A TAÇA DO MUNDO É NOSSA
por Victor Kingma
Daqui a poucos dias teremos uma nova Copa do Mundo, na Rússia. Como sempre acontece no país do futebol, o Brasil vai parar nos dias dos jogos para assistir a nossa seleção. Um acontecimento mágico capaz de unir, numa só torcida, atleticanos e cruzeirenses, gremistas e colorados, palmeirenses e corintianos ou rubro-negros e cruzmaltinos. É a pátria de chuteiras, como dizia Nelson Rodrigues.
A cada vitória todos se unem para comemorar, normalmente embalados pelo som de alguma música que cai no gosto dos torcedores e acaba se tornando o hit da seleção.
Nas conquistas de 1958 e 1962, quando o Brasil se tornou bicampeão mundial, uma mesma música é lembrada até hoje, como símbolo das memoráveis jornadas de craques consagrados como Gilmar, Didi, Nilton Santos, Garrincha e Pelé, nos gramados da Suécia e do Chile:
“A taça do mundo é nossa,
Com brasileiro não há que possa
Êh eta esquadrão de ouro,
É bom de samba, é bom no couro.”
A música, dos autores Wagner Maugeri, Lauro Muller, Maugeri Sobrinho e Victor Dagô, na verdade, foi composta após a conquista do primeiro título, em 1958, para homenagear o feito inédito da seleção brasileira.
Em 1970, na conquista do tri, no México, enquanto Gerson, Rivelino, Jairzinho, Pelé e Tostão encantavam o mundo com um futebol arte, nas ruas o povo, eufórico, apesar dos difíceis tempos políticos, cantava a marchinha ufanista do compositor Miguel Gustavo:
“Noventa milhões em ação
Pra frente, Brasil
Do meu coração
Todos juntos vamos
Pra frente, Brasil, Brasil
Salve a Seleção!”
Em 1982, na Espanha, embora o Brasil não tenha conseguido o título, apresentou ao mundo uma verdadeira orquestra, comandada por Telê Santana e que tinha “músicos” consagrados como Falcão, Cerezo, Sócrates e Zico. Interessante é que um dos principais músicos daquela orquestra, o lateral Júnior, era quem também animava a torcida com seu hit “Povo Feliz”, dos compositores Memeco e Nono, que acabou ficando popularmente conhecida como “Voa, canarinho, voa”:
“Voa canarinho, voa,
Mostra pra esse povo que és um rei.
Voa canarinho, voa,
Mostra na Espanha o que eu já sei.”
Na conquista do tetra em 1994, nos Estados Unidos, a música Coração Verde e Amarelo, de Tavito e Aldir Blanc, tema das transmissões da rede Globo, foi a escolhida para embalar a conquista de Romário, Bebeto e Cia:
“Eu sei que vou
Vou do jeito que eu sei
De gol em gol
Com direito a replay
Eu sei que vou
Com o coração batendo a mil
É taça na raça Brasil!!”
Já em 2002, ano em que o Brasil sagrou-se pentacampeão, nos gramados do Japão e Coréia do Sul, o refrão de um grande sucesso da época, da música “Festa”, de Anderson Cunha e interpretada por Ivete Sangalo, contagiou a torcida e a seleção do técnico Felipão, Rivaldo e Ronaldo:
“Avisou, avisou, avisou, avisou
Que vai rolar a Festa, vai rolar
O povo do Gueto mandou avisar
Que vai rolar a Festa, vai rolar.”
Outra Copa está aí e vamos aguardar para saber, e ouvir, qual musica vai ser escolhida pelos torcedores para incentivar nossos jogadores na luta pela conquista do Hexa.
Victor Kingma – www.victorkingma.com.br
O DIA EM QUE O “PAÍS DO FUTEBOL” MORREU
por Émerson Gáspari
Ninguém se deu conta de quando o “processo” se iniciou. Talvez só eu, a princípio. Com o tempo, muitos torcedores foram notando algo no ar: a decadência, a escassez de público, a sangria de craques para o exterior, a corrupção no futebol. Tentei avisar, mas não me deram ouvidos, talvez porque não enxergassem até onde a coisa iria.
