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NELSINHO E CARLINHOS

por Zé Roberto Padilha


Há anos que a FIFA escolhe apenas atacantes, como Messi, Cristiano, Ronaldo, Romário, Rivaldo, como os melhores jogadores de futebol do mundo. São, de fato, os protagonistas dos espetáculos. Fazem gols, são ídolos porque na defesa, e no meio-campo, os espaços começaram a ser ocupados por atletas sem talento.

A Era Dunga, de pouca técnica e muita marcação, transformou a zona de pensamento, de organização de jogadas, em um lugar onde Guiñazü, Edinho e Márcio Araújo sobreviveram correndo mais com a bola, e dando carrinhos, do que realizando por ali grandes jogadas.

A era Nelsinho e Carlinhos, Didi e Zito, e a que mais simbolizou o futebol-arte, Clodoaldo e Gérson, até desaparecerem com Adílio e Andrade, Cléber e Carlos Alberto Pintinho, parecia definitivamente encerrada até que a Croácia, como num lampejo de luz lançado sobre as lentes da Copa do Mundo, redescobre Modric e Rakitic. E o meio-de-campo, cheio de jogadas de rispidez, chutões e bolas trocadas lateral e irritantemente com os zagueiros, passa a ver a bola deslizar suave pela grama. E receber, de novo, lampejos de arte.


Não por acaso, os dois croatas são, há anos, titulares absolutos dos maiores clubes do mundo: Real Madrid e Barcelona. Xavi e Iniesta encontraram em Rakitic sua arte renascer ao lado com um vigor a mais. E o adotaram. E Zidane redescobriu em Modric a lucidez, o toque de bola, que o levou a ser reverenciado mundo afora. Eu, que torço pelo Barcelona, e meus filhos, que torcem pelo Real Madrid, estaremos juntos, domingo, não apenas torcendo pela Croácia, mas para que os exemplos destes dois se irradiem pelas escolinhas de futebol. E alcance os clubes de todo o mundo. A Copa do Mundo sempre foi assim, a nova coleção de Cristian Dior. A partir dos desfiles das 32 seleções, os clubes passarão a adotar o protagonismo vencedor que melhor por ali se apresentou.

Quando o Brasil foi tricampeão no México, o futebol-arte se espalhou pelo mundo. Quando a Alemanha se impôs quatro anos depois, o futebol-força, com o Teste de Cooper, o Circuit Training, Interval Training e as Máquinas Apolos a reboque, saíram distribuindo músculos e velocidades pelos campinhos de todos os planetas. Foi deixado de lado o professor jogador e entrou em cena o professor preparador.


Se a Croácia se consagrar campeã mundial no domingo, aquele menino canhotinho, de Niterói, que se apresentar ao Botafogo e realizar um lançamento de 50 metros na peneira, não mais será mandado de volta para casa. E os novos candidatos a jogarem naquela faixa central, hábeis, frágeis e talentosos que surgirem no Ninho de Urubu, não serão transformados em carniça diante da fúria dos gladiadores de plantão. Darão ao futebol a chance de ter novamente, na sua zona de organização, não mais o fim da arte de bater no bola. Mas toda a lucidez Nelsinho e Carlinhos perdida de volta.

Fabi

com as mãos e com os pés

entrevista e texto: Marcello Pires | fotos e vídeo: Daniel Planel 

Se não vai ser fácil para o torcedor carioca ligar a televisão e não encontrar mais aquela baixinha de 1,69m com o número 14 às costas no meio das “gigantes” do time feminino de vôlei do Rio de Janeiro, imagine para Fabiana Alvim de Oliveira saber que de agora em diante não terá mais o privilégio de escutar as broncas e os ensinamentos do técnico Bernardinho de dentro da quadra. Depois de se despedir da seleção brasileira em 2014 com duas medalhas olímpicas e a frustração de ter deixado o título mundial escapar por duas vezes, a melhor líbero do mundo privará os amantes da modalidade dos seus peixinhos e defesas espetaculares de uma vez por todas. Depois de mais de 20 anos de uma carreira brilhante e jogada apenas por clubes do estado de sua cidade natal, a carioca de Irajá decidiu se aposentar aos 38 anos.


A decisão não veio por acaso e tampouco tomada de uma hora para outra. Veio com o tempo, com as dores e um sacrifício de mais de 20 anos que acompanha todo atleta profissional. Antes de assinar a sentença de sua primeira “morte”, a líbero do Rio de Janeiro conversou com gente importante, ouviu muitos conselhos de ex-jogadores e conseguir driblar a teimosia do técnico Bernardinho, que a queria em quadra por mais uma temporada.

– De uma hora para outra é impossível, uma coisa que eu fiz por 20 anos. Eu vinha me preparando para esse momento porque tive o privilégio de conviver com Fofão, Fernanda (Venturini), jogadoras que passaram por esse processo, outras em outros clubes, muitos amigos, e trocar essas ideias de como é, se existia uma cartilha, se realmente está na hora, e a unanimidade que encontrei é que cada um teve um motivo diferente. Mas o motivo que reuniu o maior número de pessoas foi à questão física, que é o maior embate que nós temos e entender que existe a curva ascendente e descendente. Em 2014 sai da seleção, fiquei só no clube e há duas temporadas vinha pensando que podia ser a última, mas chegava ao final e decidia jogar mais uma porque sentia que ainda dava. Mas quando acabou a última temporada eu fui amadurecendo essa ideia, treino a treino, dificuldade a dificuldade, conversando com as pessoas, me observando, porque fisicamente nós temos uma dificuldade da autocrítica, de se olhar e aceitar que está difícil, de entender os ciclos, e que apesar de tecnicamente ainda conseguir, fisicamente eu estava sofrendo. Era um desejo meu tentar fazer com que esse fim fosse prazeroso, fosse bom, que não fosse até o final, já que por mim jogaria até a última gota. Foram 20 anos, fiz inúmeros amigos, conheci gente, defendi meu país, tive conquistas bacanérrimas que jamais poderia imaginar, e aí eu meio que entendi que era a última. Faltando uns 15 dias para a final eu sentei com o Bernardo, que é o cara que eu devo os últimos 13 anos da minha vida e de amizade e dividi isso com ele. Ele disse que achava que dava para eu jogar mais uma temporada, mas que entendia essa minha postura de planejar – explicou Fabi. 

