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Luizinho das Arábias

O SUBSTITUTO DO REI

entrevista: Sergio Pugliese | texto: Charles Garrido | fotos e vídeo: Daniel Planel 

Sendo um leitor assíduo da página Museu da Pelada, aquilo que sempre me chamou atenção foi o fato da mesma, preferencialmente, voltar seus olhos para aqueles que, infelizmente, hoje encontram-se esquecidos pela grande mídia. Porém, em um passado não muito distante, contribuíram sobremaneira, para o engrandecimento do esporte mais popular do nosso país.

Foi então onde percebi que esse seria o caminho ideal para prestarmos uma homenagem, sobretudo, fazermos uma retratação para um dos maiores “Camisas 9” do futebol brasileiro, na década de 80, o saudoso e inesquecível Luizinho das Arábias.


De viagem previamente marcada para o Rio de Janeiro, e já pensando em unir o útil ao agradável, decidi perguntar ao jornalista Sérgio Pugliese, se haveria a possibilidade de gravarmos uma entrevista com a irmã do referido atleta, pois a mesma seria a pessoa ideal para narrar a trajetória desse grande personagem. A resposta foi imediata e mais do que positiva.

Aliás, coincidentemente, fui convidado a participar de um evento no Canto do Rio, onde o clube homenagearia o Gérson, o eterno “Canhotinha de Ouro”. Que privilégio poder estar ao lado desses vultos consagrados, pois além do homenageado, outros ex-jogadores fizeram-se presentes na ocasião.

Terminado o evento, tivemos a “árdua tarefa” de almoçar no Mercado do Peixe, em Niterói, onde deliciosos frutos do mar estavam à nossa espera.

Após o almoço, partimos para o bairro de Vista Alegre, onde a Sra. Vânia Duarte e o biógrafo Jackson Lacerda já aguardavam a nossa equipe.

Durante a gravação, a emoção tomou conta de todos que participaram com seus depoimentos.

Não há nada melhor do que a sensação do dever cumprido e, certamente, de agora em diante, fica registrada com mais ênfase, a história de um grande artilheiro, campeão em praticamente todos os clubes que defendeu e, sem sombra de dúvida, será sempre lembrado por aqueles que tiveram o privilégio de vê-lo em campo.

Para finalizar, não poderia deixar de citar o modo como fui recebido pelo meu grande amigo Sérgio Pugliese, cujo qual, considero um abnegado, sobretudo um guardião do futebol de outrem, já que o atual deixa muito a desejar. Faço também uma menção à sua equipe altamente competente, composta pelos profissionais: André Mendonça e Daniel Planel.

Um momento que jamais sairá da minha memória.

Museu da Pelada – Onde Todas As Torcidas Saem Satisfeitas.
 

 

 

Aniversário do Flu

116 anos de flu

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | vídeo: Daniel Planel 

 

No último sábado, o Fluminense completou 116 anos de existência e as Laranjeiras, como era de se esperar, ficou em festa. Torcedores e ex-jogadores se misturaram para celebrar o aniversário do Tricolor e é claro que estávamos por lá. Dessa vez, no entanto, fomos não só convidados, mas também um dos patrocinadores que ajudaram a viabilizar o evento.

Búfalo Gil, Vika, Cláudio Adão, Romerito, Édson Souza, Jeremias, Paulo Goulart, Ricardo Cruz e muitas feras marcaram presença e colocaram a resenha em dia, com direito a churrasco e cerveja gelada.

Antes de chegarmos a essa confraternização dos ex-jogadores, demos um passeio pela sede do clube e reverenciamos grandes nomes como Nelson Rodrigues, a dupla Washington e Assis e o goleiro Castilho, que amputou um dedo para não ficar fora das partidas.

– Não consigo imaginar um jogador do atual elenco fazendo isso pelo Fluminense! – disparou um torcedor.


Se não bastasse ser aniversário do Flu, 21 de julho também é dia de Argeu Affonso assoprar as velinhas. Conhecido como a Enciclopédia das Laranjeiras, o lendário jornalista tem uma linda história dentro do clube e conta com o carinho de torcedores e ex-jogadores. Por isso, um bolo personalizado o esperava perto da churrasqueira.

– O Fluminense é aprendizado! Eu sei de histórias que nenhum Tricolor sabe. Quem sabe um dia…

Em um certo momento, conseguimos reunir dois artilheiros que honraram a camisa tricolor: Búfalo Gil e Cláudio Adão. Alem de terem feito história pelo clube, a dupla tira onda na resenha.

– Um dos maiores centrovantes que eu vi jogar na minha vida foi Cláduio Adão! – confessou Gil, antes de ouvir belas palavras de Adão!

A festa varou a noite, com direito à discoteca e muita animação. O Flu, seus ídolos e torcedores merecem! São 116 anos de muita história!

A FALÁCIA DESMENTIDA

por Israel Cayo Campos


No Brasil criou-se o velho jargão de que política, religião e futebol não se discutem! Quando na verdade, talvez sejam na atualidade os três assuntos mais discutidos das mesas de bares reais a aquelas virtuais que permeiam a nossa tão próxima, mas ao mesmo tempo distante sociedade. Pior que isso, são aqueles que alegam que futebol e política não se misturam! Quando na verdade estão mais entrelaçadas na história do que linhas de um casaco de tricô que nossas amadas e antigas vovós faziam.

Aqui não cabe uma discussão como a que dividiu o país, entre direita e esquerda, até porque na minha humilde opinião de professor pós-graduado, a maioria das pessoas sequer sabem o significado dessa simetria. Mas apenas mostrar que na história do futebol, a política e os políticos sempre aproveitaram do esporte bretão e obviamente de sua popularidade para promoverem seus regimes ideológicos, ou até mesmo simplesmente para se perpetuarem em seus cargos.

A FIFA, organismo maior do futebol mundial, possui dezoito nações reconhecidas a mais do que a Organização das Nações Unidas (ONU). São 211 membros da entidade futebolística contra 193 membros do organismo criado no pós-guerra com o objetivo de mediar os problemas entre as nações da maneira mais pacífica possível (o que mais 70 anos depois de sua criação, não parece ter ainda alcançado seu êxito completo!).

É claro que é mais fácil ser reconhecido enquanto nação por uma entidade futebolística do que por uma política. Pois para um órgão político reconhecer qualquer país, esse deve passar por um trâmite burocrático muito maior do que para ele entrar em um organismo esportivo! Entretanto, países como Kosovo, Porto Rico e a Palestina, não reconhecidos enquanto estados nacionais pela ONU, são aceitos como tais pela FIFA (Kosovo ainda dando os primeiros passos). O que denota que a busca da soberania nacional se dá primeiro por meio do esporte para essas nações! O que num futuro, contribui para um reconhecimento político! Colocando, portanto, um organismo de menor importância como a FIFA, com um status tão importante quanto o da ONU no quesito aceitação!

Não pretendemos aqui contar toda a história da relação entre política e futebol existente. Daria uma coleção de livros! Por isso, mais uma vez utilizaremos o recorte das Copas do Mundo, e a partir desse, tentaremos explicar o quanto política e futebol andam de mãos dadas, para tristeza do esporte e a alegria de alguns déspotas que já passaram pela história da humanidade nesse “Breve Século XX” (Frase do historiador Erick Robsbawn, de quem sou fã), e início do século XXI.

1934 e 1938 – A vitória do Fascismo!


A Itália de meados dos anos 1930 até o início dos anos 1940 possuía a melhor seleção de futebol do mundo. Sílvio Piola, Meazza, Colaussi, Ferrari, Orsi, Guaita e Schiavio formavam o melhor ataque daquele período! Sabendo disso, o ditador italiano Benito Mussolini resolveu aproximar o regime fascista ao qual o estado italiano estava sendo comandado, a aquela brilhante seleção. Para 1934, conseguiu trazer a disputa do campeonato para a “Bota”, e a partir daí tonou-se obrigação dos italianos a vitória do torneio.

No torneio, Mussolini tentou mostrar as qualidades de seu país, e consequentemente do seu regime fascista para o restante do mundo (Para quem desconhece o que é fascismo, resumimos ao dizer que o mesmo é um regime autocrático, centralizado na figura do ditador, onde há uma valorização dos conceitos de nação e raça sobre os demais valores, muitas vezes por meio da força bruta). Ao final do torneio, recebeu elogios do também ditador brasileiro Getúlio Vargas, o qual enaltecia a recuperação da moral do povo italiano, esquecendo-se ou não que aquilo era um jogo de futebol, e não um reflexo das condições de vida do povo italiano!

Nas quartas de final, o técnico italiano Vitório Pozzo já havia enaltecido as qualidades do fascismo após a dura vitória contra os espanhóis nas quartas de final. Mas o mais curioso desse torneio veio na partida final contra a Tchecoslováquia. Pouco antes dos jogadores italianos entrarem em campo, receberam um bilhetinho enviado pelo próprio “Duce” onde estava escrito: Vitória ou morte!”. Para bom entendedor meia palavra basta! E para a sorte dos italianos, o país saiu vencedor do mundial.

Até hoje não se sabe ao certo o contexto da frase enviada por Mussolini aos seus jogadores, mas o desabafo do próprio Pozzo ao final da partida cria ao menos uma linha de entendimento mais óbvia: “Como teria sido terrível perder, e como é belo o futebol quando se ganha.”

 Para Mussolini, a derrota da seleção italiana em casa também seria a derrota de seu regime político, e daí muito provavelmente a frase de alívio de Pozzo, único técnico bicampeão do mundo até os dias atuais.

Em 1938, no primeiro mundial da França, os italianos jogaram de preto, um uniforme alusivo as cores do fascismo. Mussolini não tinha mais o mesmo controle sobre os bastidores do mundial como quatro anos antes. Mas ainda exigia de sua ótima geração mais um título mundial! A Itália dois anos antes, na casa do seu aliado Adolf Hitler, já havia conquistado a medalha de ouro frente aos austríacos por 2 a 1. Mas para o embusteiro ditador italiano, mais uma vitória era necessária!

Os italianos, independentemente das ameaças fascistas eram os melhores, e mesmo sobre risco de surra da torcida francesa, principalmente em Marselha, cidade que abrigava muitos refugiados da guerra civil espanhola, entravam em campo e faziam a saudação fascista com a mão estirada ao estilo dos antigos imperadores romanos e dentro de campo passavam como tratores sobre os adversários! Mesmo vaiada, a seleção de Pozzo e Mussolini conseguiu seu bicampeonato mundial, e o triunfo, ao menos no esporte, do fascismo italiano sobre as demais “raças”.

Para Mussolini, as vitórias no futebol eram maravilhosas, pois em meio a um país endividado e cheio de problemas sociais, as vitórias no futebol seguiram como um alento para o povo italiano, o que para azar dele, acabou com o início da Segunda Grande Guerra em 1939.

Sobre 1938, apenas um adendo. Até hoje o único jogo vencido por W O em uma fase final de Copa do Mundo se deu nesse mundial. E por motivos políticos! O jogo entre Suécia e Áustria fora vencido pelos escandinavos pois a Áustria, meses antes (março de 1938), havia sido anexada pela Alemanha Nazista de Adolf Hitler ao seu território (a Anschluss), e com isso, os melhores jogadores austríacos foram pela seleção alemã! Menos um! MatthiasSindelar.O “Homem de papel” se recusou a jogar pela seleção nazista, o que provavelmente (não há provas concretas) levou ao seu falecimento por envenenamento em janeiro de 1939 enquanto dormia com sua namorada italiana.

1950 – A política brasileira ajuda no “Maracanazzo”

O Brasil ser campeão do mundo em 1950 era importantíssimo não só para nossos jogadores, bem como, nossos políticos que almejavam promoverem-se às custas do que seria então o primeiro título mundial brasileiro! Brasil que já começara seu processo de industrialização e nacionalização de nossos recursos minerais, que já possuía artistas se destacando com a famosa “Semana de arte moderna de 1922” …,mas faltava o triunfo esportivo.

Com os países europeus devastados após a Segunda Guerra, conseguimos o direito de sediar o mundial em casa, construímos o até então maior estádio do mundo! A mania de grandeza era enorme que outro resultado não era aceito, ainda mais depois de duas goleadas históricas sobre Espanha e Suécia! O título da Copa do Mundo era o que faltava para um Brasil queria se mostrar no cenário internacional!


Faltava o jogo contra o rival Uruguai, o clima de já ganhou tomava conta do povo brasileiro, e aí era o momento que todos os políticos e candidatos a políticos resolverem aparecer! Ao invés de se prepararem adequadamente para o jogo final, os jogadores brasileiros tiveram que passar por uma sequencia de protocolos com deputados, senadores, candidatos a presidentes…Todos prometendo “mundos e fundos”!O que na palavra do goleiro Barbosa, ficaram só os “fundos” para os jogadores brasileiros, que sequer se alimentaram adequadamente para a final. É claro que não foi esse o motivo principal para a derrota brasileira, mas como disseram todos os jogadores que estiveram naquela final, o Brasil começou a perder a Copa do Mundo de 1950 graças aos políticos que resolveram aparecer na hora errada!