Foi como gritar sozinho num Titanic, alertando que iríamos afundar, enquanto todos os tripulantes e passageiros davam de ombros ou me taxavam de pessimista.
Talvez seja melhor contar antes, como as coisas eram no princípio, em minha mais tenra idade. Da alegria de ser torcedor brasileiro. Tínhamos uma nação e tanto: diziam que seríamos “o país do futuro”. Sou desse tempo, em que o futebol brasileiro tinha orgulho de ser o melhor.
Éramos para o mundo, o “País do Futebol”. Gerações de craques maravilhosos, que se sucederam e nos levaram a conquistas inesquecíveis, como o Tri no México!
Gênios em profusão, como Friedenreich, Leônidas, Zizinho, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Pelé, Gerson, Tostão, Rivellino, Zico, Sócrates, Falcão, Romário, Ronaldos…
Equipes formidáveis, como o “Expresso da Vitória”, a “Academia Palmeirense”, a “Sele-Fogo”, a “Lusa Fita-Azul”, a “Máquina do Prof. Horta”, a da “Democracia Corintiana”, o Flamengo campeão mundial, o Santos bi, o São Paulo tri, o Inter de Manga, o Grêmio de Renato Gaúcho, o Cruzeiro de Dirceu Lopes, o Atlético de Reinaldo.
Cronistas como Nelson Rodrigues e João Saldanha eram respeitadíssimos. E líamos o “Jornal dos Sports”, a “Gazeta Esportiva Ilustrada”, a revista “Placar” e até o caderno de esportes do Jornal da Tarde, todos com cobertura futebolística estupenda.
Em nossa doce inocência de que as coisas não mudariam jamais, brincávamos nos jogos de botões com a “carinha” dos atletas tão identificados com seus clubes: Waldir Peres, Luís Pereira, Clodoaldo, Wladimir, Rondinelli, Dinamite, PC Caju, Edinho, Batista, China, Nelinho, Éder e outros, que colecionávamos também no “Futebol Cards”. Mesmo os chamados “pequenos” tinham seus ídolos: a Ponte Preta de Dicá, o Guarani de Zenon, o Botafogo/SP de Sócrates, o Comercial/SP de Jair Bala, a Ferroviária de Bazzani e por aí afora!
O rádio ainda era nosso “amigão do peito”: acompanhávamos toda jornada esportiva, do início da tarde à noitinha, com locutores memoráveis, por décadas a fio: Odvaldo Cozzi, Rebello Júnior, Geraldo José de Almeida, Pedro Luiz, Jorge Cury, Edson Leite, Waldir Amaral, Fiori Gigliotti, Peirão de Castro, Walter Abrahão, Osmar Santos, Luciano do Valle, José Silvério. E depois do jogo, vinha o “Show de Rádio”, com a turma do Sangirardi fazendo humor futebolístico da melhor qualidade.
Daí era correr pra TV e se divertir com a “Zebrinha”, dando os resultados do teste da “Loteria Esportiva”, assistir aos “Gols do Fantástico” e curtir alguma “Mesa Redonda” até meia-noite, quando então findava aquele domingão futebolístico tão sagrado.
Sim! Foi uma época realmente abençoada, em que um Fla-Flu levava 170 mil pessoas ao Maraca, um Derby lotava o Morumbi com120 mil pagantes e um Mineirão, um Beira-Rio ou uma Fonte Nova transbordavam de torcedores apaixonados.
Até que num belo dia de 1980, as coisas começariam a mudar. Falcão estreava na Roma da Itália, que o levara embora, “escancarando a porteira” do futebol brasileiro para os europeus. Seguiram-se Zico, Sócrates, Cerezo, Júnior, Renato e uma infinidade de craques. Ninguém pareceu ligar muito: em épocas anteriores, tivemos um ou outro craque que ia e voltava, como Didi ou Roberto Dinamite. Já Mazola, Evaristo de Macedo e Julinho Botelho até ficaram por lá, mas o inesgotável celeiro de craques do país sempre providenciava um substituto.
