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Anselmo

O VINGADOR

texto e entrevista: Rodrigo Stafford | vídeo: Raphael Lima | edição: Daniel Planel 

José Antônio é um funcionário público da cidade de Quarteira, no Sul de Portugal. Todos os dias ele sai de casa pela manhã, chega à repartição e faz seu trabalho. É um profissional padrão e só dá uma espiadinha no WhatsApp na hora do almoço. Foi quando respondeu o contato do Museu da Pelada, dizendo que poderia falar a partir das 18h, após o fim do expediente. José Antônio esconde um segredo que a maioria de seus colegas portugueses nem desconfia. É um tipo de super-herói de uma Nação. Por trás dos cabelos brancos daquele senhor que trabalha na burocracia portuguesa está o Vingador rubro-negro. O homem que entrou com a camisa 25, aos 42 minutos do jogo-desempate da final da Libertadores de 1981, e vingou todos os socos recebidos por Zico, Leandro, Júnior e companhia, ao acertar o chileno Mario Soto, do Cobreloa, com um murro. Um golpe que fez com que José Antônio Cardoso Anselmo Pereira, ou simplesmente Anselmo Vingador, entrasse na história do Flamengo.


– Eu nunca contei, mas as pessoas vão descobrindo. E Anselmo é sobrenome. Muitas pessoas não imaginam que eu jogava. Alguns descobriram por causa dos meus filhos que jogavam bola. Eu contar? Não.

A fala mansa e o jeito tranquilo do senhor de 59 anos que mistura algumas palavras do português brasileiro com o de Portugal, após 27 anos na cidade de Quarteira, não dão a ideia do que foi o jogador Anselmo dentro de campo. No entanto, ele mesmo brinca com sua própria suposta calma:

– Ah sim. Também nunca fui flor que se cheirasse – conta sobre suas expulsões na carreira o avô do pequeno Bruce, que graças a sua influência não foi batizado como Bruce Lee.

Porém, nenhuma outra o colocaria na história de algum clube. E coube a Anselmo o soco que entraria em todas as narrativas sobre uma das maiores conquistas do Flamengo, além de mudar completamente sua carreira. Para o bem e para o mal.

– Lá na frente você vai ver o que aconteceu. E aí vai se arrepender. Apanhei muito mais depois e muitos chegavam antes do jogo e pediam calma. Eu ficava pensando por que ele estava pedindo calma, eu era a mesma pessoa. Já outro vinha dizendo que iria me matar. Apanhei mais do que bati – relembra e completa:


– Vendo tudo que foi feito, o que foi filmado, pontapés, socos… se você levar em consideração se ele (Mario Soto) merecia ou não, eu acho que sim, merecia. Mas também não cabia a mim, que não tomei nenhum pontapé, ter feito isso.

Por causa do fatídico soco em Mario Soto na final da Libertadores de 1981, Anselmo pegou fama de violento o que lhe impediu uma transferência para o Fluminense.

– Sem dúvida, prejudicou minha carreira. O Zé Roberto Francalacci, que foi nosso preparador físico, me perguntou se eu iria para lá. Eu disse que sim. E depois os diretores do Fluminense resolveram não fechar por essa situação específica.

O não-acerto com o Fluminense, o seu time da infância, evitou que sua história no Flamengo pudesse de alguma forma ter sido manchada. E o carinho pelo Tricolor permaneceu bem longe, nas memórias de infância.

– No Flamengo começou tudo. Acordávamos para vencer, dormíamos para vencer. Vivíamos para vencer. Tem que ganhar. Treinava para ganhar. O pensamento era só esse. Não ganha sempre, isso nao tem jeito. Mas o pensamento era só esse. Meus filhos são Flamengo.

Anselmo, Coutinho e os peixinhos


Nunes, Anselmo e Leandro

O ex-atacante do Flamengo, Ceará, Sport e Botafogo-SP abre largo sorriso para falar de Cláudio Coutinho, que comandou o rubro-negro de 1978 a 1980. O treinador foi o idealizador do fenomenal time do Flamengo que venceu três Campeonatos Brasileiros em quatro anos (1980,1982 e 1983), além da Libertadores, do Mundial e os Cariocas de 1978, 1979 (duas vezes) e 1981.

