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E OS OUTROS?

por Zé Roberto Padilha


Era uma vez, em 17 de Dezembro de 2015, que um bom e discreto goleiro, do Internacional, de Porto Alegre, de nome Alisson Ramsés Becker, foi vendido a uma discreta equipe de futebol, a Roma, da Itália, pela discreta quantia de 5 milhões de euros, 21,1 milhões de reais, para disputar o discreto Campeonato Italiano. Que nenhuma emissora quer comprar os direitos de transmissão pelo mundo. De tão discreto e desimportante é no cenário do futebol mundial.

Três anos depois, sem alcançar um só título nacional, todos vencidos pela Juventus, sem se destacar em qualquer edição da Champions League, e jamais se aproximar da vitrine de um mundial de clubes, este discreto goleiro, com uma participação para lá de discreta na Copa do Mundo, já que sua zaga foi o grande destaque da competição e mal permitiu espaços aos adversários para incomodá-lo, foi vendido ao Liverpool pela nada discreta quantia de 72,5 milhões de euros. Ou seja, 323 milhões de reais. Valor este, de tão absurdo, que os próprios diretores da Roma classificaram de “muito acima do valor do mercado”.


Em 2016, Jéfferson, do Botafogo, era considerado o melhor goleiro do Brasil. Mas o treinador Dunga, do Internacional e da Seleção Brasileira, convocou pela primeira vez o Alisson “pela sua estatura”. Na ocasião, pensávamos que era relativa à sua altura, não ao valor a ser alcançado no mercado.

Um ano depois, Diego Alves, ao se tornar o recordista na história da La Liga como o maior defensor de pênaltis de sua história, chega ao Flamengo disposto a lutar por um lugar na seleção brasileira. Fez um grande campeonato, mas foi Cássio, do Corinthians, o campeão e melhor jogador da posição no Brasileirão que antecedeu a Copa. Mas na hora do Tite escolher o goleiro que defenderia o Brasil, Alisson foi mantido como titular absoluto. Mal acabou a Copa, a transação que assustou o mundo foi consolidada.


Nenhum papel neste período, seja do Facebook ou da Microsoft, na Bolsa de Valores Nova York, ou da Sony, na Bolsa de Tóquio, alcançou esta valorização no mercado. Nenhum artista, ou cantora, como a Beyoncé ou Shakira, trocou de gravadora por algo parecido. Então, meus amigos da Lava Jato, da CIA, do FBI, do CSI Miami, entrem no circuito. Pelo bem do futebol, pelo que restou de sua credibilidade em meu país, façam uma CPI desta aberração. Não pela mercadoria Alisson, que é um bom profissional, não tem nada com isso, mas pelos mercadores que os rodeiam e, há anos, se apossaram da CBF. E que não merecem a nossa confiança. Não por acaso, estão presos por corrupção. O país do futebol, tão arranhado, já identificou terça feira, em São Januário, seus ratos dentro de campo. Precisa, agora, conhecer os que continuam roendo nossa dignidade fora dele.

FESTA NA FAVELA

por Leandro Ginane


A liderança do Flamengo no Campeonato Brasileiro não é surpresa. Mas não deve ser analisada sob a ótica das táticas, gestão e contratações que foram feitas para o campeonato. A grande diferença deste Flamengo para aquele dos anos anteriores é a presença da sua torcida nos estádios.

Os trens estão novamente lotados. Na entrada do Estádio, é oferecido o melhor amendoim da Mangueira. Crianças na carcunda dos pais exibem seus sorrisos.

Com ingressos a R$15,00, a Nação Rubro-Negra, como é carinhosamente chamada, esta voltando ao Maior do Mundo e é presença constante nos jogos do time este ano. Mesmo sem a bateria e as bandeiras de outrora, o Estádio cheio dá um tom diferente a cada jogo e traz um clima de final para os confrontos. Não é a toa que o Flamengo lidera o Campeonato Brasileiro, não só na tabela de classificação, mas também nas bilheterias.


A saída prematura do craque do time com apenas dezoito anos, não diminuiu a empolgação do torcedor e com sua tradicional característica bem humorada, jogo a jogo entoa o grito “Segue o líder”.

Se o líder do campeonato continuar sendo o líder do povo, esse time do Flamengo recheado de jogadores da base, tem grandes chances de se sagrar campeão. Essa mistura entre time e torcida sempre fez parte do futebol brasileiro, em especial do time mais popular do Brasil. A volta do povo ao estádio, com preços baixos e a manutenção de jovens promessas da base devem ser as prioridades dos times brasileiros.