Para muitos a derrota por 3 sets a 0 para o Praia Clube na decisão da Superliga Feminina, no último dia 22 de abril, em Uberlândia, não foi a despedida mais justa para uma das maiores jogadoras de todos os tempos. Fabi discorda. Para a capitã e referência do time carioca nas últimas 13 temporadas seu último jogo teve um roteiro quase perfeito. Se faltou o título, sobraram motivos para se orgulhar. O adeus veio numa decisão, defendendo a sua cidade natal, treinada pelo seu ídolo e com um ginásio lotado. O que mais ela poderia querer?

Para os maiores sempre falta alguma coisa. No caso de Fabi não é diferente. Faltou o sonhado título mundial, que bateu na trave em duas derrotas dolorosas para a poderosa Rússia de Gamova & Cia, nas finais de 2006 e 2010. Até no Flamengo, seu time de coração, ela jogou. Mas por ironia do destino, bastou a melhor líbero de todos os tempos decidir aposentar as joelheiras para o Rubro-Negro anunciar que irá montar um time para a disputa da Superliga B. 

O fato de ter iniciado sua trajetória em 1992 nas categorias de base da Gávea, onde permaneceu até 1998, pode até servir para amenizar tal incômodo, mas não esconde a frustração de saber que em breve o Flamengo terá uma equipe na disputa da principal competição nacional do país, enquanto ela, na melhor das hipóteses, estará no ginásio apenas como uma simples torcedora. 


– Joguei nas categorias de base do meu time de coração, joguei uma Superliga, mas obviamente que gostaria de defender o clube neste momento. Tinha 19 anos, era muito jovem, mas adoraria jogar uma Superliga pelo Flamengo hoje. Eu brinco com meus amigos que se o time do Rio fosse o Flamengo acho até que papai do céu poderia me levar (risos). É um privilégio poder jogar aqui, eu acho que até quem não é Flamengo se transforma e nutri um carinho pelo clube porque é uma energia fora do comum – afirma Fabi, sentada sobre o escudo do Flamengo desenhado no centro da quadra de basquete do clube.

O amor pelo Flamengo vem de longe, de família, do pai José Maurílio, que queria ver a filha jogando por mais três temporadas. Mas nem a paixão que veio do berço impediu que Fabi virasse a casaca e vestisse a camisa do arquirrival Vasco da Gama. Se dentro de quadra ela deixou o amor incondicional de lado e deu a vida pelo clube cruz-maltino na temporada 2000/2001, longe de São Januário o coração nunca deixou de bater pelo vermelho e preto. Tanto que na decisão do tricampeonato carioca de 2001, eternizado pelo famoso gol de falta do sérvio Petkovic, Fabi respeitosamente não foi ao Maracanã e optou por torcer escondida na casa dos pais, em Minas.

– Sem nenhuma hipocrisia, eu nunca torci pelo time de futebol do Vasco, não dá, é uma coisa independente da outra, mas em quadra eu dava meu sangue pelo time do Vasco. Era meu trabalho, meu ganho pão e uma vitrine para mim. O Vasco foi uma vitrine para mim, não tenho porque esconder isso. O Vasco teve uma participação na minha vida muito importante. Joguei do lado de jogadores que eu só via pela televisão. Márcia Fu, Fernanda, Ida, Raquel, a Isabel era minha treinadora. Foi muito complicada a final da Superliga, por exemplo, contra o Flamengo. Mas foi muito importante para o meu crescimento, para o entendimento das coisas. Eu nunca cantei casaca, mas fiz parte dali e sempre tive um respeito enorme pelo Vasco, de verdade. Financeiramente eu dependia do Vasco, eu aprendi a ter um respeito, um comprometimento com o meu trabalho, nós fomos campeãs carioca, tenho um título pelo Vasco, então eu tenho um respeito enorme – revela a rubro-negra.

Além de Pet, talvez o principal ídolo de sua geração, Fabi não esconde sua admiração por Zico. Mesmo sem ter visto o galinho jogar, a bicampeã olímpica chega a ficar arrepiada quando se lembra do primeiro encontro com o camisa 10 mais famoso e idolatrado da Gávea.

– O dia que o Zico me chamou pelo nome, a lágrima saiu, eu tenho o WhatsApp do Zico, eu falo isso com meu pai, às vezes vira uma piração. O cara te conhecer, te chamar pelo nome e eu ter o telefone dele. Isso é uma loucura. Não vou ficar em cima do muro não. Para mim o Zico foi o maior de todos e dessa geração mais jovem eu gostei de alguns, mas por conta do Pet ter sido o cara que fez os gols importantes, ele talvez tenha representado essa galera. Nós ficamos muito reféns do Zico, queremos o 10, o cobrador de faltas, mas no fundo no fundo o torcedor quer títulos, que ver o Flamengo campeão – disse a ex-líbero.

Nascida no Irajá, bairro do subúrbio do Rio de Janeiro, Fabi foi criada na rua e isso fez com que a bola sempre estivesse presente no seu dia a dia. Se o vôlei acabou se transformando no seu ganha pão, era o futebol que deixava dona Vera de cabelo em pé toda vez que pegava a filha correndo no meio dos marmanjos. As constantes reclamações não surtiram efeito e com um discurso para lá de madura para uma adolescente de 12 anos, a ex-jogadora da seleção usou as palavras certas para convencer a mãe de que as peladas com os meninos mão faziam mal algum.