Os tanques em Budapeste impedem uma segunda chance para a brilhante geração húngara.

A Hungria havia perdido o mundial de 1954 no que ficou conhecido como “O milagre de Berna”. Aquela geração excepcional húngara saia como melhor seleção do torneio, mas derrotada!

Entretanto, havia uma nova chance! 1958 na Suécia! Claro que aquela geração estaria quatro anos mais velha, mas ainda assim contaria com jogadores excepcionais em boa idade para a disputa do torneio. O grande goleiro Grosics teria 32 anos, Lantos 29, Tóth 29, Kocsis 28, Czibor 28, Kubala 29 e Puskás 31 anos. Sem contar os jogadores que surgiriam a base dessa seleção e os que estavam no banco do mundial da Suíça. Se seria campeã não há como saber, mas que seria ainda uma grande Seleção não há nenhuma dúvida…

Só não foi por um motivo.Em 10 de novembro de 1956, tanques soviéticos invadiam Budapeste, a capital húngara, e tomavam o poder no país. A Hungria passava a ser membro dos países do Pacto de Varsóvia, aliados diretos da União Soviética. Era o progresso do que ficou conhecido como “Guerra Fria”, onde o país passou a fazer parte do que ficou conhecido como “Cortina de Ferro!”

Após a morte de mais de 20 mil pessoas que defendiam a Hungria da invasão soviética, mais os milhares de presos e condenados políticos, uma rendição era a única coisa possível a se fazer! Para os jogadores de futebol da magistral seleção húngara só uma coisa restava… Fugir do país e ir tentar a vida em outros locais da Europa. Nunca mais vestindo a camisa da grande seleção do leste europeu.

Kubala foi ser ídolo do Barcelona, Puskás do Real Madrid, Czibor e Kocsis foram respectivamente para a Roma e o Barcelona…E assim foi com todos os jogadores daquela geração. Alguns chegaram até a se naturalizar por outros países como o caso de Puskás que virou “espanhol”, mas a maioria mesmo não se naturalizando jamais voltou a vestir a camisa de sua seleção natal!

Graças a União Soviética e a Guerra Fria, não podemos ver a segunda chance da geração de ouro húngara em uma Copa do Mundo que poderia ter sido a sua redenção! Como o “se” não joga, o Brasil ficou com aquela taça, mas nenhuma decisão política foi tão direta para definir a história das Copas do Mundo como os tanques de Budapeste!

1970 – 90 milhões em ação e as eleições do parlamento inglês…


Em 1970, a Inglaterra, então atual campeã do mundo chegava ao México como favorita ao título. A classificação no “grupo da morte” daquela Copa continuava a manter a esperança dos inventores do futebol, que mesmo perdendo para o Brasil na fase de grupos, tinham um time melhor do que o que fora quatro anos antes campeão em casa.

A derrota para a Alemanha Ocidental nas oitavas de final por 3 a 2 e a precoce eliminação para uma seleção que acreditava que aquela seria a Copa da confirmação do futebol Inglês como o maior de todos foi um balde de água fria até para os esnobes ingleses! Ao ponto do primeiro ministro britânico Harold Wilson por a culpa da sua não reeleição cinco dias depois do jogo no fracasso inglês naquela Copa!

Quanto ao Brasil, depois do vexame na Copa da Inglaterra, uma grande desconfiança tomava conta da Seleção nas eliminatórias! Um novo técnico era chamado para montar uma nova Seleção brasileira. O comunista assumido João Saldanha, o “João sem medo”.

Ao tomar o comando do time, o futebol brasileiro se reencontrou. Com uma base de jogadores formada por Santos e Botafogo, Saldanha classificou o Brasil para o mundial do México com “os pés nas costas!” Mas aí começaram os problemas!

O Brasil passava por um período de ditadura comandada pelos militares, e mesmo sabendo da ideologia de Saldanha, o governo militar o aturava devido aos bons resultados da Seleção nas eliminatórias. Mas com a chegada do General Médici ao poder, Saldanha foi ficando cada vez mais encurralado em seu cargo. Médici queria que Saldanha convocasse Dário do Atlético Mineiro. Saldanha respondia dizendo que isso era uma imposição feita com o propósito de o tirar do comando da canarinho, pois Médici nunca havia visto Dário jogar e ele enquanto presidente da república não deveria dar pitacos na Seleção, assim como ele Saldanha, não dava pitacos no ministério de Médici.

Foi a gota d’agua! Histórias sempre negadas por Saldanha como o suposto problema de visão de Pelé foram alegadas, mas o fato é que o presidente da república de extrema direita não queria receber em Brasília a Taça Jules Rimet das mãos de um inimigo político assumido! Saldanha estava fora da equipe e no lugar dele assumia Mário Jorge Lobo Zagallo.

Naquela Copa, os comunistas brasileiros, perseguidos pelo regime militar, torciam declaradamente para os países da cortina de ferro e contra o Brasil do Médici. Só na primeira fase haviam dois adversários para quem torcer: Tchecoslováquia e Romênia! Ver o Brasil campeão enquanto passava uma situação política terrível em seus “porões” era inaceitável para quem vivia tais perrengues!


A musiquinha “Pra Frente Brasil” do compositor Miguel Gustavo, que pouco falava de futebol, mas mais parecia uma alusão ao governo militar enraivecia tresloucadamente quem estava contra o regime. Entretanto não teve jeito, com a melhor seleção de futebol da história o Brasil conquistou o tricampeonato em 1970, e até muitos comunistas que antes torciam o nariz para a Seleção saíram para comemorar!

Para Médici e os militares, aquela vitória significava bem mais do que um título esportivo. Era o progresso que o regime militar estava trazendo para o Brasil. Receber a taça das mãos de Zagallo ao invés de Saldanha também foi bem menos constrangedor para o presidente de olhos azuis.

É óbvio que aquela Seleção era merecedora do título, com certeza foi a seleção de futebol que mais mereceu vencer uma Copa do Mundo até hoje! Mas o governo militar aproveitou-se dessa conquista para cada vez mais esconder os crimes cometidos nos porões do Dops e em outros departamentos de tortura! Enquanto a maioria do povo brasileiro festejava o tricampeonato, Médici e companhia aproveitavam para gerar o momento de maior perseguição política e torturas de todo o regime militar brasileiro.

1978 – A Copa de Videla e das mães da praça de maio.


Em 1978, a Argentina passava por uma das ditaduras militares de direita mais ferrenhas da América do Sul. Enquanto as Mães da Praça de Maio buscavam o paradeiro de cerca de 30 mil de seus ‘filhos”, a Argentina por força de Videla, e conivência do presidente da FIFA João Havelange, conseguia sediar a décima primeira Copa do Mundo de futebol. Mais que somente sediar o torneio, o ditador argentino queria mostrar ao mundo um país que não existia! Uma profunda paz, harmonia e apoio a seleção argentina, além é claro de conseguir o primeiro título mundial do país, abafando de vez o grito dos torturados e mortos do país do Rio da Prata.

Para alcançar esse objetivo, Videla não mediu esforços. A tabela da Argentina levou o país a jogar 4 jogos no Munumental de Nuñez em Buenos Aires e mais 3 jogos no Gigante de Arroyito em Rosário. Se a Argentina tivesse sido a primeira do grupo como esperado antes do início do torneio, teria jogado suas sete partidas no estádio do River Plate! A derrota para a Itália no último jogo da fase de grupos impediu tamanho favorecimento planejado!

Além da tabela, o controverso jogo entre Argentina e Peru pela última rodada da segunda fase do torneio. Em um jogo contra uma boa seleção peruana, que na primeira fase vencera o Irã e a Escócia com facilidade, além de empatar sem gols com a Holanda, que viria a ser a vice-campeã mundial daquele ano, era inimaginável que mesmo desclassificados matematicamente, aquela geração iria perder por quatro gols de diferença para os argentinos!


Como só os desavisados não sabem, o Peru não perdeu por quatro gols, mas por seis tentos a zero! A Argentina, que até então jogaria contra o Peru no mesmo horário em que o Brasil que enfrentaria a Polônia, teve a hora do seu jogo estranhamente alterada para quase três horas depois do jogo brasileiro. Sabendo do resultado que precisava, logo os gols foram saindo, alguns de maneira bizarra por parte dos defensores peruanos, e com tal goleada os argentinos garantiram vaga na final!

Ao apitar do juiz, as suspeitas de que o jogo teria sido entregado por parte dos peruanos já pairava em todo o mundo futebolístico. De fato, nunca houve uma prova cabal sobre a marmelada, mas há muitos indícios de que Videla estava por trás do “negócio” que colocou os Hermanos na final. Acusações de que o Peru recebeu caminhões de trigo a mando do General após a partida, e que as negociações entre os dois países para o resultado combinado teriam sido intermediadas pelo cartel de Medellín com o tempo foram aparecendo. E até hoje, aquele 6 a 0 manchou o nome dos peruanos no futebol, e deu um estigma de campeão manchado aos argentinos de 1978! Para o General Videla, provavelmente isso pouco importava.

A Argentina chegou a final contra a Holanda. Venceu o jogo na prorrogação por 3 a 1 e se sagrou campeã mundial pela primeira vez na sua história! Festa nas ruas de Buenos Aires, festa em toda Argentina para o time de Luque, Ortiz, Passarela e Kempes! As Mães da Praça de Maio e seus desaparecidos filhos e parentes estavam caladas mediante a euforia do povo argentino! Era o que Videla queria e conseguiu!

1982 – O Sheik que anulou um gol!


Essa situação não mostra um lado negro da relação entre política e esporte, no máximo um lado cômico! A França enfrentava e vencia por 3 a 1 a fraca seleção árabe do Kuwait treinada pelo brasileiro Carlos Alberto Parreira ainda pela primeira fase do mundial da Espanha em 1982. O jogo prosseguia quando o atacante francês Giresse entrou sozinho na cara do gol kuaitiano para marcar o que seria o quarto gol francês!

Enquanto o baixinho atacante avançava, os zagueiros árabes pararam como se tivessem ouvido um apito do árbitro. Giresse que nada tinha a ver com isso marcou o gol e saiu comemorando!

Foi aí que o presidente da federação kuaitiana de futebol e Sheik do pequeno país, Fahad Al Sabah, resolveu entrar em ação. Atendendo aos pedidos de seus jogadores que alegavam ter ouvido um apito e por isso parado diante do ataque francês, o mandatário árabe manda que o seu time se retire de campo (Algo que seria inédito na história das Copas do Mundo!), e os jogadores em plena revolta atendem!

Seria uma das maiores pataquadas da história das Copas se não fosse o juiz ucraniano Miroslav Stupar, que incrivelmente cedeu a pressão do Sheik (que já havia entrado em campo para peitar o juiz) e anulou o gol francês! Não há notícia até hoje que em um jogo oficial da FIFA, um representante político tenha descido das tribunas e feito um árbitro anular um gol legal! De todas as mãozinhas políticas na história das Copas, essa foi a mais direta! Ao menos filmada! Pena que não adiantou muito, pois a França marcou mais um gol (esse valeu!) e acabou por golear o Kuwait por 4 a 1 naquela curiosa partida!

1998 – A vitória da Black-blanck-beur.


No tocante a revoluções políticas, a terra da liberdade, igualdade e fraternidade é o berço do mundo ocidental moderno! Em 1998, a situação social dos negros, árabes e até de alguns brancos do país erade sérios conflitos! Conflitos entre a polícia e imigrantes de origem africana árabe em bairros compostos por essas etnias separavam de vez os “franceses puros” dos imigrantes!

No futebol, duas Copas do Mundo em que a seleção estava ausente criavam desconfiança entre os já pessimistas por natureza torcedores franceses. Um time formado por jogadores nascido em Guadalupe (Thuram), Nova Caledônia (Karembeu), Senegal (Vieira), Gana (Desailly)… e um nascido na França, mas com antepassados argelinos (Zinedine Zidane), mostravam uma seleção nacional, sem uma unidade nacional!

Dentro de campo, essa seleção mostrou um profundo respeito as heranças da Marselhesa! Com muita aplicação tática e técnica passou fácil na fase de grupos, sofreu para eliminar o defensivo Paraguai, passou nos pênaltis contra a Itália e com dois gols do “estrangeiro” Thuram, virou o jogo para cima dos croatas e garantiu o país em sua primeira final na história! Que seria contra o temível atual campeão do mundo, o Brasil.


Na final, o filho de argelinos brilhou! Marcou dois gols de cabeça, fez grandes jogadas, e garantiu o primeiro título mundial francês! Nem a poderosa geração de Giresse, Tigana, Platini e Rocheteau conseguira ir tão longe! E a política aproveitou o triunfo francês!

Era a vitória da integração nacional! Era a vitória do Branco-Negro-Árabe! Ao menos nos campos de futebol, todo eram iguais perante os franceses! O termo liberdade, igualdade e fraternidade nunca esteve tão em moda desde a queda da Bastilha! O time de futebol se tornava o exemplo para uma nova França, e porque não, para uma nova Europa! Cada vez mais tolerante e miscigenada!

