DESCULPE-NOS COLÔMBIA
por Zé Roberto Padilha
Infelizmente a visão que tenho do mundo foram passadas, e reprisadas, pela telinha que meu pai comprou em 1956. E perduravam até hoje. Era uma inédita televisão Emerson bege, e a Rua Barão de Entre-Rios vinha toda noite assistir aquela novidade com a gente. Se os americanos foram colonizados pelos ingleses, e perderam a oportunidade de nos descobrir, trataram de aperfeiçoar sua tecnologia e cismaram de colonizar a nossa mente. E em cada canto do nosso país, minha geração, dos anos 50, foi dominada pelos seus filmes e a cultura que nos passavam em preto e branco.
Nossos heróis não foram Zumbi, o Rei dos Palmares, muito menos Tiradentes, o primeiro a ir para as ruas protestar contra o aumento dos impostos e os abusos do governo. Eles foram Tarzan, Capitão Marvel, Lassie e Rin-tin-tin. Seus nativos originais, os indígenas americanos, foram exterminados em seu habitat pelos vírus, canhões ingleses, e acabaram expulsos do seu território. Mas a versão produzida pelos estúdios da MGM e Paramount era o contrário: John Wayne, Clint Eastwood e o Trinity eram os mocinhos que defendiam as aldeias atacadas por “sanguinários” peles vermelhas. Pobres bandidos do bem fazendo cara feia no cinema para a gente. Quando entramos na universidade e tivemos acesso aos relatos dos vencidos, era tarde: já tínhamos colecionados todos os discos do Elvis. E meu pai comprado toda a coleção do Franck Sinatra e meus filhos dançaram no colégio a coreografia de Thriller.
Quando John Kennedy morreu choramos mais lá em casa do que por Getúlio Vargas. Quando Jango foi para o Uruguai retirado do seu cargo pela ditadura militar, não era com o futuro da nossa bela primeira dama, a Maria Tereza, que estávamos preocupados: era com a Jacqueline Kennedy que se casava com Onassis. Gatos, então, coitados, esta criatura adorável, trataram de retirar do nosso cotidiano pois nos desenhos animados o Tom não parava de perseguir o Jerry. Era o bandido da história e quando aparecia nos filmes de Hitchcock, pelo regime de cotas, era preto, sinistro, símbolo do azar e de atrair coisa ruim. E todos os brasileiros passaram a ter um cão e desprezar os gatos dentro de suas casas.
E com vocês, povo colombiano, não foi diferente. A versão da telinha produzida por Hollywood não teve exaltação a Simon Bolívar, a Francisco Santander, seus libertadores das garras do domínio espanhol. Seu herói por aqui sempre foi Pablo Escobar. E seus produtos de exportação não passavam de maconha e cocaína. Quantas vezes Arnold Schwarzenegger foi até suas selvas, as vilas imundas dos cenários que produziam, trazer reféns de volta em meio a violência dos seus traficantes? E em nenhum filme foi falado que o maior mercado consumidor de cocaína do mundo era o norte-americano.
E, de repente, em uma quarta-feira entristecida, toda a não ficção exportada por eles é substituída por um gesto que nos deixou tão emocionados quanto envergonhados. Nenhuma nação do mundo seria capaz de produzir ao vivo, não em falsos cenários, um espetáculo tão respeitoso e bonito quando enlutaram seu estádio, e o ocuparam todo à sua volta, para glorificar seus adversários, a Chapecoense.. E ainda conceder-lhes o título que por tanto lutaram.
A partir de hoje, povo colombiano, nós, brasileiros, prometemos não ir mais às locadoras buscar mentiras magistralmente dirigidas contra vocês. Mesmo que tenha a Angelina Jolie no papel principal. Recebam as nossas sinceras desculpas e nem precisamos pensar em vingança: eles mesmos acabam de escalar um “bandido” para dirigir o seu destino.
Obs. Se, ano passado, pedimos desculpas, permita-nos agradecer por ontem, domingo, quando vocês jogaram contra a Polônia como nós, brasileiros, já jogamos um dia. Mina foi Luiz Pereira, Rodriguez atuou como Rivelino, e Quadrado foi Jairzinho. E, nas arquibancadas, estiveram felizes, como felizes fomos um dia. Muito orgulho de vocês, Colombia. Parabéns!
