zagallo e Manga.

Caros leitores, me permitam escrever uma mensagem somente para o meu Tio:

“Tio, muitíssimo obrigado por tudo! Pela entrevista, pela conversa, pelos divertidos momentos, enfim… Pela felicidade que todos tivemos! Te amo muito, tio!”

Com carinho, João Pedro Planel (seu neto)

 

RONDINELLI, A ‘PEDRA FUNDAMENTAL’ DE UMA ERA RUBRO-NEGRA

“Ele é o jogador que tem alma. Isso é o que eu queria dizer: sem alma não há um grande jogador. Na decisão de 1978 contra o Vasco da Gama, ele tinha aquele impulso profético do gol. Rondinelli é um jogador de grande emoção, de grande coragem, de grande vontade de vencer, que crava no peito a estrela rubro-negra. Rondinelli é dono dessa mística da camisa rubro-negra, dono de uma torcida, de uma nação, de uma religião. Ele é o padre da religião apaixonante, ele é o ídolo de sangue da torcida”. Palavras de Nelson Rodrigues sobre o “Deus da Raça”, e é apenas o preâmbulo de uma grande história!

por André Felipe de Lima


Não é pretensão o título ali de cima. Sim, foi o zagueiro Rondinelli o responsável pelo início da maior era da história do Flamengo. Com o seu gol nos últimos momentos da espetacular final do Campeonato Carioca de 1978, contra o Vasco, Rondinelli, que hoje comemora seu aniversário, tornou-se a “pedra fundamental” de um longo período marcado pelas maiores glórias do time mais popular do Brasil.

Talvez, se Rondinelli não tivesse assinalado aquele gol, a história seria outra. Mas o “talvez” não coube na trajetória do zagueiro, que, após aquela conquista sensacional, foi elevado ao posto de “Deus da Raça” pelos fiéis torcedores do Flamengo.

Rondinelli é inesquecível para eles e para mim, um vascaíno, que sofri amargamente com aquele córner magistralmente batido pelo Zico, com endereço certo: a cabeça do Rondinelli. A subida canhestra do zagueiro na bola foi impiedosa com Leão. Que, com o seu notório “golpe de vista”, jamais imaginou que a pelota invadiria a rede cruzmaltina. Mas invadiu. E assim começou a história…

Rondinelli nasceu em São José do Rio Pardo, interior paulista, em 26 de abril de 1955, mas parece ser mais carioca que muitos que nasceram em um dos dois lados do Sumaré. Aprendeu a ser campeão desde cedo, e, obviamente, com o Flamengo. Foi bicampeão carioca de juvenil em 1972 e 73 e levantou o primeiro título profissional em 1974, o Campeonato Carioca, a primeira conquista daquela geração assombrosa.


Daquele título em diante, ver o nome de Rondinelli nas seleções da rodada dos jornais de segunda-feira era mais comum que feijão com arroz. E não havia botafoguense, vascaíno ou tricolor que torcesse o nariz para ele. O cara era bom mesmo. Logo, não escalá-lo em times da rodada corresponderia a uma perversa inveja dos rivais. Mão, portanto, à palmatória de todos, que se renderam ao Rondinelli.

Um dos seus fãs foi o técnico Carlos Froner: “É corajoso, dono de grande habilidade, bastante veloz e técnico. Bate quando acha que é preciso bater e pede calma aos companheiros na hora certa”. O gaúcho Froner sabia das coisas…

Rondinelli sempre foi um cara na dele. Tímido e avesso a elogios rasgados. Ficava vermelho quando os ouvia. Chegava a baixar a cabeça, como escreveu o repórter Luiz Augusto Chabassus, em 1976. Quem o levou para a Gávea foi o sergipano Velal, que jogou no Flamengo. Certo dia Velau (vejam só) decidiu montar uma oficina mecânica na cidade de Rondinelli. “Velal já havia trazido o Zanata (conterrâneo de Rondinelli) para o Flamengo. Fiquei muito empolgado quando, em 1970, ele disse que eu também poderia fazer testes no Rio”. Foi recebido por Jouber, que o aprovou. A família estava ressabiada. Não queria que o menino morasse sozinho no Rio. O avô Silvio (sempre ele) é quem convenceu os pais a o deixarem seguir no Flamengo.