– Minha mãe ficava brava comigo e reclamava que eu jogava bola no meio dos meninos. Eu sempre fui muito malandra, esperta, uma malandragem no bom sentido, e lembro que uma vez falei para ela que em vez de ficar preocupada que eu estava jogando bola com os meninos ela tinha que ficar preocupada quando eu não estivesse ali, porque aí eu realmente poderia estar fazendo alguma coisa errada. E aí minha mãe disse, opa, acho que a Fabiana está certa, essa menina de 12 anos está me dando uma lição de moral (risos). É porque eu via muita coisa errada e só queria brincar de bola, jogar vôlei, queimado, polícia e ladrão, pique bandeira, que eram as nossas brincadeiras. O futebol era uma forma de estar fazendo esporte e de estar na rua sem fazer besteira – lembrou Fabi, que acabou deixando o sonho de jogar futebol de lado para brilhar com alguns chutes emblemáticos nas quadras de vôlei.


Como a aposentadoria é muito recente, Fabi ainda não decidiu o que quer fazer quando a ficha de que não é mais jogadora realmente cair. O futuro está logo ali, mas ela não tem pressa. Comentarista ela já é, palestrante e treinadora parecem planos possíveis, mas a única certeza que a ex-jogadora tem hoje em dia é que faltam mais mulheres nos cargos de gerência no esporte mundial. E isso incomoda e muito a eterna camisa 14 do Rio de Janeiro e da seleção brasileira.  

– Muita gente tem falado sobre a ausência das mulheres no esporte, nos cargos de gerência, não existem muitas mulheres, é algo que incomoda. Na minha cabeça eu ainda não sei o que quero fazer, mas não tenho como sair do vôlei. Depois da Isabel teve uma treinadora na Superliga que era de Valinhos, acho que foi a única. Nas Olimpíadas do Rio tinham 24 treinadores e uma mulher, é um número quase irrelevante, e ela foi campeã olímpica. É uma coisa que incomoda. Eu sou favor de se capacitar e fiz alguns cursos. A Federação de Vôlei abre alguns cursos anualmente de nível 1, 2, 3 e internacional para ser treinador. Eu tenho o nível 1 e tenho vontade de fazer os outros, mas não com a intenção de querer ser treinadora, quero me permitir ter opções. Hoje eu sou comentarista, o que eu posso ser por muitos anos, mas não sei se minha vida vai se basear nisso. O Bernardo acha que eu tenho total perfil para ser treinadora, sempre falou isso nas entrevistas. Mas eu não sei, a rotina é a mesma, o que muda é que você não vai estar treinando. Eu tenho me permitido fazer muitas coisas e uma hora vou ter que decidir o que fazer – ressaltou Fabi, que por duas vezes quase deixou o Rio de Janeiro: uma para atuar pelo rival Osasco e outra para jogar no vôlei espanhol.

Se o futuro profissional ainda é uma incógnita para a ex-líbero Fabi, o presente certamente vai trazer de volta as melhores lembranças da adolescente Fabiana Alvim Oliveira, que corria descalça e sem hora para nada pelas ruas de Irajá. Afinal, sem compromissos profissionais na agenda e treino no dia seguinte, as peladas com as amigas na Barra da Tijuca parece que finalmente ganharão um reforço de seleção.  

 

 

PELÉ & GARRINCHA: A DUPLA INVENCÍVEL

por Émerson Gáspari


Num dia ignorado de 2001, estava eu entretido com os jornais, revistas e livros daqui de casa, em minhas intermináveis leituras pelo mundo da bola, quando cai em minhas mãos o desempenho de Mané Garrincha com a camisa “amarelinha”. 

Algo espantoso, diga-se de passagem, pois foram 60 partidas pela Seleção Brasileira, com 52 vitórias, sete empates e apenas uma derrota, justamente na última delas.

Soube que a mesma ocorrera na Copa de 1966, diante da Hungria e imediatamente lembrei que Pelé não atuara nessa partida, pois o time enfrentou diversos problemas naquele Mundial.
Estava, pois, diante de uma “descoberta futebolística” (vamos assim dizer) por uma simples dedução: se Pelé não jogou na única derrota de Mané Garrincha pelo Brasil, então, isso significava que a dupla “Mané-Pelé” jamais havia sido derrotada.

Justamente os dois, que glorificaram essa camisa tão respeitada pelos quatro cantos do planeta. Expoentes máximos do escrete brasileiros e maiores jogadores da história do nosso futebol. Pela Seleção, Pelé marcou 95 gols. Mané Garrincha, outros 17.


Claro, tivemos a seleção do Tri, de vitórias memoráveis em 70 e belíssima campanha nas Eliminatórias de 69. Mas aí já se tratava de uma camisa consagrada, temida, admirada. E bicampeã mundial. A propósito, a última de maneira consecutiva, em toda a rica história das Copas do Mundo. 

Empolgado pelo “achado”, escrevi para uma publicação especializada em futebol, pedindo ajuda para elucidar a questão que agora povoava minha cabeça: se com Pelé e Garrincha, juntos em campo, a Seleção jamais foi derrotada, quantos jogos haviam sido então, de invencibilidade? E com quantas vitórias e empates? 

Três semanas depois, recebo uma carta-resposta não muito animadora: não poderiam atender minha solicitação, por algumas normas que aqui não me vem ao caso abordar. Decidi não desistir. 

Argumentei que não me enquadrava em nenhuma das tais “normas”, que era leitor assíduo deles havia duas décadas e que a informação poderia ser importante para estudiosos e escritores futebolísticos. Lembrei-os de que nenhuma dupla ficou invicta tantos jogos, por uma seleção. Nem Meazza e Piola, Puskas e Czibor (ou Puskas e Di Stefano), Eusébio e Coluna, Cruyff e Neeskens, Mário Kempes e Maradona. 

Não obtive mais respostas. 


