A SELEÇÃO PERDEU… ESPAÇO
por Idel Halfen
(Foto: Paulo Araújo)
Se buscarmos na lembrança o comportamento da população em ano de Copa do Mundo, iremos certamente perceber que atualmente a seleção brasileira não tem mais o mesmo espaço nas conversas, na mente e nos veículos de mídia que tinha no passado. Aqui deve ser explicitado que nos referimos ao espaço proporcional, pois pode até ser que o número de páginas dedicadas ao tema num jornal, por exemplo, tenha se mantido, porém, outros assuntos, entre os quais a política e os fatos que dali se derivam, passaram a ter uma participação maior.
Existem várias teses para se explicar esse fenômeno. Alguns defendem que a mudança na comunicação através da internet, com maiores opções de mídias e conteúdos, propiciou uma acessibilidade e um cardápio maior de opções.
Outros citam que o fato de a seleção ser formada por muitos jogadores que não atuam no Brasil deixa os torcedores menos identificados e mais distantes da seleção.
Há ainda os que citam o maior engajamento da população com a política em função dos escândalos da Lava Jato e das transmissões dos julgamentos via TV. Provavelmente muitos dos que estão lendo esse artigo se lembrarão espontaneamente de mais nomes de juízes do STF do que dos jogadores da seleção.
Quando que isso aconteceria no passado?
Não creio que seja possível isolar e escolher apenas um desses motivos para explicar o quadro atual, na verdade, penso que a causa seja um mix de todos eles, cuja ponderação variará de acordo com o perfil de cada pessoa.
Tenho poucas ou nenhuma esperança de que esse cenário se altere radicalmente no futuro, todavia, seria perfeitamente factível se desenvolver um plano de ações para que a seleção passasse a ocupar um espaço maior na mente do povo.
Estabelecer aqui quais seriam as ações táticas para isso seria irresponsável e prematuro sem a elaboração de um planejamento estratégico, ainda que muitas pessoas e até organizações não se atentem para a importância dessa ferramenta.
Como a seleção está sendo percebida? Como quer ser? O que precisa fazer para isso? São algumas das perguntas vitais para o planejamento preconizado.
E quais são seus concorrentes? Não me refiro aqui ao campo exclusivamente esportivo, ainda que outros esportes e até times tomem também espaço na mente, na lembrança, na atenção e, trazendo para aspectos mais tangíveis, nos orçamentos dos patrocinadores e na mídia. Enfim, como a seleção precisa se posicionar para ter, além do destaque que almeja nas competições esportivas, uma posição diferenciada e privilegiada nos variados espaços citados?
O fato aqui explorado, além de nos chamar a atenção para uma situação que talvez não tenha até então provocado a devida reflexão, nos propicia a oportunidade de aplicar conceitos fundamentais para uma boa gestão de marketing. Ressaltando que, ao contrário do mercado tradicional, onde os concorrentes costumam elaborar estratégias de marketing para sobressaírem no mercado, nessa “competição” poucos, ou nenhum dos ofensores, tem como objetivo tomar espaço da seleção.
DINO SANI FOI ÍDOLO EM TODOS OS CLUBES QUE DEFENDEU
Os italianos o queriam na Azzurra, mas o coração do brasileiríssimo Dino Sani o impediu de vestir o manto azul quatro vezes campeão mundial. No Palmeiras, no São Paulo, no Milan ou no Corinthians. Em todos esses clubes, o grande centromédio, que esteve na Copa de 58, na Suécia, brilhou intensamente. Conheça um pouco mais sobre esse ídolo do passado nas linhas a seguir.
por André Felipe de Lima
O menino Dino tinha apenas quatro anos quando ganhou do pai sua primeira bola. Sob as vistas dos pais, Caetano e Maria Sani, e de Claudia e Silvia, irmãs mais velhas que ele, chutava-a contra a parede, no fundo do quintal, sem imaginar, contudo, que aquele lúdico momento representava um preâmbulo de magistral carreira nos gramados daqui, da Argentina e da Itália. Foi aquele fundo de quintal o palco para o despertar do grande Dino Sani, um ídolo de uma época em que os volantes não se resumiam a jogadores de contenção. Eram, acima de tudo, craques de verdade.