– Coutinho foi a base daquele grupo. Era uma pessoa muito inteligente, sabia como resolver as coisas. Um superestudioso e fazia tudo bem.

Coutinho morreu em 27 de novembro de 1981, quando fazia pesca submarina perto das Ilhas Cagarras. Trinta e sete anos depois, seu pupilo Anselmo tem o mesmo gosto do ex-chefe.

– Eu estava pesando 138 quilos e jogava minhas peladinhas. Ninguém entendia como eu conseguia jogar com tanto peso. Mas machuquei o joelho em casa. O médico disse que meus ligamentos eram como fios velhos prontos para arrebentar. Então comecei a mergulhar e ir atrás dos peixinhos. Nunca mais joguei – disse Anselmo, que faz apnéia na pesca submarina.

– Acho mais seguro que com tanque (de oxigênio), mas você precisa saber seus limites. Às vezes é difícil segurar a vontade de ir atrás do peixe. Mas tem a parte da segurança.

Fuga da festa

No desembarque após o título da Libertadores, Anselmo era um dos mais procurados pelos torcedores. Mas o camisa 25 precisou fugir da festa por um motivo nobre: a gravidez de sua mulher.

– Quando chegamos ao aeroporto depois do jogo contra o Cobreloa eu não esperava aquilo tudo. Não conseguia sair. Se você reparar, eu não estou ali no caminhão. Quando os bombeiros chegaram, eu saí. Meu carro tava lá no aeroporto. No caminho estava tudo congestionado. Minha esposa estava grávida e não podia sair por ali. Saí por outro lado. Fui escondidinho. O Mozer estava na minha frente. Ele tinha um Fiat Uno, rebaixado. Ele tinha umas manias (risos). Sacudiram tanto o carro dele. E eu tinha uma pessoa grávida ao meu lado. Neste dia, deu para notar que as coisas estavam muito diferentes.

E nunca mais mudariam. Para Anselmo, para Zico e para 40 milhões de torcedores flamenguistas espalhados por todo o planeta.

ENFERMAGEM NO ESPORTE

por Camilla Lino


Eu, Camilla Lino, enquanto estudante e voluntária durante o Pan e Parapan 2007 no RJ, vi a necessidade do Enfermeiro no Esporte. Mas, como começar? Nos livros, pouca literatura associando a Enfermagem. Na Internet, também pouco material. Então jurei a mim mesma que depois de formada, sairia a campo, nem que fosse na marra.

Depois de formada apresentei projetos a clubes de pouca expressão (porque é de pequeno que começamos) e infelizmente me decepcionei, pois fui assediada, ouvindo coisas desagradáveis que as mulheres escutam no meio masculino… Mas ok, sacudi a poeira. Na pós graduação em Enfermagem do Trabalho, fiz a monografia comparando o atleta como um trabalhador e a atuação do Enfermeiro no Esporte.

Nesse meio tempo, trabalhando de standby em ambulância de jogos de futebol, consegui a oportunidade de atuar no Barcelona do RJ, temporada 2011/2012. Fui feliz e dei o meu melhor apesar das limitações estruturais e financeiras.

Hoje, depois de anos dedicados à saúde do trabalhador, voltei ao esporte que é a minha paixão. Estou em outra empresa de ambulância, atuo na Seleção Paralimpica de Power Soccer (futebol em cadeira de rodas) e no Vasco Patriotas, equipe de Futebol Americano. Ainda trabalho de forma limitada devido à falta de estrutura, sendo voluntária, mas o amor à tudo que jurei no passado me move. Não vivo sem.


A prática esportiva (profissional ou amadora) com supervisão de profissionais aumenta a cada ano, porém há uma categoria que ainda não foi inclusa num DM ou nas Academias, que é a Enfermagem, onde o profissional de nível superior pode atuar na prevenção, promoção e reabilitação do cliente/paciente/atleta.