Ontem ao final do jogo, um fato marcante: a música que se ouvia dentro do Maracanã era “Festa na favela”, fato raro nos dias de hoje. Esse reencontro deve permanecer até o fim do campeonato, não só com o Flamengo, mas com todos os times do Brasil.

O futebol respira.

Gerson + PC Caju

seleção raiz

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | fotos: Guilherme Careca | vídeo: Daniel Planel 

Promover encontros, resgatando e eternizando as origens do futebol é uma das maiores missões do Museu. Por isso, não medimos esforços quando surge a oportunidade de encontrar algum craque. Neste caso, eram dois craques mundiais, campeões da Copa de 70 e nem pensamos duas vezes antes de sair em disparada para reuni-los. Tratava-se do reencontro de Gerson e PC Caju.

Uma das resenhas mais aguardadas pela galera não poderia ser em um lugar qualquer. Sem o Canhotinha de Ouro saber, fomos ao Canto do Rio, onde trabalha na diretoria, e levamos PC Caju na carona.

– Estamos indo encontrar uma preciosidade! – disparou PC ainda no caminho.

O encontro ocorreu alguns dias após a eliminação do Brasil para a Bélgica, quando a ressaca ainda tomava conta dos torcedores por conta do mau desempenho da Seleção no torneio. Ou seja, não poderia ter hora mais oportuna para ouvir quem nos trouxe muitas alegrias vestindo a amarelinha, sobretudo na campanha do título de 1970!

Assim que cruzou a portaria do clube, PC avistou Gerson, solitário, analisando uns papéis, e antes de sentar não se conteve:

– E o pastor? – em alusão ao técnico Tite, para a gargalhada do Canhotinha.

Se Caju não poupa a caneta na hora de escrever as crônicas para o Jornal O Globo, Gerson não mede as palavras nos programas esportivos. Contudo, poucos têm a propriedade que eles têm para abordar tais assuntos.

– Eu ainda penso antes de falar, ele não. Mas certo é ele! O que ele está escrevendo no jornal não é qualquer um que escreve. Muito bem escrito e atual, às vezes puxa coisas do século passado e contextualiza! – elogiou Gerson.

Em um momento da resenha, inevitavelmente, Neymar se tornou a pauta e Gerson foi taxativo:

– Ele é um dos principais jogadores, mas infelizmente é chacota no mundo inteiro. Ele é muito bom, inteligente, capaz, mas não é para fazer o que ele fez na Copa. Rolou, rolou, rolou…

Para lavar a nossa alma e esquecer, pelo menos de forma momentânea, a eliminação, a dupla relembrou os áureos tempos do futebol brasileiro e da Seleção. Nessa hora, percebemos a disparidade entre as gerações e como éramos felizes na época em que vestir a amarelinha era prazeroso para os jogadores.

Por falar em saudosismo e dos bons tempos do futebol brasileiro, a dupla, ao lado do presidente Rodney Melo, celebrou o retorno do Canto do Rio à elite do futebol carioca.

– É só você ver a importância dos caras que saíram daqui: Gerson, Jair Marinho, Altair, Roberto Miranda, Luizinho, Cesar Lemos… Era uma escola que fazia parte do Rio de Janeiro! – lembrou PC.

– A ideia não é só o nosso retorno ao futebol, mas movimentar a cidade. – emendou o presidente Rodney.

Gerson, por sua vez, contou histórias da época em que jogava no clube e lembrou o dia da despedida.

– Fizemos uma preliminar contra o Flamengo, perdemos de 5 a 2, mas eu fiz os dois gols do Canto do Rio e o Bria, treinador da base do Flamengo, me perguntou se eu queria fazer um treino na Gávea!

Como bons amantes do futebol arte, só nos resta matar um pouco da saudade daquela época com essa aula de resenha e agradecer a essa dupla por todas as alegrias proporcionadas!

 

QUEM ME DERA TER SIDO ROMAN

por Paulo Escobar


O tempo parou naquele momento, por um toque divino o vi e nunca mais me esqueci daquele cara com um olhar de tristeza e um sorriso alegre. Talvez por ser reflexo da sua vida uma mistura de alegrias e tristezas, e por assim ser o futebol que era real e vivo dentro dele.

Tinha a mesma idade dele, nós dois de 78, quando com a bola nos pés deslizando pelo meio de campo, protegendo-a com seu corpo, te vi Roman. “El torero” vinha carregando cheio de talento de um 10 clássico, abençoado nos pés batia de uma maneira que só ele sabia, fazia chorar os narradores argentinos e eram verdadeiras odes que eram feitas a cada lance e a cada gol que ele nos fornecia.

Jogador dos jogos grandes, parecia que a pressão não penetrava nele, naquelas finais de Libertadores que parecia que ainda eram os jogos dos bairros nas quais rolavam apostas e porradas. Roman queria estar ali, e como podia tremer se não teve medo nos jogos das favelas?