“Meu pai não implicava, não falava nada. Acho que ele nunca foi me ver jogar bola. Acho que ele não foi, não. Eu nunca vi ele também. Ou ele olhava escondido. Não sei. Eu sei que eu me encaminhei sozinho. Ninguém me levou. Eu que fui pra lá. Eu gostava muito de jogar bola. Jogava bola na rua também, aquelas peladas da molecada, vinha com os dedos tudo arrebentado. Àquela época, a gente andava muito descalço, então na hora na pelada, meu filho, a gente chutava pedra, chutava tudo, viu. Aparecia ali, a gente chutava”, declarou Dino Sani ao projeto Futebol, Memória e Patrimônio, do CPDOC/FGV).
Descendente de italianos da Toscana e de Ferrara [os avós vieram junto com os Matarazzo e com a rica família trabalharam em São Paulo], Dino Sani é cidadão paulistano, nascido no dia 23 de maio de 1932. É reconhecido como um dos mais técnicos que já se viu na posição de centromédio. Já rapaz, defendendo o time de aspirantes do Palmeiras, isso ficou evidente. Tão evidente que, embora não justificasse a decisão que planejara, optou por abandonar os estudos no último ano ginasial no Colégio Oswaldo Cruz, onde só jogava handebol, para dedicar-se exclusivamente à bola de futebol. “E eu saía de casa, corria cinquenta metros de rua, pulava o rio, tinha um riozinho ali, subia no muro e caía dentro do Palmeiras. Ia brincar lá dentro. E ia treinar também, porque eu tinha onze, doze anos aí”.
Dino Sani foi campeão do mundo em 1958, era titular da seleção, mas perdeu a vaga para Zito. Atuando em clubes, teve como títulos mais importantes o campeonato paulista de 1957, pelo São Paulo, e o italiano, de 62, e a Copa dos Campeões, de 63, ambas pelo Milan. Era tão talentoso no domínio da bola que muitos o acusavam de individualista, o que especulavam ter influenciado Vicente Feola a substituí-lo por Zito na Copa da Suécia. Mas o que lhe tirou do time foi uma distensão muscular na virilha durante o jogo contra a Inglaterra.
Formado nas divisões de base do Palmeiras, Dino começou a carreira profissional no Alviverde, em 1949, durante um período de fartura de craques no Parque Antarctica, como Waldemar Fiúme, para quem Dino fazia de sombra na linha média, Rodrigues Tatu, Achiles, Liminha e Jair Rosa Pinto. Como não era aproveitado, foi emprestado, em 1950, ao XV de Novembro de Jaú, que disputava a segunda divisão paulista. Voltou ao Palmeiras em 1952, mas foi logo emprestado ao extinto Comercial da capital paulista junto com Gino Orlando, outra revelação das bases palmeirenses, que também acabaria contratado pelo São Paulo. Dino Sani jogou bem durante duas temporadas pelo time do interior e foi contratado pelo São Paulo, em fevereiro de 1954, para o lugar do centromédio e ídolo tricolor Bauer. No Tricolor, Dino Sani formou uma meia cancha formidável com o seu ídolo Zizinho mais a frente. Gino Orlando, seu ex-companheiro dos tempos de juvenil no Palmeiras, marcou muitos gols graças aos passes do volante, que durante a temporada de 1956 surpreendeu ao ser o segundo principal goleador do São Paulo ao assinalar 29 gols. Até 1961, Dino disputou 322 jogos com a camisa tricolor, venceu 169, empatou 81 e marcou 108 gols, segundo dados compilados por Alexandre da Costa para o Almanaque do São Paulo. Talvez não haja na história do futebol brasileiro um volante com faro de artilheiro como Dino Sani.
