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A DESPEDIDA EM SÃO PAULO, A FESTA QUE NÃO HOUVE E VAIAR ZICO, JAMAIS!

por Marcelo Mendez

28 de Fevereiro de 1982, o Dia…

Era um daquele domingos clássicos.

O cheiro da manhã na Quebrada, uma mistura de orvalho, com os temperos da mãe que já preparava as coisas do almoço, misturado com a fritura das bancas de pastel e das máquinas de frango, o caminho pelo bairro até o campo do Nacional era algo lúdico pra Fellini filmar. Ali nos encontraríamos, mas não para jogar. A peleja seria outra e em outro lugar.

Era a final do campeonato de Santo André na categoria mirim e o Nacional do Parque Novo Oratório enfrentaria o time da Pirelli, no estádio do Jaçatuba. Uma novidade para nós, uma molecada que cresceu correndo no terrão ao lado do cemitério e que ali, jantou todo mundo.

Chegamos na final do campeonato, com 2 gols tomados e mais de 40 feitos em 8 jogos. Os antigos da várzea que frequentavam a beira do campo apelidaram nosso time de “A Máquina” e acho que era bem pertinente. A gente entrava em campo pra passar por cima mesmo! Chegando na sede, vi a rapaziada e o primeiro que falei foi o Pedrinho:

– E aí, Marcelo? Dormiu?

– Porra nenhuma. Não consegui fechar o olho. Tem que começar logo esse jogo!

– É, vai ser difícil, time deles é bom…

 Nessa hora, o Batata, nosso volante chegou na roda ao ouvir a prosa:

 – Bom é o caralho, Pedrinho. Time bom é o nosso! Vamo logo lá ganhar essa porra!

 – Bora!

 Pouco depois, a Kombi que nos levaria até o Estádio do Jaçatuba, em Santo André, encostou. Nela, fomos nós, os jogadores, mais o seu Cido, Esquerdinha e o Ditinho roupeiro. Atrás de nós uma fila de alguns carros dos nossos pais, amigos e torcedores vieram nos seguindo. Impossível não se empolgar com aquilo tudo. Não tinha como dar errado…

Zico de presente…


 Aos 42 do segundo tempo, o placar da final era Nacional 6×0 Pirelli.

 Foi um baile de bola!

Naquele dia fiz três gols, os três primeiros. Carlão, o centroavante, fez dois e o Lidú, ponta esquerda, fez o outro, driblando a defesa da Pirelli, o goleiro, o gandula e toda a Santo André. Um golaço!

Com o apito do árbitro, festa no gramado, os pais e torcedores entraram no campo e abraçaram a gente.  Meu Pai, junto meus tios Bida e Zé, entrou junto, me abraçou, me levantou e já foi anunciando:

 – Filho, tu arrebentou! De presente, vou te levar pra ver o Brasil, quarta-feira no Morumbi!

 Nessa hora, o mundo começou a rodar na minha cabeça!

 – Sério, Pai? Eu vou ver o Zico de perto? O Éder? Vou mesmo???

 – Vai, sim! E vai comer lanche de pernil também!!!

 – Ebaaaaaaaaa!!!

 Dois tempos de uma mesma festa

O caminho para o Morumbi já era por si só uma grande viagem.

Sair do Parque Novo Oratório, para chegar do outro lado da cidade em 1982, era uma grande aventura que eu amava ver se concretizar. As luzes de São Paulo, o carro do Carlinhos, deixado lá longe, a procissão a pé, do lado de milhares de torcedores, Gentes como eu, ávidos por espetáculo, por sonhos, pela seleção que já já disputaria a Copa.

O jogo seria contra a Tchecoslováquia. Eles não se classificaram para a Copa, mas era um bom time. Além disso, a noite era toda especial.

Dia 03 de março de 1982 era aniversário do Zico, completando 29 anos, o jogo seria uma homenagem a Jairzinho, que estava se despedindo do futebol e o clima no Morumbi era ótimo. Parecia que nada seria estragado. Mas daí, um jogo precisava ser jogado…

O primeiro tempo tinha sido protocolar. O time nosso, que uma semana depois enfrentaria a Alemanha no Maracanã, jogou apenas para o gasto. Os Tchecos pouco faziam e a partida começou a ficar chata. No segundo tempo, mesmo com o gol do Zico nada mudou e a torcida começou a vaiar o jogo sem dó.