BÉLGICA É A NOVA HOLANDA
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Não adianta, cresci vendo futebol bonito, alegre, colorido, coletivo e eficiente. Foi assim com o Botafogo da década de 50 a 70, com a Máquina Tricolor e com a seleção do tri. Fui mal acostumado, né, kkkkkk!!!!!
Na Copa da Rússia, por enquanto, só Bélgica, Espanha, Inglaterra e México me prenderam a atenção. A Bélgica é a nova Holanda, com a vantagem de ter mais jogadores em condições de desequilibrar. É uma bela seleção e o Hazard tem o estilo daqueles nossos meia-esquerdas antigos. Ele até me lembra o jeitão do Zico, nosso querido Galo, que partia para cima sem medo de ser feliz.
A Inglaterra aproveitou a fragilidade panamenha para estrear na Copa. Por falar em Panamá vou reforçar minha opinião sobre essas seleções sem tradição participando da competição. O que elas acrescentaram? Nada!!!!! E ainda tiraram a vaga de grandes escolas, como Itália, Chile e Holanda. As potências Alemanha, Brasil e Argentina ainda não mostraram absolutamente nada. A Alemanha não ganhou. Foi a covardia sueca a maior responsável pela derrota. Sempre deixo claro que não falo sobre vitória ou derrota, mas estilo de jogo.
Sobre o Brasil, pena o Douglas Costa ter se machucado, gosto muito dele e poderia dar um molho, colocar sal nesse time tão sem graça, sem alma e, até agora, sem qualquer esquema. Minha torcida é para que a seleção mais ousada vença essa Copa porque não suporto mais ver o tal futebol de resultado sair como herói.
E sempre que ressurge essa história de futebol arte x futebol de resultado me procuram para falar, e eu repito que a geração de 82/86 não ter vencido uma Copa foi um retrocesso para a nossa escola porque o Parreira ganhou depois graças a talentos individuais e seu trabalho virou um modelo de eficiência. Ah, mas a Itália de 82 era um grande time. Vamos fazer o seguinte, revejam os jogos daquele Mundial e me digam qual futebol encantou o mundo. Eram vários craques em harmonia, assim como em 70. O jogador criativo deve usar sua arte em prol da coletividade.
Acabo de ver o terceiro gol da Colômbia contra a Polônia. O passe do James Rodriguez foi uma obra-prima! A típica jogada que desmonta qualquer retranca e enche os olhos de um cara mal acostumado como eu. E o passe do Quintero para o Falcao Garcia foi primoroso. E o mais bacana será assistir Colômbia x Senegal, que vem fazendo bem a sua parte e têm o único técnico negro da competição. E como Aliou Cissé está elegante!!!!
Nas ruas, me perguntam diariamente o que achei do choro do Neymar sentado no meio-campo? Impossível não ver. Era para que todos víssemos. Mas, sinceramente, quem tem que achar alguma coisa é o Tite, que gosta de ser visto como gestor de pessoas e de tratar a seleção como uma empresa. Ele, como gestor, já deveria ter dado um jeito no Neymar tanto na parte psicológica quanto na técnica. Segurar a bola é importante, mas no momento certo.
Costumam dizer que o departamento médico de hoje é bem mais eficiente do que o do meu tempo. E, de fato, é. Mas, pelo jeito, a área psicológica não evoluiu. O Phillippe Coutinho continua sendo o grande nome da seleção porque é discreto e eficiente. Alguém me disse que nem assessoria de imprensa tem. Ou seja é o antimarketing. Nem tudo está perdido!
PS: Não aguento mais os comentaristas falando “cara da bola”, “orelha da bola”, “jogador de lado de campo”, “ocupação de espaço”…. Alô, rapaziada, menos! Vestiram a amarelinha quantas vezes?
CONFLITO DE GERAÇÕES
por Leandro Ginane
No final da Copa do Mundo de 94, quando Brasil e Itália estavam enfileirados prestes a entrar em campo, há uma cena em que o camisa onze da seleção brasileira, o baixinho Romário, é filmado em primeiro plano com a fisionomia séria e determinada de quem seria tetra campeão mundial, enquanto era observado ao fundo por um Roberto Baggio agitado e que em certo momento cruza os braços como se estivesse intimidado com a presença daquele gigante da pequena área.
