FECHADO POR MOTIVO DE FUTEBOL
por Claudio Lovato
Em 1995, o escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940- 2015) lançou o clássico “Futebol ao sol e à sombra”, um livro cuja presença é essencial na mesa de cabeceira de todos os interessados em compreender a importância do futebol nas sociedades mundo afora. Mas antes e depois dessa obra magistral, Galeano produziu muitos textos sobre futebol, publicados de forma esparsa em outros livros seus, em jornais e revistas. Esses escritos, e mais a íntegra de uma entrevista concedida à revista argentina “El Gráfico”, um prefácio e dois discursos, foram reunidos no livro “Fechado por motivo de futebol” (editora L&PM, 2018, 228 páginas). Fruto de um extraordinário trabalho coordenado pelo editor argentino Carlos E. Díaz, esse resgate de uma parte valiosíssima (inestimável) da literatura de Eduardo Galeano incluiu contribuições de Helena Villagra, companheira de Galeano durante 40 anos, e de Ezequiel Fernández Moores e Daniel Winberg, amigos com quem o escritor compartilhou projetos e a profunda paixão pelo universo da bola. O título do livro refere-se ao fato de que, no começo de cada Copa do Mundo e ao longo do mês inteiro, Galeano pendurava na porta de sua, em Montevidéu, um pequeno cartaz com o aviso “Cerrado por fútbol”. Palavras de Galeano: “Quando retirei [o cartaz], um mês depois, eu já havia jogado 64 jogos, de cerveja na mão, sem me mover da minha poltrona preferida”.
Uma amostra do que se encontra no livro:
Papai vai ao estádio
Em Sevilha, durante um jogo de futebol, Sixto Martínez comenta comigo:
– Aqui existe um torcedor fanático que sempre traz o pai.
– Claro, é natural – digo. – Pai boleiro, filho boleiro.
Sixto tira os óculos, crava o olhar em mim:
– Este de quem estou falando vem com o pai morto.
E deixa as pálpebras caírem:
– Foi seu último desejo.
Domingo após domingo, o filho traz as cinzas do autor de seus dias e as põe sentadas ao seu lado na arquibancada.
O falecido tinha pedido:
– Me leva para ver o Betis da minha alma.
Às vezes o pai ia até o estádio numa garrafa de vidro.
Mas numa tarde os porteiros impediram a entrada da garrafa, proibida graças à violência nos estádios.
E a partir daquela tarde, o pai vai numa garrafa de papelão plastificado.
O FUTEBOL NÃO É O ÓPIO DO POVO
por Mateus Ribeiro
O Brasil passa por um momento difícil. Como sempre passou, é bom lembrar.
Passamos por uma crise econômica e política que está se arrastando por longos anos, e parece não ter fim. A atual paralisação parece ter sido o ápice dessa montanha que passou anos sendo construída, abusando da paciência do povo brasileiro.
Povo brasileiro, aliás, que chegou no seu nível máximo de estresse na última década. Algumas pessoas, um pouco mais exageradas, chegaram a perder amizades antigas por divergências políticas e ideológicas. Outras, um pouco mais sensatas, tentavam manter um debate. E no meio de tudo isso, algo me chamou a atenção: o número de pessoas escolhendo o futebol (mais precisamente a Copa do Mundo) como bode expiatório.
O Facebook se tornou uma Universidade de críticas ao papel do esporte bretão: “O Brasil falindo e a população preocupada com a Copa do Mundo”; “O brasileiro só quer saber de bola e mais nada”, e mais algumas frases prontas foram compartilhadas em grande número.
Depois de ler tanta besteira, em um certo momento, meus olhos não estavam ardendo mais, e resolvi explicar um pouco o óbvio: ao contrário do que muita gente tenta cravar, o futebol não é o ópio do povo. Está bem longe disso, aliás. Apesar de não ser necessário, alguns fatores podem explicar melhor o que quero dizer. Vamos lá!
1- Futebol é lazer: Antes de qualquer coisa, o futebol é uma forma de lazer. Seja acompanhando na sua casa, em uma padaria, um bar, ou entre amigos. Acredite você ou não, ver meu time do coração (ou qualquer outro) representa a mesma coisa que assistir aquele filme que você esperou meses para sair (e passou mais outros bons meses comentando), ou então, ir até o show daquele artista que você tanto gosta. Vale lembrar que o lazer é um direito social, de acordo com a Constituição de 1988.
Imagina só se todo mundo deixasse de assistir futebol, assistir filmes, ver shows, assistir peças de teatro, sair de casa para jantar, como o Brasil seria um lugar melhor pra se viver?
Já pensou como a vida seria se nossos dias fossem resumidos em 90% trabalho e 10% “descanso”?