A cada bola que Roberto Dinamite pegava, vinha o estrondo das arquibancadas; “Uuuuuuuuuuuuuuuhhh”. Eu, que via tudo isso, não conseguia acompanhar a rapaziada.

Não passava pela minha cabeça vaiar o Zico. Seria algo contra tudo que eu já acreditava aos 12 anos, um atentado contra meus sonhos, um ídolo ali, esculachado por mim. Jamais!

Me coloquei numa espécie de transe e parei de ver e ouvir as coisas a minha volta. Ali no campo, distante apenas alguns metros de mim, estava o maior ídolo da minha vida. O maior dos jogadores, o camisa 10 que eu queria ser. Zico correu, suou, se esforçou o que foi possível, mas não conseguiu impedir a má sorte do placar final em 1×1 e todas aquelas vaias no final do jogo.

Indo embora, estando num clima completamente diferente daquele que foi a chegada, eu estava bem, estava feliz e pensava que muitas outras emoções viriam pela frente. Já, já começaria a Copa do Mundo.

E eu descobriria que a Tchecoslováquia seria o menor dos problemas. Quem dera fosse o maior…

O FIM DO FUTEBOL

por Marcelo Migliaccio


Da renda de mais de R$ 1,2 milhão no jogo de domingo, coube ao Flamengo cerca de R$ 100 mil. Para abrir seus portões, o Maracanã, elitizado e privatizado por Ali Babá Cabral, cobra quase R$ 500 mil. Onde cabiam 160 mil pessoas, agora cabem 60 mil.

Ninguém se importa porque a TV paga a diferença e mantém os clubes no cabresto. A consequência é que mais de 60% da população brasileira não liga mais para futebol. Preferem o basquete da NBA ou o a selvageria do MMA. Quando muito, torcem pelo Barcelona, pelo Manchester United, pelo Bayern de Munique.

No campeonato patrocinado pela TV, a previsibilidade é a regra. Quem subiu da série B no ano passado deve cair de novo este ano. O campeão fica entre Flamengo ou Corinthians, aos quais a detentora dos direitos de transmissão paga muito mais do que aos outros.

A suprema consagração deste modelo foram os 7 a 1 da Alemanha.


A continuação vem agora:

Não, nenhum debatedor de mesa redonda vai admitir que a derrocada do futebol brasileiro começou em 1987, quando um fabricante de refrigerantes e a emissora de TV hegemônica compraram o campeonato nacional e ordenaram uma virada de mesa. Só os 20 clubes de maior torcida disputariam a Copa União.

O America, terceiro colocado no Brasileirão de 86, e o Guarani, vice-campeão, foram rebaixados para o módulo amarelo, que nada mais era do que a segunda divisão. Esses dois times, tradicionais, nunca mais se recuperaram do baque.


Mas isso nenhum jornalista vai admitir na TV. Preferem colocar a culpa pelo afastamento do público dos estádios na violência urbana, nas torcidas organizadas, na crise econômica etc.

É só mais um capítulo do fim do futebol.

IBRA NO BRASIL?

por Matheus Rocha


Você queria o Ibra no seu time? Saiba que ele poderia estar nos principais times do Brasil.

Talvez você, leitor, esteja se perguntando: “como este ‘louco’ diz que o Ibrahimovic poderia estar jogando no meu time aqui no Brasil?”. E eu te respondo: “Sim, poderia, se as gestões sobre os clubes não fossem tão amadoras”.

Os torcedores sabem, mas não se importam. Os clubes são amadores no Brasil e agora estão começando a se profissionalizar e tratar como sempre deveria ter sido tratado. O excesso de empréstimos e excesso de falta de pagamento de tributos no passado gerou um passivo muito grande para os clubes, que sofrerão durante os próximos anos para pagá-los.

Se cada clube tivesse um plano bem definido, um orçamento bem ajustado e, principalmente, que fosse cumprido este orçamento, poderíamos estar brigando com a Europa em todos mundiais interclubes, fazendo frente às contratações e colocando o Brasileirão na vitrine, gerando mais valor e mais receita para todas as equipes. Pode até parecer absurdo o que eu digo a você, leitor. Mas não é absurdo.


Pesquisei hoje os balanços patrimoniais de alguns dos principais clubes do Brasil em seus sites e digo que estão melhorando as apresentações. Com algumas exceções, como Coritiba – a página diz estar sendo atualizada; do Vasco que nunca é encontrado no site; do Fluminense – que há somente um balanço provisório informando que está sendo avaliado pela auditoria ainda (faça-se uma ressalva que os balanços do Fluminense são muito bem apresentados há algum tempo, então acredito ser somente questão de tempo).