Essa foi uma atitude politicamente positiva. E quando a França conquistou o bicampeonato europeu em 2000, com mais jogadores oriundos de outras partes do planeta do que em 1998, a consciência de que todos eram franceses era inquestionável por todos! Entretanto, ao primeiro fraquejar daquela geração, a certeza de que a unidade do povo francês estava concretizada foi por água abaixo.

Se nas vitórias todos eram franceses, nas derrotas, a culpa era dos descendentes de africanos que não honravam a camisa azul, ou dos muçulmanos que se amontoaram nos arredores de Paris! O negro e muçulmano Anelka em 2010 foi excluído da Seleção ninguém sabe ao certo o motivo! E o que parecia ser a vitória da política utilizando o esporte para o bem, virou  apenas uma bravata que vai servir sempre que o resultado for positivo, mas que vai ser um tiro pela culatra quando lamentavelmente as derrotas vierem!

O racismo está muito longe de ser vencido não só na Europa como em todo o mundo, e não é o futebol, por mais que os políticos o utilizem dessa forma na hora dos triunfos, que vai conseguir acabar com esse lamentável problema humano!


2018 – A seleção africana da França!

Ainda sobre os efeitos do Branco-Negro-Árabe, logo que vencida a Copa do Mundo da Rússia pelos franceses, surgiram críticas sobre pelo menos 14 jogadores da Seleção campeã serem de origem africana, das antigas colônias que a França construiu através do seu imperialismo iniciado no século XVI.

Essa seleção em tese para os críticos era mais miscigenada ainda do que a campeã mundial de 20 anos antes! Mas o que deveria ser motivo de orgulho para um país cada vez mais multiétnico, virou assunto de estado. Com ministros defendendo os jogadores franceses em suas escolhas, e críticos falando que os mesmos jogadores representam um país que não os representa! Onde os imigrantes ou filhos de imigrantes são maltratados, entre outras acusações que novamente remetem ao período em que a França colonizou grande parte do continente africano.

Mesmo que apenas dois jogadores da Seleção campeã tenham nascido fora do país! Os críticos e aproveitadores não perdoaram! É como se os jogadores brasileiros fossem criticados por vestirem a amarelinha, mesmo eles tendo nascido aqui, só pelo fato de terem pais, avôs ou bisavôs oriundos de países europeus (principalmente Portugal), africanos e até de países árabes!


A verdade é que por mais que se diga que devam ser dissociados, o esporte, no caso levantado o futebol, e a política andam de mãos dadas! E por muito tempo será assim, pois o futebol enquanto jogo, representa a territorialidade. E esse sentimento de pertencimento comum aos primatas que somos, sempre vai associar os elementos do nosso cotidiano ao sentimento de inserção das vitórias que o futebol nos causa! Portanto, aquele que diz que  futebol e política não se misturam, ou entende pouco de futebol, ou não entende nada de política!

EXPLICANDO PELÉ ÀS FUTURAS GERAÇÕES

por Émerson Gáspari


Este texto tem por objetivo maior, esclarecer aos jovens que não puderam ver Pelé jogar ao vivo, o porquê dele ser o maior de todos os tempos e ao mesmo tempo servir como testemunho para que a magnitude de sua obra jamais seja esquecida.

Fiquem tranquilos: não estou aqui para repetir o que vocês já se cansaram de ouvir e ver por aí, como o Tri no México, o milésimo gol e tudo o mais que parte da mídia lhes ensinou a duvidar. Narrarei atuações incríveis dele em jogos desconhecidos por vocês.

Mas como eu ia dizendo, nas redes sociais, por exemplo, é um assombro a quantidade de gente que destila seu veneno contra Pelé.  Em geral, fãs de algum craque atual ou pessoas que insistem em julgá-lo por episódios extracampo, misturando as coisas.

Aqui, neste texto, tratarei apenas do atleta Pelé.

Quanto ao cidadão Edson Arantes do Nascimento; trata-se de um ser humano comum, passível de erros e acertos, como todo mundo. Não focarei neste assunto.  Ponto final.

Saibam também, que possuo o maior respeito por todos os jogadores descritos neste texto e se faço citações, é no sentido de legitimar tudo o que afirmo aqui, apenas.

O propósito é apresentar histórias e informações incomuns, sobre a carreira do Rei.

Comecemos por alguns números: aos jovens que curtem tanto falar em “hat-tricks”, saibam que Pelé já fez “alguma coisa” nesse sentido; sendo oito gols num só jogo, cinco em seis jogos, quatro gols em outros 31 e três gols em 92 oportunidades.

Dos seus 1284 gols, 180 foram de bola parada, sendo 109 de pênalti, 70 de falta e um olímpico. Em três temporadas, superou a marca centenária: em 1959 fez 126 gols, em 1961, 111 gols e em 1965, 106 gols. Só pela Seleção Brasileira, marcou 95 tentos.

São apenas curiosidades, antes de abordarmos assunto mais sério: as comparações!

Sim, porque um dos maiores pecados da humanidadeé o da comparação, já que cada indivíduo é “uno” e como tal, não mereceria ser comparado a outro.

Mas sempre haverá a tentadora e deliciosa ideia de se discutir quem é o melhor.

Só que com Pelé, trata-se de pura blasfêmia.

Vejam os argentinos, por exemplo, sempre à tona, com a velha fixação de possuírem o melhor jogador de todos os tempos.

É bom que eu diga que sempre admirei o futebol argentino. De talento, garra, técnica, disciplina tática, posse de bola e boa transposição do meio para o ataque, além de outras virtudes, que não vem de hoje.Mas na verdade, às vezes, forçam um pouco.

Sejam alegando que devido a II Guerra deixaram de ganhar duas Copas, sejam especulando desde essa época, possuírem o “número um” do planeta.

Isso começou com José Manoel Moreno – ídolo do River Plate “La Máquina” – nos anos 40, mas, sinceramente? Não creio que nosso Zizinho, na época, ficasse atrás.

Mais tarde, inventou-se que seria Di Stéfano,porém o húngaro Puskas, seu parceiro de Real Madrid, me parecia um pouco melhor. Mais espetacular, sem dúvida. Boa parte da crítica mundial inclusive considerava Puskas o maior, até o surgimento de Pelé.

O próprio Puskas, imparcial e humilde, dizia que o melhor jogador do mundo era Di Stéfano, pois se recusava a classificar Pelé como um simples jogador.

Já Cruyff, considerado por muitos o maior craque europeu da história (e grande treinador, também) sempre repetiu quando atleta, que até poderia vir a ser um Di

Stéfano, mas nunca um Pelé, pois ele era o único que ultrapassava os limites da lógica.

Para o companheiro de Pelé no Santos, Pepe, ele sempre foi um extraterrestre, já que as coisas que fazia não cabem na compreensão humana.

Tempos depois, surgiu Maradona. Era de uma habilidade impressionante e para mim, sua melhor fase foi no Argentino Juniors, mas levou azar: aos 17 anos, preterido por Menotti na Copa, perdeu a chance de ser campeão mundial, feito Pelé na mesma idade.Ganhou sozinho o Mundial de 86 e revolucionou o Napoli, nos anos 80.  Só que engordou e prejudicou a carreira com as drogas. Poderia ter sido maior. Não foi.

Costumo fazer analogias entre futebol e boxe; penso que Diego estaria assim, mais para um Mike Tyson, enquanto Pelé se aproximaria do perfil de Mohammad Ali.

Agora, nesse século, o “concorrente argentino” mudou: passou a ser Messi.

Eleito melhor do mundo várias vezes,já viveu dias melhores. Enfrenta a concorrência de Cristiano Ronaldo, enquanto Neymar e agora Mbappé e Salah tentam se aproximar. Mas daí a querer comparar qualquer um deles com Pelé vai uma distância enorme.

Só que, mesmo assim, para Messi desbancar Pelé nessa disputa, bastaria ganhar apenas uma Copa, de modo convincente e decisivo, para que toda a gigantesca indústria marqueteira se incumbisse de promover uma injustiça.

Haverá gente da própria imprensa brasileira defendendo a tese de que ele passou a ser o maior. Até esta última Copa, havia uma meia dúzia escrevendo essa bobagem por aí. Depois do novo fracasso, ficou mais difícil acha-los.

Como a lei da probabilidade aponta para que Pelé e seus contemporâneos partam desse mundo antes que Messi e toda esta nova geração, basta uma Copa,muito marketing em cima e algum tempo. Estará feito o sacrilégio.

Marcar mil gols, por exemplo, ele não precisa. Ainda mais depois que uma revista portenha publicou um “levantamento de gols relevantes”, republicada em todo o mundo e no qual Messi deve superar Pelé, logo. Francamente! 

Um absurdo tão grande quanto uma revista brasileira, que tempos atrás afirmou – com matéria de capa e tudo – ser Roberto Carlos, o maior lateral-esquerdo que já existiu, acima até, de Nilton Santos. Triste! Acho que nem o R6 concordou com isso.

Mas voltemos às eternas comparações com Pelé. E sem patriotada!

Não é porque um seja brasileiro e o outro argentino, pelo amor de Deus!

Mas porque denota que compramos as ideias que chegam de fora, mesmo que absurdas. Vamos dar um exemplo (peço aos flamenguistas que me perdoem).

Zico foi um monstro como jogador, eu diria extraordinário; mas não foi um Pelé. Entendem o que eu quero dizer? Na época do “Galinho” mesmo, não dava pra cravar que ele fosse o melhor do mundo. Naqueles anos 70/80, no Brasil, havia Sócrates, que até me parecia às vezes, ligeiramente superior na criação das jogadas, enquanto Zico era mais decisivo e goleador, sem dúvida alguma. No restante do mundo então, nem se fala: havia Boniek, Rummenigge, Platini, Lato, Falcão. E Maradona.

Hoje a concorrência diminuiu. Só tem Messi, Cristiano Ronaldo, Neymar e agora, Mbappé e Salah chegando: Iniesta já é carta fora do baralho.

Jogar no Barça hoje em dia, dá mil vezes mais repercussão do que atuar no Santos. Imagine então, no Santos dos anos 50, 60, 70?

Querem a verdade? Cruyff por exemplo, não foi inferior à Messi, mas para a mídia (inclusive a europeia), é como se fosse. A propósito, nessa altura do texto, sou tentado a fazer também o meu ranking pessoal de melhores jogadores de todos os tempos.

Em primeiro lugar, vem Pelé, e nem poderia ser diferente.

A alguma distância, depois dele, está Maradona e colado nele, um seleto grupo, com

Puskas, Cruyff, Beckenbauer, Di Stéfano, Zidane, Garrincha, Yashin, Bobby Moore, Eusébio, Stanley Matthews e no qual estariam entrando o Messi e o Cristiano Ronaldo.

Se não conseguirem, permanecerão no grupo abaixo,maior, com Iniesta, George Best, Gullit, Van Basten, Robin, Neeskens, Kocsis, Zamora, Meazza, Baggio, Rossi, Zoff, Masopust, Liedholm, Beckham, Lato, Platini, Rummenigge, Matthaws, Gerd Muller, Mathias Sindelar, Moreno, Mario Kempes, Hugo Sanchez, Planika, Obdúlio Varella, Manco Castro, Gordon Banks e claro, “Ronaldos”, Romário, Zico, Sócrates, Falcão, Rivellino, Gérson, Tostão, Carlos Alberto Torres, Jairzinho, Zizinho, Nilton Santos, Djalma Santos, Didi, Leônidas da Silva, Friedenreich, entre outros e é neste grupo que Neymar está inserido. 

Claro que tudo isso é muito discutível, pois como disse, é complicado comparar, ainda mais jogadores de posições, países e épocas diferentes e é impossível lembrar de todo mundo. Mas sinceramente, é o que penso a respeito dos maiores craques que este planeta já produziu. Não sou dono da verdade.

E a verdade, é que tenho ouvido muitas bobagens futebolísticas, nestes últimos anos.

Algumas; já contei aqui, no Museu da Pelada: tem aquela do rapaz que insistia que Beletti foi o maior lateral-direito do Brasil de todos os tempos e “sem discussões”. Então, com modos, perguntei se havia ouvido falar de Zezé Procópio, Djalma Santos, Carlos Alberto, Leandro (fazendo de conta que o Cafu, naquela época, não existia).  Diante da negativa, questionei se pelo menos Nelinho ou Zé Maria.  Depois de mais um “não”, respondi, com toda a ironia do mundo que então ele estava certíssimo: “Beletti era mesmo, o maior de todos os tempos”. E sem discussões, como ele queria. 

Aposto que nem mesmo o sensato Beletti concordaria com uma afirmação dessas, até porque sua posição de origem era volante, mudando várias vezes durante a carreira.

Outro torcedor, trintão, insistia comigo que Serginho Chulapa foi muito melhor do que Ronaldo Fenômeno. Concordei: como discutir com quem pensa assim? Prefiro conversar com pedras, elas ao menos não me dizem essas bobagens.