Em 1961, o Boca Juniors, que já tinha no elenco os brasileiros Paulo Valentim [ex-Botafogo], Maurinho [ex-São Paulo e Fluminense], Orlando Peçanha [ex-Vasco] e Edson [ex-América], pagou um milhão de dólares pelo passe de Dino Sani, que permaneceu apenas uma temporada na Bombonera, período em que disputou 14 jogos e marcou 4 gols. Ficou mais tempo na reserva de Rattin, que se tornaria um dos maiores ídolos da história do Boca Juniors. Porém, desde a Copa de 1958, o Milan tinha interesse pelo craque e a negociação se concretizou em 1961, com Dino estreando no dia 12 de novembro, quando o time vermelho e preto derrotou a Juventus pelo placar de 5 a 1.
As grandes conquistas na Itália tornaram-no ídolo local, mas o que fez mesmo Dino Sani cair nas graças da torcida milanesa foi um lance casual em que o craque brasileiro quebrou o nariz de Mauro Bicilcli, da rival Internazionale.
No rubro-negro de Milão, Dino jogou com Giovanni Trappatoni e Cesare Maldini, pai de Paolo Maldini, e marcou 14 gols em 62 jogos até sua despedida do clube, em 1964.
Àquela altura ídolo inegável dos italianos, Dino Sani acabou convidado para atuar pela seleção italiana na Copa de 1962, no Chile: “Não aceitei. Sempre joguei sério e não conseguiria enfrentar o Brasil. Continuei pela Europa e tenho certeza que sempre consegui elevar o nome do futebol brasileiro em todas as partidas que fiz”, alegou.
Faltava-lhe defender mais um clube do “Trio de ferro paulistano”, mas o Milan fez, em meados de 1964, jogo duro para que deixasse o clube italiano. “Meu contrato com o Milan havia terminado e, apesar de receber uma boa proposta para renovar, preferi voltar ao Brasil. Além das saudades, que já eram imensas, precisava estar no Brasil para cuidar dos negócios. Preferi deixar de ganhar um bom dinheiro na Itália para poder estar presente nas negociações dos meus bens. Realmente houve um impasse entre o clube e eu. Tudo porque me haviam prometido passe-livre ao final do contrato e, quando isso ocorreu, muitos clubes se interessaram por meu concurso. O Milan então se aproveitou da situação exigindo bastante dinheiro para me liberar. De nada adiantou garantir o que o que eu queria era voltar ao Brasil. Eles fizeram pé firme e acabaram conseguindo o que desejavam”. Mas por apenas alguns meses.
Repatriado em dezembro de 1964, Dino Sani, já acima dos 30 anos, baixou no Parque São Jorge com honras e pompas para jogar ao lado do garoto Rivellino, que o considera o melhor companheiro que já teve em campo. Seu passe custou 38 milhões de cruzeiros ao Milan.
Dino jogou 116 partidas pelo Timão entre 1965 e 68. Venceu 66, empatou 21 e marcou 32 gols, destaca Celso Unzelte, no Almanaque do Corinthians.
Em 1969, depois de três anos ensaiando a despedida dos campos, Dino aceitou o convite para treinar o Timão com a missão de acabar com o jejum de títulos paulista. Mesmo sem conquistas expressivas pelo Corinthians, foi convidado para treinar a seleção brasileira, às vésperas da Copa de 1970. Dino não aceitou, em respeito ao amigo João Saldanha, defenestrado do cargo.
No Internacional, Dino Sani ganhou três campeonatos gaúchos consecutivos, de 1971 a 73, ano do pentacampeonato do clube. Foi a sua melhor fase como técnico de futebol. O ex-volante treinou outros clubes brasileiros, como Goiás, Palmeiras, Coritiba, Fluminense, Flamengo e Ponte Preta, mas longe dos resultados obtidos com o Colorado.
No exterior, também lembraram de Dino Sani, que comandou Peñarol, clube que levou ao bicampeão uruguaio em 1978 e 79 e onde lançou o craque Ruben Paz, Boca Juniors [1984], Humiuri, no Japão, e a seleção do Catar. Dino treinava o time do Grêmio na final da Copa do Brasil de 1991, quando o time gaúcho perdeu o título para o Criciúma de Luís Felipe Scolari. Já rico e atuando como empresário na capital paulista, Dino Sani treinou o recém-fundado Ecus-Suzano-Sonda, em 2005.