Alguns clubes ainda precisam melhorar (e muito) as apresentações de suas demonstrações financeiras para que tenham uma consistência e que informem aos associados e torcedores algo relevante, conforme previsto na lei do PROFUT. Esses clubes demonstram um amadorismo muito grande quando apresentam as demonstrações financeiras com informações faltantes ou até mesmo com erros que são facilmente identificáveis para profissionais da área contábil.

Mas vou explicar primeiro a técnica utilizada na comparação que faço ao final deste texto: os clubes apresentam as despesas financeiras (basicamente juros e atualizações monetárias de empréstimos e tributos, com alguma outra despesa financeira extra). Comparei essas despesas financeiras com os salários de alguns jogadores do futebol mundial. E o que isso significa? Significa que se os dirigentes do passado não tivessem captado tanto empréstimo e tivessem pagado todos os tributos no período correto, hoje os times poderiam estar pagando salários que competissem aos salários dos jogadores da Europa. Obviamente isso não é uma verdade absoluta, pois alguns jogadores deveriam rescindir com os clubes atuais, isso gerariam outros gastos de contratação. Mas aqui é somente um exercício de reflexão sobre a boa gestão.

As despesas financeiras também não significam que o clube pagou aquele valor no ano, pois por vezes esses juros são somente um aumento do empréstimo ou do acordo relativo a aquele ano que será pago em anos posteriores. Isso ocorre por que os clubes não apresentam adequadamente os juros pagos na demonstração do fluxo de caixa, conforme requer a norma contábil, com exceção do Flamengo. A outra exceção, porém negativa, é o Cruzeiro que não possui abertura do resultado financeiro, ou seja, o valor utilizado são as despesas financeiras líquidas das receitas financeiras. Os clubes somam amortizações e juros dos empréstimos e tributos, então resolvemos ser consistentes na comparação. Dessa forma, utilizamos as despesas financeiras da demonstração do resultado ou da abertura da nota explicativa para todas as equipes abaixo:


O que vale lembrar é que os clubes têm essa despesa financeira todos os anos, ou seja, seria possível pagar o salário de um James Rodriguez ou de um Zlatan Ibrahimovic durante vários anos com o que os grandes clubes brasileiros pagam.

Toda vez que o presidente do seu clube anunciar uma grande contratação, lembre-se: poderia ser muito melhor, se a gestão passada tivesse sido profissional!

 

** Matheus Damasceno Rocha é contador formado pela UFMG e pós graduado pela FGV e Ohio University. Experiência de mais de 15 anos em multinacionais e ex-auditor da PwC em BH e no Rio.

VITÓRIA NA ALEMANHA E A FESTA QUE PRECEDE O SILÊNCIO. O BRASIL SEGUIA FIRME ATÉ 1982…

por Marcelo Mendez

As minhas andanças de pijama até o quarto do Velho Gunther já era algo comum na rotina do Hospital Santo André.

Toda a hora que dava eu ia lá pra ver desenho, Globo Esporte e filmes de bang bang. Gunther, quando não resmungava de tudo, dormia e os dois grandões, Pedrão e Teodoro, viraram meus amigos e me falaram dele. Particularmente, porque ele ficava sempre sozinho naquele quarto enorme e chique.

O Velho Alemão não tinha uma boa relação com os filhos, com ninguém. Sempre cuidou dos seus negócios com mão de ferro e a vida que teve o fez se preocupar muito em ter as coisas todas, a ganhar tudo e de todos, se dedicou a isso e nunca teve muito para nada que não fosse o que por aí se chama de sucesso. Eles me contaram que a coisa piorou quando a mulher faleceu e agora a doença.

Gunther era um homem rico e solitário.

Como tal, tinha um pouco de medo quando alguém afrontava essa solidão. Foi o que aconteceu comigo, no começo, mas era o que não acontecia mais, desde o dia que bati na sua porta pra ver futebol

Liberado para receber afeto


Descobri no dia anterior que eu finalmente estava liberado para receber visitas.