Foi uma cena marcante, daquela que seria uma das Copas mais emocionantes para o povo brasileiro, pois há apenas dois meses o Brasil havia perdido um dos maiores ídolos da sua história, o lendário Ayrton Senna. A perda deste grande ídolo e o fato de estar vinte e quatro anos sem vencer uma Copa do Mundo, trouxe um clima ainda mais especial para aquela final. Mas nada parecia abalar o marrento camisa onze brasileiro, que mantinha seu olhar no horizonte sob a atenção do adversário, que parecia pressentir o destino final daquele jogo.
Vinte e quatro anos depois, na Copa do Mundo da Russia, a grande esperança brasileira é o camisa dez Neymar. Apenas dois anos a menos do que o Romário em 1994, Neymar carrega a responsabilidade de ser o craque que levará a seleção brasileira ao seu sexto título.
No entanto, ao soar o apito final do segundo jogo da Copa do Mundo da Rússia, selando a vitória brasileira sobre a fraca Costa Rica por dois a zero, a principal aposta da seleção brasileira desabou. Inconsolável, sentou no gramado e aos prantos foi abraçado por companheiros e adversários. Uma cena até certo ponto triste, de quem ainda parece despreparado e imaturo, e sente o peso de carregar a responsabilidade de ser a grande estrela da seleção.
Não é a primeira vez que um jogador brasileiro tem este comportamento. Em 2014, foi a vez do zagueiro capitão do time ter a mesma reação ao final de uma disputa de pênaltis nas oitavas de final da Copa do Mundo, onde o Brasil saiu vencedor. Estes episódios mostram o quanto é necessário uma reflexão mais profunda sobre o que mudou entre essas gerações de craques.
Naturalmente, há entre elas diferenças que vão além das quatro linhas. Mas há uma questão central que certamente aumenta as nuances dessas diferenças, trata-se da elitização do futebol brasileiro e como consequência o afastamento do povo dos estádios de futebol. Neymar é um astro do entretenimento e Romário, era um jogador de futebol.
Todas as ações do atual camisa dez da seleção possuem interesses financeiros intrínsecos e parece que não há mais improviso, a fuga da concentração, o futevôlei na praia.
A nova geração de jogadores é blindada por assessores e quando a vida real cobra seu preço, eles não suportam a realidade e desabam. Romário era real e Neymar pode se tornar uma vítima vulnerável de um show midiático. Não surpreenderá se o craque da camisa 10 tomar o segundo cartão amarelo no próximo jogo e não participar das oitavas de final da Copa da Rússia, como fez o zagueiro capitão há quatro anos atrás.
ARTESÃO DO FUTEBOL DE MESA
Houve um tempo em que o futebol de botão era febre e a criançada se reunia diariamente em volta da mesa para promover campeonatos. A tecnologia trouxe os “playstations” da vida e a garotada de hoje em dia já não é mais tão fã do futebol de mesa, mas quem viveu aquela época não consegue largar a brincadeira.
Marcinho Nunes é um desses. Além de ser fissurado, ele abrilhanta a brincadeira produzindo balizas, alambrados e botões personalizados.
– Comecei por influência de um amigo meu que é fera no botão. Ele me sugeriu, comecei a investigar e fui aprimorando a técnica.
A fera entrou em contato com a gente, apresentou o seu trabalho e logo encomendamos uma baliza personalizada do Museu da Pelada. O resultado foi encantador. Marcinho é capaz de produzir diversos tipos de baliza, variando o caimento da rede.
– Faço tudo com super-bonder, se errar já era! Uso um ferro de três metros, corto ele, faço dois cabos, pinto em cima, pinto embaixo, espero secar, coloco a rede… Demoro em média uma hora e meia para produzir duas balizas.
Depois de apresentar seu time de botão, uma verdadeira paneça diga-se de passagem, com os mais diversos craques, Marcinho ainda estufou a rede do Museu da Pelada com um belo gol de falta de Roberto Dinamite em cima do Raul!
– Eu sou maluco! Jogo até sozinho!
Os interessados em encomendar com o artesão do futebol de mesa podem entrar em contato:
Celular: (21) 99981-4678
Blog: futeboleartesanato.blogspot.com
Página: C.T. Alto da Boa Vista
EXORCIZANDO O “SARRIÁ” DE 82
por Émerson Gáspari
Quando eu – um ancião que assistiu a todas as Copas desde 1930 – me propus a usar minha fantástica imaginação para “brincar de Deus” e alterar o “Maracanazzo” de 50, jamais poderia esperar tamanha repercussão por parte de vocês, aqui no Museu da Pelada. Por isso, cumpro agora minha promessa feita na semana passada: exorcizar todos os demônios daquela que ficou conhecida como “A tragédia do Sarriá”.
