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TRÊS VELHOS NA COPA DO MUNDO

por Claudio Lovato


São três velhos realizando seu sonho de meninos: ir a uma Copa do Mundo em terra estrangeira.

Três velhos que se conhecem desde a infância.

Passaram juntos pela experiência dos primeiros anos de escola, dos primeiros porres, dos primeiros namoros, dos primeiros empregos, e depois foram padrinhos de casamento uns dos outros e padrinhos dos filhos uns dos outros e por último se tornaram avós emprestados dos netos uns dos outros.

Três velhos que são irmãos desde sempre e para sempre.

Agora estão juntos no país distante onde acontece a Copa do Mundo.

A saber:

Já viram, no estádio, a poucos metros do campo, a Seleção empatar uma vez e vencer três.


Já tomaram um pileque cada um, mas combinaram que só um passaria do ponto de cada vez: lugar estranho, prudência máxima.

Um deles (sem influência da birita) aceitou que colorissem sua barba de verde e amarelo.

Um se perdeu dos dois outros numa suntuosa e gigantesca estação de metrô; só se reencontraram duas horas depois.

Um deles pegou uma gripe que quase o levou para o hospital.

Outro recebeu um bilhete escrito num guardanapo, com marca de batom (a assinatura era um beijo e um número de telefone), o que reforçou sobre sua fama de eterno galã.

Outro arranjou briga com um jornaleiro e, no mesmo episódio, tomou uma dura de um policial, sem fazer a menor ideia do porquêde tudo aquilo. (E decidiu que dali em diante não confiaria mais nas traduções do Google.)

Experimentaram todas as comidas que apareceram pela frente, colocaram flores no túmulo de um soldado morto na Segunda Guerra (um deles chorou ao fazer isso) e visitaram o museu mais espetacular que tiveram a oportunidade de conhecer.

Um deles está escrevendo um diário com o relato dos principais momentos da aventura que estão vivendo.

Outro decidiu que vai voltar com a família a esse país sensacional assim que possível. (E, de preferência,na companhia dos outros dois e suas famílias; já existe um início de pacto com relação a isso.)

No jantar, depois do quarto jogo, falaram da morte.

Da proximidade da morte. Da finitude da vida. Do que tempo que lhes resta. Do que ainda gostariam de fazer.

Depois, quando a conversa já estava ficando muito pesada, falaram da alegria de poderem estar onde estão, com as pessoas com quem estão, irmãos desde sempre e para sempre.

E então se congratularam por – acordo antigo firmado entre eles – se recusarem a abandonar o menino que vive em cada um deles e que os levará pela mão para a próxima estação, para o próximo jogo e para tudo o que estiver mais adiante.

CLÁUDIO ADÃO FAZIA GOL ATÉ DORMINDO

por André Felipe de Lima


Um “desconhecido íntimo”, como Nelson Rodrigues se referia a seus amigos, abordou-o e perguntou o que o genial cronista e teatrólogo achava da performance de Cláudio Adão, egresso do Flamengo, no Fluminense. E Nelson foi curto: “Está formidável”. Mais adiante em sua crônica, avalia os porquês de os cartolas da Gávea dispensarem um dos melhores atacantes brasileiros. “Quando ele saiu do Flamengo, tive o maior espanto. Sempre digo que o brasileiro não se espanta mais. Pois eu me espantei quando vi que o Rubro-Negro resolveu enxotar o jogador, sendo que era um jogador da maior utilidade em qualquer time. Mas como diz minha vizinha, gorda e patusca: — ‘Amarra-se o burro à vontade do dono’ […] Sim, o Flamengo era o único que não enxergava o óbvio ululante […] Aí está o goleador fazendo gol até dormindo.”