Quatro longos meses se passaram e um dia, um amigo jornaleiro me chama, dizendo ter lido meu nome na tal publicação, com uma pergunta e a respectiva resposta. Comprei-a e fiquei realmente feliz. Mais que isso: admirado com o tamanho da proeza de Pelé e Mané, pela Seleção: 40 jogos, com 35 vitórias e apenas cinco empates. 

Na semana seguinte, um famoso jornalista já utilizava essa informação em sua coluna. 

Bingo! Fiquei feliz pela modesta contribuição para a “arqueologia” do futebol nacional.

Resolvi então – por conta própria – pesquisar mais a respeito, na minha incessante tarefa de arqueólogo futebolístico “não remunerado”.

Aos poucos, consegui completar os dados da minha pesquisa e agora, tantos anos depois, finalmente a publico, com exclusividade, aqui no Museu da Pelada! 

Vou lhes contar a história do período mais triunfal do futebol brasileiro: os 40 jogos da invencível dupla Pelé-Garrincha, ao longo de mais de oito anos, com 35 vitórias e cinco empates. Neles, Pelé anotou 44 gols e Garrincha, outros 10. 

Incrível, não?

Essa epopeia começaria em um amistoso disputado no Pacaembu (no tempo da “concha acústica”) em 18 de maio de 1958, diante da Bulgária. Havíamos vencido os mesmos búlgaros dias antes (mas no Maracanã), porém, naquela partida, o ponta-direita havia sido Joel e o meia-esquerda Dida é que começaria jogando (Pelé entraria no decorrer do jogo). O técnico Vicente Feola ainda buscava a formação ideal para disputar a Copa que se aproximava e fazia testes.


O mais curioso é que Pelé e Mané tenham feito a primeira e a última partida da série de “quarenta” contra a mesma seleção da Bulgária.

Nesse primeiro jogo, a Bulgária até saiu na frente e esteve perto de ampliar, mas o Brasil venceu por 3×1 de virada e Pelé marcou dois gols, o primeiro deles, recebendo a assistência de Garrincha, por meio de um escanteio cobrado. Era o começo da saga!

Em 21 de maio, novo amistoso no Pacaembu: 5×0 no Corinthians, no segundo jogo da dupla. Dessa vez, foi Mané quem marcou duas vezes (os primeiros dele pela Seleção).  Mas tomamos um baita susto: o lateral Ditão acertou um pontapé violento em Pelé, que acabou virando dúvida para o Mundial, o qual se iniciaria em quinze dias. A dupla estava momentaneamente desfeita.

Pior: no confronto seguinte, diante da Fiorentina – que vencemos por goleada – Mané inventou de driblar todo mundo até ficar sozinho, diante do gol escancarado, só que, ao invés de chutar, esperou a volta desesperada do zagueiro Roboti para aplicar-lhe mais um drible, vê-lo chocar-se contra a trave e daí sim, mandar para as redes. 

A comissão técnica não gostou: e se ele fizesse aquilo na Copa; desperdiçasse a chance e o Brasil perdesse? Garrincha foi “recolhido” ao banco de reservas, enquanto Pelé era avaliado, para decidirem se valeria à pena levar um rapaz de 17 anos contundido, à Suécia. A maior dupla de todos os tempos corria sérios riscos de ser desfeita. 


Ainda mais, quando o psicólogo da Seleção Brasileira achou que o Mané não possuía um “perfil” muito confiável. O compadre Nilton Santos procurava fazer os testes psicotécnicos antes, para lhe passar umas dicas. Mas não adiantava: num teste de QI, Garrincha – graças à sua ingenuidade – conseguia fazer apenas 38 pontos, bem abaixo dos companheiros de grupo, o que reforçava a rejeição da comissão com relação a ele. 

Mas, “Deus é brasileiro” e ambos entrariam no time, quando a situação apertou lá na Suécia, no jogo da Copa que valia nossa classificação. Surgiu até uma lenda de que um grupo de jogadores teria pressionado Feola a escalar a dupla. Não foi bem assim. 

O fato é que o treinador, dois dias antes, já intencionava colocar Pelé na vaga de Dida e, em razão das muitas dores de Dino Sani após o jogo contra os ingleses e o conselho médico de poupá-lo, Zito viraria titular. Com um volante forte na marcação, Feola se decidiu por trocar Joel (que voltava para ajudar o meio-campo, igual a Zagalo) pelo endiabrado Garrincha. Após sua decisão, o chefe da delegação, Paulo Machado de Carvalho, foi conversar com os jogadores mais experientes do grupo a respeito: Nilton Santos, Didi, Bellini e Gylmar, os quais concordaram de imediato, é claro! 

Resultado: vitória de 2×0, com um show de Mané e Pelé, os quais “destruíram” a URSS de Yashin em apenas três minutos de partida. Foi no dia 15 de junho, no estádio NyaUllevi. Seria a terceira partida da dupla e a terceira do Brasil naquela Copa, também!


Dali por diante, as coisas se tornariam bem mais tranquilas, para os dois e a quarta partida de ambos ocorreu quatro dias depois, no mesmo estádio, em 19 de junho de 1958, na dramática vitória por 1×0 sobre o retrancado País de Gales, quando Pelé marcou o seu primeiro gol (aço!) em Copas, “chapelando” um zagueiro dentro da área. 

O quinto confronto seria o chamado “jogo da Copa”: Brasil 5×2 França, no estádio Rassunda, dia 24 de maio e Pelé novamente foi a “figura do jogo”, fazendo três gols. O Brasil estava classificado para a finalíssima, diante dos donos da casa e Pelé começaria ali, a ser chamado pela imprensa internacional também, de “Rei”. Isso com 17 anos!

A final (apenas o sexto jogo da nossa dupla, junta) teve o mesmo placar: 5×2 em cima da Suécia, também no estádio Rassunda, em Estocolmo. E Pelé “guardou” mais dois gols, na decisão em que o Brasil se sagrou campeão mundial pela primeira vez. 