Deveria ter crescido mimado, afinal tem quatro irmãs, e ele o único homem. Era de classe média. Estudava, mas gostava mesmo é de jogar bola. Os pais, ao contrário de muitas biografias de outros craques, não se importavam muito se o menino trocava as matinês de cinema nas tardes do fim de semana por uma pelada na rua. “Eles não ligavam para o meu interesse pelo futebol. Achavam que ia continuar estudando. Em compensação, meu avô Silvio, que já morreu, sempre procurou me incentivar”, disse Rondinelli, em 1976.

O vovô Silvio era um italiano de Luca, cidade próxima a Roma. Torcia efusivamente pelo “vecchio” Palestra Itália, e fazia questão de “doutrinar” o neto com as maravilhas de que eram capazes os craques palestrinos, como Djalma Santos, Tupãzinho, Ademir da Guia, Dudu e Servílio. “Ele queria que eu fosse um craque como eles”. Haveria de ser, sem dúvida, mas precisaria percorrer um longo caminho na Gávea.

No Rio, Rondinelli morava na concentração do Morro da Viúva com todos os meninos de sua geração de ouro, entre eles Geraldo “assoviador”. O garoto promissor do Velau, do Jouber, do Modesto Bria e do Valter Miraglia tornou-se presente em 1974. E presente em todos os sentidos semânticos e saudáveis que a impoluta palavra sugere. Rondinelli foi presente para o Flamengo, em especial. “Foi aí, no início de 1974, que assinei meu contrato de profissional com o Flamengo. Passei a ganhar 4500 cruzeiros por mês. Aluguei com o Cantarele um apartamento na Praia do Flamengo e tudo ficou melhor”. Melhor ficou mesmo para o Flamengo, que passou a contar com o mais eficiente beque da cidade.

Todo rubro-negro que se preza idolatra Rondinelli. Tanto que em muitas escalações de “times dos sonhos” do Flamengo, ele aparece lá, na zaga, “brigando” com cobras como Domingos da Guia, Reyes, Pavão e Mozer.


Em novembro de 1979, o carioca Luiz Allan de Almeida, autor do livro “Rondinelli, o Deus da Raça”, da Editora Fusão, fez uma pesquisa entre as diversas torcidas do Flamengo na época para saber quem era o maior ídolo da moçada na ocasião. “Fiquei surpreso com o resultado: ele é mais ídolo do que o Zico. Por quê? Rondinelli dá a sensação de ser amador, de jogar por puro amor à camisa, coisa que você não encontra nos outros. É disso que a torcida gosta”, declarou o apaixonado rubro-negro Allan de Almeida.

O histórico de Rondinelli permite isso. Houve um Fla-Flu amistoso em 1977 (vejam bem, amistoso) em que Rivellino tentou dar um balãozinho no zagueiro, na entrada da área, mas a coragem do beque foi impressionante. Rondinelli mergulhou nos pés do tricolor, e de cabeça tomou-lhe a bola. No final, deu Flamengo, pelo placar de 3 a 0.

“Sou sempre assim: na área, não brinco. Dou bico pra cima, para os lados, quero ver a bola sempre longe do gol do Cantarele. Agora, se der para sair jogando, sem trazer qualquer perigo para o nosso goleiro, então saio. Numa bola dividida, por exemplo, vou para ganhar. Ou paro a jogada ou saio com a bola dominada. Um adversário dificilmente leva vantagem comigo. Pensa bem: sou um dos últimos jogadores pela frente de um atacante. Depois de mim, só tem o Cantarele ou, no máximo, um jogador do Flamengo que venha na minha cobertura. E, às vezes, esse meu companheiro já chega meio vendido no lance. Então, ou ganho, ou paro a jogada. Mas sem violência. Decisão é uma coisa, violência é outra”, ensinou o craque, em entrevista realizada em 1977, com o saudoso repórter Raul Quadros.