Quando envolve Pelé, a coisa fica ainda pior: um rapazola – não sei se querendo me provocar ou por pura tolice mesmo, vinha sempre ao meu antigo sebo, para afirmar com entusiasmo, que Robinho já havia passado Pelé para trás. Um dia, extasiado por Robinho ter assinado com o Real Madrid (a pedido do Wanderley Luxemburgo, quando trabalhou lá), ele veio dizendo, sério, que “agora sim, Robinho iria arrebentar e talvez fizesse até mais gols do que o Rei”. Preferi responder com uma pergunta:

– Você sabe quantos gols tem Robinho hoje, com pouco mais de 21 anos?

– Não! Quantos?

– Setenta! Exatamente setenta gols, tem Robinho hoje.

– Puxa, que legal! E Pelé, quantos gols tinha feito, com a mesma idade, hein?

– Quinhentos! Aos 21 anos e dez meses, Pelé já havia feito 500 gols pelo profissional.


O moço arregalou os olhos, ficou em silêncio, aturdido. Minutos depois, saiu de fininho da minha loja, sem se despedir, para nunca mais voltar. Mais um cliente assim – que também fiz questão de perder – era um argentino fã de futebol, que aporrinhava a paciência, fazendo citações agressivas (entre os pôsteres de times na parede da loja, havia um de Pelé). Até que num belo dia, exagerou nas provocações:

“Este não jogou nada! Viveu de mídia! Foi sempre um enganador: tive pena quando vi seu filme, todo editado, cheio de cortes”. E prosseguiu:

“Não jogou nem 10% do que jogou Maradona! Outra mentira inventada, por aqui!”

Ouvi tudo em silêncio, sem nada responder. Quando ele se despediu, disse-lhe apenas:

“Desejo que na próxima encarnação, Deus lhe conceda a dádiva da visão, para que consiga ao menos enxergar futebol direito”. O gringo fez uma cara feia e saiu pisando duro.

Perdi mais um cliente, mas ganhei minha tranquilidade de volta. Porque cansa ouvir essas coisas, sabe gente? Quanto ouço essas asneiras (e só lhes contei algumas), chego à conclusão que meu ouvido definitivamente virou penico. E a mídia, com essa “babação” em cima do Messi, vem dando sua generosa contribuição para enchê-lo.

Com todo respeito que possuo pelo grande Mané Garrincha (de quem sou fã e farei meu próximo texto, homenageando-o), mas costumo sempre mensurar o grau de conhecimento futebolístico de alguém, quando me diz“Mané foi melhor que Pelé” ou“Pelé não seria nada, sem o Mané” ou ainda: “sem Mané, Pelé não faria tantos gols”. Bem, só pelo Santos, foram 1091 gols. E não me recordo do querido Garrincha ter vestido a camisa do Peixe. Se alguém viu, por favor, me avise.

“Ah, mas o Gérson disse que Garrincha foi o melhor de todos!”, dirão alguns.

Verdade, e ele é um dos caras que mais conhece futebol. Além do craque que foi, dava uma aula de conhecimento, nos comentários que fazia para a TV e eu adorava assistir.

Mas talvez diga isso, por ter levado o maior baile de sua vida, ao ser impelido a marca-lo, naquela célebre final do “Cariocão” de 1962, em que o Botafogo (ou Mané) fez três à zero em cima do Flamengo, deitando e rolando. Ficou o trauma. Depois, ele até foi jogar no Botafogo, ao lado do “Anjo das Pernas Tortas”. Melhor ter um cara desses no seu time, do que enfrenta-lo, como dizia o próprio Nilton Santos, cheio de sabedoria.

Mané foi único. Mas também não era um Pelé. E Messi, muito menos.

É bom que eu diga que não ganho um centavo pra defender o Rei.

Meu compromisso é com a verdade. Apenas isso. Contra fatos, não há argumentos.

Foram 59 títulos em 22 anos de profissão e 1284 gols em 1365 partidas.

Para tecer uma comparação com Maradona, por exemplo, basta lembrarmos que o portenho anotou 345 gols em 695 partidas. Metade dos jogos e um quarto dos gols do negão. Melhor seria compararmos Maradona à Garrincha. Aí sim, daria uma briga boa, equilibrada. Como Maradona, Mané ganhou uma Copa sozinho,a de 1962.

Já Messi, tem média excelente de gols na sua carreira. Computando a Copa de 2018, havia assinalado 618 gols, em 763 partidas. CR7, seu concorrente contemporâneo, fez 658, em 916 jogos. Aliás, o Cristiano Ronaldo tem boas chances de superar Eusébio, que marcou 773 gols em 745 jogos, não acham?

Daqui a pouco, a mídia inventará alguma contagem regressiva, até que Messi “supere” Pelé, nos “tentos válidos”. Nas redes sociais, a campanha por isso e os ataques ao Rei já começaram, com gente dizendo que a lista de Pelé é inflacionada com gols em amistosos de casados contra solteiros, numa prova de total desrespeito.

Fato foi que o Santos disputou inúmeros amistosos pelo planeta, tendo Pelé como atração principal. Se disputasse outros jogos e torneios, não marcaria gols, também? Vocês acreditam mesmo, que se um sujeito como o Rei fosse jogar na Europa, iria ficar sem marcar muitos gols? Não disputaria sempre a artilharia, ao menos?

Ora!  Não considerar gols em amistosos, é uma manobra vil, para diminuir sua marca.

Seria como considerar que todas as lutas de um campeão de boxe, na qual ele não colocou o cinturão em disputa, deveriam ser retiradas de seu cartel. Seria justo?

Mas criar polêmica gera venda de jornal, revista, acessos nos sites. Vende!

Messi conseguiu pelo menos 618 gols, aos 31 anos? Lembro-lhes que Pelé chegou ao milésimo gol, aos 29 anos. A partir daí diminuiu o ritmo; chegou a se aposentar e voltou pouco depois, no Cosmos. Aos 36 anos, estava com 1280 gols.

É, quem sabe um dia, Messi chegue ao nº 1000. Talvez consiga,na mesma idade de Romário. E digo isso sem deboches, pois o “Baixinho” foi outro “monstro” do futebol mundial e ambos merecem meu mais profundo respeito.

Messi sabe ser profissional, é obediente taticamente, talentoso, muito veloz, protege bem a bola e faz parecer fácil fazer os gols que faz. Desequilibra. Lembra aquele personagem, o Sonic correndo, quando parte em velocidade com uma bola dominada.

Recentemente, um internauta ficou argumentando horas comigo, que Messi é o maior jogador “de clube” ao menos, de todos os tempos. Olha, honestamente? Para mim, essa história de “jogador de clube” é um atestado de jogador que não é completo.

É como no automobilismo: nós tivemos na F-3 nos anos 80, uma grande rivalidade entre o Senna e o Martin Brundle, que pareciam ser pilotos parelhos (poucos sabem disso). Mas quando chegou a hora “da onça beber água” na F-1, deu no que deu!

E outra: como ignorar que o Pelé marcou mais de mil gols e ganhou uma pancada de títulos só pelo Peixe, tornando-o mundialmente famoso?

Em Copas então, é brincadeira: Pelé, em quatro edições, marcou 12 gols em 14 jogos, com 12 vitórias, um empate e uma derrota. No tal empate, saiu contundido, com uma distensão, logo no início e na única derrota, foi “caçado” pelos zagueiros portugueses, saindo carregado de campo. Dá pra comparar?

Agora, tirando o comportamento que citei a pouco de Maradona (e que o prejudicou seriamente na carreira) não sou o tipo que fala mal de craque estrangeiro, apontando seus defeitos. E eles sempre os tiveram.

Para alguns, faltava uma boa perna direita, noutros a esquerda. Outros eram lentos, gordos. Outros ainda, fracos no cabeceio ou excessivamente práticos, enquanto que havia também, aqueles que se perdiam em infinitas firulas e malabarismos.  Enfim, todos os candidatos ao posto de melhor do mundo, sem exceção, tinham ou tem defeitos. Que eu não preciso aqui relembrar. Basta pensar e vocês também se lembrarão. De cada um deles.

Com Pelé isso não acontece. Ele era completo e beirava a perfeição. E por causa disso, criaram-se algumas lendas a seu respeito. Algumas falsas, outras verdadeiras.

Uma delas: Pelé seria ambidestro? Não!

Pelé nasceu destro. Ocorre que treinou tanto a perna esquerda, que no final da carreira, já a estava usando melhor do que a direita, conforme ele mesmo diz.

Para comprovar o que digo, lembro a vocês, que batia pênaltis com a direita, certamente por ter mais segurança e precisão nela. Mas creio que se quisesse, poderia cobrar com a esquerda, também, sem maiores problemas.


Porque o gênio é também isso. É transpiração. E Pelé treinava muito. Soube aprender e se aprimorar. A tal “paradinha” no pênalti, mesmo.

Aprendeu com Dalmo Gaspar, lateral-esquerdo santista, que já a executava antes mesmo de ir para o Santos e foi seu companheiro de quarto na concentração do clube.

Em faltas e lançamentos, ele teve dois mestres à disposição: Jair Rosa Pinto e Pepe.

E aprendeu muito bem, treinando com os dois. Fora as broncas do capitão Zito, que às vezes gritava pra ele, ainda jovenzinho, ao partir na direção errada, num lançamento: “Crioulo burro: é olho pra um lado e bola pro outro”.

Longe de ser racista, Zito tinha o maior carinho por Pelé e apostava nele todas as suas fichas, como o grande craque que logo iria se tornar.  

Outra lenda: Pelé, por ter olhos puxados, teria visão periférica privilegiada e por isso enxergava os companheiros em volta, sem sequer precisar olhar?

Não, de novo! Caso contrário, qualquer seleção oriental levaria sempre vantagem, neste quesito, concordam comigo?

Pelé fora ensinado por seu pai, Dondinho (centroavante do Atlético-MG, que prematuramente encerrou a carreira, devido a uma contusão) à, toda vez que fosse pedir a bola a um companheiro, olhar antes em volta, para decorar o posicionamento dos demais jogadores. Assim, pensava melhor a jogada, antes de recebê-la. Reside aí também, a explicação para o fato dele muitas vezes antecipar as jogadas.

Acredito que o segredo de tudo foi que Dondinho se revelou um excelente professor particular ao ensinar bem os fundamentos ao filho. Por outro lado, não podemos deixar de considerar o diamante que ele possuía diante de si para lapidar, sempre atento e esperto; só podia dar no que deu!

Eu nunca quis Pelé para técnico da Seleção Brasileira, como algumas vezes quiseram fomentar. Ah! Mas na seleção de novos; essa eu pagava pra ver. Imaginem-no ensinando uma leva de garotos talentosos? Teríamos em pouco tempo, não apenas um jogador diferenciado, como hoje em dia: teríamos toda uma seleção diferenciada.

Mais uma lenda a respeito do Rei: Pelé seria fisicamente privilegiado, a ponto de levar vantagem, jogando futebol, naquele tempo? Depende.

Aparentemente, não. De estatura mediana (1,72 m, o que hoje já seria considerado baixo), Pelé possuía detalhes que de fato, faziam alguma diferença, sem que isso chamasse a atenção. No auge da forma, pesava 70 quilos.

Para começar, sua compleição física e engenharia muscular eram formidáveis. Raramente se contundia. Possuía espetacular impulsão e velocidade (o prof. Júlio Mazzei, em 1972, aferiu que aos 31 anos, ele corria 100 metros em 11 segundos cravados, conseguia no salto em altura atingir 1,80 m e no salto em distância, 6,50 m). Isso, calçando chuteiras, sem sapatilhas e piso especiais, usados para melhorar as marcas no atletismo. E olhem que nem levaram isso em consideração, quando o elegeram o “Atleta do Século”, viu?

Às vezes, mesmo um defeito seu, ele tratava de transformar em virtude: Pelé calçava nº 39, sempre teve pé chato e pra que sua chuteira não rachasse, ele usava uma trava, bem no meio dela. Por detalhes como esse, possuía mais equilíbrio que os demais e era difícil de derrubá-lo, naquelas jogadas disputadas, em que aos trancos e barrancos, ele prosseguia e marcava os gols que hoje vocês podem ver em filmagens antigas.

Certa feita, ele ganhou um par de chuteiras emborrachadas europeias, mas não gostou das mesmas, ao calçá-las. E decidiu jogá-las fora. O companheiro Dalmo as herdou e por algum tempo, tornou-se o primeiro atleta no país, a utilizar este tipo de calçado.

Hoje, o craque tem à sua disposição, chuteiras “escaneadas” em seus pés, garantindo leveza e ajuste perfeitos, além de toda uma parafernália de inovações tecnológicas no uniforme, equipamento esportivo, gramado e principalmente, na medicina esportiva.