Ou seja: foi este time, impulsionado (e muito!) por sua “dupla dinâmica” que “colocou o Brasil no mapa”, de certa forma. 

Somente no ano seguinte, eles se reencontrariam; desta vez no Monumental de Nunez durante o Sul-Americano, realizado na Argentina. Lá, rolou a sétima partida deles (com gol de Pelé) em 21 de março de 1959, na vitória brasileira de 4×2 sobre a Bolívia. 


E também a oitava, dia 26 de março, na bela vitória sobre o Uruguai por 3×1, no mesmo estádio. Aliás, todas as partidas brasileiras nessa edição do Sul-Americano aconteceram lá: a nona, dia 29 de março, na goleada de 4×1 em cima do Paraguai (sendo três do “Rei”) e a décima, na última rodada, diante da Argentina, no empate de 1×1, em 04 de abril de 1959, que acabaria dando o título aos portenhos, pela melhor campanha no torneio. Pelé marcou o gol de empate e no último lance, Garrincha driblou até ficar diante do gol. Quando foi concluir, o juiz encerrou a partida, não validando o tento brasileiro. 

Notem que somente nesse 10º jogo da dupla é que não conseguimos a vitória e até perdemos o título, numa manobra “escandalosa” da arbitragem para favorecer os argentinos, em Buenos Aires. 

Lembrando também, que havia situações em que ambos não jogavam juntos, por razões diversas, como contusões ou testes que o treinador brasileiro resolvia fazer utilizando outros atletas. Por outro lado, a programação de jogos às vezes também não era tão intensa.

Assim, somente em 29 de abril de 1960 eles se reencontrariam, em sua 11ª partida, na goleada do amistoso diante do Egito por 5×0, no estádio Nasser. Mané marcou um gol e desta vez, não houve qualquer interferência da arbitragem. 

Mais duas partidas amistosas aconteceram por lá: no 12º jogo da dupla, o Brasil bateu o RAU, por 3×1 (os três, de Pelé), em 1º de maio, no estádio de Alexandria e por fim, novamente no “Nasser”, na 13ª partida, a Seleção Brasileira venceu outra vez o Egito por 3×0, com novo gol de Garrincha, no dia 06 de maio de 1960. 

Em algumas das partidas dessa excursão, Julinho substituía Garrincha. A equipe brasileira prosseguiu então, agora pela Europa: na Suécia, o Brasil venceu a equipe do Malmo, no “MalmoStadion” por 7×1, em 08 de maio, com Pelé fazendo mais dois gols, na 14ª partida da dupla. Nessa época, nós é que aplicávamos esse placar nos outros!


A 15ª ocorreria dois dias depois, no estádio Idraetspark, na vitória brasileira diante da Dinamarca, por 4×3, em mais um amistoso. Já na 16ª, foi registrado o segundo empate da dupla: 2×2 no estádio de San Siro, diante da Inter de Milão. Pelé marcou os dois gols
brasileiros.

Fechando a excursão (e a série de amistosos), em 16 de maio, a Seleção “ensacou” por 4×0 o Sporting de Portugal, no Estádio da Luz, no 17º duelo dos dois e agora seria a vez de Garrincha marcar um tento. 

Quase dois anos se passaram, até que jogassem juntos novamente – agora sob o comando do novo treinador – Aymoré Moreira. Atuariam diante dos paraguaios, em dois confrontos pela Taça Oswaldo Cruz, sendo o primeiro no Maracanã (em 21/4) e o segundo (em 24/4) no Morumbi, em construção (18ª e 19ª partida, respectivamente). No Rio, deu Brasil 6×0, com um gol de Mané e outro de Pelé. Já em São Paulo, acabou 4×0, com mais dois de Pelé. Que beleza!
Chegando então à metade dos 40 jogos, nossa seleção enfrentaria Portugal, em dois amistosos. No primeiro deles, realizado em 06 de maio de 1962, no Morumbi, o Brasil venceu por 2×1. No amistoso seguinte (21º jogo), em 09 de maio, no Maracanã, nova vitória brasileira, desta feita por 1×0, gol de Pelé.  

Às vésperas de mais um Mundial, o país seguiria nova série de amistosos preparatórios (agora para a Copa do Chile) desta vez se confrontando com a Seleção do País de Gales, em duas partidas. 

No dia 12 de maio de 1962, no Maracanã, venceu por 3×1, com Garrincha e Pelé deixando um gol cada, no confronto (o 22ª, da dupla). Quatro dias depois, no Morumbi, o placar se repetiu; desta vez com Pelé marcando duas vezes (23º jogo). 

Tudo pronto, a expectativa era grande para saber o que a nossa intrépida dupla iria “aprontar” no Chile. Naquele ano, Pelé e Garrincha estavam “tinindo”. 

O “Rei” ganhou praticamente tudo o que podia naquela temporada de 1962, sendo campeão estadual, nacional, continental e finalmente mundial com o time do Santos e nessa última conquista,  realizou talvez sua maior partida na carreira, diante do poderoso Benfica, em Lisboa.


Já o “Anjo das Pernas Tortas” vivia seu apogeu no Botafogo; com uma vitória e atuação memoráveis em cima do Flamengo na final do Campeonato Carioca daquele ano, o que acabaria por dar o bicampeonato ao alvinegro. Não bastasse, ainda sagrou-se campeão do prestigiado Rio-São Paulo e de outros torneios, inclusive no exterior.  

Acontece, entretanto, que nem tudo sempre sai conforme o planejado.

O Brasil até estreou sem problemas, vencendo o México, por 2×0, com Pelé marcando um golaço, após driblar quatro adversários, no estádio Sausalito, no Chile, pela 24ª partida deles juntos, no dia 30 de maio de 1962. 