Segunda-feira, 05 de julho de 1982. Muito calor na cidade de Barcelona, onde daqui a pouco, a favoritíssima Seleção Brasileira joga sua sorte contra a limitada Itália, pela XII Copa do Mundo, realizada aqui na Espanha.
Apresso o passo, pois as filas são grandes do lado de fora do estádio Sarriá. Há torcedores por todos os lados, atraídos por um jogo que realmente promete!
O Brasil é a mais pura expressão do futebol-arte, dono de um meio-campo mágico, esplendor de uma constelação de craques. Este setor do time é a tradução fidedigna da nação futebolística, com seus quatro estados mais tradicionais ali presentes: Falcão (Rio Grande do Sul), Toninho Cerezo (Minas Gerais), Sócrates (São Paulo) e Zico (Rio de Janeiro). A identificação com o torcedor é total.
Desde o ano passado, a equipe maravilha o mundo com exibições exuberantes. Em sua última excursão à Europa, derrotou com autoridade a França (3×1), a Inglaterra (1×0) e a Alemanha (2×1). Em seu último amistoso no país, antes de embarcar para a Espanha, o Brasil esmagou impiedosamente a Seleção do Eire por 7×0, com quase trinta chances de gols criadas durante a partida. Parece nem se ressentir de um centroavante técnico, pois os dois melhores do país neste quesito, Careca e Reinaldo, estão sem condições de jogo e sequer viajaram para a Europa. Pena!
Já por aqui, os “artistas brasileiros” derrotaram a União Soviética na estreia por 2×1 (de virada), golearam a Escócia por 4×1 (também de virada), brincaram com a Nova Zelândia (4×0, com apenas 8% de passes errados) e despacharam a atual campeã do Mundo; a Argentina (3×1, com Maradona expulso, por apelar).
Quanto à pobre “Squadra Azurra”, merece nosso respeito mais por sua tradição, do que pelo futebol que vem jogando. Após escândalos como a prisão do artilheiro Paolo Rossi (por manipulação de resultados), tropeços seguidos e um futebol retrancado e desacreditado, seu treinador, Enzo Bearzot tem trabalho para convencer a todos que podem vencer a partida.
A Itália passou à duras penas pela primeira fase da Copa, contando com o critério de desempate e um mísero gol a mais do que o estreante Camarões. Depois, até surpreendeu, vencendo a Argentina por 2×1, num confronto que ficou marcado pela caça à Maradona. De qualquer modo, a equipe não joga um futebol convincente, mesmo contando com ótimos jogadores.
Nenhum torcedor sabe que na preleção, Falcão faz uma colocação quanto a atuarem mais recuados dessa vez, até por possuírem a vantagem do empate. Mas o grupo, após Telê discordar, fecha com o treinador, de que é melhor jogar pra frente, “pois está dando certo, até aqui”.
É sob essa atmosfera, que Brasil e Itália vêm a campo. Encontro-me na arquibancada, tomando mais uma garrafa de água com gás, nessa tarde abafada e decisiva para o futebol das duas equipes. Um empate nos classifica, mas queremos a vitória. E por goleada, se possível!
Tiro a camisa da Seleção e a enrolo na cabeça, devido ao sol escaldante, enquanto confiro as escalações: o Brasil vem com Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior; Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico; Serginho e Éder, sob a batuta de Telê Santana. A Itália de Enzo Bearzot, com Zoff, Orialli, Scirea, Collovati e Cabrini; Gentile, Tardelli e Graziani, Bruno Conti, Paolo Rossi e Antognoni.
O árbitro israelense Abraham Klein apita e o Brasil dá o pontapé inicial: Zico rola para Serginho, que retrocede para Cerezo e daí ao capitão Sócrates. A torcida se agita.
Apesar da Seleção Brasileira, ter conquistado o coração dos espanhóis, me parece haver mais gente com camisas da Itália espalhada pelas arquibancadas.
