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VIDA DE GOLEIRO

por Alexsandro Micheli, goleiro formado na base do Cruzeiro


Como goleiro que fui, sei muito bem o que é jogar sem poder errar. Há tempos vi uma entrevista do Taffarel depois de falhar no gol da Bolívia sobre o Brasil nas Eliminatórias de 93 para Copa do Mundo, em que ele afirmava não ser nem herói e nem vilão. Era apenas um goleiro. Me marcou muito essa declaração, pois é isso o que realmente somos. Goleiro.

A dor de ver um companheiro de profissão falhar em um jogo é como se você mesmo tivesse falhado. Goleiro é uma posição solitária. O único que se veste diferente, que comemora sozinho o gol do seu time, o único que ao entrar em campo tem sua qualidade colocada em prova, pois a torcida adversária já te chama de frangueiro. Mas assim somos, solitários e amantes da posição.

Um pouco dessas palavras acima vem ao encontro do que foi vivido pelo goleiro do Liverpool Loris Karius no jogo final contra o Real Madrid. Você trabalha duro, se dedica ao máximo durante uma temporada inteira esperando o grande momento da sua carreira, uma final de Champions, e todo esse grande momento cai abaixo por duas falhas.


Senti muito por ele, ainda mais por ter vivido uma situação parecida em um jogo de semifinal entre os maiores rivais, quando falhei no gol e meu time foi eliminado, deixando de disputar a final do estadual do Campeonato Piauense de 2001. A dor é grande, você sente realmente na pele o fracasso, as pessoas te julgam por completo e não pela falha.

Karius é novo e um grande goleiro, senão não estaria no gol de uma das maiores equipes da Europa. Com certeza irá dar a volta por cima, pois qualidade ele tem de sobra, mostrando durante o próprio jogo no qual falhou. Mas as falhas são mais exaltadas nesses casos do que suas grandes defesas durante o jogo. Essa faca de dois gumes carregamos durante nossas carreiras e sabemos como lidar com ela. 

Afinal não somos nem heróis, nem vilões. Somos apenas goleiro.

FEELINGS

por Zé Roberto Padilha


Ao contrário dos meus netos e da maioria reunida, no sábado, em torno da telinha, torcia pelo Liverpool. Por mais que tenha constantemente aberto suas avenidas para saudar seus campeões de volta trazendo mais uma “orelhuda”, a cidade de Madrid não foi ainda capaz de revelar quatro craques, como Liverpool, que nos proporcionaram as mais belas jogadas sonoras de toda a nossa vida.

Pouco adiantou Benzemá se antecipar no primeiro gol, e mostrar ao Eduardo, que quer ser centroavante, como um matador deve ficar à espreita da presa. Ou Gareth Bale realizar a bicicleta dos sonhos do Felipe, 8 anos, o aniversariante da tarde. Para nós, beatlemaníacos, o que importa mesmo é que Let It Be vai tocar sempre após cada show do intervalo. E que Yesterday, Love Was Such An Easy Game to Play.

Mas não tem jeito, para quem jogou bola, as imagens da dor estampada no rosto do goleiro inglês foram mais marcantes na decisão da Champions League do que a alegria do Cristiano Ronaldo e do Marcelo.

Pergunte ao Júnior, por exemplo, se o lance de sua carreira capaz de despertá-lo certas madrugadas, suando frio, não é um passo á frente que poderia ter dado, e deixado Paolo Rossi impedido, quando deveria ser acordado em júbilo pela entrada em diagonal que realizou marcando um gol histórico contra a Argentina? A geração de Telê deu um show de bola, mas Paolo Rossi é um fantasma que lhes assombra os passos da glória todos os dias.


Uma pena que com tantas músicas, Lennon e Mc Cartney não compuseram Feelings. Pois sentimentos foi o que faltou aos jogadores do Liverpool. No lugar do Help que deveriam prestar ao seu goleiro, ir até ele abraçá-lo, confortá-lo, o deixaram chorando sozinho como se fosse o único culpado pela derrota. Apenas um jogador, e do Real Madrid, foi até lá lhe dar uma força. Do campo ao vestiário, coitado, atravessou uma The Long and Winning Road. E o treinador? Sacudiu os ombros, como a dizer, Let it be, Let it be, and when the broken hearted people, living in the world agree, there will be an answer…

Fellings, nothing more than feelings, mais do que futebol, foi a harmonia que faltou aos onze jogadores que vestiram a camisa do Liverpool para merecer ganhar o título. Incapazes que foram, em um esporte coletivo, de entoar, para seu goleiro, herói de tantos jogos e que os ajudou a chegar tão longe, um With a Litlle help from my friends.

Vendaval Azulino

VENDAVAL AZULINO

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | fotos e vídeo: Daniel Planel 

Uma das equipes mais populares do Norte brasileiro, o Remo carrega uma multidão por onde passa. Não por acaso foi recordista de público entre todas as séries do Campeonato Brasileiro de 2005, quando estava na terceira divisão.


Por isso, não pensamos duas vezes antes de aceitar o convite para um encontro de remistas no Rio de Janeiro, na Praia do Pepê. Com faixas e bandeiras, dezenas de torcedores viajaram para homenagear três jogadores que fizeram história no clube: Robinho, Luciano Vianna e Paulo Verdan.