Porém, no confronto seguinte, diante da Tchecoslováquia (o 25º), no mesmo estádio, Pelé sofreu uma contusão que o tiraria da Copa. Foi no dia 02 de junho e dali por diante, Amarildo o substituiu, até a conquista do bicampeonato, sempre com vitórias, pois Mané Garrincha assumiu responsabilidade dobrada, decidindo alguns jogos e marcando gols, inclusive de perna esquerda e de cabeça, o que não era de seu feitio. 

Notem que a tal série de 40 jogos invictos juntos, poderia ter sido ainda maior, não fosse a tal contusão. 

Mas eles teriam a oportunidade de se reencontrar, tempos depois, já que mais um hiato iria se criar, nessa trajetória.

Isso porque, apesar de Pelé se recuperar da tal contusão sofrida, Mané Garrincha passaria a sofrer problemas crônicos no joelho; em razão das muitas entradas violentas que sofreria na carreira e que acabaram por atrapalhá-lo bastante. 

Nesse período, a Seleção andou testando alguns atletas na ponta direita, com Dorval sendo o mais frequente. Só que ninguém agradava tanto como o nosso Garrincha.

Pudera: Mané era considerado a “Alegria do Povo” e o que o torcedor mais queria, era vê-lo driblar, driblar, driblar…e com Pelé à seu lado, fazendo muitos gols.

Por isso, foi uma felicidade quando a dupla finalmente reapareceu na linha de frente brasileira, um ano antes do Mundial de 66 na Inglaterra, para começariam a cumprir os derradeiros 15 jogos juntos pela Seleção. 

Até o treinador Vicente Feola – após alguns problemas de saúde que o haviam afastado do comando da equipe – estava de volta, também. 


Assim, em mais uma leva de amistosos, o “Torto” e o “Rei” atuariam lado-a-lado, a começar por três partidas no Maracanã: no dia 02 de maio de 1965 (a 26º), na goleada por 5×0 na Bélgica – em que Pelé marcou mais três gols – depois, no dia 06 de maio, na vitória sobre a Alemanha Ocidental por 2×0 (outro gol de Pelé) no 27º compromisso de ambos e por fim, no empate em 0x0 com a Argentina, em 09 de junho (28º jogo). 

Na sequência, a Seleção Brasileira pegou um avião e foi disputar mais dois amistosos. Um na Argélia (29º jogo) no estádio 19-Juin, em 17 de junho de 1965, numa goleada de 3×0, com Pelé marcando mais uma vez. E o outro, exatamente uma semana depois (dia 24 de junho) diante de Portugal, no estádio das Antas, quando se registrou um empate de 0x0 com os lusitanos – na 30ª partida de nossa dupla – e o último placar de igualdade na série de partidas dos dois. 
Depois disso – e até o encerramento da lista dos 40 jogos invictos – o Brasil engataria um sequência de dez vitórias consecutivas com nossos dois heróis à frente. Então vamos lá (e não percam a conta!).

Ainda pela tal excursão, o Brasil goleou a URSS (em mais um amistoso) no estádio Lênin, por 3×0, com Pelé marcando duas vezes, no dia 04 de julho, na 31ª partida. 

Seria a última deles juntos naquele ano, já que o Brasil acabou sendo representado pelo time do Palmeiras “da Academia”, dois meses depois, naquele tal amistoso em que vencemos os uruguaios por 3×0. E próximo do final do ano, Garrincha não atuou em algumas partidas. 
Mas em 1966 – ano de Copa do Mundo – a dupla voltou ao seu ritmo costumeiro, realizando todas as nove partidas que fecham essa incrível sequência. 

A 32ª deles – um amistoso frente à Seleção Gaúcha, dia 1º de maio, no Maracanã – terminou com vitória canarinha por 2×0.

No mesmo mês, já no dia 19 e também no Maracanã, o Brasil bateu o Chile pela contagem mínima, em novo amistoso (33º jogo). 

Em 04 de junho (a 34ª), outra partida amistosa preparatória para a Copa e goleada sobre o Peru, no estádio do Morumbi por 4×0, com mais um tento de Pelé. 

Quatro dias se passaram e pelo 35º compromisso dos dois, vitória diante da Polônia no Maracanã por 2×1, com Mané Garrincha anotando outro gol, no amistoso. 

A Copa se aproximava velozmente e Feola tinha muitas dúvidas quanto ao time titular que iria pôr em campo: vários jogadores daquela safra bicampeã haviam se despedido da seleção ou estavam se aposentando. Outros viviam com problemas de contusão (como Mané) e havia ainda uma nova “leva” de atletas surgindo, relativamente inexperiente, a qual viria depois a se consagrar no Mundial de 70, no México. 

Ou seja: uma “batata quente” nas mãos! E a comissão se perdeu um pouco nessa complicada tarefa, convocando inicialmente 47 atletas, para ir resolvendo (em tempo curto) essa complicada questão. Todavia, se pensarmos por outro lado, foi uma época em que se formavam no país, até quatro seleções praticamente do mesmo nível. 

Já hoje em dia…

Mas voltemos a Pelé e Garrincha: o Brasil viajou para disputar o Mundial e antes de chegar à Inglaterra, realizou seus amistosos finais, já em solo europeu. 

Dia 21 de junho de 66, a Seleção Brasileira derrotou o Atlético de Madrid, no estádio
Santiago Bernabeu, pelo placar de 5×3, com três gols do “Rei” (36º jogo), em mais um “hat-trick” dele.  Em 30 de junho, no estádio NyaUllevi (o mesmo em que a dupla havia estreado em Copas), o Brasil ganhou da Suécia por 3×2, pelo 37º duelo da dupla. 

Mais alguns dias e em 04 de julho, nosso selecionado triunfou sobre o AIK da Suécia, no estádio Rassunda, em Estocolmo. Nesse 38º jogo, Pelé marcou dois gols e Garrincha outro, na tranquila vitória brasileira por 4×2. 