Uma das grandes frustrações de Dino Sani foi não ter jogado no futebol carioca. Confessou isso durante uma entrevista à antiga Revista do Esporte. Azar dos clubes do Rio de Janeiro, porque deixaram de vibrar com um dos melhores jogadores da história do futebol brasileiro.
O MENINO CHICHÃO SE TRANSFORMOU NO CAPITÃO AMÉRICA
por Marcos Vinicius Cabral
O sol ia nascendo e trazendo um presságio de coisas boas para aquele sábado, 14 de julho de 2012.
Enquanto o céu estava azul com nuvens parecidas com algodão doce, a todo instante meu pensamento ia longe, mas especificamente no Botafogo e Flamengo, que decidiram o Brasileiro de 1992.
O vento, uma leve brisa que nos beijava o rosto, direcionava nossos olhares para lugares distintos: ele (meu pai) para o trânsito à sua frente e eu para os mergulhos ensaiados das gaivotas à procura do peixe fresquinho.
Nosso silêncio era, por ora, quebrado como um cristal se espatifando no chão quando sons vinham da mala do nosso carro, desordenando os quadros que ali estavam arrumados.
– Vai devagar que eles não podem quebrar! – dizia eu para meu pai, preocupado com cada lombada irregular do asfalto por onde o carro passava.
Se a preocupação era grande em chegar com os quadros intactos, o que dizer da alegria quando recebi o convite do maestro Júnior para desenhá-los, no fim de 2011, após fazer muitas caricaturas em época natalina para o recordista de partidas oficiais do Flamengo?
Afinal de contas, estávamos indo eu e Babylon (apelido carinhoso que dei ao meu pai há alguns anos) ao Cheirinho de Gol – clube tradicional situado no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro – entregar algumas caricaturas e também participar das comemorações das duas décadas da conquista do Pentacampeonato Brasileiro do Flamengo.
Chegamos um pouco antes das 9h, conforme recomendação do eterno camisa 5 rubro-negro.
Nas dependências do clube, havia um jogo em que Dodô – conhecido como artilheiro dos gols bonitos, nas passagens por Botafogo, Fluminense e Vasco – mantinha a forma, já que defendia o Al Ain Football Club, nos Emirados Árabes.
Enquanto assistíamos o jogo, aos poucos foram chegando um a um os campeões.
A pedido do maestro Júnior, fui buscar os quadros na mala do carro para entregá-los.
Gottardo
Daquele (improvável) Flamengo que sagraria-se campeão, fiz as caricaturas de Gilmar, Júnior Baiano, Wilson Gottardo, Gaúcho, Zinho e lógico, de um maestro, que sob sua regência soube tão bem tirar belas notas musicais de uma orquestra desafinada.
E fiz a do Carlinhos Violino, que conduziu serenamente o Flamengo rumo ao título, com sua voz macia e jeito sempre peculiar.
Mas em virtude de ter que sair um pouco mais cedo junto com meu pai, não pude entregar a todos suas caricaturas.
Entreguei ao Gilmar, maestro Júnior e ao Zinho.
Entretanto, fui avisado que os demais receberiam seus quadros.
Porém, o único que não recebeu – segundo o maestro Júnior – foi o Carlinhos Violino.
Portanto, hoje, 23 de maio de 2018, um dos maiores zagueiros do futebol brasileiro faz aniversário: Wilson Gottardo!
Nascido em Santa Bárbara d’Oeste, interior de São Paulo, o menino Wilson Roberto Gottardo era um apaixonado por esportes em geral.
Era praticante de algumas modalidades esportivas e, certa vez, numa corrida com mais de 50 garotos mais velhos que ele, ganhou a medalha de prata.
— Foi a primeira e única medalha que seu Euclides viu eu ganhar na vida, pois um ano depois, veio a falecer — conta emocionado ao Museu da Pelada ao lembrar do pai.
Se aos 13 anos perdera seu maior incentivador, viveu praticamente uma vida toda sem sua figura paterna.
Mesmo com as inexplicações da vida, foi viver e seria uma bobagem se entregar, apesar do duro golpe.