Além disso, para que nos preocuparmos, se tínhamos o futebol mais bonito, os pontas mais habilidosos do mundo, os jogadores mais criativos? Éramos a essência do “futebol-arte” e o europeu (exceto a Holanda) só sabia praticar o tal “futebol-força”.
Estávamos acomodados, convencidos de que seguiríamos dormindo placidamente em berço esplêndido e para sempre ostentando a alcunha de “a pátria em chuteiras”.
Permitimos que o progresso acabasse com os campinhos de terra batida da meninada e assim, exterminasse com gerações de craques que se formavam naturalmente.
Deixamos impunes dirigentes de clubes e entidades que se serviram do futebol e não a ele, corrompendo-o, desvalorizando-o.
Aceitamos a transformação da Seleção em “produto”, perdendo-se aí a razão do jogador ao defendê-la. O selecionado perdeu “personalidade” e a torcida perdeu o encanto por ela.
Curvamo-nos perante o poderio financeiro que movimenta o futebol europeu, persuadindo nossos craques, jogadores medianos e até (?) alguns pernas-de-pau, que são levados por um enganoso DVD para o Velho Continente.
Prostituímos nossa essência futebolística, adotando “revolucionárias esquematizações táticas europeias” que nos nivelaram a nossos rivais, tão carentes de criatividade.
Submetemo-nos a completa lavagem cerebral que o marketing e a mídia predatória fazem na cabeça dos torcedores e na de seus filhos, orientando-os a adularem craques estrangeiros e equipes europeias que estiverem mais na moda.
Fomos coniventes fechando os olhos para nossas agremiações menores, sobretudo as que a imprensa relegou ao desprezo de uma notinha ou enxotou de seu site.
Jogamos a culpa sempre nos outros, como sempre. O resultado do que se iniciou nolongínquo 1980, acabaria se impondo nas décadas seguintes. Por isso é que lhes conto tudo isso daqui do futuro, onde me encontro hoje, em 2038: porque o nosso futebol brasileiro morreu!
Não somos mais o “país do futebol”, há muito tempo, aliás. A Alemanha e a Itália chegaram ao hexa e nos superaram em Copas conquistadas. Do falido futebol sul-americano, tivemos apenas a alegria do Uruguai sediar a Copa Centenária de 2030. E a Argentina se tornar tri (nem me perguntem como!). Se isso ainda fosse o pior, nem estaria tão chateado, contando a vocês.
Pior foi o que aconteceu por aqui! O último craque que conseguimos revelar por estas plagas se chamava Neymar e ele encerrou sua carreira há exatos quinze anos. Ou seja: as crianças de hoje jamais viram um craque tupiniquim jogando ao vivo. Mais dramático foi o que aconteceu aos campeonatos. Os regionais foram extintos, simplesmente porque os clubes pequenos faliram. Alguns poucos se tornaram amadores, enquanto mais de 90% “fecharam as portas”.
Logo a crise chegaria aos grandes, também. Vários, enterrados em dívidas, aceitaram perder seus estádios, para não morrerem. Outros lutam à duras penas, para manterem a dignidade de pé. Desde 2012 quando o Corinthians foi bicampeão mundial, não ganhamos mais uma única final de campeonato mundial de clubes, sequer. O campeonato brasileiro hoje possui três divisões: na primeira, 12 clubes. Na segunda divisão, outros doze e na “terceirona”, num verdadeiro “catadão” com o que restou do futebol nacional, ficam todos os outros 36. E é só.