Já contra a equipe do Malmo (também da Suécia), no “MalmoStadion”, obtivemos uma vitória de 3×1, com Pelé marcando outros dois gols (pra variar!). O jogo aconteceu no dia 06 de julho. Foi a 39ª e penúltima partida da dupla e o último amistoso. 

Finalmente, iniciou-se a VIII Copa do Mundo e o Brasil estreou diante da Bulgária, fechando a série de 40 jogos da dupla “Mané-Pelé”, jogando contra a mesma seleção – como eu já havia dito a vocês – com a qual iniciara essa saga, em 1958. 


O confronto se deu no estádio Goodison Park, em Liverpool, na Inglaterra, no dia 12 de julho de 1966, diante da Bulgária. Vitória brasileira (e da dupla) que não poderia se despedir de maneira melhor: 2×0, com direito a um gol de cada. E ambos de bola parada, em cobranças de falta. 
Primeiro Pelé e depois, Garrincha (aliás, uma verdadeira “pintura” de Mané). 

Foi o 40º e último jogo dos dois juntos. Uma parceria que nunca mais seria repetida com tamanha competência, em qualquer época ou parte do mundo. 

Depois disso, fomos “caindo na real” aos poucos: na partida seguinte, perderíamos para a Hungria por 3×1 (sem Pelé) e depois, pelo mesmo placar, para Portugal (sem Garrincha). Com o “torto” sendo vítima de um joelho estourado pelos adversários e o “negão” violentamente “caçado” em campo, o Brasil acabou eliminado ainda na primeira fase, naquele Mundial que só serviu para que os ingleses o sediassem e dele se servissem, mesmo. O tempo levaria nosso país a novas conquistas.  

Porém nunca mais, em nenhum lugar deste universo, surgiria uma combinação tão vencedora e mágica, como aquela formada por Garrincha e Pelé, a dupla invencível.

E a nós brasileiros, resta apenas agradecer a Deus, pela dádiva concedida e perpetuar esta história tão bonita, pelas próximas gerações.  

Em tempo: a dupla Pelé-Garrincha, na verdade, se despediria definitivamente mesmo, na noite de 19 de dezembro de 1973, num amistoso batizado de “Jogo da Gratidão”, realizado no Maracanã. 

Foi de fato, uma festa realizada para ajudar financeiramente a Mané Garrincha. 


Um encontro beneficente, que reuniu uma espécie de “Seleção Estrangeira” composta por atletas gringos que atuavam no Brasil, contra uma “Seleção Brasileira”, enxertada por Pelé (havia se despedido da Seleção, dois anos antes), além de Garrincha, então já um quarentão e aposentado do futebol profissional. 

Por trinta minutos, eles fizeram os mais de 150 mil torcedores relembrarem um pouco da maior dupla de craques que já existiu. Mané deixou o gramado e deu sua volta olímpica. Pelé ainda permaneceu em campo. O Brasil saiu perdendo, mas virou o jogo festivo para 2×1, com Pelé anotando um dos gols. Uma espécie de “última vitória” daquela dupla, mas que não entra nas “estatísticas oficiais”. 

E olhem, à bem da verdade, nem precisava entrar mesmo.

VIVOS NA COPA

por Idel Halfen


A diferença das duas “VIVOS”

Pelo que temos observado, a operadora de telecomunicação Vivo tem no esporte uma importante componente para o fortalecimento de sua marca. Presente no tênis e no futebol, onde, além de patrocinadora da Confederação Brasileira, detém uma das cotas de patrocínio na transmissão por TV aberta, a empresa atesta entender a importância dessa plataforma em sua estratégia mercadológica.

E, na contra mão dos que não conseguem entender que a exposição da marca é apenas um dos benefícios que se pode obter numa operação de patrocínio, a Vivo está na seleção brasileira sem que a marca apareça nas camisas de jogo. Seu objetivo ali é estar associada a uma equipe tradicional – e que ainda é a maior vencedora na modalidade -, mesmo ciente da subjetividade envolvida na mensuração dos resultados dessa ação, principalmente quando confrontada com o cálculo de retorno da exposição já incorporado – apesar de suas falhas – no cotidiano de patrocinadores e patrocinados… a tal da mídia espontânea.

Os que ainda defendem esse mero cálculo como definitivo para suas análises irão certamente argumentar que a operadora comprou uma das caríssimas cotas de TV, o que denota a importância da exposição. Concordo, a exposição é importante, minha réplica se dá no sentido de que se buscar apenas isso é muito pouco diante das possibilidades de ativação e associação que cabem numa relação de patrocínio.


Para “incendiar” um pouco mais a discussão, lanço para reflexão mais um questionamento: a marca Vivo que aparece nas placas ao redor do campo devem entrar no cálculo do retorno de mídia?

Antes de iniciarem a reflexão, esclareço que a marca agora citada é apenas homônima da operada. Trata-se, sim, de uma marca chinesa de aparelhos celulares fundada em 2009 e que é uma das patrocinadoras da FIFA.

E agora?

Tanto a Vivo operadora como a chinesa jamais poderão ser acusadas de marketing de emboscada – ambush marketing – visto que ambas pagaram pelas suas propriedades de patrocínios, ainda que involuntariamente peguem carona com as ações.

A alegação de que as logos são diferentes é verdadeira, porém, não é essa a percepção dos que observam as marcas sem a devida atenção e conhecimento de que são duas empresas distintas. É evidente a confusão.


Marca chinesa

Partir da premissa que atuam em regiões diferentes é ignorar que a globalização e os processos de fusões e aquisições estão cada vez mais presentes na sociedade. Contudo, independentemente disso, parece bastante claro que as marcas sendo homônimas e parecidas ganham com essa sinergia uma maior vantagem em termos de exposição diante dos concorrentes.

Isso sem falar que a própria coincidência pode ter feito com que muitos passassem a conhecer as marcas “estrangeiras” e, quem sabe, demandá-las numa eventual oportunidade.