2- O futebol não atrasa o País: Talvez você fique chocado com essa informação, mas o futebol está longe de atrasar o País, seja social, economicamente, ou em qualquer outra esfera. Não vai ser o fato de uma grande parcela assistir um jogo de futebol que vai fazer uma nação ir direto ao abismo. Não precisa ser muito esperto para saber disso.
Agora, se o camarada “deixa de colocar comida em casa pra ver o time jogar” (o que eu nunca presenciei, em 25 anos de futebol), aí o problema é dele, e não do futebol.
3- Ser fanático por futebol não é “coisa de terceiro mundo”: Mais um fato que vai chocar a parcela anti chuteiras. Antes de tudo, peço que quem está lendo observe as fotos abaixo:
As imagens mostram estádios da Alemanha, Espanha, Holanda, Suíça, Noruega e Dinamarca, respectivamente. Note que todos os estádios estão cheios de torcedores.
O que quero dizer com isso? Países com alto índice de desenvolvimento social e econômico são habitados por pessoas que amam futebol. É SÉRIO! O PRIMEIRO MUNDO TAMBÉM GOSTA DE FUTEBOL. Isso para não falar de Itália, Inglaterra, França, Japão, Suécia, Bélgica e mais uma infinidade de países de primeiro mundo que amam o futebol.
4- O Futebol movimenta a economia: Um clube de futebol não é composto apenas por jogadores e comissão técnica. Profissionais de muitas áreas trabalham ali: auxiliares de cozinha, auxiliares de limpeza, economistas, administradores, o pessoal que cuida da grama, os roupeiros, e todo tipo de trabalhador está ali para fazer a roda girar.
A partida de futebol também mobiliza muita gente: a galera que fica vendendo espetinho, salgado, e todo tipo de quitute nas proximidades do estádio, com o intuito de fazer uma renda extra. E tem também a turma dos aplicativos de carona, o aumento de pessoas comprando bilhetes para utilizar o transporte público.
E quando é um time grande jogando em cidade pequena então? Um fenômeno que acontece todo ano, principalmente em torneios continentais e nacionais que fazem times dos mais variados níveis se enfrentarem. Jogos de times gigantes em cidades minúsculas não são nenhuma novidade, e fazem com que a cidade fique em evidência. Por consequência, é dinheiro que entra na rede hoteleira, em restaurantes, e tudo o mais.
Bom, acho que falar sobre pessoas que ganham seu sustento com o jornalismo esportivo não é necessário, né? Próximo tópico.
5- “Enquanto você grita gol, te exploram”: Essa afirmação, que é uma das mais sem nexo que já ouvi (e não sei quem criou), visa pegar o futebol como bode expiatório, e símbolo de alienação. Basicamente, consideram o futebol o circo da política do pão e circo.
Sinto informar, tenho uma péssima notícia para você que é mais culto que o fã de futebol, e passa o dia ouvindo Chopin, estudando as obras de Sheakspeare e assistindo cinema cult Russo. O sistema te explora também.
6 – “Futebol é diversão de quem não é tão inteligente”: Acho que não preciso falar sobre o número de pessoas influentes que gostam de futebol, não é mesmo? Seja na política, na música, no cinema, existem MILHÕES de pessoas com muito talento, que são fanáticas por futebol. Muito mais talento, aliás, do que o “talento” que foi necessário na cabeça de quem criou, ou segue a teoria de que futebol é coisa de “gente burra”.
Dito isso, acho que consegui deixar mais claro que o futebol não é uma forma de alienação. Ao menos, não na sua essência. Agora, se as pessoas se deixam alienar, é uma pena. Seja o lazer, seja a religião, seja ideologia, o importante é que usemos essas armas para melhorar nossa vida, e não que sejamos usados.
Espero que tenham entendido o contexto. Agora vou pegar fila para pagar contas, e depois, acompanhar os preparativos para a Copa do Mundo, afinal, ninguém é de ferro, né?
Um abraço, e até a próxima!
MACACO TIÃO
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Olha, posso estar enganado, mas pelas últimas conversas que tenho ouvido não estou mais sozinho nessa história de “não estar nem aí para essa Copa”. Sinto que outros ranzinzas juntaram-se a mim. Não sei se chegaram a usar uma camisa da Suíça, como venho usando, mas juntaram-se.
Usar uma camisa da Suíça é mais ou menos como votar no Macaco Tião, uma forma de protesto. Me perdoem os torcedores fanáticos, mas essa seleção não me representa. A CBF, FIFA, dirigentes, empresários, o técnico, nada me representa.
Qual o sentido de o filho do Neymar descer de helicóptero no campo? Para que essa ostentação desnecessária em um momento como esse?
