FORÇA, ARLINDO!
Ontem, ouvindo uma das suas pérolas, que embalam points pela Copa, nos deu saudades do Arlindo. Poucos brasileiros são tão inspirados e sensíveis, como ele, a transformar em melodias as aspirações, dores e alegrias do nosso dia-a-dia. Seja ao lado do Sombrinha, um dia do Luis Carlos da Vila, foi de Madureira que ele alcançou e melhor interpretou a alma do nosso país.
A Copa do Mundo de futebol é a maior celebração da nação que melhor estendeu os ritos deste fascinante esporte. Sua miscigenação, sua diversidade, foi capaz de levar até suas periferias fábricas de atenuar desigualdades sociais. E onde tinha um terreno vazio, e bolsos dos seus pais tanto quanto, seus meninos humildes trataram de iniciar seu aprendizado rumo ao Barcelona, ao Chelsea, ao Paris St. Germain. Fora dele, meninos Arlindinhos, com os atabaques da resistência, tamborins e chocalhos sobrevividos do berço, elevaram o samba como a trilha sonora de uma arte praticada sem igual. E em um país tão desigual tem encontrado em seus meninos talentosos, dentro e fora de campo, um bálsamo de oportunidades contra o descaso. E a opressão.
Como muito dos seus fãs, temos recebido notícias desencontradas na mesma proporção em que paramos de receber suas melodias inspiradoras. Verdadeiras ou não, desejamos apenas que se recupere. E volte logo. Para que cada obra de arte dos nossos meninos, desta vez em gramados da Rússia, continue a ter o seu talento a resumi-las em canções. Um país que teve Pelé, e hoje tem Neymar, precisa de um Arlindo, como teve um Gonzaguinha, para encher o peito da sua gente e fazê-la acreditar, pelo menos em tempos de Copas do Mundo, que ele é bonito, é justo e um dia será igual.
AS COPAS SÃO PARA OS PERFEITOS, NÃO PARA OS DEMÔNIOS
por Paulo Escobar
Há uma inquisição por trás do futebol, que age nas entidades oficiais, nas mídias tradicionais e nas cabeças conservadoras daqueles que assistem e pregam essa crença moral e perfeita.
Através do futebol tentam moralizar a sociedade, através dele tentam nos dizer o que é certo e errado. Desde como jogar, como se comportar, até como agir dentro e fora de campo.
Para estes o futebol deve seguir conceitos morais de pureza, deve ser sacro, limpo de maus pensamentos. Para estes temos que ser Freis ou Santos para jogar ou torcer.
As Copas do Mundo são as verdadeiras reuniões de como há de ser bom e moral para estar nela ou estar presente em suas igrejas (digo arenas), ali somos ensinados em como agir e sermos Fair Plays. A mídia nos transmite os bons modos a nível mundial neste evento, todos os ensinamentos e doutrinas são transmitidas durante os jogos e comentários.
Ali não há lugar para aqueles que usam drogas, ou pelo menos se caçam os que são detectados e às vezes depende do país que se nasce ou o que o drogado pensa, nada de entorpecentes mesmo que toda essa pressão e em nome do espetáculo sejam necessárias as substancias para poder aguentar essa loucura toda. Afinal as crianças estão assistindo e há que deixar o bom exemplo, mesmo que essas crianças no futuro venham sofrer a mesma pressão e serão talvez aqueles que venham a usar as mesmas drogas também.
Maradona teve o erro de falar demais, de bater de frente com entidade moral que guia o futebol, a partir dali seus “erros” morais foram colocados a luz. Uma verdadeira cruzada para mostrar ao mundo que este ser profano era um verdadeiro “demônio” a ser combatido. A cada investida que Diego sofria, mais os imperfeitos gostávamos dele. Mesmo frequentando as Copas, era caçado e passou a ser o rei dos antidopings.
Alex, um gênio com uma qualidade incrível, da sua geração aqui no Brasil poucos fizeram o que ele fez, não ficou devendo a ninguém e inclusive até hoje poderia ser convocado. Mas Alex cometeu o crime de pensar diferente e isso não é bem visto no futebol.