Além de saltar muito, Pelé havia aprendido com o pai, a arte de cabecear (Dondinho chegou a fazer cinco gols de cabeça numa única partida), posicionando-se no melhor lugar, tomando impulsão, saltando com olhos e braços abertos e girando a cabeça e golpeando a bola com força, procurando direcioná-la.

Quando nada disso é feito, podem ocorrer falhas clamorosas, como aquela bola em que Gabriel Jesus e Fernandinho se atrapalharam sozinhos e que acertou o braço do volante, no gol contra que afundou o Brasil diante da Bulgária, dias atrás.

Eu, que pude ver Pelé ao vivo, já veterano, com mais de 30 anos, posso lhes dizer, como testemunha ocular: parecia que você estava assistindo a um desses vídeos educativos, que ensinam a jogar futebol.

Chegava a ser engraçado, até! Como dar um passe corretamente, executar um drible, uma ginga, um lançamento, dominar uma bola, cobrar uma falta, ajudar a fechar um espaço, escolher a melhor conclusão para o lance, antecipar uma jogada.

A matada de bola dele então era algo simplesmente sensacional!

Aí os mais jovens irão me perguntar: “Mas como assim? Uma simples matada de bola é para tanto?”. Meus queridos: só vendo, só vendo!

A bola podia vir enviesada, quadrada, com força, pelo alto, pingando. Não importava: ele a dominava instantaneamente, sem problemas. É como se a bola obedecesse a seu rei, quando se dava conta de sua presença, entendem o que quero dizer? Colava nele!

Certa vez, num programa de futebol na televisão, alertou Raí para não estufar o peito ao dominar uma bola, evitando assim, perdê-la. Bom moço que sempre foi; Raí agradeceu o conselho, prometendo usá-lo. Curioso, que sendo irmão mais novo de um gênio da bola como Sócrates e tendo um técnico da qualidade de um Telê Santana no banco, não tivesse tido esse fundamento corrigido, antes.

E o sentido de antecipação? Perfeito! Pelé pressentia onde a bola iria cair, não errava o tempo de bola no cabeceio.No drible, usava aquele recurso de tabelar com a perna de apoio do adversário para driblá-lo, quando se encontrava cercado, lembram? Sim, o negão tinha saída para tudo quanto era situação. E fazia isso de modo veloz, com genialidade e precisão notáveis.

Como Sócrates, antevia uma jogada e possuía visão absurda do campo de jogo, mas tinha muito melhor condicionamento físico e era mais completo, sem dúvida.

Era feito Zico, um elemento definidor de jogadas, mas driblava com maior velocidade e batia com a mesma precisão usando os dois pés, além de cabecear melhor.


Possuía o mesmo faro de gol e arranque de Romário, porém, maior força física e variedade de dribles e jogadas que o Baixinho. 

Seus “rushes” lembravam os de Ronaldo Fenômeno, mas ele marcava mais gols, se contundia menos, cabeceava melhor e ainda cobrava faltas com maestria.

Como Neymar, possuía enorme impetuosidade ao encarar adversários e invadir a área, mas além de melhor porte físico, fez mais gols e ajudava a marcar com mais empenho.

Diante dos craques de seu tempo ou não, dá pra dizer seguramente: se não era o melhor em determinado fundamento, estava sempre entre os melhores.

Talvez Baltazar “Cabecinha de Ouro” tenha sido o maior cabeceador da nossa história. Leivinha, Escurinho e Jardel sempre são lembrados, nessa hora. E Pelé, idem.

O Brasil teve excelentes cobradores de falta, como Jair Rosa Pinto, Didi, Pepe, Nelinho, Zico, Zenon, Neto, Marcelinho e muitos outros. E Pelé está entre eles.

Tivemos meias cerebrais, que armavam, pensavam o jogo, feito Zizinho, Gérson, Rivellino.  Ou meias audaciosos, que arrancavam em velocidade e só paravam dentro do gol, o ponta-de-lança, como Romeu Pellicciari, Ademir de Menezes,  Ademir da Guia, Dener. E em ambos os casos, também Pelé.

Nosso país teve jogadores habilidosos aos montes, que sabiam dar espetáculo, como Garrincha, Canhoteiro, Manoel Maria, Renato Gaúcho, Denílson, Ronaldinho Gaúcho, Dener, Robinho, Neymar e outros tantos, mas sem esquecermos o “Rei do Futebol”.

O “país do futebol” sempre teve artilheiros até dizer chega: Romário, Zico, Roberto Dinamite e até craques mais folclóricos, como Dadá e Túlio “maravilhas”. E quem é o maior em gols, dentre todos eles? 

Até a bicicleta, jogada mais arriscada e plasticamente mais bonita, teve em Leônidas da Silva seu mestre e em Pelé, seu legítimo sucessor.

Parece piada, mas Pelé, não contente em ser tão bom na linha, ainda abusaria indo em algumas poucas partidas, para o gol. Isso mesmo: o Rei “quebrou o galho”, em jogos nos quais algum goleiro precisava sair, a poucos minutos do fim, num total que, somado, dá 55 minutos debaixo das traves. Pois adivinhem quantos gols tomou, mesmo com os adversários sabendo que ali não havia exatamente um especialista? Nenhum! E olhem que ele chegou a praticar umas três ou quatro defesas de relativa dificuldade, se somadas essas atuações. Quer dizer: Pelé não “brincava nas dez”, ele “se virava nas onze”. Seus concorrentes ao trono conseguiriam fazer o mesmo?

É engraçado, porque o DNA pode ou não, ter algo a ver, nessas horas. O Edinho, filho do Rei, até foi bom goleiro no Santos. Já o irmão de Pelé, Zoca, não foi feliz quando tentou atuar na linha, apesar de ter um bom passe. Coisas que não se explicam. Mas cabe uma reflexão: não deveria ser nada fácil querer atuar, sendo parente do “Rei do Futebol”, porque a imprensa e o público colocavam uma pressão enorme, em cima.

A constatação é a de que Pelé, de fato, não foi o melhor em tudo. Mas foi o mais completo. E isso o aproximava da perfeição.

Pelé chegava a ser perfeito em campo, em vários jogos seguidos. Se não fazia mais, é porque era um só e o jogo se faz com 22 no gramado. Por melhor que você seja, existe muita gente em volta, também.

Por outro lado, mesmo repleto de adversários ao redor, nenhum possuía a qualidade do maior jogador de todos os tempos, por melhor que fosse ou por mais que se esforçasse. Alguns técnicos quebravam a cabeça, bolando um esquema para pará-lo. Certos zagueiros então, não dormiam direito, na véspera de marca-lo.A Itália (que organizou o jogo dos cinquenta anos dele, inclusive), talvez tenha sido o país que mais se esforçou nesse sentido. No Milan dos anos 60 ressuscitaram o líbero, função que havia sido criada em 1938 pela Seleção da Suíça, justamente para deixar um zagueiro na sobra e assim, anular Pelé, quando ele rompia a linha de zaga.

 O escolhido para a tarefa foi o grande zagueiro Trapattoni. Pois sabem o que o negão fazia? Chutava a bola contra o pé de apoio do zagueiro e a pegava mais à frente, fazendo tabelinha na perna do adversário. Trata-se de uma jogada arriscada, sem dúvida, porque obriga saber em qual parte do corpo do inimigo a bola deve bater, para ricochetear numa posição favorável, para você. Pelé a realizava com frequência.

Já o zagueiro Burgnich, incumbido da tarefa de marca-lo na final de 70, procurou fazer a função de “carrapato”. Pois Pelé subiu muito mais do que ele num cruzamento e de cabeça, abriu o caminho do Tri, naquele dia. E Burgnich dizia a todos, depois da partida, admirado: “Achei que ele fosse de carne e osso como eu, mas me enganei”.

Outro marcador dele numa final que sofreu assim – porém sueco e na Copa de 1958 – foi o zagueiro Sigge Parling, que declarou, após ter perdido o título de goleada, em casa: “Depois do quinto gol, senti vontade de aplaudi-lo em campo”.

Vocês entendem agora o tamanho da minha indignação ao ver essa turma comparando outros craques com ele?

Mas deixemos esse assunto um pouco de lado, por enquanto.

Porque, como havia prometido, irei lhes contar histórias (e não “causos”) que ele protagonizou nos gramados, mas a TV não registrou, nem se encontram escritas por aí. Algumas; fruto de leituras minhas e outras, de depoimentos idôneos, acima de qualquer suspeita, de quem o viu ou o enfrentou, acabando por testemunhar toda a realeza e magia que o homem tinha nos pés. 

Numa delas, nos anos 60, o Palmeiras “da Academia” contava com um de seus mais famosos marcadores, Waldemar Carabina, para pará-lo. Mas oque se viu foi um show do Rei em campo. Primeiro, invadiu a área, esquivando-se de um pênalti que seria cometido pelo zagueiro e ainda chutou-lhe a bola contra a própria perna estendida e apoiada no gramado, antes de fuzilar o goleiro Valdir de Moraes.

Pouco depois, falta para o Santos em dois lances, na entrada da área. Barreira de seis

homens. Pelé e Pepe, na bola. O juiz apita e o Rei vem correndo, feito um raio – após pisar na bola – e invade a área, passando ao lado da barreira, que se desmancha, pois os adversários saem em sua perseguição. Esqueceram-se por um instante, de que a bola, já tocada e praticamente no mesmo lugar, estava toda à disposição de Pepe, que vinha de trás e acertou “aquela” bordoada no gol, graças à barreira aberta.

São “tempos românticos” como se diz hoje em dia, meus caros, mas a vida era dura do mesmo jeito ou até mais. Ainda mais no futebol do antigo interior paulista.


Ao menos, como torcedor estoico do Paulista de Jundiaí, o que posso dizer é que contra Pelé, não sofremos tanto, pois meu clube só chegou à “Primeirona” em 1969. Então, não deu tempo, embora jamais tivéssemos vencido o Santos, com ele no time.

Até hoje o recorde “oficioso” de público no Jayme Cintra, é o de sua estreia contra nós, na vitória santista por 2×1 (02/3/69).  As bilheterias registraram 22.540 pessoas, mas estima-se que tenham entrado 28 mil. Todo mundo queria ver Pelé ao vivo.

Certa feita, meu pai estava em viagem de negócios em Presidente Prudente e viu num cartaz, que o Santos iria se apresentar lá, no dia seguinte. Não teve dúvidas: pediu à telefonista uma ligação para Jundiaí e avisou minha avó, que não tomaria o trem à noite: iria pernoitar ali, para assistir à partida e voltaria apenas na noite seguinte.

Comprou o ingresso e não se arrependeu, por ter assistido ao vivo, o que considerava ser o “maior gol de Pelé”, entre tantos. Segundo meu pai, o Santos ficou preso na marcação e Pelé não encontrava espaços na defesa adversária. Mas, na única chance que teve, fez valer o ingresso: num contra-ataque, Mengálvio dominou uma bola no meio-campo, enquanto o Rei disparou em direção à área, espremido por dois zagueiros mais altos. Então veio um lançamento longo, alto, pelas costas deles.

Pelé, ainda na corrida, salta e com sua impulsão, supera os beques. Mas a bola vem curta e parece que vai acertar-lhe a nuca. Então, ocorre o inusitado: curvando-se para trás, em pleno “voo”, Pelé recebe a bola que desce rolando, colada naquele corpo envergado e numa fração de segundos, ele troca de pé e fuzila de direita, antes de tocar o solo. Dá sorte: ela passa entre as pernas do goleiro, que saía para a defesa.

Espetacular! E meu pai não via a hora de voltar para casa, para contar o gol que havia presenciado, aos amigos.

E olhem que ele não viu poucas vezes Pelé ao vivo em campo, não: pegava o trem para São Paulo constantemente para assistir partidas do Rei na capital, nos antigos Pacaembu do tempo da “concha acústica”, Palestra Itália, Canindé, Fazendinha e até Morumbi, ainda no “primeiro anel”. Detalhe: isso, mesmo sendo um corintiano roxo!

Outra história bacana ocorreu durante o tabu de onze anos sem vitórias no Paulistão, que o Santos de Pelé impôs ao Corinthians. O Timão, aliás, foi quem mais levou gols do Rei em sua carreira: foram 50 tentos, ao longo de 48 partidas. 

Em 1962, cinco anos depois de iniciado, o jejum já incomodava os corintianos. Tanto, que o presidente do clube exigiu que o clássico marcado para o dia 04 de novembro, diante do Santos, em São Paulo, fosse disputado no acanhado estádio da Fazendinha, no Parque São Jorge, para pressionar o adversário e os 27.384 torcedores que se espremeram ali – em sua maioria – não deu tréguas à equipe santista.

Quando Cássio abriu a contagem para o Timão – aos 16 minutos do segundo tempo – iniciou-se um verdadeiro carnaval. Foi quando surgiu uma falta para o Peixe e Pelé cobrou, pegando mal na bola e atirando para longe. Recebeu uma sonora vaia dos torcedores, que o provocavam.