Os estádios leiloados (a maioria em lastimável estado) vêm dando lugar ultimamente, a templos religiosos, shopping-centers, condomínios de luxo ou mesmo torres comerciais. O futebol brasileiro decaiu tanto que não deixou de ser apenas o preferido do planeta: hoje ele não é sequer o preferido entre os brasileiros, pois está em terceiro lugar na preferência dos mais jovens, segundo uma enquete. Nenhuma criança sabe quem foi Pelé ou Garrincha!
E pensar que eu avisei tanto que tudo isso iria acontecer! Mesmo desconhecido do grande público eu, um modesto escritor independente, alertei isso em meus livros e – já num ato de desespero – escrevi um artigo revelando o que ocorreria nos próximos anos, num site chamado “Museu da Pelada”, às vésperas de mais uma dessas nossas seleções nacionais insossas estrearem no Mundial de 2018, na Rússia.
Pois sabem o que ganhei com isso? O público me taxou de louco, ranzinza, tolo, agourento, chato e toda a sorte de “qualidades” que vocês possam imaginar.
Pessimista foi do que mais me acusaram. Só desconhecem o fato de que um pessimista nada mais é do que um otimista melhor informado.
Restou-me ao menos a consciência limpa de quem tudo fez para avisar até onde iríamos nesse fundo de poço em que se meteu o nosso pobre futebol brasileiro.
BOLA FORA
por Sergio Pugliese
O consagrado produtor garantiu ao executivo da empresa que a melhor estratégia para divulgar o produto seria uma pelada entre artistas e jogadores profissionais: “Estará na capa de todos os jornais!”. O investimento seria alto, afinal os craques e estrelas da tevê sugeridos pelo especialista viviam o auge da carreira. João Araújo, presidente da Som Livre, revelou o plano de comunicação para a diretoria e juntos calcularam os cachês. Projeto aprovado, todos apostaram num estrondoso retorno de mídia para o lançamento de “A Banda do Zé Pretinho”, 16º disco de Jorge Ben, que marcava sua entrada na Som Livre, em 1978.
– Quando recebi sinal verde corri para comprar as camisas – recordou Miéle, autor da ideia.
Mas comprar as camisas era um pequeno detalhe. Na verdade, a mente diabólica de Miéle estava focada na formação dos times. Em casa, distribuiu os nomes das estrelas sobre a mesa e avaliou um a um. O racha seria no campo do Flamengo e logo após a partida, Jorge Ben se apresentaria no ginásio. Seria a resenha mais divertida do planeta e não convinha sair derrotado, ainda mais sendo o pai da ideia. E sem qualquer culpa, iniciou a solitária divisão, “Marinho Chagas para mim, Merica para eles….Doval para mim, Cafuringa para eles…”. Todos eram craques, ídolos, mas alguns foram abençoados por Deus com o toque mais refinado e bonito por natureza. O guloso Miéle queria todos esses fora de série a seu lado. Com os times fechados, o “cartola” ligou para a rapaziada e comunicou a data e o local da festa. A escalação revelou minutos antes da peleja.
– O Miéle, mui amigo, me escalou de lateral no time adversário e o ponta deles era só o Mário Sérgio – reclamou Armando Pittigliani, o Pitti, produtor cinco estrelas e descobridor, entre tantas feras, de Jorge Ben.
Ao final da distribuição das camisas, os escretes ficaram assim: o “Banda do Zé Pretinho” com Nielsen, Arnaud Rodrigues, Rondinelli, Miéle e Paulinho da Viola. Marinho Chagas, Carpegiani e Mário Sérgio. Betinho Cantor, Doval e Mário Gomes. E o “Para Alegrar a Festa” com Ubirajara, Francisco Cuoco, Armando Pittigliani, Junior e Edson Celulari. Paulo Cesar Caju, Carbone e Merica. Cafuringa, Márcio Braga e Jorge Ben. O clube estava lotado de sócios, celebridades e convidados. Todos constataram um certo desequilíbrio, mas Miéle preocupou-se quando viu Paulo Cesar Caju conversando reservadamente com Junior. Tentou imaginar qual estratégia o genial PC estaria traçando com o jovem lateral do Flamengo, que acabara de subir do juvenil para o time principal. E preocupou-se ainda mais quando notou seus craques Mário Sérgio e Marinho Chagas na beira do campo deslumbrados com a beleza de Sandra Brea e Maitê Proença.