Sempre observo a evolução na Enfermagem Esportiva no mundo. Em Portugal, por exemplo, há pós graduação, mas por aqui ainda não devido à baixa procura de profissionais e instituições. É como se fosse a evolução do Massagista, onde uma parte fica com a Fisioterapia e a outra com a Enfermagem. Lembrando que os Massagistas que temos em atividade são importantes, fundamentais e recomendo ter aulas com eles. 

Seguem algumas atribuições do Enfermeiro Esportista:


Prevenção de lesões, estudar a atividade desenvolvida e as possíveis lesões características na prática do esporte, elaborando técnicas de prevenção;
 
– Tratamento de lesões, aplicar a técnica PRICE – pressão, restrição momentânea de movimento, gelo, compressão e elevação;
 
– Orientação pré e pós-operatória do atleta;
 
– Efetivação de curativos, limpeza do ferimento, escoriações e retirada de pontos;
 
– Administração, controle e assepsia de instrumentos e materiais a serem utilizados;
 
– Administração medicamentosa, inclusive soluções fisiológicas, glicofisiológicas e reposições eletrolítica, observando sempre a prescrição médica;
 
– Orientação antidoping, efeitos colaterais e coleta de material para detecção do doping;
 
– Auxílio na fisiologia do esporte, administrar isotônicos, carboidratos e suplementes vitamínicos.
 
Observar
 
Ao profissional de enfermagem cabe observar os atletas de maneira a detectar qualquer agravo a sua saúde. Ficar atento ao condicionamento cardiovascular e cardiorrespiratório do atleta é essencial para a aplicação das técnicas necessárias, caso ocorra algum tipo de lesão, contusão ou mal súbito

O TEXTO ACIMA TEM COMO FONTE:

http://www.ibacbrasil.com/noticias/enfermagem/a-atuacao-do-profissional-de-enfermagem-no-esporte

SONHEI QUE ERA UM PONTA

por Walter Duarte


Alguns sonhos marcam bastante nossas lembranças, sejam esses bons ou ruins. Uma vez acordei “sobressaltado” de um que parecia muito real mas virou pesadelo. Em um desses eventos, acabei acordando a esposa, que assustada gritou:

– O que houve? PARA DE ME CHUTAR!! Está passando mal?? Que susto!

Respondi de imediato:

– Calma, foi só um pesadelo.

Levantei, bebi uma água gelada e voltei para o “berço” meio cambaleante.

Neste sonho delirante, eu era o ponta esquerda de um time que não podia definir, sempre algo confuso, e com muita tensão no ar, sugerindo uma decisão de campeonato. Parecia como um duelo entre um toureiro e um touro miúra, onde tentava driblar um lateral e ir a linha de fundo cruzar, porém a sensação era que minhas pernas estavam presas não conseguindo assim definir a jogada.

Pensando bem, acho que estes sonhos ou pesadelos como queiram, devem ter fundamento na minha alma de peladeiro e de certa forma um desejo reprimido de ser jogador, quem sabe? Coisas que talvez o Freud pudesse explicar.

A minha admiração pelos pontas sempre foi especial, e tentava imitá-los nas peladas de rua e nos times de bairro. Gostava muito de ver jogar pontas como o Piscina, do Goytacaz, o Sérgio Pedro, do Americano, a fera Paulo Roberto “cabeção” e também o Lauro, do Campos Atlético, meus primeiros ídolos. Faziam muito sucesso  no futebol Campista nos anos 70 e 80 com estilos dos pontas de ofício de outrora, partindo para cima dos zagueiros e buscando sempre as jogadas de efeito e dribles desconcertantes.