Goleador não somente no Tricolor, mas em várias equipes pelas quais passou — e foram muitas —, Cláudio Adão venceu o preconceito frequente com os jogadores nômades e sempre foi respeitado. Fez 591 gols distribuídos entre os 26 clubes onde jogou no Brasil, na Áustria, nos Emirados Árabes, em Portugal e no Peru. O preconceito que enfrenta hoje, encerrada a carreira, é inexoravelmente de origem racista. Negro, denuncia a barreira da cor que o impede de alavancar a carreira de treinador, apesar de ser formado pela Fifa e campeão no exterior. Tentou se firmar no Flamengo, mas foi apenas auxiliar de outros treinadores. Daquela época, na Gávea, não guarda boas lembranças. Publicamente, acusou Evaristo de Macedo, técnico, na ocasião, do Rubro-negro, de tê-lo preterido por causa da cor de sua pele. Evaristo negou, baseando-se no argumento de que teve como auxiliares em outros clubes vários profissionais negros.


Mas há fundamento para a indignação de Cláudio Adão. Não pelo imbróglio com Evaristo, mas sim devido a um contexto cultural deplorável e injusto lamentavelmente entranhado na sociedade brasileira. Foram poucos os treinadores negros que tiveram oportunidade para se firmar na função. Nos anos de 1940, tivemos Gentil Cardoso e Gradim… somente. Talvez mestre Didi anos depois, mas seu trabalho, como o de Adão, foi mais reconhecido lá fora que por estas paragens.

Quanto ao que o craque fez dentro das quatro linhas, não há o que polemizar. O fato é que Cláudio Adão foi impecável, cabeceava bolas indefensáveis para os arqueiros. Só mesmo Adão para girar no ar e testar com força e precisão contra a meta adversária. Para quem era sempre definido como “bichado”, o centroavante calou a boca de muitos ao marcar mais de 500 gols ao longo da carreira, sendo artilheiro do campeonato carioca por três vezes: em 1978, no Flamengo [dividiu a ponta com Roberto Dinamite, do Vasco, e Zico, companheiro de clube], com 19 gols, em 1980, no Fluminense, com 20, e em 1984, no Bangu, com 12, ao lado do botafoguense Baltazar.

Cláudio Adalberto Adão nasceu em Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro, em 2 de julho de 1955. Começou no Santos, em 1972, e foi campeão paulista em 1973. Jogou com Pelé e Coutinho, mas enfrentou o desafio da reformulação santista, depois do gradual desmanche do fantástico time que atravessou a virada dos anos de 1960 e 70. Cláudio Adão tem Pelé como grande ídolo. Conta que foi o Rei quem o ensinou a cobrar pênaltis, a escapar de faltas violentas e a fugir da marcação cerrada.

Num jogo contra o América, de Rio Preto, na casa do adversário, fraturou o tornozelo. Desacreditado, foi para o Flamengo, em 1976, onde jogou com Zico, Carpegiani e Júnior. Pelo clube da Gávea, entrou em campo 153 vezes e marcou 80 gols. Foram 99 vitórias e 31 empates. Venceu os dois campeonatos cariocas realizados em 1979.


Nelsinho, técnico do Fluminense, levou-o para as Laranjeiras, em 1980, para que pudesse comandar os mais jovens. Ficou no Flu até 1981 e rumou para o exterior. Jogou pelo Austria Viena, em 1981, mas, no mesmo ano, transferiu-se para o Vasco. Em 1982, passou a temporada na Arábia Saudita, no Al Ain, e defendeu ainda o Botafogo (RJ). No ano seguinte, estava mais uma vez no Flamengo e também jogou pelo Benfica, de Portugal. Mais uma vez, no Botafogo, em 1984, mas por poucos meses, porque Castor de Andrade resgatou-o para o Bangu, no qual Adão teve grande fase entre 84 e 85, quando foi vice-campeão carioca e brasileiro. Na final do campeonato estadual de 1985, protagonizou um polêmico lance contra o Fluminense. Teria sofrido pênalti de Vica, no último minuto do segundo tempo, mas o árbitro José Roberto Wright não marcou e o jogo terminou 2 a 1 para os tricolores.