Então, fez aquele seu costumeiro gesto, como que a dizer pra torcida “esperem um pouco que vocês vão ver”. E não deu outra: aos 21, deu passe para Coutinho empatar. E aos 35 minutos, marcou o segundo, indo comemorar no alambrado, junto à torcida adversária, que atirou toda a sorte de objetos no gramado, incluindo um peixe morto. Alguns sustentam que ali nasceu o gesto de socar o ar, na comemoração de um gol, imortalizado por ele. Nada disso: ele “nasceu” num gol marcado diante do Juventus, após dar quatro chapéus em sequência, na Rua Javari (02/8/59).

Mas isso pouco importa.

Como também não importou o estar juiz “engavetado” e querer evitar a derrota do Noroeste em Bauru, diante do Santos, na época do  “ataque dos três Pês”, que contava com Pagão, Pelé e Pepe. O time da casa até abriu a contagem, com um gol impedido.

O Santos empatou. Só que o juizão arrumou também um pênalti pro Norusca, que convertido, encerrou o primeiro tempo em 2×1. Mas no segundo… Meu Deus! Na etapa complementar, o Santos empatou novamente e pressionou muito em busca da vitória, até que o “fenômeno” ocorreu.

Escanteio para o Santos. Pepe cobra na área e Pelé, de cabeça, desempata o jogo. Mas o árbitro impugna o tento, dizendo não ter autorizado ainda a cobrança. Volta o lance.

Pepe repete a cobrança: Pelé – sensacional – marca (de novo!) de cabeça. Pois creiam: na maior cara-de-pau do mundo (não havia TV transmitindo, nem haviam inventado o VAR), o juiz, alegando que a bola estava fora do quarto-de-círculo, volta a anular, o que acaba por levar a um tremendo bate-boca no gramado.

Afinal, após bom tempo perdido com reclamações – sua autoridade, o juiz – autoriza pela terceira vez a cobrança. Pepe levanta a bola na área. E Pelé – inacreditável – marca (pela terceira vez seguida) de cabeça. O jogo terminaria 4×3 para o Santos.

Honestamente? Acho que quantas vezes o juiz anulasse, o negão faria o gol de cabeça!

Hoje, com toda a tecnologia de transmissão disponível, um lance desses não ocorreria e um juiz assim, iria para uma “geladeira” daquelas. Mas naquela época…

Pelé tinha que lidar com certas animosidades, quando ia jogar contra determinados adversários. No caso do Noroeste, havia uma rixa, devido ao fato dele ter atuado pelo jovem time do Baquinho, quando garoto (do BAC – Bauru Atlético Clube), rival do Norusca. E também por ter atuado pelo Noroeste antes do profissional, em três partidas, em 1956, mas o pai, auxiliar técnico do time, contaria com a ajuda do treinador e compadre Waldemar de Brito, para levá-lo para o Santos, naquele ano.

É bom lembrar que o garoto Pelé já era “sobrenatural”, quando atuava no Baquinho, pelo qual jogou no infanto-juvenil, recém-criado. Em sua segunda partida, enfiaram 21×0 no São Paulo, com ele fazendo sete gols. Em 33 partidas, o time marcou 148 gols e já era o campeão, seis rodadas antes do fim do torneio. Adivinhem quem era o responsável maior pela proeza?

Como recompensa, fizeram em São Paulo, a preliminar de ADA x América/SP.  Antes de pisar no gramado, Pelé saiu do estádio para comprar amendoins e foi barrado na volta, por um segurança que não acreditava que ele era um jogador-mirim. Resultado: o “penetra” fez seis gols na goleada sobre o Flamengo da Vila Mariana, por 12×1.

Nem é preciso dizer que no ano seguinte eles seriam bicampeões, né?

Se na infância já era assim, a coisa não se modificaria muito, com Pelé já veterano. 

Com o tempo, ele aprendeu a se valer da picardia para se defender ou levar seu time à vitória. Às vezes simulava ser agarrado para cavar um penal, noutras, devolvia com esperteza, a violência que praticavam contra ele.

Foi assim com um alemão chamado Geiseman, que chegou ao Brasil dizendo que iria parar Pelé, num jogo de sua seleção contra a nossa, no Maracanã. E durante o jogo, “baixou o sarrafo” no Rei. Até que, numa de suas entradas desleais, Pelé entrou firme na dividida também e o alemão teve a perna quebrada. Algo tão discreto e sem maldade, que a arbitragem considerou como um lance comum, de disputa de bola.

Outro caso foi com o jogador Fontes, que na Copa de 70, após derrubar Pelé, fingiu pedir desculpas apenas para pisá-lo, no chão. Lembraram o lance parecido ocorrido com Neymar nessa última Copa? Com o Rei a solução foi diferente: minutos depois, o mesmo uruguaio entrou com tudo nele, mas levou uma sutil e violenta cotovelada na cara que o árbitro, além de não perceber, ainda apitou falta contra o Uruguai.

Pelé era assim, quando necessário: sabia impor respeito.

Nem mesmo o VAR talvez conseguisse flagrá-lo, quando colocava algum árbitro que o perseguia, contra a torcida. Armando Marques foi um que sofreu com isso. Enquanto o advertia chamando-lhe a atenção em campo (pelo nome próprio, inclusive) Pelé fingia aceitar a bronca passivamente, de cabeça baixa. Mas na verdade se aproveitava disso para provocar, resmungando que ele não teria coragem de expulsá-lo, isso sem que os torcedores notassem.  Imaginem o que aconteceu no dia em que o juiz puxou o vermelho, aparentemente sem motivos? Ele nunca mais o expulsou, depois disso, pois o público não entendia nada e se revoltava contra a arbitragem.

Assim como se revoltou demais na Colômbia, durante um amistoso em que Pelé foi injustamente expulso, pelo Santos. Não houve jeito: o público não parou de vaiar e começou a arremessar objetos no gramado. Até que Pelé retornou ao campo, com o árbitro sendo providencialmente substituído por um dos bandeirinhas. Quer dizer: o juiz foi “expulso” indiretamente, por Pelé. Só que o juizão (um ex- pugilista), que agrediu Lima e depois acabou agredido por alguns jogadores no meio da confusão e expulsara o Rei por engano, registrou um B.O. e parte da delegação santista teve que passar a noite na delegacia. Incrível, não?

Aqueles corpos negros, vestindo imaculadamente a camisa branca santista, causavam realmente confusão. Coutinho, após um mau jeito no pulso que lhe exigiu usar uma bandagem ali, continuou usando-a por um bom tempo, para diferenciá-lo de Pelé e a imprensa, assim, não se enganar quanto à autoria dos gols que ele e Pelé marcavam.

Mais uma história interessante ocorreu num jogo no Morumbi, apenas quatro meses antes dele se despedir do Santos, numa partida diante do São Paulo, pelo Brasileirão de 1974, na noite de 02 de junho. O tricolor vencia e num ataque santista, a bola foi lançada muito à frente para Pelé. O goleiro Waldir Peres ficou com a bola e deixou-a no chão, antes de repor em jogo, gritando e orientando a zaga, primeiro.

Lentamente, Pelé ia deixando a grande área sem tirar os olhos da bola, tendo a escolta do zagueiro Samuel, este de costas para Waldir. Subitamente, Pelé corre na direção do goleiro, como se ele tivesse perdido a bola e passa ao lado do pobre Samuel que, infantilmente, o agarra pela cintura, derrubando-o. Ao juiz só restou marcar pênalti e ao zagueiro reclamar muito, ao ver que o goleiro estava com a bola em suas mãos.

É essa sagacidade de saber fazer as coisas, que falta hoje ao craque brasileiro, numa Copa, por exemplo. Nem mesmo o VAR teria como anular um penal desses.

Às vezes, a torcida adversária pegava tanto no seu pé, que ele gesticulava. Geralmente estendia a mão direita num sinal de “esperem um pouco que vocês vão ver” (e viam mesmo!). Noutras, era o puro deboche de um jovem obrigado a enfrentar tudo: a violência em campo, gramados medonhos, clima hostil, arbitragens tendenciosas.

Exemplo desse deboche ocorreu em Piracicaba (10/12/61) contra o XV, cuja torcida passou a persegui-lo, após o “Nhô Quim” virar o jogo no primeiro tempo, depois dele ter aberto a contagem.

Nem é preciso falar muito: na etapa final foi um “chocolate”, com incríveis arrancadas e tabelinhas diabólicas com Coutinho. Quando o Santos marcou o último e completou a goleada de 7×2, a torcida inconformada, começou a vaiá-lo. Ele, que saía do bolo de jogadores comemorando o gol, passou a mão no cotovelo, como que dizendo para os torcedores: “é dor-de-cotovelo”. Compreensível: tinha apenas 21 anos.

Três dias mais tarde, nova goleada – desta vez em cima da Ferroviária de Araraquara – em plena Vila Belmiro por 6×2 (dois gols do Rei), daria o título por antecipação daquele campeonato ao Santos. Fechando a campanha, no jogo seguinte, um 4×1 no São Paulo.

Tentar pará-lo na violência, geralmente dava resultado contrário, também.

Vítor, ex-jogador do São Paulo, confessou certa vez, que três jogadores combinaram bater nele, uma vez cada, durante um clássico. Pelé saiu de maca, para alívio geral. Só não contavam que ele fosse voltar pro segundo tempo e com raiva, passasse a invadir a área pelas pontas, sempre na diagonal. Placar final: São Paulo 3 x 6 Santos (03/9/61).


O mais incrível talvez seja o fato de que Pelé fazia tudo isso numa frequência absurda, pois o Santos precisava disputar seus campeonatos, intervalando-os com inúmeras excursões por todas as partes do planeta, numa carga excessiva de jogos e viagens. 

A sequência de partidas gerava preocupações e pode ser sentida num diálogo entre o presidente da CND, Mendonça Falcão que procurava explicar, quando questionado pelo presidente da República Jânio Quadros, sobre o que se passava com o craque.

Mendonça confidenciou que Pelé estava com a clavícula fora do lugar, um tornozelo inchado, um dedo do pé quebrado e que mesmo assim, não parava de jogar.

Jânio então mandou preparar a “Lei das 72 horas”. Não adiantou: o Santos passaria a entrar em campo, para “jogos-treinos” (que de fato não eram). Não por maldade, mas uma dura realidade do futebol brasileiro na época, pois os clubes tinham que manter os seus plantéis, pagando bons salários e premiações e essa era a única solução.

Mesmo assim, seria impossível imaginar que Pelé não fosse assediado com propostas milionárias tentadoras. Vários clubes europeus tentaram seduzi-lo, sem sucesso.

Em 1961, o presidente Jânio, preocupado com a evasão de atletas para o exterior, enviou um memorando à Mendonça Falcão, manifestando toda a sua preocupação com o fato, bem como o assédio a Pelé e que o mesmo causaria enfraquecimento na seleção campeã mundial, o que não interessava ao país. Pedia providências.

No fim, acabaria por declarar Pelé como “tesouro nacional”, para justamente impedir que ele deixasse o Brasil. É mole ou querem mais?

Imaginem se Jânio fosse presidente, nos dias atuais? Isso dá uma dimensão de que o problema de exportarem nossos craques já existia. E suscita aqui, mais uma questão:

Quanto valeria o passe de Pelé, com essa “indústria futebolística” que temos, hoje? 

Pelé tem inúmeras histórias ocorridas ao longo de sua história. Tantas, que seria preciso uma enciclopédia, para contar todas, com riqueza de detalhes.

Aqui, neste texto, opto por relembrar as menos conhecidas ou mesmo desconhecidas, para não cansar os mais velhos com repetições e obrigar os mais novos a pesquisarem fatos mais relevantes, fáceis de serem encontrados numa Internet, por exemplo.

Há tamanha quantidade de partidas dele verdadeiramente sensacionais, perfeitas, que fica impossível de se eleger a melhor. Poderia ser, por exemplo, a final do Mundial Interclubes, diante do poderoso Benfica de Eusébio & Cia., em que ele simplesmente “destruiu” o adversário com três gols empolgantes. Tanto, que o juiz da partida não resistiu e cumprimentou Pelé, após a marcação de um deles.

Havia mesmo árbitros tão extasiados pelo seu futebol, que se rendiam e por um momento se esqueciam de sua tarefa ali em campo. Num deles, ocorrido contra o América de São José do Rio Preto, Pelé deu um chapéu dentro da área num zagueiro e emendou com um lindo chute que passou pelo goleiro, acertando o travessão, quicando sobre a linha e voltando para o campo de jogo. E não é que o juizão deu o gol? O engraçado é que os jogadores adversários o cercaram, reclamando e ele respondeu que “o lance do Pelé foi tão bonito que merece ser gol!”.

Mas voltemos às tais partidas, que poderiam ser escolhidas como a de sua melhor atuação em campo: que tal o jogo dos oito gols que marcou em cima do Botafogo/SP?

Ou o dos 7×1 em cima do Guarani, com quatro gols dele e a conquista antecipada do Paulistão/58? Dá pra elencar aqui, os 3×0 sobre o Vasco na final do Torneio Rio-SP de 1959 e também os 5×1 impostos ao Bahia, na decisão da Taça Brasil de 1961.