Não baixou a guarda e viu todo o desdobramento de Dona Thereza para criá-lo junto aos outros cinco irmãos.
Se tornou exímio jogador de futsal, sendo inclusive campeão intercolegial, onde desenvolveu habilidades para jogar nas laterais direita e esquerda, além de fazer bem o papel de volante.
Já no vôlei, beneficiado pela velocidade adquirida do atletismo e da boa estatura, sempre era escolhido nas quadras mal acimentadas da cidade.
No basquete, treinado por Álvaro Alves Corrêa – que viria a ser o prefeito da cidade anos mais tarde – sagrou-se campeão em um torneio intermunicipal.
Mas o futebol talvez corresse nas veias daquele garoto e fosse uma paixão desde muito cedo, quando com uma bola mas mãos – ou nos pés, melhor dizendo – caminhava quilômetros para jogar contra times de outras ruas e de outros bairros.
Naqueles longínquos anos 70, o contato com o futebol era possível apenas no cinema – onde ia às vezes assistir filmes do Canal 100 -, no rádio, através das narrações esportivas nos grandes clássicos e raramente na TV, que havia se tornado à cores.
Em 1978, aos 15 anos de idade, Chichão – apelido carinhoso como era chamado – jogou seu primeiro campeonato amador da cidade de Santa Bárbara d’Oeste e viveu a partir dali, algo intenso com o futebol.
Por ser uma cidade do interior de São Paulo, seria evidente que sendo destaque naquele campeonato os convites de equipes surgiriam naturalmente.
E foi o que aconteceu.
Indo para o Colégio Estadual Emílio Roni, onde cursava o 2°grau, um encontro selaria seu destino.
— Você vai jogar aqui no União —, disse seu Legório, roupeiro do União Agrícola Barbarense Futebol Clube.
Fez alguns treinos e por sua versatilidade de ter jogado em todas as posições no setor defensivo, passou sem grandes dificuldades.
Com foco e uma obstinação incomuns, transferiu às aulas do turno diurno para o noturno para poder treinar com os profissionais.
Já no grupo principal de jogadores do União Barbarense, clube que revelou Brandão e Eusébio (que jogaram com o Rei Pelé), Osvaldo (Campeão Mundial pelo Grêmio em 1983), Oscar (autor do gol de honra nos 7 a 1 para a Alemanha no Mineirão, na Copa de 2014), Diego Tardelli e do falecido Mazolinha (famoso por ter cruzado a bola para o gol de Maurício, na final do Campeonato Carioca de 1989), o menino Chichão se tornaria, em definitivo, Wilson Gottardo.
Aos 19 anos de idade, chegou ao Guarani Futebol Clube e fez parte da lendária equipe que contava com Waldir Perez, Jorge Mendonça, Neto, Edmar e Careca.
Depois disso, jogou no Náutico antes de chegar ao Rio de Janeiro para vestir a camisa 3 do Glorioso.
– A segurança daquela defesa, foi um dos pilares daquela conquista. Mesmo a equipe tendo sido excelente naquele ano, o meu entrosamento com Gottardo foi muito importante! – conta Mauro Galvão, que foi seu companheiro de zaga no título carioca de forma invicta em 1989.
No ano seguinte, repetiu o feito e sagrou-se bicampeão carioca, para delírio dos alvinegros.
Já em 1991, trocou o Glorioso pelo Flamengo e, pela terceira vez consecutiva, levantou a taça de Campeão Carioca.
E foi em 1992, que o destino se incumbiu de colocar o Botafogo em seu caminho, só que desta vez era seu adversário na final do Campeonato Brasileiro.
O título expressivo com a camisa rubro-negra traria uma expressão que o acompanharia a partir dali em sua vitoriosa carreira: xerife!
– Quando a gente concentrava para alguma partida importante do Flamengo, ele não falava muito e era comum vê-lo com a barba crescida. Certa vez, curioso, perguntei o porque daquilo e ele me disse que era zagueiro e se estivesse bonitinho e bem barbeado o atacante não o respeitaria (risos)! – conta Gilmar Rinaldi, de 59 anos, ex-goleiro do Flamengo.