Não consigo responder com a certeza necessária a provocação que fiz: “se a aparição nas placas de campo entra no cálculo de retorno da Vivo do Brasil”. Tendo a achar que sim, principalmente em função da enorme semelhança. Além do que, acredito que mesmo subliminarmente a simples citação de um nome pode remeter a outro que não tenha nenhuma relação. Exemplificando: Continental Airlines/Continental Pneus ou o monumento Pão de Açúcar e a rede de supermercados.

Todavia, tão gratificante quanto a possibilidade de se discutir a necessidade e a eficácia das métricas para a avaliação das ações, é notar que segmentos como o de telecomunicações acreditam no esporte como ferramenta de marketing.

NENA, O MENINO POBRE DO BAIRRO RICO. ETERNO ÍDOLO COLORADO

por André Felipe de Lima


O grande Luiz Mendes, o “comentarista da palavra fácil”, como carinhosamente chamavam-no os locutores Waldir Amaral e Jorge Curi, tinha uma relação especial com o zagueiro Nena [Olavo Rodrigues Barbosa], um dos melhores da história do Internacional de Porto Alegre e um dos ícones do famoso “Rolo compressor” da década de 1940, como era conhecido aquele poderoso esquadrão Colorado que, além do Nena, contava também como Alfeu, Ávila, Abigail [“paixão” do Luis Fernando Verissimo] Carlitos, Adãozinho, Tesourinha e por aí vai. Mendes e Nena começaram praticamente juntos. O primeiro, na imprensa; o segundo, no futebol.

Nena morava no bairro Petrópolis, de Porto Alegre. Bairro tido grã-fino da capital gaúcha. Mas Nena era pobre. Entre uma pelada e outra, ainda garoto, jogando pelo Paraná FBC, time do bairro, o renomado treinador argentino Ricardo Diez o descobriu. Foi mais ou menos assim, como narrou Mendes. A rapaziada sabia que Diez iria assisti-la em um jogo pelo campeonato do bairro. Diez era então o melhor treinador da cidade e ficara famoso por fazer do time do Inter um respeitável elenco, convencendo inclusive cariocas e paulistas de que gaúcho também era bom de bola. E o “bom de bola” naquela tarde era o beque Nena. Sim, beque porque Nena sempre jogava por ali, na zaga. Só seria deslocado para a lateral-esquerda quando chegara ao Inter, onde o dono da zaga era o Alfeu. Pois bem, continuando. Diez mirou Nena e disse em seu portunhol arrastado: “Que belo muchacho! És um negrito flerte, hein?. És como Ademir que yo descobri em Pernambuco. És um craque, el pibe. Yo le voy hablar!”.

Para quem não recorda, Diez foi o técnico daquele timaço do Sport, que entre fevereiro de 1941 e janeiro de 1942 excursionou pelo sul e sudeste devastando quem via pela frente nos gramados. Ademir de Menezes, a grande joia descoberta por Diez, integrava o elenco. Diez ficou tão famoso em Porto Alegre, que após o passeio do Sport em Porto Alegre, permaneceu na capital gaúcha para começar a montar o time que se transformaria no “Rolo compressor”.

Nena encantou Diez. Amor à primeira vista. O rapaz foi logo treinar numa terça-feira após aquela pelada em Petrópolis. Um treino que deveria ser esmerado. Haveria um confronto no domingo seguinte contra o Cruzeiro. Em campo, os dois times protagonizaram uma partida encarniçada, mas Nena brilhou e ajudou o Inter a encerrar o placar favorável de 2 a 1. Não sairia mais do time titular.


Em 1946, já não era mais o rapaz bom de bola de Petrópolis. Era o Nena, um dos melhores jogadores dos pampas. O escrete brasileiro precisava de um jogador como ele. Naquele mesmo ano, Uruguai e Brasil disputariam a antiga Copa Rio Branco. Eis o batismo de fogo do excelente jogador gaúcho.

“Entrei no Pacaembu para enfrentar os uruguaios. Subi as escadas que unem o vestiário ao gramado e quando ergui os olhos me pareceu que estava na cratera de um imenso vulcão. Corremos o campo. Um pé de nervosismo me embargava a respiração. Depois, vi-me perfilado enquanto a bandeira do Brasil subia ao mastro e o hino nacional era executado por uma banda militar. Vieram-me as lágrimas aos olhos e eu comecei a pensar em tudo o que já havia me acontecido antes na minha vida de jogador de futebol. Eu me enxerguei jogando no bairro de Petrópolis, com a camiseta do Paraná FBC. Um campinho despretensioso, com alguns curiosos observando o jogo, as balizas desprotegidas de redes… e ali estava eu, no meio daquela gentarada toda, e com a camisa da seleção brasileira.”

Nena é de um tempo romântico, que, infelizmente, não voltará mais. Amava-se a camisa do clube. Amava-se a da seleção também. E de verdade, sem vaidade ou marketing. Nena foi o “Parada 18” [famoso ponto de bondes de Porto Alegre], como o apelidaram porque parava tudo que tentava passar por ele na zaga. Foi um dos símbolos de uma penca de títulos de campeão gaúcho do Inter nos anos de 1940. Merecia espaço na seleção da Copa de 1950, mas foi mantido por Flávio Costa na reserva de Juvenal Amarijo. Certamente, Nena não daria sopa para o Ghiggia na final e o Brasil, talvez, tivesse mais sorte contra o Uruguai, no Maracanã.

Em 1951, foi jogar, como zagueiro, pela Portuguesa de Desportos, formando — para os saudosistas da velha Lusa — o melhor “trio final” da história do clube, ao lado do goleiro Muca e do lateral-esquerdo Noronha, outro gaúcho, que havia atuado pelo Grêmio, Vasco e São Paulo. Com a Portuguesa, Nena conquistou o Torneio Rio-São Paulo de 1952, quebrou a perna duas vezes. Não dava mais. Ponto final, portanto, da esfuziante carreira.

Nena faria 95 anos hoje.