Exemplos de ótimos pontas não faltavam nos grandes clubes e certamente não lembrarei de todos, não podendo omitir os pontas artilheiros como Jairzinho e o Búfalo Gil, que também eram jogadores de definição, aliando força e velocidade. Existiam também aqueles clássicos que não vi jogar mas que falam maravilhas como o Júlio Botelho, do Palmeiras, e o Edu do Santos, um dos meus preferidos.


Devem estar me perguntando – e o Garrincha? O Mané tem um lugar diferente na galeria dos grandes craques. Eu não me atreveria a definir o estilo do maior de todos, o “anjo das pernas tortas”. O próprio Nelson Rodrigues uma vez profetizou: “nem o juízo final será capaz de opinar sobre Garrincha”, tamanha sua genialidade e imprevisibilidade.

Não necessariamente estes pontas figuraram na seleção, mas transmitiam algo de circo, do “bom deboche”, do improviso e acima de tudo da irreverência que tanto faz falta ao futebol nos dias de hoje. Esse futebol moleque e travesso muito encarnado pelo Júlio César “URI GELLER” e pelo Cafuringa, que tiveram seus grandes momentos e grandes confrontos com laterais, como o Orlando Léle, do Vasco, que não costumava refrescar para os sassaricos dos mais abusados.

Lembrei-me também de outros tantos habilidosos como o Zezé, do Flu, na década de 80, um dos ídolos do parceiro tricolor Alexandre Sanches e também do Zequinha, do Botafogo, que o amigo Geraldo “Buchecha” me fez recordar.

Na mesma década citaria o Wilsinho, do Vasco, (xodó da vovó), o Zé Sérgio, do São Paulo, o Joãozinho, do Cruzeiro, e o Gilson Gênio, do América, talvez um dos últimos românticos. Com o advento do futebol mais tático, físico e de ocupação de “espaços” no meio campo, ficou mais difícil de se revelar jogadores assim, até porque os sistemas de jogos com base na “eficiência e obediência” surgem como pretexto de marcação forte.

Me causou espanto na época termos como o OVERLAPPING que determinava a ultrapassagem dos laterais além da linha de meio campo, tornando-os ofensivos e restringindo talvez a atuação do ponta especialista.

Acho que a partir da Copa de 78, iniciamos uma era de desencontros com o futebol mais alegre em detrimento do futebol coletivo e de resultado, sem querer desconsiderar os grandes craques da época. Quem tem mais de 45 anos deve lembrar daquele quadro humorístico do Jô Soares em que ele interpretava o Zé da Galera e pedia ao Telê Santana: “bota ponta Telê”, às vésperas da Copa de 82. Previa talvez o fim de uma fase de ouro daqueles jogadores diferentes e imprevisíveis.

Há tempos não tenho mais aqueles sonhos esquisitos e minhas noites ficaram mais tranquilas. Percebi também que não me divirto tanto como antes ao assistir futebol. Sinto falta da alegria e do virtuosismo dos pontas. SAUDOSOS PONTAS.

COMEÇO DO SONHO; FINALMENTE A COPA DE 1982 COMEÇOU…

por Marcelo Mendez


14 de junho de 1982; Acordei tarde.

O rádio da minha mãe na cozinha tocava uma música do Roberto, via Rádio América, minha irmã brincava de boneca e eu levantei para tomar meu café.

Passando pela sala vi meu Pai aflito, fumando um cigarro atrás do outro e discando freneticamente o telefone. A todo instante, folheava o Jornal, depois voltava a ligar. Minha mãe dizia que ele estava tentando falar com nossos amigos jornalistas para saber da Argentina que segundo minha mãe, Dona Claudete, “parece que tão terminando um charivari de guerra lá…”

Vi na capa do Jornal que era a tal das Malvinas que eu tanto ouvia falar.

Eu sabia, mas não sabia de nada. Na minha cabeça de menino de 12 anos, não queria muita coisa com essas Guerras. Meu mundo naquele dia 14 não era esse e então peguei minha bola, meu álbum de figurinhas da Copa e corri para casa da minha Tia Leoni, no velho quintal da Avenida das Nações, no nosso Parque Novo Oratório, de uma Santo André ainda bucólica.