– Apostei todas as minhas fichas naquela vitória – contou o botafoguense Betinho Cantor, recordista de trilhas em novelas da Globo, e que na época fazia sucesso com Lucia Esparadrapo, em “O Cafona”, e “Se Você Tem Tempo”, na série “O Invencível Linguinha Versus o Titânico Mr. Yes”, estrelado por Chico Anysio e exibido logo após o Jornal Nacional.
Mas o papo ente PC e Junior surtiu efeito e o improvável aconteceu. Zeeeeebraaaa!!!! PC Caju acabou com o jogo, entortou Deus e o mundo e marcou dois golaços. Os outros três foram do garoto Junior, que conhecia o campo como ninguém. Resultado, 5 x 2. PC valeu-se da forte marcação de Carbone e Merica em Marinho Chagas, Carpegiani e Mário Sérgio para criar livre, leve e solto, e colocar os adversários na roda. Até hoje Betinho Cantor lamenta-se e garante que se jogassem contra eles novamente cem vezes, ganhariam as cem.
– Choro de perdedor – desdenhou PC Caju, crítico ferrenho do excesso de jogadores de contenção e do futebol força, chamado por ele de “invasão gaúcha”. – Mas naquele dia, me beneficiei disso – brincou.
O lateral Armando Pittigliani gaba-se de ter “parado” Mário Sérgio e não admite quando acusam a arbitragem de ter beneficiado o atacante Jorge Ben, o festejado do dia.
Flamenguista roxo, Jorge Ben, Barauna Homem Gol, não se intimidou e partiu para cima de seu grande ídolo Rondinelli, que naquele ano fez de cabeça, no último minuto, o histórico gol do título do campeonato estadual do Flamengo em cima do Vasco. Jorge Ben arrasou! Sua apresentação foi mágica no campo e no palco! Humilde, Miéle reconheceu a superioridade adversária e cumprimentou um a um. Reuniu o time para a foto antológica e a guarda até hoje, orgulhoso. Virou quadro, claro, e enobrece sua parede!
– O plano não deu certo, mas joguei num time de sonho! – resumiu.
Mas a derrota não foi sua única dor de cabeça. No dia seguinte, apesar da enxurrada de celebridades, não saiu uma notinha sequer, nada. Nem no noticiário esportivo, nem nas colunas sociais. João Araújo espremeu os jornais e zero de notícias sobre o lançamento do disco. Tanto investimento para nada. Miéle assimilou as queixas, mas esquivou-se da culpa, afinal sua ideia era ótima, apenas mal aproveitada. E além das contas, a peladinha valeu por tudo! Quem pagaria o pato? Sobrou para o gerente de comunicação. Quietinho, ouviu do chefe que os grandes “times” vivem de resultados e assim como os técnicos da vida real foi dispensado. Pegou sua prancheta e partiu.
FECHADO POR MOTIVO DE FUTEBOL
por Claudio Lovato
Em 1995, o escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940- 2015) lançou o clássico “Futebol ao sol e à sombra”, um livro cuja presença é essencial na mesa de cabeceira de todos os interessados em compreender a importância do futebol nas sociedades mundo afora. Mas antes e depois dessa obra magistral, Galeano produziu muitos textos sobre futebol, publicados de forma esparsa em outros livros seus, em jornais e revistas. Esses escritos, e mais a íntegra de uma entrevista concedida à revista argentina “El Gráfico”, um prefácio e dois discursos, foram reunidos no livro “Fechado por motivo de futebol” (editora L&PM, 2018, 228 páginas). Fruto de um extraordinário trabalho coordenado pelo editor argentino Carlos E. Díaz, esse resgate de uma parte valiosíssima (inestimável) da literatura de Eduardo Galeano incluiu contribuições de Helena Villagra, companheira de Galeano durante 40 anos, e de Ezequiel Fernández Moores e Daniel Winberg, amigos com quem o escritor compartilhou projetos e a profunda paixão pelo universo da bola. O título do livro refere-se ao fato de que, no começo de cada Copa do Mundo e ao longo do mês inteiro, Galeano pendurava na porta de sua, em Montevidéu, um pequeno cartaz com o aviso “Cerrado por fútbol”. Palavras de Galeano: “Quando retirei [o cartaz], um mês depois, eu já havia jogado 64 jogos, de cerveja na mão, sem me mover da minha poltrona preferida”.