Cantona teve a “maldita” ideia de chutar um fascista, de dar um golpe naquele que destilava seu veneno contra um estrangeiro, ou contra negros e gays, o futebol lhe cobra autocontrole e ser pacifico mesmo quando tocado no mais profundo e da forma mais desumana. A voadora foi à gota para os moralistas do futebol, pois não era só por aquele momento que Eric era um incomodo.
Djalminha maldito gênio da cabeça quente, não era o bom moço que poderia ser um exemplo a ser seguido pelas crianças. Como levar alguém sem etiqueta para estar na cita máxima da moral futebolística?
O que dizer do Chile, no qual toda uma geração foi punida pelo gesto do Rojas, que talvez cometeu o crime que mais se comete nos bastidores do futebol, ganhar a qualquer custo. Mesmo com todo o peso de um país que acabava de sair de uma ditadura militar e colocava sua esperança naquele time.
E quando alguns destes profanos e hereges do futebol conseguem entrar nestes encontros da moral futebolística, são observados o tempo todo nas suas ações e gestos, a mídia faz verdadeiras analises mais centralizadas nas vidas que levam. O futebol passa a ser um detalhe, o que importa é mostrar as vidas devassas e o que as crianças não devem fazer.
As Copas do Mundo não foram feitas para os maus rapazes, não foram pensadas para os contraditórios ou que pensem a sociedade de outra forma e nem para ex-pobres com manias de pobres. Assim como a igrejas não são para os demônios o futebol não é para os imperfeitos, as Copas são para os santos e deuses, pois eles possuem a perfeição, essa perfeição chata e impossível.
Eu prefiro os demônios do futebol, pois:
“A perfeição é o chato privilegio dos deuses” – Eduardo Galeano
Paulo Escobar
Maloqueiro, Varzeano, corre com o povo de rua e Sociólogo.
TRÊS VELHOS NA COPA DO MUNDO
por Claudio Lovato
São três velhos realizando seu sonho de meninos: ir a uma Copa do Mundo em terra estrangeira.
Três velhos que se conhecem desde a infância.
Passaram juntos pela experiência dos primeiros anos de escola, dos primeiros porres, dos primeiros namoros, dos primeiros empregos, e depois foram padrinhos de casamento uns dos outros e padrinhos dos filhos uns dos outros e por último se tornaram avós emprestados dos netos uns dos outros.
Três velhos que são irmãos desde sempre e para sempre.
Agora estão juntos no país distante onde acontece a Copa do Mundo.
A saber:
Já viram, no estádio, a poucos metros do campo, a Seleção empatar uma vez e vencer três.
Já tomaram um pileque cada um, mas combinaram que só um passaria do ponto de cada vez: lugar estranho, prudência máxima.
Um deles (sem influência da birita) aceitou que colorissem sua barba de verde e amarelo.
Um se perdeu dos dois outros numa suntuosa e gigantesca estação de metrô; só se reencontraram duas horas depois.
Um deles pegou uma gripe que quase o levou para o hospital.
Outro recebeu um bilhete escrito num guardanapo, com marca de batom (a assinatura era um beijo e um número de telefone), o que reforçou sobre sua fama de eterno galã.
Outro arranjou briga com um jornaleiro e, no mesmo episódio, tomou uma dura de um policial, sem fazer a menor ideia do porquêde tudo aquilo. (E decidiu que dali em diante não confiaria mais nas traduções do Google.)
Experimentaram todas as comidas que apareceram pela frente, colocaram flores no túmulo de um soldado morto na Segunda Guerra (um deles chorou ao fazer isso) e visitaram o museu mais espetacular que tiveram a oportunidade de conhecer.
Um deles está escrevendo um diário com o relato dos principais momentos da aventura que estão vivendo.
Outro decidiu que vai voltar com a família a esse país sensacional assim que possível. (E, de preferência,na companhia dos outros dois e suas famílias; já existe um início de pacto com relação a isso.)
No jantar, depois do quarto jogo, falaram da morte.
Da proximidade da morte. Da finitude da vida. Do que tempo que lhes resta. Do que ainda gostariam de fazer.