MEU ‘MALVADO’ VASCAÍNO FAVORITO

O maior adversário de Rondinelli não foi propriamente um time de futebol. Foi um centroavante. Foi Roberto Dinamite. Os dois estiveram frente a frente pela primeira vez numa ensolarada manhã de sábado, em dezembro de 1972, decisão do Campeonato Carioca de juvenil. A peleja aconteceu no velho estádio da Gávea. O Flamengo venceu de 2 a 0 e ficou com o título. “O jogo ainda estava uma zero e o Vasco pressionava. O time deles era muito bom. O Fumanchu era o ponta-direita, o Gaúcho jogava na frente ao lado do Roberto. Sei que houve um córner, nós dois pulamos e ele me deu uma cotovelada. Quando caímos, quase rolando no chão, ele me deu uma cusparada. Nem vacilei, pisei na perna dele”.


O lance desdobrou-se em uma onda do Dinamite, que rolou no gramado, “urrando” de dor. O objetivo, claro, era convencer o juiz a marcar o pênalti. Mas o árbitro comeu mosca, ou seja, não viu o lance. Quatro anos depois, a mesma cena se repetiria com os dois quase se engalfinhando na decisão do terceiro turno do Campeonato Carioca de 76. Dessa vez o juiz viu. Era a forra do vascaíno.

“Com um minuto de jogo, o Vasco deu um ataque, e acompanhei o Roberto até a linha de fundo, protegendo a bola. Ele chutou, pensei, o juiz deu tiro de meta. Só que caímos fora do campo e tivemos um início de briga ali mesmo. O Cantarele havia batido o tiro de meta, o Renê (zagueiro vascaíno) já havia dominado a bola no meio de campo e eu, sentindo que havia levado a pior na briga, parti pra cima do Roberto, dando-lhe uma cotovelada. O Agomar (juiz Agomar Martins, que passou a cantar bolero em Porto Alegre) estava em cima do lance e deu o pênalti”.

Roberto recordou a jogada, e descreveu o final: “Bom, assim que levei a cotovelada, me atirei no chão. Era o que tinha de fazer, pô!, já que estava na área do Flamengo e o pênalti beneficiaria o Vasco. O Rondinelli ficou mais bravo ainda e disse ao Agomar que ele teria de nos expulsar, não marcar o pênalti. Bom, acabei batendo o pênalti e fazendo o gol”.

O jogo terminou 1 a 1, com Geraldo descontando para o Flamengo. Na decisão por pênaltis, o Vasco derrotou o adversário. Consumou-se, portanto, a doce vingança do Dinamite.

Os jogos entre os dois sempre foram encarniçados. Dava gosto assistir Vasco e Flamengo no Maracanã; Roberto e Rondinelli se enfrentando era um colírio. Os dois hoje são bons amigos. A indispensável rinha dos gramados ficou no passado. Sem ela, afinal, o futebol fica insosso. Quando conseguem se encontrar para uma resenha, os dois riem de tudo. Inclusive das brigas e catimbas que fazem parte do dia a dia dos boleiros.

Sobre Rondinelli, Roberto sempre dizia: “É, sem dúvida, um dos maiores zagueiros que conheci. Provavelmente, o mais difícil de ser vencido”. Rondinelli costumava retribuir a gentileza do adversário e grande parceiro de histórias do Clássico dos Milhões: “Dificilmente ele vem com a bola dominada e, quando isso acontece, sai de baixo. Seu estilo é de jogar mais fixo, dentro da área. Qualquer vacilada, ele enfia a cabeça, mete a perna, o gol está feito. Por isso, eu procuro sempre me antecipar”.

Rondinelli foi sempre muito leal. Mostrava a sola dos pés, às vezes, claro. Mas qual zagueiro não bate às vezes? Zagueiro em campo abstrai qualquer laço afetivo, e parte para dentro de qualquer atacante metido a besta. Durante uma boa peleja não pode ser diferente. Futebol é arte, mas também tem lá sua dose de arrojo. Sem essa combinação, fica difícil sair do gramado com a vitória. Rondinelli dominava esse equilíbrio. Por isso, com ele na zaga, o Flamengo ficava mais tranquilo e as taças eram erguidas.

O sonho do velho Silvio se concretizou. Rondinelli foi mais que um craque. Um deus guerreiro dos rubro-negros. O “Deus da Raça”.