Essa turma vibra logo aos 5 minutos, quando Conti inverte bonito o jogo da direita para a esquerda, por onde desce o lateral Cabrini. Ante a aproximação de Leandro, ele levanta a bola na área. Paolo Rossi deixa Júnior para trás e cabeceia praticamente na risca da pequena área, à queima-roupa, no canto direito baixo da meta de Waldir: 1×0.
Uma surpresa que não estava no “script”. Mas a seleção vai empatar, sabemos que vai.
Serginho luta próximo da área com três italianos e a bola espirra para Zico, que se livra do marcador e tenta dominá-la, colocando-a muito à frente. Tanto, que ela vai parar nos pés de Serginho, já entrando na área. Mesmo canhoto, ele chuta de direita, bisonhamente para fora. O Galinho reclama, pois tinha tudo para concluir e empatar.
Mas o Brasil continua dominando e as jogadas de ataque se sucedendo.
Aos 12 minutos, Sócrates estende um passe longo entre dois italianos na meia-direita a Zico, que se livra com um giro surpreendente em cima de Gentile e lhe devolve a bola. O “Doutor” deixa seus marcadores para trás, invade a área pela direita e mesmo com pouco ângulo, fuzila Zoff, que cai sentado. A bola levanta cal ao cruzar a linha: 1×1. Na comemoração, Zico salta nas costas do companheiro. Vibram muito!
Enzo Bearzot insiste para que Gentile não desgrude do “Galinho”, lembrando-o daquilo que haviam combinado nos vestiários: que caberia a ele (e não à Tardelli), a missão de marcar o brasileiro em cima, exatamente como fizera no jogo anterior, com Maradona. O italiano cumpre à risca a ordem, tanto que logo ganha um cartão amarelo.
São 25 minutos: Waldir atira com as mãos, uma bola para Leandro na direita, que mata no peito e a entrega para Cerezo. Esse pensa em lançar mais à frente, porém desiste e inesperadamente, resolve virar o jogo para o meio, onde estão Júnior, Falcão e Luisinho, tendo Rossi a observá-los, de perto. Ao tentar bater de três dedos, porém, ele “espirra o taco” e a bola passa nas costas de Falcão, sendo que Luisinho já saía para o ataque. Paolo Rossi, atentíssimo, “dá o bote”, passando entre eles e arrancando para o gol. No desespero, Júnior tenta um carrinho, mas não o alcança.
O artilheiro avança até a meia-lua e dispara, aproveitando-se de Waldir Peres estar um pouco adiantado: 2×1 para a Itália. Cerezo se descontrola e começa a chorar, talvez pressentindo o pior.
O gol revolta os torcedores brasileiros, pela desatenção da zaga. Mas nem tudo é festa para a Itália, pois Collovati, que vinha fazendo ótima partida se contunde e é substituído por Bergomi. E o Brasil começa a pressionar, perdendo oportunidades com Sócrates (que cabeceia livre, mas em cima do goleiro Zoff), com Falcão que chuta de longe uma bola perigosa e quase no fim da primeira etapa com Zico, que recebe um passe rasteiro do “Doutor” e já na grande área, é puxado por Gentille na hora da conclusão. A força do puxão é tamanha, que abre um imenso rasgo na camisa do “Galinho”. De nada adianta mostrar ao juiz: vergonhosamente, ele não dá o penal.
Chega o intervalo e fico imaginando como estarão os torcedores no Brasil, ansiosos pelo segundo tempo e confiantes na virada do selecionado brasileiro.
Os times voltam e não há alterações. Apenas taticamente, pois o Brasil passa a alternar uma troca de posições em campo, com os laterais às vezes virando alas e vindo pelo meio, enquanto os meias abrem pelas laterais, escapando da ferrenha marcação.
Já a Itália continua a inverter jogadas de um lado para outro, o tempo todo. Antes, mais da direita para a esquerda. Agora, isso ocorre ao contrário.
Logo aos dois minutos, o Brasil dá sua primeira “estocada” num chute venenoso de Falcão, que passa próximo ao gol de Zoff.
A Itália acaba tendo um pênalti não marcado, cometido por Luisinho em cima de Paolo Rossi. Seria porque Luisinho é especialista em cometê-los sem que sejam vistos (como o da estreia, diante da URSS) ou será que o juizão quis compensar aquele não marcado em cima de Zico, ainda na primeira etapa?