Já o ex-zagueiro Júnior Baiano, emenda:
– No começo da minha carreira tive o privilégio de aprender muito jogando ao seu lado.
A vida seguiu e em 1993, deixou o Brasil e foi para a Europa, onde atuou no Marítimo, de Portugal.
Voltou um ano depois para o Botafogo, onde seria capitão da equipe comandada por Paulo Autuori.
Os títulos do Campeonato Brasileiro e da Copa dos Campeões Mundiais, em 1995, respectivamente por Botafogo e São Paulo, ratificariam sua liderança assim como a predestinação por grandes conquistas.
Até uma breve passagem pelo Fluminense – no qual não conquistou título algum – seria irrelevante para o que o futuro lhe reservaria.
E foi em 1997, na equipe do Cruzeiro que o título da Libertadores coroaria 19 anos de uma vitoriosa carreira.
– Eu pedi sua contratação. Nos treinos, quando ele chegou, facilitou muito o meu trabalho, porque ele sabia os conceitos que a gente queria implantar e com sua liderança natural conquistou o grupo, contribuindo para o crescimento da equipe e alcançando assim o objetivo que era, depois de 21 anos, o título da Libertadores! – diz o ex-técnico cruzeirense e atual Diretor-Executivo do Fluminense, Paulo Autuori, de 61 anos.
Se o Náutico seria um trampolim para brilhar com a camisa do Botafogo no fim dos anos 80, o arquirrival Sport seria seu último clube antes de passar a estrela de xerife para outros zagueiros, em 1999.
– Eu realizei um sonho de garoto em ser jogador de futebol. Jogar em bons estádios, em grandes clubes, viajar e chegar à Seleção Brasileira, foi ter ido muito além do que poderia imaginar. Mas me considero um vencedor por ter superado muitas adversidades. Acho que valeu a pena. – diz o aniversariante do dia.
Portanto, se o campo era o velho oeste, na área ele era o xerife.
Hoje, 23 de maio, o “xerifão” completa 55 anos e o Museu da Pelada pôde contar um pouco da trajetória profissional de um grande zagueiro do futebol brasileiro.
MÉXICO 1986, DERROTA NOS PÊNALTIS E VITÓRIA DO TÉDIO
por Marcelo Mendez
The Police, Queen, Michael Jackson, Império Dos Sentidos, Perdidos Na Noite, Lula, O Último Tango Em Paris, Rio-Centro, Blitz, Aiatolá Komheini, Bo Dereck, Programa Do Bolinha, B’ 52, Chacrinha, Cores Cítricas, Gel, Tênis All Star…
A charrete sem condutor que o Raul Seixas cantou como sendo os anos 80 seguia firme. Em 1986, algumas outras coisas me geravam interesse além do futebol.
Rock And Roll, Literatura, Cinema, a chegada dos 16 anos na minha vida, os primeiros beijos, primeiras paixões, as coisas todas de se ter essa idade num Brasil pouco receptivo às novas experiências. Tudo isso colaborava muito para as revoltas que se queria sentir.
Um ano antes havia tido ume eleição indireta. Nela, um Presidente eleito via congresso nacional foi impossibilitado de assumir por conta de uma doença que lhe levou à morte. Nos tornamos o Brasil do Vice e tudo estava uma bagunça.
No futebol não era diferente.
Após a ressaca da perda de 1982, os principais jogadores foram para Europa e pior, para jogar na Itália. Por aqui, só ficaram times sucateados, um campeonato nacional que era uma zona, todos os clubes quebrados e, no meio disso, uma seleção por jogar.
E jogou, ou, pelo menos tentou…
Um cabaré mambembe chamado CBF
O futebol no Brasil em 1986 era uma zona!
A CBF com Nabi Abi Chedid, completamente sem rumo, sem eira, nem beira, chegou até a Copa do México e por lá, graças a um resquício de uma ótima geração, até que foi bem na primeira fase: três jogos, três vitórias em cima de Espanha, Irlanda e Argélia. Primeiro lugar assegurado, veio as oitavas de final e o confronto com a Polônia.