A seleção virou um produto de marketing exagerado, pernas de pau super valorizados, discursos para boi dormir e blábláblá. O Felipe Luís, em uma coletiva, disse que, hoje, a relação entre torcedores e jogadores é bem mais próxima por conta das redes sociais. Isso só pode ser piada.
Antigamente se eu jogasse mal o torcedor reclamava comigo, direto, olho no olho, na rua, na praia ou no “Noites Cariocas”, evento no Morro da Urca, onde eu sempre marcava presença.
Como eu posso ligar para essa Copa depois de tudo o que fizeram com o Maracanã? E os elefantes brancos que espalharam pelo país? Ficou tudo por isso mesmo!
Qualquer pesquisa aponta o torcedor se afastando dos estádios. É preço, é horário, é violência e é a péssima qualidade do espetáculo. Quem resiste? O que mudou na vida do torcedor após termos vencido a Olimpíada? Ele ficou mais confiante? Zero!!! E se vencermos a Copa? Zero!!!
O que discuto é esse distanciamento, a perda de identidade e como conduziram de forma tão desleixada a maior paixão do brasileiro.
Por isso, reforço, que Macaco Tião é a salvação!!!
O INJUSTIÇADO
texto: Renato Belém Bastos | fotos e vídeo: Daniel Perpetuo
Que vida de goleiro não é nada fácil todo mundo sabe. Por mais que feche o gol durante 89 minutos, uma bobeira no último lance da partida pode jogar tudo por água abaixo. Foi o caso do goleiro Loris Karius, que ajudou o Liverpool a chegar na grande final da Liga dos Campeões, mas falhou feio no momento decisivo.
O caso de Jadir é um pouco diferente. Formado nas categorias de base do Flamengo, o goleiro ficou famoso na Portuguesa da Ilha, quando sua equipe venceu o Rubro-Negro. A fama, no entanto, se deu não só por conta das grandes defesas, mas também devido a um gol olímpico sofrido.
No livro “Zico – 50 Anos de Futebol”, está lá, na página 123, que em 25 de outubro de 1982, o Galinho marcou o primeiro gol olímpico de sua carreira. Embora tenha sido um belo gol, ele mesmo afirma que o vento ajudou, fato que foi confirmado por Jadir.
O goleiro, aliás, é uma daquelas pessoas que não tem como você não gostar. Um cara amigo, honesto e extremamente emotivo, que teve uma passagem pelo futebol profissional e depois seguiu a sua vida como professor de Educação Física. Ainda hoje bate a sua bola, já sem a flexibilidade de antes, mas com a mesma paixão.
VIDA DE GOLEIRO
por Alexsandro Micheli, goleiro formado na base do Cruzeiro
Como goleiro que fui, sei muito bem o que é jogar sem poder errar. Há tempos vi uma entrevista do Taffarel depois de falhar no gol da Bolívia sobre o Brasil nas Eliminatórias de 93 para Copa do Mundo, em que ele afirmava não ser nem herói e nem vilão. Era apenas um goleiro. Me marcou muito essa declaração, pois é isso o que realmente somos. Goleiro.
A dor de ver um companheiro de profissão falhar em um jogo é como se você mesmo tivesse falhado. Goleiro é uma posição solitária. O único que se veste diferente, que comemora sozinho o gol do seu time, o único que ao entrar em campo tem sua qualidade colocada em prova, pois a torcida adversária já te chama de frangueiro. Mas assim somos, solitários e amantes da posição.
Um pouco dessas palavras acima vem ao encontro do que foi vivido pelo goleiro do Liverpool Loris Karius no jogo final contra o Real Madrid. Você trabalha duro, se dedica ao máximo durante uma temporada inteira esperando o grande momento da sua carreira, uma final de Champions, e todo esse grande momento cai abaixo por duas falhas.
Senti muito por ele, ainda mais por ter vivido uma situação parecida em um jogo de semifinal entre os maiores rivais, quando falhei no gol e meu time foi eliminado, deixando de disputar a final do estadual do Campeonato Piauense de 2001. A dor é grande, você sente realmente na pele o fracasso, as pessoas te julgam por completo e não pela falha.
Karius é novo e um grande goleiro, senão não estaria no gol de uma das maiores equipes da Europa. Com certeza irá dar a volta por cima, pois qualidade ele tem de sobra, mostrando durante o próprio jogo no qual falhou. Mas as falhas são mais exaltadas nesses casos do que suas grandes defesas durante o jogo. Essa faca de dois gumes carregamos durante nossas carreiras e sabemos como lidar com ela.
Afinal não somos nem heróis, nem vilões. Somos apenas goleiro.