Novamente é a vez do Brasil: Cerezo penetra e tenta chutar, mas Zoff é mais rápido e se antecipa, fazendo a defesa. Não é só: pouco depois, Serginho tenta cabecear e como não consegue, improvisa um toque de calcanhar, mas Zoff está atento e outra vez, intervém. Fico imaginando aqui com meus botões, como um goleiro com mais de 40 anos, que na Copa passada afundou a Itália levando quatro gols de fora da área nas duas últimas partidas, possa estar nessa forma física e técnica. Está feito vinho: quanto mais velho, melhor. E um legítimo vinho italiano!
Meus pensamentos são abruptamente interrompidos pelo contragolpe adversário: é Rossi, que recebe passe açucarado de Graziani e cara-a-cara com Waldir, desperdiça enorme oportunidade, mandando pela linha de fundo, por estar desequilibrado.
O Brasil continua a pressionar, mesmo se expondo ao perigoso revide italiano.
Acaba sendo recompensado aos 22 minutos: Júnior escapa para o ataque, saindo da lateral e vindo para a meia-esquerda. Já próximo da grande área, executa um passe de três dedos para Falcão que desce pela meia-direita e recebe.
Há seis brasileiros e oito italianos acompanhando a jogada, a maioria, dentro da grande área. Cerezo passa correndo pelas suas costas, do centro para a direita, atraindo a marcação de três adversários e abrindo a zaga italiana. Falcão corta para dentro, traz a bola para o pé canhoto e já no interior da meia-lua, quase na risca da grande área, desfere um chute violento, no canto direito de Zoff. Tudo igual: 2×2.
Ensandecido, veias saltadas na cabeça e no pescoço, gritando sem parar, Falcão corre na direção do banco de reservas, numa comemoração verdadeiramente emocionante, num gesto de puro amor e entrega à camisa que enverga e honra. Ato contínuo, o “Rei de Roma” chacoalha Toninho Cerezo – novamente chorando – para motivá-lo.
Após muita luta, o Brasil está novamente “no páreo”, com o empate. Bem que o “olheiro” brasileiro, Zezé Moreira, havia alertado para o poderio do time italiano, qualificando-o como o nosso mais perigoso adversário. Não estava enganado.
Os canarinhos continuam com mais posse de bola e poder ofensivo: num dos ataques, pegam a zaga italiana totalmente desguarnecida: Zico lança Éder, tendo Sócrates livre, pronto para receber e marcar. Entre eles, apenas Scirea, que fica protegendo sua área. Mas Éder não faz o passe para o companheiro. Ao invés disso, tenta o drible e é bloqueado. Foi a grande chance de “matar” o jogo.
Telê então coloca Paulo Isidoro no gramado, sacando Serginho. Percebe que o Brasil precisa variar os lados do campo ao atacar e fixa Sócrates como falso centroavante. Com Isidoro, de certa forma ele reequilibra o time, “desentortando” as linhas táticas, já que, por atuar sem ponta-direita fixo, a formação ficava torta para a esquerda, facilitando a marcação italiana, quase sempre pelo mesmo setor. O ponta também costuma ajudar o time, voltando para ajudar a fechar o meio-de-campo.
A equipe permanece ofensiva, mas sente as dificuldades em penetrar numa zaga tão bem postada e com o forte calor que fisicamente mina os atletas na parte final do jogo. A plateia, de 44 mil privilegiados torcedores, mal pisca os olhos.
Numa bola inofensiva alçada para o ataque, Toninho Cerezo tenta recuá-la de cabeça para Waldir, erra e termina por ceder o escanteio. Zico chama sua atenção, mas ele gesticula que “está de olho”.
Só que o time não parece estar e mesmo com todos os seus onze homens na grande área, toma o terceiro gol, na cobrança.
Bruno Conti levanta na área, pela direita. Oscar, Sócrates e Scirea dividem, pelo alto. Tardelli apanha a sobra, gira e bate, dentro da área, em direção à meta. No meio do caminho, Paolo Rossi desvia de Waldir Peres: 3×2 para os italianos, que vibram muito. Júnior pede impedimento, esquecendo-se de que ele mesmo dava condições ao centroavante, por estar na pequena área.
Uma espécie de “pane mental” abala o time. Depois, o cansaço se incumbe de arrefecer as investidas brasileiras. Parece que o inacreditável vai acontecer: a Itália, verdadeiro “azarão” no “grupo da morte”, vai se classificar, eliminando Argentina e Brasil. Marini entra no lugar de Tardelli, na Seleção Italiana.