Como se esquecer daqueles jogos contra Palmeiras, aonde Arce e Galeano se revezavam para ver quem dava nele, ou no Olímpico contra o Grêmio. Aquelas disputas de Libertadores contra o River aonde Roman insistia em fazer pinturas em telas nas quais os pés de muitos tremeriam.

Roman era um corpo estranho no futebol moderno, conseguia ser clássico num futebol que quer a cada dia extinguir os que jogam da maneira como Riquelme jogava. A beleza parece não ter lugar neste futebol atual, e toda beleza dentro de campo hoje parece merecer castigo.

Tinha 18 anos a primeira vez que o vi, eu ficava desde pequeno chutando a bola contra os muros da escola, treinava nos fim de tarde bola parada, tentava na base e na várzea fazer algumas coisas. Mas quando vi Roman, naquele momento que o tempo parou, pensei: “como gostaria de ser Riquelme”.


Como gostaria de ter vestido a 10 do Boca e ter jogado contra o River, como gostaria de ter cobrado escanteios tocando minhas costas nas grades da bombonera. Como gostaria de ter visto sorrir depois de um gol aqueles moleques pobres do forte Apache, que por um momento poderiam esquecer a vida que a sociedade os destinou.

Desejaria ter a mesma calma e frieza nos momentos decisivos, ou então no meio da pressão jogar como se estivesse no meio da rua e ter aqueles momentos de felicidade que pareciam eternos no campo de jogo. Pois jogando em campos de várzeas muitas vezes tentei imitá-lo e as vezes olhando pra ele como num misto de alegria e louvor pensei comigo mesmo:

“Como Gustaria haber sido Roman”.

Paulo Escobar

Maloqueiro, Varzeano, corre com o povo de rua e Sociólogo.

LONGE DO POVO

por Leandro Ginane

A seleção brasileira está há dezesseis anos sem vencer uma Copa do Mundo. Serão vinte anos sem levantar o caneco até a próxima Copa que será realizada no Qatar, em 2022. Desde 1950, o maior tempo que a seleção brasileira ficou sem ganhar um título mundial foi entre 1970 e 1994, quando venceu o tetra nos Estados Unidos.


Os jogadores que ganharam o tetracampeonato sofriam a pressão de vencer um mundial após duas décadas e tinham como sombra seleções que encantaram o mundo, mas não venceram, como o time de 1982 que para muitos foi um dos melhores de todos os tempos. Jogavam o futebol arte, com estilo de jogo que só o brasileiro sabia fazer com maestria, com habilidade e improviso. Curiosamente, para vencer em 1994 a seleção brasileira modificou completamente seu estilo. Rotulada como uma seleção que jogava para não perder, tinha em sua dupla de ataque a única grande esperança de gols. Com grande destaque para o número onze Romário, que foi convocado apenas no último jogo das eliminatórias graças ao clamor popular dos torcedores brasileiros. Na época, dirigentes, opinião pública e a comissão técnica cederam ao desejo do povo.

O tricampeonato mundial e a hegemonia histórica no futebol, impunha àqueles jogadores e a sua comissão técnica o velho bordão: tem que vencer e convencer. Era como se para ser um legítimo campeão, fosse necessário jogar o futebol mais bonito para encantar o mundo, herança das grandes seleções que tinham Pelé, Garrincha e Tostão como jogadores, uma seleção formada em sua maioria por camisas dez.


O desejo pela hegemonia no futebol somada a pressão por um título após vinte e quatro anos, resultou na humildade em entender que para voltar a vencer, seria necessário modificar o estilo de jogo brasileiro, tão aclamado até então. Com um esquema tático que privilegiava a marcação, aliado aos talentos individuais de Bebeto e Romário, a seleção voltaria a se sagrar campeã após duas décadas.

O fato de se tornar campeã mundial pela primeira vez sem o Pelé, tirou um peso enorme das costas dos jogadores brasileiros; e a leveza de ser a atual campeã, fez o futebol brasileiro retornar as suas raízes, conquistando o mundo com títulos e atuações inesquecíveis a partir de então. Após o tetracampeonato, o Brasil participou de mais duas finais de Copa em sequência, em 1998 perdendo para a França e em 2002, quando venceu a Alemanha se tornando o única seleção pentacampeã mundial. Enfim, a hegemonia estava de volta e com ela a seleção passou a viver então uma espécie de síndrome de vira-latas as avessas onde seus jogadores ganharam status de astros globais, sendo premiados como os melhores do mundo em 1997, 1998, 2002, 2004, 2005 e 2007.