O que dizer então das finais nas Libertadores de 63 e 62, quando ele derrotou o temível Boca Juniors em “La Bombonera” ou o Peñarol por goleada?

Nesse confronto com os uruguaios, a propósito, um dos zagueiros o agarra com tamanha força, por trás, para impedir um contra-ataque, que lhe rasga completamente o calção e ele é obrigado a trocá-lo ali mesmo, no meio de campo, protegido por um “biombo” humano improvisado pelos próprios companheiros de equipe. 

Outra atuação memorável: a da conquista da Taça Brasil de 62, com os 5×0 diante do Botafogo de Garrincha! Ou que tal os impiedosos 5×1 em cima do Barcelona, em 1959 em pleno Camp Nou? Aquele foi o ponto de partida para as tantas excursões que fizeram do Santos, o clube brasileiro que mais partidas realizou, fora do país.

Talvez ainda, quem sabe, a vitória por 5×2 diante da perigosa França, na Copa de 1958, quando ele marcou três vezes, aos 17 anos, pela Seleção Brasileira.

Em visita ao “Museu Pelé” em Santos, pude ver um de seus gols, numa dessas partidas “históricas” do Rei: foi no Torneio Exagonal do Chile, em 16/1/65, no qual o Santos encarou nada menos que a Seleção da Tchecoslováquia, vice-campeão mundial, com Masopust e tudo. Ele marcou um gol por cobertura no goleiro Schmueker, que merecia ser imortalizado numa tela. Depois, acertou um petardo de fora da área e por fim, saiu driblando todo mundo e fechou o placar em 6×4 para os santistas que, claro, ficaram com a taça. Até hoje muito chileno considera essa, a maior partida realizada no país.


Enfim, são muitas candidatas e não dá, definitivamente, para se chegar a um consenso. Porque Pelé, em várias oportunidades, simplesmente não parecia humano. 

Às vezes – como Ali no boxe – fazia as coisas acontecerem segundo sua vontade, como se fosse um Deus.

Se provocassem nele a ira então, podiam esperar pelo troco, dobrado. Ou mais do que dobrado, como fez com o Botafogo, daqui de Ribeirão Preto, onde resido e coletei uma série de depoimentos a respeito. 

O “Pantera” tinha bom time no Paulistão de 1964, treinado por Oswaldo Brandão. Mas cometeu um erro fatal e foi surrado impiedosamente por Pelé e sua turma.

No primeiro turno, em Ribeirão, o Santos – desfalcado de Pelé – perdeu por 2×0 e o adversário e sua torcida quiseram dar “olé” na equipe. Não sabiam com quem mexiam.

No jogo do segundo turno, precisamente em 21 de novembro, na Vila Belmiro, Pelé – já sabendo de tudo – resolveu vingar os companheiros: fazia gols sem parar e corria para ir buscar a bola no fundo das redes, para recomeçar logo a partida.

Numa dessas vezes, teria dito aos adversários: “Agora vocês vão se ferrar, aqui!”.  No primeiro tempo, marcou cinco gols. No segundo, mais três. Com os oito gols, assumiu a artilharia daquele campeonato. O placar foi de notáveis 11×0.

Botafoguenses como o lateral Carlucci, nem gostam de relembrar a partida: “Depois daquele jogo, acabei sendo emprestado ao Atlético Goianiense, porque me acharam verde, ainda”. Já o artilheiro Antoninho, se diverte com as lembranças: “Entrei pra história, porque acabei dando a saída nada menos do que doze vezes, naquela partida”, ri. Quanto ao goleiro Machado, apesar de aparentemente assustado pelos três gols de Pelé nos minutos iniciais – o que talvez explique o gol olímpico que sofreu de Pepe, em seguida – acabaria eleito o melhor em campo pelo lado do Botafogo, por fazer defesas que impediram um desastre ainda maior.

Pelo lado do Santos, não é preciso dizer quem foi eleito o melhor em campo, certo?

Sobrou para o técnico Oswaldo Brandão, que antes do confronto teria dito que “Pelé não era mais o mesmo”. Após a goleada, acabou demitido, indo treinar o Corinthians. Pois adivinhem quem ele encararia duas semanas depois, num clássico? Exatamente! Imaginem o que aconteceu? Outra “sova” daquelas: o Timão até jogou bem, mas sucumbiu diante de Pelé, que fez quatro gols, enquanto Coutinho marcava outros três, em pleno Pacaembu. No último gol, a dupla literalmente “passou por cima” da zaga adversária. O placar foi de 7×4 e Brandão acabou assistindo seus times tomarem doze gols do Rei, num intervalo de duas semanas. Quatro no Corinthians, oito no Botafogo, equipe que levou quarenta gols do Rei Pelé, se somados todos os confrontos.

Já o rival Comercial/SP, teve experiências menos traumáticas. Uma das razões, a presença daquele que Pelé citou certa vez, como um de seus melhores marcadores: Píter “Rocha Negra”. Zagueiro “classudo”, que jamais ficou no banco ou foi expulso, ele conquistou a amizade do Rei, porque não apelava nem dava pontapés.

“Mas o homem corria muito; eu perdia dois, três quilos por jogo, de tanto suar. Sei que consegui anulá-lo por umas cinco, seis partidas. Já nas outras, não teve jeito, mesmo”, recorda-se Piter, que confessa sua “fórmula”: “Eu ficava de frente para ele, com as pernas não muito abertas (pra evitar ‘caneta’) e só olhava a bola, pois ele era como o Garrincha. Se olhasse pros seus movimentos, você era induzido à acompanha-lo e acabava fintado”.  

O lateral-direito daquele time, Ferreira, sintetizou o que era Pelé, num único lance: “Jogávamos em casa e Pelé puxou um contra-ataque, passando pelo zagueiro Jorge, arrancando pelo meio. O Píter foi nele e tomou entre as pernas. Eu, que deixei a lateral para dar cobertura, percebi que a bola ficou mais para mim: corri na diagonal e me atirei nela, com as pernas abertas, para “rapar” a bola. Quando percebi, estava caído, sentado, sem ela. Pelé – não sei como – deu um jeito de tocá-la antes, dando um “drible da vaca” (que eu nunca havia levado), sem que eu sequer percebesse ele passar pelas minhas costas, numa velocidade absurda. Ao olhar de lado, vi apenas a bola batendo na rede pelo lado de fora (por sorte!) e o goleiro passar uma ‘senhora’ bronca em todos, dizendo que nós ‘não pegávamos o homem’. Mas pegar de que jeito?”, finaliza, com um largo sorriso no rosto.

E olhem que este problema da velocidade dele, podia ser sentido por todo zagueiro. Ninguém menos do que Bobby Moore, após um amistoso no Maracanã em 1965, relatou, ao descrever um lance da partida: “Ele avançou e o encurralei junto à bandeira de escanteio, pensando que iria desarmá-lo; mas de repente, me vi sozinho: ele me deixou lá, parado e foi embora, com a bola e seu talento devastador para outro lado; a rapidez com que fez isso até hoje me deixa intrigado… como conseguiu?”.

Deixei para a parte final deste texto, o depoimento de um jogador, que por ser minucioso, oferece um retrato perfeito da dificuldade em se marcar o Rei, em campo.

Rodarte foi um centroavante que chegou a participar inclusive de um treino, formando na linha de frente da Seleção Brasileira ao lado de Garrincha e Pelé, pouco antes da Copa de 58. Nessa época atuava no Palmeiras, mas depois jogou por vários clubes, inclusive no Juventus, onde viveria essa história.

“O técnico Homero, do Juventus, bolou uma marcação especial para conter Pelé, no complicado compromisso diante do Santos, na Vila Belmiro. Treinamos a semana toda o posicionamento defensivo: eu viraria volante e ficaria de costas para ele, colocando a mão na sua cintura constantemente (como no basquete) para me assegurar de que ele continuava ao meu alcance, mesmo sem olhá-lo. Atrás do Pelé, quase que o ‘encoxando’ ficaria o Hidalgo. Dois passos atrás dele o Milton Buzzeto, na cobertura. As ordens eram claras: se ele passasse por nós, que o estávamos ‘ensanduichando’, era pro Milton baixar o sarrafo mesmo; dar na ‘medalhinha’, sem dó, parando-o na falta. 

Tudo certo, logo no início do jogo, Zito veio com a bola até o círculo-central, vendo a melhor alternativa de jogada e ouço do banco a voz de Homero: ‘Rodarte, olha a marcação!’. Até olhei para trás, conferi o Rei nas minhas costas, prensado entre eu e o Hidalgo e vi, inclusive, a cabecinha do Buzzeto, atento. Tudo sob o controle, portanto.

Um instante depois, Zito abriu um lançamento para Pepe na esquerda, que começou a descer. Nisso, vem uma tremenda bronca de Homero, lá do banco: ‘Rodarte, seu filho da p…! Eu falei pra você colar nele e não deixar passar!’.

Foi daí que me virei e não pude acreditar: Pepe estava cruzando pra área e Hidalgo feito bobo, olhando pra mim, perplexo. Pelé havia escapado da nossa marcação tripla, estando à quase quarenta metros de nós, saltando na área, tendo Buzzeto e Clóvis a acompanha-lo. Como se fosse numa câmera lenta; vi os zagueiros subindo muito, aparentemente, no controle da situação. Porém, quando atingiram o ponto mais alto, começaram a descer, quando a bola se aproximava. Nisso, vem surgindo a cabeça de Pelé por trás, que se choca violentamente contra a bola, enviando-a para o fundo das redes e abrindo a contagem, para delírio da torcida. Não foi um dia fácil pra gente!

Prova disso, é que, ainda naquele jogo, ele aplicou em nós, também um ‘drible de boca’, ou seja; num lance de ataque, na entrada da nossa área e diante de quatro adversários a marca-lo; eu, Dario, Milton e Hidalgo, de repente ele parou com a bola nos pés, falseou um passe na esquerda e gritou: Pepe! Mas passou mesmo, foi para o Coutinho, livre na direita, assim que ameaçamos perseguir o Pepe, que sequer participou (fisicamente) da jogada”, conclui Rodarte.

Entendem porque ele fazia coisas que a nós, pareciam impossíveis?

Pelé foi tão grandioso que sua história se funde à vezes, com a de outros jogadores.

Caso do lendário Jair Bala, cujo apelido se deve a uma bala alojada em sua coxa; fruto de um tiro acidental disparado por um funcionário do Flamengo, em uma brincadeira. Quando foi jogar no Botafogo, ele e Jairzinho causavam certa confusão nos treinos, por terem o mesmo nome e Gérson, ao gritar “Jair”, completava, após os dois olharem juntos: “é o da bala!”. Acreditem ou não, com o tempo acabou ficando Jair Bala.

Jair foi para o Santos onde virou “reserva de luxo” de Pelé, entrando também em várias partidas, pra jogar lado-a-lado com ele. Viveu de perto toda a sua angústia em busca do milésimo gol e que tirava a tranquilidade do Rei.

Rei que geralmente era calmo e que, quando levantava assoviando, no dia de um jogo, era certeza para os companheiros de que a peleja já estaria ganha.

Até que, na partida frente o Bahia (antes do histórico jogo com o Vasco, no Maracanã), aquele em que o zagueiro Nildo foi vaiado pela própria torcida após evitar o que seria o milésimo – Jair entrou em campo no lugar de Abel, na etapa final.  Aos 43 minutos, ele e Pelé iniciaram uma tabela pela meia-esquerda, envolvendo a defesa contrária.

Jair rolou para Pelé na entrada da área, que ao invés de invadi-la e driblar o arqueiro, preferiu chutar com o peito do pé. O goleiro Jurandir conseguiu espalmá-la para o alto, na direção de Jair, que vinha chegando e emendou numa meia-bicicleta espetacular, bem no ângulo. Um golaço! Quando o Rei correu para cumprimenta-lo – ainda caído ao solo – foi surpreendido por Jair que disse, dando-lhe um tapinha na orelha: “Negão, agora sossega, que eu já marquei o milésimo gol pra você!”. Surpreso, Pelé caiu na risada.  Essa partida ocorreu no dia 16/11/1969.

Perdoem-me por fugir um pouco do foco, mas isso serve para ilustrar a importância que ele sempre teve também entre os companheiros de profissão. Seu milésimo gol (contra o Vasco) acabaria sendo comemorado pela maioria dos jogadores em campo, naquela noite no Maracanã e na sequência, ele deixaria o gramado, sendo substituído justamente por Jair Bala.

Os que com ele tiveram oportunidade de atuar, sempre falam a respeito de seu jeito bacana, humilde, avesso a estrelismos e acima de tudo, um bom parceiro fora dos gramados. E melhor ainda, dentro dele.


Pelé era tão genial, que mesmo sem querer, obrigava os companheiros a ficarem mais atentos, para entenderem sua velocidade de raciocínio em campo e acompanha-lo nas jogadas.