Aos 42, Paolo Rossi trama boa jogada e dá a Antognoni, que vence Waldir Peres, marcando o quarto gol italiano, o qual, por um lapso da arbitragem é mal anulado, pois o atacante não estava impedido. Ainda nos resta uma última esperança!
E ela aparece, na falta cometida em cima de Éder, quando arrancava em direção ao gol. A infração é quase no bico da grande área, pelo lado esquerdo. Passamos dos 43 minutos do segundo tempo. É agora ou nunca!
Quatorze jogadores na grande área, seis brasileiros, oito italianos. E lá vem a bola na área, magistralmente colocada por Éder, no último bolo de jogadores. A “menina” passa caprichosamente por todos, menos pelo último deles: Oscar, que desfere uma cabeçada violenta, para baixo.
Zoff salta e no puro reflexo a agarra, com dificuldades, em cima da linha, junto ao pé do poste esquerdo de sua meta. É o fim, para nós! Estamos desclassificados. Nosso futebol lúdico perdeu. Entraremos para a história como a geração genial sem títulos.
Não! Inesperadamente, o bandeirinha corre para o meio-de-campo. Klein dispara em sua direção e ouve o que este tem a dizer: que a bola cruzou a linha de gol, sendo puxada em seguida por Dino Zoff, para concluir a defesa. Klein então parte para o círculo central, tendo os italianos a lhe perseguirem, reclamando.
“-Gooooooool do Brasiiiiiiiil!!!” . É Luciano do Valle, se esgoelando na cabine de TV, vibrando com o empate brasileiro. Gritamos também, a plenos pulmões, no estádio. Comemoração indescritível! Até os italianos se rendem nesse momento e aplaudem o gol brasileiro, aparentemente aceitando a derrota e a valentia com que sua seleção caiu, não perdendo o jogo ao menos, para o favoritíssimo adversário.
Mais dois minutos de tensão em campo, porém a Seleção Brasileira não dá mais sopa para o azar e ainda perde uma última chance num escanteio magnificamente cobrado por Éder, que o veterano capitão italiano soca para longe de sua meta.
Aos 46 minutos e 13 segundos, Zoff repõe a pelota com um chutão para o alto e Klein apita o final do jogo: 3×3 e no Brasil, as comemorações eclodem, pela tarde e noite afora.
O susto muda um pouco a visão de Telê, quanto ao time. Ele não aceitará mais entre os atletas, falta de seriedade defensiva, nem desequilíbrio emocional em campo. Muito menos, confiança exagerada.
“- Não ganhamos nada, ainda!”, não se cansa de repetir em entrevistas e depois, ao grupo de jogadores. Por via das dúvidas, confirma que Batista passa a ser o titular, a partir de agora, sempre no primeiro tempo, com Cerezo “talvez” entrando no segundo.
Além disso, Serginho ficará no banco, pois Paulo Isidoro será mantido no time e haverá um revezamento entre Sócrates e Zico, no comando de ataque, visando manter-se o máximo de craques, no gramado. Até Dinamite passa a ter chances de entrar. Waldir Peres e Luisinho recebem um voto de confiança; mas qualquer novo deslize e Paulo Sérgio e Edinho estarão de prontidão, para assumirem a vaga de titular.
A partir daí, nossa seleção engrena, vencendo a Polônia de Lato (desfalcada de Boniek) e chegando à final, diante da França, que eliminou a Alemanha de Rummenigge.
É uma decisão apoteótica, a máxima expressão da pura essência do futebol bonito! De um lado, Michel Platini, Giresse, Tiganá, Rocheteau. Do outro, Zico, Sócrates, Falcão.
Nem é preciso falar muito: o placar de 5×4 para os brasileiros – inédito na história das finais de Copas do Mundo – já é mais do que suficiente para traduzir a magnitude da finalíssima. O Brasil se torna tetracampeão mundial de futebol, tendo como palco o estádio Santiago Bernabéu, em Madrid.
Ao receber a taça das mãos do presidente da FIFA, João Havelange, o capitão Sócrates lhe entrega uma carta assinada pelos jogadores brasileiros, pedindo o fim do regime de concentração e o apoio da entidade nessa luta. Havelange promete estudar o caso.