Tarde quente em Guadalajara, boas lembranças. Josimar, o lateral direito que não conhecíamos e que Telê inventou, já tinha feito um golaço contra a Irlanda, repetiu a dose em um gol inexplicável contra os Polacos e com o 4×0 final, passamos de fase.
Nas quartas de final, veio o adversário que todos nós esperávamos em 1982, mas que infelizmente não enfrentamos.
A França de Platini seria nosso adversário.
Não tem festa, carnaval, nem lágrima
Eu queria sofrer, mas não sofria.
Pensei que ia chorar, mas ao contrário, vi aquela derrota nos pênaltis, após 1×1 no placar em tempo normal, como se fosse um nórdico.
Aos 16 anos em 1986, a única coisa que ainda me mantinha ligado à seleção do teimoso Telê Santana era Zico, que as turras, lutava contra seu joelho machucado. O 10 ficava no banco, jogava o tempo que podia e num desses tempos, bateu um pênalti pra um tal Joel Bats defender.
A Seleção de Careca, Muller, Junior numa meiuca, Sócrates na outra, amassou a França, mas a bola não entrou. Pela primeira vez eu vi uma decisão por pênaltis vitimar um time que torcia. No final do jogo que havia começado meio-dia, só silêncio. Mas não era novidade…
Essa parte da coisa, eu já sabia.
E caminhando da casa da minha Tia até a minha casa, pensei que eu já estava merecendo saber da outra parte…
OS BONS MORREM JOVENS
por Marcos Vinicius Cabral
Considerada uma das mais produtivas e conceituadas bandas do cenário nacional dos anos 80 a Legião Urbana não gostava de palcos.
Era raro ver Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá em programas de TV, cantando seus sucessos.
Mas naquele 10 de maio de 1994, o Programa Livre recebeu o trio brasiliense – embora Renato Russo seja da Ilha do Governador, Zona Norte do Rio de Janeiro – para divulgação do novo disco O Descobrimento do Brasil.
“Na verdade essa música foi feita para todas as pessoas que vão embora cedo demais e nós vamos nesse momento dar um toque especial, pois a gente acha – que não é porque a pessoa morreu que acabou, né? – o Ayrton Senna, um cara super legal e todas as coisas da vida… e essa se chama Love In The Afternoon e é do novo disco”, disse o poeta da Geração Coca-Cola.
E por acreditar nos versos da bela canção que vamos relembrar um dos mais talentosos jogadores que o Brasil produziu no começo dos anos 90, que por ironia do destino não teve tempo de se consagrar como um grande craque no futebol nacional e mundial.
Porém, não deixou de aprontar algumas travessuras enquanto esteve por aqui neste plano terrestre.
Irreverência e molecagem eram as marcas registradas daquele corpo franzino em que a camisa sobrava para fora do short, de pernas finas sobressalentes e bigodinho ralo.
Seu nome?
Dener Augusto de Souza.
Nascido em 2 de abril de 1971, em São Paulo e criado no bairro Vila Ede, Zona Norte da capital paulista, Dener por pouco não abandonou o futebol para ajudar a mãe com as despesas de casa.
Com a infância interrompida pela perda precoce do chefe da família, não teve a figura paterna desde os seus 8 anos de idade.
Tal ausência era substituída pela bola quando jogava futebol de salão na Vila Mariana, pelo Colégio Bilac, onde sagrou-se campeão em torneios Intercolegiais, como a Copa Dan’up – Jovem Pan.
Havia nos pés daquele menino negro, desengonçado e magrelo uma paixão infinita pela bola.
Com 17 anos, após uma passagem frustante de dois meses pelo clube de coração, o São Paulo, voltou a treinar nas categorias de base da Portuguesa de Desportos e foi rapidamente promovido pelo treinador José Wilson à equipe profissional.
De 1988 a 1991, treinou entre os profissionais e jogou pelos juniores do clube do Canindé, onde sagrou-se campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior em 1991.
E com justiça, terminou sendo eleito o melhor jogador do campeonato.