Uma amostra do que se encontra no livro:
Papai vai ao estádio
Em Sevilha, durante um jogo de futebol, Sixto Martínez comenta comigo:
– Aqui existe um torcedor fanático que sempre traz o pai.
– Claro, é natural – digo. – Pai boleiro, filho boleiro.
Sixto tira os óculos, crava o olhar em mim:
– Este de quem estou falando vem com o pai morto.
E deixa as pálpebras caírem:
– Foi seu último desejo.
Domingo após domingo, o filho traz as cinzas do autor de seus dias e as põe sentadas ao seu lado na arquibancada.
O falecido tinha pedido:
– Me leva para ver o Betis da minha alma.
Às vezes o pai ia até o estádio numa garrafa de vidro.
Mas numa tarde os porteiros impediram a entrada da garrafa, proibida graças à violência nos estádios.
E a partir daquela tarde, o pai vai numa garrafa de papelão plastificado.
O FUTEBOL NÃO É O ÓPIO DO POVO
por Mateus Ribeiro
O Brasil passa por um momento difícil. Como sempre passou, é bom lembrar.
Passamos por uma crise econômica e política que está se arrastando por longos anos, e parece não ter fim. A atual paralisação parece ter sido o ápice dessa montanha que passou anos sendo construída, abusando da paciência do povo brasileiro.
Povo brasileiro, aliás, que chegou no seu nível máximo de estresse na última década. Algumas pessoas, um pouco mais exageradas, chegaram a perder amizades antigas por divergências políticas e ideológicas. Outras, um pouco mais sensatas, tentavam manter um debate. E no meio de tudo isso, algo me chamou a atenção: o número de pessoas escolhendo o futebol (mais precisamente a Copa do Mundo) como bode expiatório.
O Facebook se tornou uma Universidade de críticas ao papel do esporte bretão: “O Brasil falindo e a população preocupada com a Copa do Mundo”; “O brasileiro só quer saber de bola e mais nada”, e mais algumas frases prontas foram compartilhadas em grande número.
Depois de ler tanta besteira, em um certo momento, meus olhos não estavam ardendo mais, e resolvi explicar um pouco o óbvio: ao contrário do que muita gente tenta cravar, o futebol não é o ópio do povo. Está bem longe disso, aliás. Apesar de não ser necessário, alguns fatores podem explicar melhor o que quero dizer. Vamos lá!
1- Futebol é lazer: Antes de qualquer coisa, o futebol é uma forma de lazer. Seja acompanhando na sua casa, em uma padaria, um bar, ou entre amigos. Acredite você ou não, ver meu time do coração (ou qualquer outro) representa a mesma coisa que assistir aquele filme que você esperou meses para sair (e passou mais outros bons meses comentando), ou então, ir até o show daquele artista que você tanto gosta. Vale lembrar que o lazer é um direito social, de acordo com a Constituição de 1988.
Imagina só se todo mundo deixasse de assistir futebol, assistir filmes, ver shows, assistir peças de teatro, sair de casa para jantar, como o Brasil seria um lugar melhor pra se viver?
Já pensou como a vida seria se nossos dias fossem resumidos em 90% trabalho e 10% “descanso”?