Em 1986, defendeu o Bahia. No ano seguinte, Cruzeiro. Mais um ano e foi a vez da Portuguesa Santista. Jogou pelo Corinthians, em 1989, e em 1990 transferiu-se para o Sport Boys, do Peru. Atuou ainda no Campo Grande, em 1991, e, em poucos meses, regressou ao Peru, desta vez para o Alianza de Lima, onde permaneceu até 93. Jogou pelo Ceará, ainda em 1993. No ano seguinte, peregrinou por Santa Cruz, pelo peruano Deportivo Pesquero e, no final de 1994, pelo Volta Redonda. Em 1995, defendeu o capixaba Rio Branco e, em 96, a Desportiva. Jogou ainda por CSA de Alagoas, Sipesa, do Peru, e Itumbiara.

Não teve muitas oportunidades na seleção brasileira, pela qual só jogou 11 vezes. Foi, entretanto, campeão pan-americano pelo Brasil, na Cidade do México, em 1975. Casou-se com Paula Barreto, filha do produtor de cinema Luiz Carlos Barreto. Adão e Paula tiveram dois filhos, uma menina, Camila, jogadora de vôlei, e um menino, Felipe, prata da casa do Botafogo.

O FIM DOS 1000 TOQUES

por Vinícius Vieira


Ontem, após a eliminação da Espanha na Copa, vi alguns jovenzinhos e até mesmo jornalistas, um tanto preocupados com a queda do “futebol arte espanhol”. Bom, acompanho Copas do Mundo desde 1982, não sou tão velho, nem tão novo, mas posso afirmar que não acabou o “futebol arte espanhol”, acabou uma geração que jogava diferente de qualquer seleção espanhola vista em Copas do Mundo até 2010.

Na verdade, a seleção dos 1000 toques na bola era praticamente um time, o Barcelona, enxertado de dois ou três jogadores de outro clube, um deles o goleiro, vestindo uma camisa diferente da que envergavam aos finais de semana.

Jamais uma seleção jogou tão igual a um clube como a Espanha de 2010. Se buscarmos alguns vídeos de atuações espanholas em outras oportunidades, teremos o desprazer de ver um futebol não muito bonito,  sempre corrido e marcado como a maioria das seleções europeias sempre praticaram.


A Espanha nunca foi diferente, nunca incomodou muito em Copas do Mundo, mesmo quando esta foi realizada em seus domínios, então podemos dizer que não morreu uma forma de jogar, morreu apenas uma geração que jogava de uma forma diferente e que, quase toda, defendia a camisa de um único clube, que não coincidentemente, jogava dessa forma.

Fique claro que não é nenhum desmerecimento a jogadores do talento de Iniesta e Xavi e companhia, apenas uma constatação de um fato que está registrado na história do futebol.

SIM, ELES SÃO HUMANOS!

por Marcos Vinicius Cabral


Criada pelo francês Jules Rimet, em 1928, após ter assumido a presidência da FIFA, a Copa do Mundo é hoje o evento esportivo mais importante do planeta.

Desde a primeira edição em 1930 – realizada no Uruguai e vencida pela equipe Celeste – até a mais recente – estamos nas oitavas de final da Copa de 2018, na Rússia – muitas coisas aconteceram nessas 21 edições.

Se vivo fosse, o “pai da Copa do Mundo” – falecido em 1956 na modesta cidade francesa de Suresnes – estaria surpreso com a grandiosidade que o evento se tornou e estarrecido com a quantidade de jogadores talentosos que não ganharam o tão almejado título.

A lista, extensa, diga-se de passagem, teve no sábado (30), a inclusão de mais dois nomes de peso: Messi e Cristiano Ronaldo!