Inebriados pelo sucesso e com uma postura arrogante que caminhava junto com a certeza de que o hexacampeonato viria no próximo torneio, jogadores e comissão técnica se afastaram do povo e usaram os treinamentos durante a Copa de 2006 como um verdadeiro show de entretenimento.

O resultado foi a eliminação precoce nas quartas de final para a França, algoz do vice campeonato brasileiro em 1998. Uma grande decepção tomou o país e quatro anos depois, ainda com a arrogância de quem carregava a hegemonia do futebol mundial, a solução adotada foi o isolamento dos jogadores e fechamento dos treinamentos, que resultou em forte crítica da opinião pública. Outro fator determinante que reforça a arrogância, foi o fato de novamente desconsiderar o clamor popular em 2010, que naquela ocasião pedia Neymar e Ganso na seleção, jovens promessas do futebol brasileiro. O resultado foi uma nova eliminação nas quartas de final, agora para Holanda. A tristeza de uma eliminação precoce nas quartas de final deu lugar rapidamente a euforia pela próxima Copa, que seria novamente realizada no Brasil, sessenta e quatro anos depois. Era a chance de reescrever a triste história da Copa de 1950.

A expectativa pelas transformações realizadas em estádios tradicionais, como o Maracanã, que descaracterizou o Maior Estádio do Mundo para que se tornasse uma arena europeizada para disputa da Copa, a empolgação da população brasileira e a trajetória descendente da CBF, diminuiu a importância do trabalho que vinha sendo feito pelas seleções européias, que evoluíram taticamente e importaram ano após ano os talentos sulamericanos


A postura paternalista da comissão técnica brasileira, que apostava em palestras motivacionais para vencer um torneio tão competitivo, resultou na eliminação mais vergonhosa da história da seleção, o fatídico 7 a 1 imposto pela Alemanha em pleno Mineirão, na semifinal do torneio. Enfim, a realidade cobrou o seu preço e expôs ao mundo a fragilidade do futebol brasileiro. O clima no país era de terra arrasada, brasileiros choravam pelas ruas, nunca na vitoriosa história da seleção brasileira, houve uma derrota tão vergonhosa como aquela. Deveria ser o início de uma renovação, mas não foi.

Sem direção e com seus principais dirigentes investigados pela justiça, a CBF optou pelo mesmo técnico derrotado em 2010, uma espécie de técnico fantoche e sisudo que teria como missão colocar ordem e resgatar a reputação da seleção, que aquela altura não possuía mais a hegemonia do futebol mundial e se tornara motivo de piadas em todo o mundo. Obviamente, não conseguiu. Com uma sequência de resultados ruins, foi substituído pelo nome que era consenso entre a opinião pública. Um profissional com capacidade técnica comprovada pelos seus últimos resultados em clubes e imune às críticas, devido a ótima eloquência e o ar professoral em suas entrevistas coletivas, que mais pareciam uma palestra. Os primeiros resultados na eliminatória da Copa foram surpreendentes e novamente a empolgação tomava conta do país as vésperas da Copa da Rússia 2018. Com o novo professor, o Brasil ascendeu no ranking da FIFA e passou a ocupar a segunda posição, atrás apenas da Alemanha, a atual campeã mundial.


O cenário de euforia e certeza deu o tom, as entrevistas da comissão técnica explicavam matematicamente cada decisão tática. Enfim o hexa viria e a hegemonia do futebol era questão de pouco tempo. Mas novamente a seleção foi surpreendida, dessa vez por uma seleção sem tradição que se tornara uma das grandes sensações da Copa da Russia, a Bélgica. Na única derrota em jogos oficiais sob seu comando, o professor unânime entre os especialistas, errou. Com uma escalação equivocada e organização tática que desconsiderou o talento adversário, em apenas 45 minutos o jogo já estava liquidado e mais uma vez a seleção brasileira foi eliminada precocemente da Copa do Mundo. Com a eliminação, não veio a busca por um vilão, como é o costume da mídia e do torcedor brasileiro em Copas passadas. O sentimento também não foi de decepção, o que sugere que o discurso pós derrota do professor apoiado amplamente pela opinião pública foi suficiente para diminuir a dor da perda.

Em 2022, serão vinte anos sem disputar uma final de Copa. É o momento de voltar a escutar o clamor popular e dar oportunidade a jovens promessas. Mas principalmente: criar um diálogo direto com o povo para não se tornar o reflexo das instituições governamentais brasileiras. Chegou a hora de ser crítico em relação a função do futebol na sociedade brasileira e questionar os discursos elitistas e de auto ajuda que tentam esconder a realidade de que o Brasil se tornou um coadjuvante não só no cenário político e econômico mundial, mas também no futebol.