Depois, quando a conversa já estava ficando muito pesada, falaram da alegria de poderem estar onde estão, com as pessoas com quem estão, irmãos desde sempre e para sempre.
E então se congratularam por – acordo antigo firmado entre eles – se recusarem a abandonar o menino que vive em cada um deles e que os levará pela mão para a próxima estação, para o próximo jogo e para tudo o que estiver mais adiante.
CLÁUDIO ADÃO FAZIA GOL ATÉ DORMINDO
por André Felipe de Lima
Um “desconhecido íntimo”, como Nelson Rodrigues se referia a seus amigos, abordou-o e perguntou o que o genial cronista e teatrólogo achava da performance de Cláudio Adão, egresso do Flamengo, no Fluminense. E Nelson foi curto: “Está formidável”. Mais adiante em sua crônica, avalia os porquês de os cartolas da Gávea dispensarem um dos melhores atacantes brasileiros. “Quando ele saiu do Flamengo, tive o maior espanto. Sempre digo que o brasileiro não se espanta mais. Pois eu me espantei quando vi que o Rubro-Negro resolveu enxotar o jogador, sendo que era um jogador da maior utilidade em qualquer time. Mas como diz minha vizinha, gorda e patusca: — ‘Amarra-se o burro à vontade do dono’ […] Sim, o Flamengo era o único que não enxergava o óbvio ululante […] Aí está o goleador fazendo gol até dormindo.”
Goleador não somente no Tricolor, mas em várias equipes pelas quais passou — e foram muitas —, Cláudio Adão venceu o preconceito frequente com os jogadores nômades e sempre foi respeitado. Fez 591 gols distribuídos entre os 26 clubes onde jogou no Brasil, na Áustria, nos Emirados Árabes, em Portugal e no Peru. O preconceito que enfrenta hoje, encerrada a carreira, é inexoravelmente de origem racista. Negro, denuncia a barreira da cor que o impede de alavancar a carreira de treinador, apesar de ser formado pela Fifa e campeão no exterior. Tentou se firmar no Flamengo, mas foi apenas auxiliar de outros treinadores. Daquela época, na Gávea, não guarda boas lembranças. Publicamente, acusou Evaristo de Macedo, técnico, na ocasião, do Rubro-negro, de tê-lo preterido por causa da cor de sua pele. Evaristo negou, baseando-se no argumento de que teve como auxiliares em outros clubes vários profissionais negros.
Mas há fundamento para a indignação de Cláudio Adão. Não pelo imbróglio com Evaristo, mas sim devido a um contexto cultural deplorável e injusto lamentavelmente entranhado na sociedade brasileira. Foram poucos os treinadores negros que tiveram oportunidade para se firmar na função. Nos anos de 1940, tivemos Gentil Cardoso e Gradim… somente. Talvez mestre Didi anos depois, mas seu trabalho, como o de Adão, foi mais reconhecido lá fora que por estas paragens.
Quanto ao que o craque fez dentro das quatro linhas, não há o que polemizar. O fato é que Cláudio Adão foi impecável, cabeceava bolas indefensáveis para os arqueiros. Só mesmo Adão para girar no ar e testar com força e precisão contra a meta adversária. Para quem era sempre definido como “bichado”, o centroavante calou a boca de muitos ao marcar mais de 500 gols ao longo da carreira, sendo artilheiro do campeonato carioca por três vezes: em 1978, no Flamengo [dividiu a ponta com Roberto Dinamite, do Vasco, e Zico, companheiro de clube], com 19 gols, em 1980, no Fluminense, com 20, e em 1984, no Bangu, com 12, ao lado do botafoguense Baltazar.
Cláudio Adalberto Adão nasceu em Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro, em 2 de julho de 1955. Começou no Santos, em 1972, e foi campeão paulista em 1973. Jogou com Pelé e Coutinho, mas enfrentou o desafio da reformulação santista, depois do gradual desmanche do fantástico time que atravessou a virada dos anos de 1960 e 70. Cláudio Adão tem Pelé como grande ídolo. Conta que foi o Rei quem o ensinou a cobrar pênaltis, a escapar de faltas violentas e a fugir da marcação cerrada.