Assim, talentosos craques fizeram duplas memoráveis com ele: no Santos, sem dúvida, as melhores tabelinhas foram com Coutinho. A dupla “Pelé-Coutinho” fez “gato e sapato” de muitos adversários. Pelé marcou 1091 gols e Coutinho, outros 370, lá.

Por aí, já se tem uma noção do que eram capazes de fazer juntos, no time praiano.

Pelé tivera antes a companhia de Pagão – centroavante de estilo clássico – em seus primeiros anos de Vila Belmiro. Após Pagão e Coutinho, outro bom artilheiro que jogou com ele na equipe peixeira, foi Toninho Guerreiro, único jogador pentacampeão paulista consecutivo da história, inclusive.

Na Seleção Brasileira, seu maior parceiro foi Garrincha, com quem compôs uma dupla invencível, que ganhou 35 jogos e empatou cinco, dos quarenta que disputou. Outro grande companheiro foi Tostão, de quem chegaram a duvidar que pudesse jogar com Pelé. A genialidade dos dois mostrou que isso era perfeitamente possível.

Mesmo no finalzinho da carreira, ainda brindaria o público com lances memoráveis, como em 19/6/73, um ano antes de se aposentar pelo Santos, quando marcou dois gols – e o único olímpico de sua carreira – na vitória de 4×0 sobre o Baltimore Bays. 

Como se não bastasse, ainda substituiu o goleiro Cláudio, que acabou se contundindo naquele jogo. A torcida americana foi ao delírio!

A mesma torcida americana que parecia não acreditar no que via, em 19/6/77, exatamente quatro anos depois, quando Pelé, atuando agora pelo Cosmos de Nova York na liga norte-americana, marcou um gol do meio de campo, diante do Tampa BayRowdies. E também deu show nesse jogo, marcando os três gols da vitória de sua equipe, por 3×0. Estava feito o gol que não havia conseguido na Copa de 70, diante da Tchecoslováquia. 

Em 22 anos de carreira, ele atuou na verdade, ao lado de várias gerações de craques, ao longo do que se convencionou chamar de “Era Pelé”.

Na Seleção, jogou primeiro naquela que teve Djalma Santos, Bellini, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Vavá, Amarildo, Zagallo. Depois, esteve ao lado de Piazza, Gérson, Jairzinho, Tostão, Rivellino, Paulo Cézar Caju.

No Santos, mais ainda: na primeira geração, esteve ao lado de Jair Rosa Pinto, Formiga, Del Vecchio, Urubatão, Ramiro, Vasconcelos, Tite, Pagão.  Na segunda, com Gylmar, Lima, Dalmo, Zito, Mauro, Calvet, Almir, Mengálvio, Dorval, Coutinho, Pepe. Na terceira, teve parceiros como Clodoaldo, Carlos Alberto, Joel, Toninho Guerreiro, Edu, Rildo, Ramos Delgado, Cejas, Abel, Manoel Maria, entre outros. Alguns aqui citados participaram de mais de uma geração, é bom deixar claro.

Vocês estão entendendo queridos, porque com Pelé não pode haver comparações?Daí a intensão deste texto: a de que vocês tomem consciência da grandiosidade de Pelé e se tornem um agente multiplicador de sua história. Pelé é um patrimônio futebolístico nacional e mundial e compete a nós, brasileiros, preservarmos sua memória.

Muito menos aceitar o que parte da mídia dissemina por aí, tentando passar Pelé para trás e endeusando qualquer novo craque que surge na praça, representando vendas, publicidade, dinheiro, como se fosse o maior de todos os tempos.

Por isso, me dirijo em especial aos jovens, nessa cruzada para defender Pelé. Compartilhando esse texto com o maior número de pessoas que vocês puderem, ao menos. E depois, se tiverem interesse, procurem na literatura esportiva, conheçam outras histórias, as quais eu propositalmente, não contei aqui, porque nós, mais velhos, já as conhecemos, enquanto parte de vocês ainda não teve esse prazer.

Pesquisem por aí, sobre o “Gol de Placa”, o “Gol na Rua Javari”, o “Milésimo Gol”. Assistam com atenção, aos vídeos dele na Internet, sobretudo os golaços na Copa de 1958 e os lances geniais, na de 1970. Nunca viram o DVD “Pelé Eterno”?

Pois ele é obrigatório, para dar uma visão mais completa do que estou lhes falando.

A falta de patriotismo nos leva às vezes, a relativizar nossos ídolos, coisa que em geral não ocorre em outros países. Vejam por exemplo, a devoção com que os argentinos cultuam Maradona, com direito a exageros, como a fundação de uma “Igreja Maradoniana”. Mas fazem isso por paixão, por respeito. Cultua-se sua enorme importância como jogador; como ídolo. Não o julgam por sua conduta pessoal.

Pelé é um ídolo que nunca morrerá, mas deve preservar-se inalterada a grandeza de sua incomparável carreira. No exterior mesmo, me parece muitas vezes haver para com ele, mais respeito e noção do que este homem representou para o mundo da bola.

Dias atrás, logo após a final da Copa na Rússia, uma revista especializada lá da Europa trouxe uma edição especial com as 50 melhores histórias das Copas do Mundo.

Com Pelé, na capa, é claro!

O brasileiro mais famoso do planeta, em nossos mais de 500 anos de história, merece no mínimo, o mesmo culto à sua memória, que seus principais rivais possuem, em seus respectivos países.

Sobre ele, muito se falou ou se escreveu e para encerrar, gostaria aqui de relembrar algumas frases a seu respeito.

Primeiro, uma definição perfeita do poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, em seu poema “Pelé 1000”, de 20/10/69:

“O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols como Pelé. É fazer um gol como Pelé”.

Já o escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, impressionado com sua desenvoltura aos 17 anos, o descreveu assim, quando o viu pela primeira vez, antes da Copa da Suécia e de nosso primeiro título mundial, em sua crônica “A Realeza de Pelé”, de 08/3/58:

“… dir-se-ia um rei, não sei Lear, se Imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor…”.

O jornalista, técnico e comentarista João Saldanha, que inclusive foi treinador de Pelé em 1969 na Seleção Brasileira, fez uma analogia interessante sobre ele:

“Pelé é um fenômeno da natureza; só assim você explica um Pelé, um Picasso, um Neruda, um Chopin, um Da Vinci”.

Outro jornalista memorável, Armando Nogueira, dizia brincando que:

 “Se Pelé não tivesse nascido gente, teria nascido bola”.  

O jornal londrino “SundayMirror” admirado com seu desempenho, o descreveu assim:

“Pelé nunca será superado, porque é impossível haver algo melhor do que a perfeição; ele teve tudo: físico, habilidade, controle de bola, velocidade, poder, espírito, inteligência, instinto, sagacidade”.

A respeito do homem com quem se casou, sua ex-esposa, Rose Cholby, disse:

“Às vezes deliro e digo para mim mesma que estive casada com uma estátua viva”.

Quanto a mim, humildemente arrisquei uma definição sobre a origem de Pelé, quando elaborava um texto, certa vez:

“E Deus, em sua infinita e divina sabedoria, ao concluir o mundo no sexto dia, deu-lhe também a bola, para com ela romper com todo o silêncio que se apoderara de sua obra; porém, vendo-a tão inerte e silenciosa, como que não tendo vida, decidiu-se por conceder-lhe um rei, para que assim se espalhasse alegria e encantamento aos quatro cantos da Criação”.  Gostaram?

Sabem meus queridos, não posso deixar de certa maneira, de considerar Pelé um Deus, na medida em que ele provocava “o diabo” na defesa adversária.

Daí me entristecer tanta bobagem dita por aí, tanta sandice. Já tentaram rebaixar Pelé e seus feitos de todas as formas possíveis e imagináveis. Há listas que o contabilizam com 757 gols e até (creiam!) 290. Alguém aí acha, em sã consciência, que daria pra sustentar uma fraude tão grande por várias décadas, de que um jogador com menos de 300 gols foi o “Rei do Futebol”?

Quando me perguntam sobre como seria uma partida entre Pelé e seu maior rival, Maradona, digo para que leiam meu texto (inclusive publicado aqui no Museu da Pelada): “A Copa Virtual de Todos os Tempos”. Nela, ambos se defrontam numa incrível final e tem que decidir o jogo nos pênaltis.

Na vida real, aconselho que vocês se divirtam assistindo à “caneta” que o Romário deu em Maradona, na Copa América de 1989. Pra que vou discutir a majestade de Pelé contra súditos que passaram por esses vexames?

Parte deste texto foi escrito originalmente em um 1º de outubro, (mesmo dia em que ele encerrou a carreira) e não consigo deixar de me lembrar, todo santo ano, do dia em que ele se despediu e os gramados do mundo inteiro perderam esta magia tão grande.

Com o passar do tempo, não apenas meu amor pelo futebol foi crescendo, mas também minha admiração por Pelé. Tanto, que recentemente me tornei membro da ASSOPHIS por causa dele.

Peço desculpas a todos, pelo tamanho deste artigo, mas (por favor) compreendam que ele acabou ficando proporcional à dimensão de Pelé, na história do futebol mundial.

Fiz questão de que este meu décimo texto publicado aqui no Museu da Pelada, fosse uma singela homenagem ao maior camisa dez que já existiu.

Um “dez” tão importante, que revolucionou a própria posição, fazendo com que este número passasse a ter um peso diferente na camisa, em relação às outras, no mundo do futebol, até hoje.

Então minha gente, é isso!

Eu poderia ficar aqui contando mais partidas e jogadas do Rei, indefinidamente. Que interrompeu guerras (para que o vissem jogar) protagonizou histórias sensacionais, rivalizando em popularidade com papas, presidentes, ídolos pop, atuando muitas vezes até, em causas humanitárias e diplomáticas.

Que acabou sendo celebrizado inclusive, pelos gols que perdeu na Copa de 70. Que fez gols assim e assado, em muitas outras histórias curiosas, interessantes e até divertidas, às vezes. Eu poderia mesmo ficar. Mas não ficarei.

Porque amanhã – a não ser que alguma contusão séria comprometa sua carreira ou ele não ganhe Copa alguma – a mídia vai inventar que Messi (ou outro craque qualquer, que chegar com pinta de usurpar-lhe a coroa) foi melhor do que Pelé. Paciência!


Eu, de minha parte, vou dormir com a consciência tranquila, por não me deixar levar por interesses puramente comerciais, marqueteiros. Ninguém influencia minha opinião, muito menos rege o que eu penso.

E o que eu penso, sinceramente, é que sou muito grato a Deus, por ter tido a feliz oportunidadede viver num tempo em que ainda me foi possível ver Pelé jogar.

ALMOÇO EM FAMÍLIA

Ao querido mestre e amigo Arthur Monteiro (in memoriam)

por Claudio Lovato


Estão almoçando na casa que agora parece grande demais, silenciosa demais, escura demais.

Mas não hoje. Hoje resolveram que a tristeza vai ficar lá fora.

A companheira que Deus lhe apresentou sob o céu do Cerrado brasileiro, os dois filhos e suas famílias, a filha, todos muito amados.

Todos em torno da mesa.

Paulinho da Viola está cantando (porque o samba não poderia faltar):  “Eu sou assim/Quem quiser gostar de mim/Eu sou assim”.

O adeus foi há uma semana. Uma semana e um dia.

O filho mais novo relembra um caso. Todos riem. 

– Era desbocado! – diz o filho mais velho.

E também atento, astuto. Homem das redações e das ruas, eterno repórter, cronista da vida. Mestre.

Engraçado, iconoclasta. Afetuoso no sentido que mais importa: da presença, do apoio, do não deixar que um dos seus – familiar ou amigo – se sentisse sozinho.

Os quadros nas paredes da sala e da cozinha. Artista.

A netinha pergunta sobre o lugar onde ele está agora.

– Cuidando de nós. O vovô está cuidando de você! – diz a esposa. 


Na parede da sala, ao lado da porta da entrada, a bandeira do clube que ele ensinou seus filhos a amar. A bandeira tricolor.

Ele viu Oswaldo Rolla, o Foguinho, fazer os caras subirem e descerem as escadarias do Olímpico como parte da preparação física naqueles tempos em que ele, garoto, assistia aos treinos do time.

O almoço em família prossegue entre risos e lágrimas e episódios recordados.

A dor que vai arrefecendo aos poucos, a dor se transformando em algo suportável. Negociação íntima a cargo de cada um e que, ao mesmo tempo, necessita de um acordo coletivo entre todos eles para se concretizar.

O tempo como sempre se encarregará de tudo que for necessário para que a vida siga.


Paulinho da Viola agora canta assim: “Não sou eu quem me navega/Quem me navega é o mar/É ele quem me carrega/Como nem fosse levar”.

Alguém abre outra garrafa, as taças são servidas.

Há lágrimas misturadas ao vinho.

– Tá chorando por que, porra? – diz de repente o filho mais novo, imitando a voz dele, e todos riem.

Neste momento eles são isto: espera.

Pelo tempo. Pelo passar do tempo.

Pela paz trazida por um legado que é fruto direto e poderoso do amor.