A doença já estava saindo do meu corpo, a recuperação ótima e em breve eu teria alta para ir pra casa. Faltava pouco e agora ia poder ver as pessoas que pudessem me ver. No dia 18 de maio de 1981 eles poderiam vir me ver, mas isso tava me preocupando…

Naquele dia, o Brasil, que já havia vencido a Inglaterra por 1×0 e dado um baile de 3×1 na França, iria enfrentar a Alemanha, depois daquele 4×1 do mundialito, só que dessa vez na casa deles, em Stuttgart. O time alemão era forte e viria com tudo pra cima da gente. O jogo seria as 16h45 e o horário de visitas das 15h às 17h. Que coisa…

O Parque Novo Oratório é em todo lugar…

Às 15h em ponto, meu Pai, minha mãe e minha irmã entraram no quarto.

Depois de abraços, beijos, orações e glórias, me entregaram um pacote com bolacha, maçã, pêra. Eu estava liberado pra comer fora da dieta do hospital. Falamos um pouco quando meu pai falou da surpresa:

– Filho, eu vou lá embaixo buscar um pessoal que veio te ver!

– Quem, Pai?

– Você vai ver…

E enquanto eu falava com a mãe, eis que ouço um barulho, seguido de uma invasão no quarto:

– Aeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!!!!!!

Era o time do Nacional. Todos os jogadores do time fizeram questão de vir me ver. Seu Cido, nosso diretor, arrumou uma Kombi, botou todo mundo dentro e trouxe a molecada toda.

– Espera, sai de cima, vai quebrar a cama!

Todos eles fizeram montinho em mim, comemoraram e uma zona foi feita no corredor do terceiro andar do hospital. Os assuntos eram vários:

– Marcelo, tamo classificado pra semifinal do campeonato de Santo André. Sem você, tá jogando o Edu! – me informou Baianinho, o zagueiro.

– E tá muito bem, viu? Cê pode seguir aqui mais uns dias…

– Vai se fuder, Carlão!

Todo mundo riu. As gargalhadas foram interrompidas pela pergunta do Tocão:

– Puta merda, num vamo poder ver o jogo. É daqui a pouco!

– Hum… Pode deixar, vou dar um jeito. Venham comigo!

– Marcelo, pra onde você tá levando eles?

– Pode ficar tranquila, Mãe. É aqui perto…

A arquibancada possível…

Acompanhado de mais 12 moleques eu cheguei até o quarto do Seu Gunther:

– Seu Gunther, tudo bem?

– Mas que diabo é isso? Arrastão?

– Não, Seu Gunther. Esses são meus amigos, lá do nosso time, o Nacional do Parque Novo Oratório, aquele que eu falei pro senhor…

– Sim, mas o que você quer aqui com essa turma?

– Seguinte, hoje é o ultimo jogo da excursão da Europa e contra a Alemanha do senhor. Daí trouxe os amigos pra gente ver o jogo aqui!

– Mas de novo esse futebol?

– Ô Seu Chucrute… Libera logo essa TV aí, que já vai começar.

– Do que você me chamou??!

– Cala a boca, Luciano! Seu Gunther, a gente num vai embora. Deixa a gente ver, vai…

Resoluto, Gunther deixou. E mesmo que não quisesse, entrou na nossa pilha e o quarto virou uma festa. Ele mandou que Teodoro comprasse um monte de salgadinhos da lanchonete do hospital, refrigerantes e até uma pipoca arrumou. Quando a Alemanha fez 1×0 com Fischer, ele gritou gol e tudo.

Porém, quando Toninho Cerezo empatou, a gente fez montinho nele e no segundo gol, de Júnior, quase derrubamos o andar do Hospital.

Tiveram ainda os pênaltis que Valdir Peres defendeu e, no final de tudo, o jogo acabou, o horário de visitas estourou e quando foram se dar conta, no quarto particular de Gunther tinha nós, os moleques, meu pai, os seguranças do Velho, os Enfermeiros, o médico de plantão e o pessoal da faxina.

Uma festa!

O Brasil saía invicto da Europa e o Velho Gunther, depois de muito tempo, voltou a sorrir.


A dor que o silêncio traz…

Os dias se passaram.

Chegou a vez de eu ter minha alta e eu corri lá pro quarto dele para dar a notícia, mas ele não estava mais lá. Dona Dora, a enfermeira, estava arrumando as coisas e foi ela quem me contou.

Gunther havia morrido naquela madrugada. Ninguém de sua família subiu para vê-lo, nenhuma pessoa ali para lamentar nada. Parei por um tempo ali.

Olhei para a TV, lembrei das tardes que passamos juntos e fiquei triste o bastante para não querer mais olhar para nada daquele lugar. De volta pelo corredor do Hospital Santo André, chorei sem entender o porquê.