Num jogo contra o América, de Rio Preto, na casa do adversário, fraturou o tornozelo. Desacreditado, foi para o Flamengo, em 1976, onde jogou com Zico, Carpegiani e Júnior. Pelo clube da Gávea, entrou em campo 153 vezes e marcou 80 gols. Foram 99 vitórias e 31 empates. Venceu os dois campeonatos cariocas realizados em 1979.
Nelsinho, técnico do Fluminense, levou-o para as Laranjeiras, em 1980, para que pudesse comandar os mais jovens. Ficou no Flu até 1981 e rumou para o exterior. Jogou pelo Austria Viena, em 1981, mas, no mesmo ano, transferiu-se para o Vasco. Em 1982, passou a temporada na Arábia Saudita, no Al Ain, e defendeu ainda o Botafogo (RJ). No ano seguinte, estava mais uma vez no Flamengo e também jogou pelo Benfica, de Portugal. Mais uma vez, no Botafogo, em 1984, mas por poucos meses, porque Castor de Andrade resgatou-o para o Bangu, no qual Adão teve grande fase entre 84 e 85, quando foi vice-campeão carioca e brasileiro. Na final do campeonato estadual de 1985, protagonizou um polêmico lance contra o Fluminense. Teria sofrido pênalti de Vica, no último minuto do segundo tempo, mas o árbitro José Roberto Wright não marcou e o jogo terminou 2 a 1 para os tricolores.
Em 1986, defendeu o Bahia. No ano seguinte, Cruzeiro. Mais um ano e foi a vez da Portuguesa Santista. Jogou pelo Corinthians, em 1989, e em 1990 transferiu-se para o Sport Boys, do Peru. Atuou ainda no Campo Grande, em 1991, e, em poucos meses, regressou ao Peru, desta vez para o Alianza de Lima, onde permaneceu até 93. Jogou pelo Ceará, ainda em 1993. No ano seguinte, peregrinou por Santa Cruz, pelo peruano Deportivo Pesquero e, no final de 1994, pelo Volta Redonda. Em 1995, defendeu o capixaba Rio Branco e, em 96, a Desportiva. Jogou ainda por CSA de Alagoas, Sipesa, do Peru, e Itumbiara.
Não teve muitas oportunidades na seleção brasileira, pela qual só jogou 11 vezes. Foi, entretanto, campeão pan-americano pelo Brasil, na Cidade do México, em 1975. Casou-se com Paula Barreto, filha do produtor de cinema Luiz Carlos Barreto. Adão e Paula tiveram dois filhos, uma menina, Camila, jogadora de vôlei, e um menino, Felipe, prata da casa do Botafogo.
O FIM DOS 1000 TOQUES
por Vinícius Vieira
Ontem, após a eliminação da Espanha na Copa, vi alguns jovenzinhos e até mesmo jornalistas, um tanto preocupados com a queda do “futebol arte espanhol”. Bom, acompanho Copas do Mundo desde 1982, não sou tão velho, nem tão novo, mas posso afirmar que não acabou o “futebol arte espanhol”, acabou uma geração que jogava diferente de qualquer seleção espanhola vista em Copas do Mundo até 2010.
Na verdade, a seleção dos 1000 toques na bola era praticamente um time, o Barcelona, enxertado de dois ou três jogadores de outro clube, um deles o goleiro, vestindo uma camisa diferente da que envergavam aos finais de semana.
Jamais uma seleção jogou tão igual a um clube como a Espanha de 2010. Se buscarmos alguns vídeos de atuações espanholas em outras oportunidades, teremos o desprazer de ver um futebol não muito bonito, sempre corrido e marcado como a maioria das seleções europeias sempre praticaram.
A Espanha nunca foi diferente, nunca incomodou muito em Copas do Mundo, mesmo quando esta foi realizada em seus domínios, então podemos dizer que não morreu uma forma de jogar, morreu apenas uma geração que jogava de uma forma diferente e que, quase toda, defendia a camisa de um único clube, que não coincidentemente, jogava dessa forma.
Fique claro que não é nenhum desmerecimento a jogadores do talento de Iniesta e Xavi e companhia, apenas uma constatação de um fato que está registrado na história do futebol.