2- O futebol não atrasa o País: Talvez você fique chocado com essa informação, mas o futebol está longe de atrasar o País, seja social, economicamente, ou em qualquer outra esfera. Não vai ser o fato de uma grande parcela assistir um jogo de futebol que vai fazer uma nação ir direto ao abismo. Não precisa ser muito esperto para saber disso.
Agora, se o camarada “deixa de colocar comida em casa pra ver o time jogar” (o que eu nunca presenciei, em 25 anos de futebol), aí o problema é dele, e não do futebol.
3- Ser fanático por futebol não é “coisa de terceiro mundo”: Mais um fato que vai chocar a parcela anti chuteiras. Antes de tudo, peço que quem está lendo observe as fotos abaixo:
As imagens mostram estádios da Alemanha, Espanha, Holanda, Suíça, Noruega e Dinamarca, respectivamente. Note que todos os estádios estão cheios de torcedores.
O que quero dizer com isso? Países com alto índice de desenvolvimento social e econômico são habitados por pessoas que amam futebol. É SÉRIO! O PRIMEIRO MUNDO TAMBÉM GOSTA DE FUTEBOL. Isso para não falar de Itália, Inglaterra, França, Japão, Suécia, Bélgica e mais uma infinidade de países de primeiro mundo que amam o futebol.
4- O Futebol movimenta a economia: Um clube de futebol não é composto apenas por jogadores e comissão técnica. Profissionais de muitas áreas trabalham ali: auxiliares de cozinha, auxiliares de limpeza, economistas, administradores, o pessoal que cuida da grama, os roupeiros, e todo tipo de trabalhador está ali para fazer a roda girar.
A partida de futebol também mobiliza muita gente: a galera que fica vendendo espetinho, salgado, e todo tipo de quitute nas proximidades do estádio, com o intuito de fazer uma renda extra. E tem também a turma dos aplicativos de carona, o aumento de pessoas comprando bilhetes para utilizar o transporte público.
E quando é um time grande jogando em cidade pequena então? Um fenômeno que acontece todo ano, principalmente em torneios continentais e nacionais que fazem times dos mais variados níveis se enfrentarem. Jogos de times gigantes em cidades minúsculas não são nenhuma novidade, e fazem com que a cidade fique em evidência. Por consequência, é dinheiro que entra na rede hoteleira, em restaurantes, e tudo o mais.
Bom, acho que falar sobre pessoas que ganham seu sustento com o jornalismo esportivo não é necessário, né? Próximo tópico.
5- “Enquanto você grita gol, te exploram”: Essa afirmação, que é uma das mais sem nexo que já ouvi (e não sei quem criou), visa pegar o futebol como bode expiatório, e símbolo de alienação. Basicamente, consideram o futebol o circo da política do pão e circo.
Sinto informar, tenho uma péssima notícia para você que é mais culto que o fã de futebol, e passa o dia ouvindo Chopin, estudando as obras de Sheakspeare e assistindo cinema cult Russo. O sistema te explora também.
6 – “Futebol é diversão de quem não é tão inteligente”: Acho que não preciso falar sobre o número de pessoas influentes que gostam de futebol, não é mesmo? Seja na política, na música, no cinema, existem MILHÕES de pessoas com muito talento, que são fanáticas por futebol. Muito mais talento, aliás, do que o “talento” que foi necessário na cabeça de quem criou, ou segue a teoria de que futebol é coisa de “gente burra”.
Dito isso, acho que consegui deixar mais claro que o futebol não é uma forma de alienação. Ao menos, não na sua essência. Agora, se as pessoas se deixam alienar, é uma pena. Seja o lazer, seja a religião, seja ideologia, o importante é que usemos essas armas para melhorar nossa vida, e não que sejamos usados.
Espero que tenham entendido o contexto. Agora vou pegar fila para pagar contas, e depois, acompanhar os preparativos para a Copa do Mundo, afinal, ninguém é de ferro, né?
Um abraço, e até a próxima!