– Hoje eu sou muito grato por vocês virem até o Rio para essa homenagem. Poucos jogadores têm o privilégio de curtir o que eu estou curtindo hoje – disse o “Robgol”.

Em seguida, um torcedor deu aquela moral para o artilheiro:

– O Robinho fazia gol de tudo que é jeito!

Outro homenageado, Luciano Vianna também destacou o carinho da torcida e lembrou o dia em que conquistou o acesso para a Série A.

– Eu não esqueço nunca mais a festa do Remo no aeroporto.


O curioso é que o craque é chamado de Risadinha e o motivo é óbvio:

– Eu só sabia jogar rindo, até porque eu amo futebol e fazia com prazer. Isso incomodava os adversários, principalmente os zagueiros do Paysandu! – provocou.

A rivalidade com o Paysandu, aliás, é uma das maiores do Brasil e por isso os torcedores sempre fazem questão de lembrar a sequência de 33 jogos sem saber o que é derrota no clássico.

No fim da resenha, os remistas soltaram a voz para cantar o hino do clube e nem o vendaval que atingiu o Rio de Janeiro foi capaz de atrapalhar a festa!

 

MILHÕES DE CORAÇÕES BATERAM NO PEITO DE UM SÓ HOMEM: PASSARELLA

por André Felipe de Lima


A tarde daquele frio de 25 de junho de 1978 foi mais que especial para o zagueiro Daniel Passarella. É um dia inesquecível. Exatamente 30 dias após completar 25 anos, o jovem zagueiro, o “El gran capitán” do povo argentino, ganhara um presente sensacional. Levantava, portanto, a tão sonhada Copa do Mundo, e em pleno e lotado Monumental de Nuñez, em Buenos Aires.

Não vamos discutir aqui se aquele Mundial foi ou não arranjado pelos milicos da ditadura local com a suspeitosa turma da Fifa. Isso já está mais do que discorrido e provado. Houve mutreta. Mas não se pode apagar da história a qualidade daquela seleção, especialmente da figura de Daniel Passarela, que sem exagero é considerado um dos melhores zagueiros em todos os tempos e, a meu ver, o mais emblemático da história do futebol da Argentina.

Daniel Alberto Passarella foi exatamente o que achavam dele. Um grande capitão. Um zagueiro espetacular que todos queriam ter em seus times. Sorte do River Plate e do escrete biceleste tê-lo em suas fileiras. Há muitos jogadores relevantes na história do futebol argentino, mas somente ele, o Passarella, guardará algo que nenhum outro jamais igualará: foi o primeiro argentino a tocar uma Copa do Mundo. A beijá-la e a acariciá-la. Foi o primeiro a ver de perto aquele reluzente e cobiçado ouro maciço.


Naquele frio de 25 de junho de 1978, havia alguém para aquecer milhõesde corações que batiam aceleradamente em todo o solo no qual cantou Gardel, em que sorriu enternecida Evita Perón. Um solo onde sempre se luta pela democracia. Um solo do povo daquela grande zagueiro. Naquele dia, milhões queriam ser Passarela. Milhões foram, sim, o Passarella.

TRAGÉDIA DO SARRIÁ

por Eliezer Cunha


Copa do Mundo de 1982. Três derrotas e um único jogo. Brasil x Itália. Estádio Sarriá, Espanha.

Nosso Brasil respirava futebol, a nossa seleção respirava confiança e nosso povo respirava supremacia. Todos os jogos até então foram superados, ganhar era como simplesmente apertar o play. Era assim a seleção de Zico, Éder, Sócrates e Cerezo.

O carnaval futebolístico iniciou-se em junho de 82. Coretos montados e bagaceiras formadas davam conclusão ao óbvio e ao natural: vitória. Brasil acaba de vencer mais um jogo em busca do campeonato mundial de 82. O verdadeiro futebol triunfará finalmente sob o comando de nossos heróis Zico e companhia.

A alegria popular surgia naturalmente através de um conjunto de foliões que formavam o movimento chamado bagaceira. Surgia do nada após cada vitória e trazia em seus movimentos Maria Celeste, linda e perfeita como a magia imposta pelas vitórias da seleção.


A cada jogo uma bagaceira, um flerte e uma nova oportunidade de estar ao lado dela. A cada partida aumenta a intensidade deste encontro e os flertes aumentavam a cada jogo jogado.

Brasil x Itália, partida decisiva para nós. Mas pra que se preocupar com um time que não venceu nenhuma partida neste mundial? O jogo é jogado e o flerte é flertado.

Marcamos eu e Maria Celeste para enfim sacramentarmos a nossa vitoria na bagaceira formada após o confronto Brasil x Itália. Essa era minha esperança e oportunidade celestial de enfim conquistar Maria Celeste a mais cobiçada do bairro. Venceria o Brasil rumo a conquista da Copa de 82 e eu conquistaria a menina de meus sonhos.


Tarde ensolarada, começaria a partida, os bumbos e repiques aguardavam o momento da vitória. O contexto já havia se formado: vitória brasileira, bagaceira e finalmente um romance trabalhado a cada vitória.

Final de tarde … perdemos o jogo … o futebol arte não prevaleceu, a nação se calou e a bagaceira não saiu. Casei-me com Maria Vitória só pra esquecer as derrotas da vida.