Cheguei e vi Tia Leoni fazendo empanadas e coxinhas de frango. Vi a mesa repleta de garrafas de Coca-Cola de um litro, cervejas Brahma Chopp, maços de Minister longo, vários sorrisos e muita expectativa. Meus primos terminavam de enfeitar a rua, a prima Marlene, tentando ficar alheia àquilo tudo, ouvia um disco do Joy Division e eu de coração acelerado:

A Copa do mundo ia começar! Brasil x URSS se enfrentariam! E por mais que parecessem séculos, as horas passaram e o jogo, enfim começou…

Não seja alienado companheiro!


Bola rolando. O time não estava bem. Nervosismo, ansiedade, o time mal em campo e aquela discussão interminável entre meu Pai e meu Tio Urzaiz enchendo nosso saco:

– Muito me admira Urzaiz, você aqui feito uma besta torcendo pra esse time aí. Você sabe o que isso representa, sabe o que significa. Mesmo assim fica aí se descabelando…

– Mauro vá à merda você, o Marx, o Trotski e a URSS! Deixa a gente ver o jogo…

– Alienado!

– Alienado é a put…

– EEEEEEEEE SILÊNCIO, OLHA O JOGO!! – clamávamos nós, os alienados todos, para podermos torcer em paz. Eles pararam, mas a URSS abriu o placar com um chutão de Bal e um frangaço de Valdir Peres.


Pânico! Não podia ser…

Depois disso, pouco falei. Observei meu pai falando em complô da Direita universal contra o regime comunista. Quando o árbitro não deu um pênalti para os soviéticos, vi minha Tia Cida colocar dentes de alho embaixo da mesa como simpatia, minha mãe bater cabeça para Xangô e toda sorte e reza do mundo para ajudar aquilo mudar.

Não sei se foi isso, mas o Brasil virou com dois chutaços de fora da área, um de Sócrates, outro de Éder. Final: 2×1 de virada, festa, pipoca para o alto, beijos, abraços efusivos, inclusive entre meu Tio Urzaiz e meu Pai, que na hora do gol do Éder, esqueceu o Marxismo, a Guerra das Malvinas, a paz mundial e a compostura:

Gritou como o mais feliz dos alienados.

Começava a Copa de 1982. Ali eu depositei todas as minhas esperanças e odes. Meu coração de menino vivia aquela Copa como se jamais fosse bater por outra.

Talvez não tenha batido…

A DESPEDIDA EM SÃO PAULO, A FESTA QUE NÃO HOUVE E VAIAR ZICO, JAMAIS!

por Marcelo Mendez

28 de Fevereiro de 1982, o Dia…

Era um daquele domingos clássicos.

O cheiro da manhã na Quebrada, uma mistura de orvalho, com os temperos da mãe que já preparava as coisas do almoço, misturado com a fritura das bancas de pastel e das máquinas de frango, o caminho pelo bairro até o campo do Nacional era algo lúdico pra Fellini filmar. Ali nos encontraríamos, mas não para jogar. A peleja seria outra e em outro lugar.

Era a final do campeonato de Santo André na categoria mirim e o Nacional do Parque Novo Oratório enfrentaria o time da Pirelli, no estádio do Jaçatuba. Uma novidade para nós, uma molecada que cresceu correndo no terrão ao lado do cemitério e que ali, jantou todo mundo.

Chegamos na final do campeonato, com 2 gols tomados e mais de 40 feitos em 8 jogos. Os antigos da várzea que frequentavam a beira do campo apelidaram nosso time de “A Máquina” e acho que era bem pertinente. A gente entrava em campo pra passar por cima mesmo! Chegando na sede, vi a rapaziada e o primeiro que falei foi o Pedrinho:

– E aí, Marcelo? Dormiu?

– Porra nenhuma. Não consegui fechar o olho. Tem que começar logo esse jogo!