Desclassificados pelos algozes franceses e uruguaios, os dois maiores gênios da atualidade e detentores de dez prêmios de melhor jogador do mundo da FIFA – cada um com cinco – viram o sonho se tornar frustração.

O craque argentino Messi – há quem diga ser melhor que Maradona – sucumbiu para uma França mais organizada e com um talentoso Mbappé – autor de dois gols – que com apenas 19 anos, ditou o ritmo da partida na vitória por 4 a 3.

Já o português CR7, teve atuação discreta na derrota por 2 a 1 e viu a dupla Cavani/Suárez, comemorar a classificação às quartas de final.


Portanto, é uma pena para o futebol, para a Copa do Mundo e para os que torciam pelo sucesso desses dois exuberantes jogadores, que tenham que voltar aos seus países de mãos vazias.

E nos deixa a única certeza sobre esse esporte chamado futebol: sim, Messi e Cristiano Ronaldo, são humanos!

Donizete

NO CAMPO COM PANTERA

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | fotos e vídeo: Daniel Planel 

Em clima de Copa do Mundo, a equipe do Museu da Pelada voltou a marcar presença na pelada do parceiro Carlinhos Cortázio. O personagem da vez foi o artilheiro Donizete Pantera, que fez história não só no Brasil, mas também no México, adversário da seleção amanhã pelas oitavas de final da Copa do Mundo.

Embora a explosão não seja a mesma dos tempos de Vasco e Botafogo, Donizete exibiu boa forma física e demonstrou desenvoltura a ponto de questionarem na pelada um retorno aos gramados.

– Tenho que emagrecer uns quatro quilos para ficar em plena forma! – brincou Donizete.

Nascido em Pratos, Minas Gerais, o atacante se mudou para Volta Redonda aos cinco anos, quando seu pai foi convidado para trabalhar na Companhia Siderúrgica Nacional. Na nova cidade, foi aprovado no Voltaço, se profissionalizou no clube e só saiu após conquistar o acesso à elite do futebol carioca.

O bom desempenho despertou o interesse do São José-SP, que contratou Donizete e foi vice-campeão paulista em 1989, perdendo na grande final para o São Paulo.


– Do São José fui para o Botafogo com a missão de substituir o Maurício e fui bicampeão carioca!

Foi aí que surgiu uma oferta irrecusável do Tecos-MEX. Junto com Hernani Banana e Gonçalves, chegou com status de craque, mas a demora para se adaptar ao novo país quase lhe custou a rescisão do contrato.

– Devo muito ao Hernani, que no momento mais difícil, quando eu estava para ir embora, pediu para a diretoria confiar em mim.

Não deu outra! Donizete não só se adaptou, como foi o melhor jogador da temporada e levou a modesta equipe ao título mexicano.

O goleador, no entanto, sentia saudade do Brasil e precisava mostrar serviço no país de origem. Após cinco temporadas de sucesso no México, retornou ao Botafogo em 95 para formar dupla com Túlio Maravilha e conquistar o Campeonato Brasileiro daquele ano.

Se já não fosse o bastante,  foi campeão da Copa Libertadores três anos depois, pelo Vasco, ao lado de Juninho Pernambuco, Felipe, Pedrinho e do parceiro de ataque Luizão, marcando gol nos dois jogos da decisão contra o Barcelona de Guayaquil.


Apesar de não saber estipular quanto seria um Botafogo de 95 x Vasco de 98, Donizete não ficou em cima do muro para escolher sua melhor dupla.

– Tive a felicidade de jogar com essas duas feras (Túlio e Luizão) e me sentia muito bem ao lado deles. Mas acho que casei melhor com o Túlio, até porque joguei mais tempo com ele! – revelou o Pantera.

Hoje em dia, Donizete se divide entre as peladas e a sua mais nova empresa, a Pantera Sport, para agenciar novos jogadores.

– Canário belga solto está muito difícil! – brincou, em alusão à dificuldade para a descoberta de novos talentos no futebol brasileiro.