No dia seguinte, os jornais trazem a cobertura do que foi aquele Mundial: para muitos, melhor até do que o de 1970, no México. E também da festa, por todo o país.
Na capa do Jornal da Tarde, a foto de um garoto chorando com a camisa brasileira, feliz pela conquista, no estádio, vira símbolo daquela geração vencedora. Por uma tremenda coincidência, eu estava próximo do menino e vi quando a foto foi colhida. Comovente!
Na volta para o Brasil, o avião que traz a delegação brasileira aterrissa em Brasília, para que os jogadores sejam homenageados pelo governo brasileiro.
Perante milhares de torcedores que superlotam o imenso gramado diante do Palácio do Planalto e aproveitando-se da euforia do presidente, o general Figueiredo – que adora futebol e acaba de discursar – o Doutor Sócrates, tendo os jogadores ao seu lado, reivindica “Eleições Diretas Já” para o país, nos microfones, inflamando a massa.
Surpreso e pressionado há algum tempo pela opinião pública, o presidente promete dar uma resposta em breve a todos. E de fato o faz, semanas depois, marcando eleições com voto direto, para quando terminar seu mandato e entregar o cargo.
A euforia toma conta dos brasileiros nos anos que se seguem.
Zico, Sócrates e outros craques permanecem jogando aqui, pressentindo dias melhores. Falcão logo retorna ao futebol brasileiro, que agora anda valorizadíssimo.
Com a eleição de Tancredo Neves, que obtém mais de 70% dos votos, o Brasil entra numa era de investimento alto em educação, saúde e profundas reformas na política, como extinção de cargos, de privilégios e um incansável combate à corrupção.
No futebol brasileiro, os principais clubes se unem, organizando a Copa União, embrião de muitas mudanças para melhor, nos campeonatos regionais e nacionais, daí para frente.
Aposentados dos gramados, Sócrates e Zico se sucedem na presidência da CBF. Com o apoio do governo, é criada uma lei de incentivo em todo país, que assegura um campinho de futebol gramado para cada 10 mil habitantes, no mínimo, visando levar o esporte aos mais longínquos rincões dessa nação abençoada, assim como, para descobrir novos talentos.
O Brasil passa a ser “a bola da vez” e a ter seu campeonato transmitido para todo o mundo, inclusive para a Europa e até (quem diria!) para Argentina e Uruguai.
Agora são os estrangeiros que querem copiar nosso jogo!
O futebol-arte passa a ser reconhecido como modelo de modernidade. Futebol, de agora em diante, só para craques.
A mídia não abandona sua postura de tratar com seriedade jornalística, o esporte das multidões. Nada de olhar futebol como mero entretenimento ou diversão, formando legiões de torcedores alienados por programas esportivos cheios de gracinhas, tolices desnecessárias e apresentadores que não entendem profundamente do riscado. Jornalismo esportivo é e sempre será coisa séria! Não à palhaçada!
Muito menos transformar a Seleção Brasileira em produto. Ou os clubes, em reféns do dinheiro das cotas televisivas, vítimas de má administração.
Treinadores que apregoam retrancas e jogam pelo resultado, são perseguidos.
A ordem agora é primar pela parte técnica, cada vez mais.
A parte física é apenas um complemento importante. Nada mais que isso. Quem não sabe jogar muito bem, não tem espaço. É preciso talento e criatividade, para se firmar.
Laterais podem descer quantas vezes quiserem, ao ataque. Até os dois juntos, se preferirem. Volantes entram em processo de extinção. No meio-campo, somente gênios. Atacantes, quantos mais, melhor.
Os pernas-de-pau são definitivamente banidos do futebol profissional. Muitos passam a disputar campeonatos amadores.
Nada de esquemas rígidos de marcação, tampouco equipes jogando no erro do adversário. Faltas, somente como último recurso. Simular uma entrada faltosa então; vira pecado mortal para os críticos e são exemplarmente punidas.
A beleza do toque refinado, do drible desconcertante e dos gols executados através de jogadas bem feitas, passa a ser primordial e algo cada vez mais constante, nos gramados do Brasil e do mundo.
Não tem tanta importância levarmos gols, desde que façamos mais tentos do que o adversário; é claro.
Nunca mais, em parte alguma deste planeta, alguém pronunciará contra o tão sagrado futebol, a terrível blasfêmia:
“- Ganhando o jogo de meio à zero, tá bom demais!”.