– É, vai ser difícil, time deles é bom…

 Nessa hora, o Batata, nosso volante chegou na roda ao ouvir a prosa:

 – Bom é o caralho, Pedrinho. Time bom é o nosso! Vamo logo lá ganhar essa porra!

 – Bora!

 Pouco depois, a Kombi que nos levaria até o Estádio do Jaçatuba, em Santo André, encostou. Nela, fomos nós, os jogadores, mais o seu Cido, Esquerdinha e o Ditinho roupeiro. Atrás de nós uma fila de alguns carros dos nossos pais, amigos e torcedores vieram nos seguindo. Impossível não se empolgar com aquilo tudo. Não tinha como dar errado…

Zico de presente…


 Aos 42 do segundo tempo, o placar da final era Nacional 6×0 Pirelli.

 Foi um baile de bola!

Naquele dia fiz três gols, os três primeiros. Carlão, o centroavante, fez dois e o Lidú, ponta esquerda, fez o outro, driblando a defesa da Pirelli, o goleiro, o gandula e toda a Santo André. Um golaço!

Com o apito do árbitro, festa no gramado, os pais e torcedores entraram no campo e abraçaram a gente.  Meu Pai, junto meus tios Bida e Zé, entrou junto, me abraçou, me levantou e já foi anunciando:

 – Filho, tu arrebentou! De presente, vou te levar pra ver o Brasil, quarta-feira no Morumbi!

 Nessa hora, o mundo começou a rodar na minha cabeça!

 – Sério, Pai? Eu vou ver o Zico de perto? O Éder? Vou mesmo???

 – Vai, sim! E vai comer lanche de pernil também!!!

 – Ebaaaaaaaaa!!!

 Dois tempos de uma mesma festa

O caminho para o Morumbi já era por si só uma grande viagem.

Sair do Parque Novo Oratório, para chegar do outro lado da cidade em 1982, era uma grande aventura que eu amava ver se concretizar. As luzes de São Paulo, o carro do Carlinhos, deixado lá longe, a procissão a pé, do lado de milhares de torcedores, Gentes como eu, ávidos por espetáculo, por sonhos, pela seleção que já já disputaria a Copa.

O jogo seria contra a Tchecoslováquia. Eles não se classificaram para a Copa, mas era um bom time. Além disso, a noite era toda especial.

Dia 03 de março de 1982 era aniversário do Zico, completando 29 anos, o jogo seria uma homenagem a Jairzinho, que estava se despedindo do futebol e o clima no Morumbi era ótimo. Parecia que nada seria estragado. Mas daí, um jogo precisava ser jogado…

O primeiro tempo tinha sido protocolar. O time nosso, que uma semana depois enfrentaria a Alemanha no Maracanã, jogou apenas para o gasto. Os Tchecos pouco faziam e a partida começou a ficar chata. No segundo tempo, mesmo com o gol do Zico nada mudou e a torcida começou a vaiar o jogo sem dó.


A cada bola que Roberto Dinamite pegava, vinha o estrondo das arquibancadas; “Uuuuuuuuuuuuuuuhhh”. Eu, que via tudo isso, não conseguia acompanhar a rapaziada.

Não passava pela minha cabeça vaiar o Zico. Seria algo contra tudo que eu já acreditava aos 12 anos, um atentado contra meus sonhos, um ídolo ali, esculachado por mim. Jamais!

Me coloquei numa espécie de transe e parei de ver e ouvir as coisas a minha volta. Ali no campo, distante apenas alguns metros de mim, estava o maior ídolo da minha vida. O maior dos jogadores, o camisa 10 que eu queria ser. Zico correu, suou, se esforçou o que foi possível, mas não conseguiu impedir a má sorte do placar final em 1×1 e todas aquelas vaias no final do jogo.

Indo embora, estando num clima completamente diferente daquele que foi a chegada, eu estava bem, estava feliz e pensava que muitas outras emoções viriam pela frente. Já, já começaria a Copa do Mundo.

E eu descobriria que a Tchecoslováquia seria o menor dos problemas. Quem dera fosse o maior…