O título fez dele uma estrela do time comandado por Écio Pasca, já que era um meia-atacante habilidoso, dono de arrancadas rápidas e objetivas que dava gosto de se ver.
Enquanto a Portuguesa comemorava seu primeiro título, o Reizinho do Canindé despertava o interesse de outros gigantes do futebol brasileiro pelo futebol agudo e irresistível.
“O Dener era são-paulino de infância, mas estava entusiasmado com a possibilidade de defender o Corinthians. Ele dizia que não via hora de entrar no Parque São Jorge com o ‘Passário Branco’. Era assim que ele chamava o carro dele”, contou a viúva do craque, Luciana, mãe de dois filhos de Dener.
Com apenas 20 anos o jogador teve sua primeira chance com a camisa da Seleção Brasileira e estreou contra a Argentina em Buenos Aires.
Jogou poucos minutos, é verdade, mas iniciou a jogada que culminou no terceiro gol brasileiro.
Em 1993, acabou sendo emprestado para o Grêmio e fez a exigente torcida gaúcha se apaixonar por ele, por seus dribles e pelo título conquistado.
No fim do empréstimo, o jogador retornou à Portuguesa para disputar o Campeonato Brasileiro mas foi no Campeonato Paulista que marcaria um dos gols mais bonitos de sua curta carreira.
“Na hora em que ele chega no último adversário, eu vejo que ele faz a falta no Silva, ali na meia-lua da área. Eu trago o apito na boca, mas falo: “É um pecado parar esse lance, se ele faz um gol maravilhoso desse, ninguém vai lembrar da falta. Se eu marcar e ele fizer, todo mundo vai reclamar de tantos lances, tantas faltas que os juízes erram…” Então falei: que se dane o Santos, que se dane o Silva, eles vão me perdoar, porque quero que fique perpetuado esse lance. Deixei passar e foi um gol que entrou para a história”, disse à época o ex-árbitro Oscar Roberto de Godói, na vitória da Portuguesa por 4 a 2 sobre o Santos.
Com uma joia rara mais preciosa que ouro de ofir nas mãos, os cartolas da Lusa criaram obstáculos para negociá-lo em definitivo e mesmo cobiçado por grandes equipes paulistas, sua negociação foi vetada de imediato.
Coisas que a estupidez humana produz nos cartolas em nome da rivalidade.
Então, não restou solução se não fosse emprestá-lo novamente.
Foi aí que o mais famoso e abusado camisa 10 do Canindé trocou a cruz da Lusa pela Cruz de Malta e chegou à Cidade Maravilhosa, em 1994.
Logo em um amistoso contra o deus argentino Maradona, no seu retorno aos gramados na Argentina, pelo Newell´s Old Boys, Dener acabou aprontando uma das suas ao passar por cinco jogadores só parando nas mãos do goleiro Norberto Scoponi.
Na sequência, Don Diego olhou surpreso aquilo e após o jogo foi cumprimentá-lo.
Pelo time de São Januário, Dener não fez muitas partidas, mas mesmo assim entrou na galeria dos grandes jogadores da história do Gigante da Colina, quando seu carro, o Mitsubshi Eclipse, placa DNR-0010 – São Paulo, chocou-se com uma árvore na Lagoa Rodrigo de Freitas, bairro da Zona Sul do Rio, no dia 19 de abril de 1994 por volta das 5h45 da madrugada.
“Ficamos felizes pelo título, mas a morte do Dener foi algo trágico. Ele era um excelente jogador. Ele era considerado problemático, mas nunca tive qualquer tipo de dor de cabeça com ele”, conta o técnico Jair Pereira, o último comandante de Dener ao Museu da Pelada.
O Vasco conquistou o título e dedicou em memória de seu camisa 10.
Portanto, mês passado completou 24 anos de sua morte.
E nessa manha, ouvi “É tão estranho, os bons morrem jovens, assim parecer ser quando me lembro de você que acabou indo embora cedo demais”… na voz potente de Renato Russo, e indubitavelmente, foi uma maneira de lembrar daquele que foi sem sombra de dúvidas, o maior driblador que o futebol brasileiro já teve.