Naquele Maio de 1981, aprendi que a vida, o futebol e a Copa de 1982 eram bem legais, mas que também podiam fazer chorar.

Essa foi uma lição que eu não aprendi para 1982…

 SANTA CLARA

por Sergio Pugliese


Guaraci e Zico

Dona Sandra passava pelo corredor quando ouviu murmúrios no quarto. Só faltava essa. Seria Gaúcho, o maridão, falando sozinho? Da porta constatou um caso bem mais grave. Ajoelhado, ele olhava para o céu e rezava para Santa Clara clarear o dia seguinte, domingo da bendita pelada. Para a mandinga ser completa protegia dois ovinhos postados na janela.

– Preferi deixá-lo só. Não se contraria um doido numa hora dessas – divertiu-se a mulher.

Quem conhece Guaraci Valente, o Gaúcho, ex-modelo, ex-ator, craque de bola e empresário ousado, sabe que ele é um autêntico maluco beleza. É o gaúcho mais carioca de todos. Até Renato Gaúcho, batizado um dia de Rei do Rio, ele deixa no chinelo. É criativo, irreverente, espirituoso e completamente enlouquecido por peladas. Tanto que hoje vive delas. Em sociedade com Claudinho Cunha montou a Planet Globe, uma ideia genial. Um time de atores e cantores famosos que viaja por todos os cantos do planeta representando empresas ou campanhas educativas. Foram, inclusive, campeões do mundo na Rússia e sul americanos, na Argentina.

– Não pode haver nada melhor na vida do que respirar pelada 24 horas – vibra Gaúcho.

Na verdade ele e a pelada nunca se desgrudaram. Quando criança era manhã, tarde e noite. Jogou pelo mirim do Internacional e no colégio participou de todos os torneios. Na Aeronáutica fez parte da seleção. Nessa época já era modelo e também montou um time na agência. Aí veio para o Rio e, em 69, foi contratado pela Globo. Seu primeiro papel foi na novela A Ponte dos Suspiros, com Claudio Marzo. Entrava mudo e saía calado como chefe da guarda francesa.

– E ainda tinha que usar uma peruca loura – recordou, às gargalhadas.

Mas nem no elenco global se aquietou. Conheceu Dary Reis, ator responsável pelo time de estrelas da emissora que se apresentava no Brasil inteiro, principalmente em preliminares de grandes clássicos. Daí a inspiração para o Planet Globe. Entrou para o time e não saiu mais. Fez uma linha de frente infernal com Nuno Leal Maia e foram chamados para interpretar dois jogadores em Vereda Tropical.

– Não tinha jeito. Eu e a pelada sempre acabávamos nos cruzando. Um caso de amor! – brincou.

No Rio, Gaúcho circulava em todas as rodas e logo tornou-se uma figura conhecida e folclórica por seu jeito feliz de levar a vida. Morou com Tim Maia e Hyldon, no Solar da Fossa, uma espécie de albergue onde era o Canecão, e por anos jogou no Dínamo, time de praia de Tião Macalé, o Nojento. Vivia de sunga e invadia a casa de Junior Mendes para almoçar. Sujava tudo de areia para desespero do pai do amigo, Luiz Mendes, “o comentarista da palavra fácil”.

– Tenho história para contar – orgulha-se.

Certa vez o time da Globo foi jogar no Maracanã, preliminar do clássico Flamengo x São Paulo, com público de 123 mil torcedores. Gaúcho estava na ponta dos cascos. O jogo era contra astros paulistas e seu marcador, Agnaldo Timóteo. No último minuto, Betinho Lúcia Esparadrapo cruzou a bola para a área e Gaúcho ajeitou de cabeça e emendou uma bicicleta certeira. Gol da vitória. O Maracanã foi abaixo. Da cabine de rádio, João Saldanha comentou ao vivo para Luiz Mendes: “O Botafogo está precisando de um centroavante desses!”. Mas Luiz Mendes sabia de quem se tratava e fulminou: “Deixa quieto. Esse Gaúcho é amigo do meu filho. Vai lá para casa depois da praia, suja tudo e deixa a Daisy (Lúcidi, mulher dele) quase louca”.

No gramado, Gaúcho era festejado pelos amigos. Nesse dia, ele fez chover. Ainda bem que Santa Clara não interfere nesse tipo de chuva. Pelo contrário. Gaúcho garante que até ela deve ter pulado na arquibancada. Com todo cuidado do mundo para não quebrar os ovinhos.