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PORTFÓLIO DE PRODUTOS

por Idel Halfen


Uma das críticas mais frequentes em relação aos fornecedores de material esportivo versa sobre uma suposta oferta insuficiente de produtos “alternativos”. Em outras palavras, os torcedores anseiam por encontrar outras peças para comprar além das “costumeiras” réplicas dos uniformes de jogos. 

Dois erros crassos dão origem a essa crítica: 

1 – o torcedor se considerar uma perfeita amostragem do universo de consumidores ao partirem da premissa que se ele e mais alguns amigos desejam, também uma gama considerável de pessoas irá desejar. O que para ser ser verdadeiro haveria como requisito inicial que todos tivessem a mesma disponibilidade de dinheiro e igual prioridade de consumo. 

2 – achar que o fornecedor pode ter prejuízo em troca de satisfazer um desejo do torcedor. Parecem esquecer que os resultados da operação são fundamentais para a renovação do contrato de fornecimento, sendo que os valores desse pesam significativamente nas contas dos clubes. 


Não há como não admitir que a pretensão é legítima, afinal de contas todo torcedor tem orgulho em ostentar algum produto que remeta ao seu clube de coração, isso sem falar no conceito do “aspiracional”, que nos faz desejar trajar peças semelhantes às que os jogadores e comissão técnica usam. 

Todavia é preciso entender que o processo não é tão simples quanto possa parecer, visto que da intenção de comprar para a efetiva compra há um longo caminho a ser percorrido, o qual passa pelo preço, pela capacidade financeira e pela distribuição do produto. 

O que quero dizer com isso é que o preço e/ou o impacto desse no orçamento do consumidor pode ser um inibidor de compra. Tal racional também influencia os planos dos varejistas que acabam preferindo investir em produtos com giro mais rápido e garantido, ainda que com um valor agregado menor. É preciso ter em mente que o próprio varejista tem recursos limitados de capital de giro e de espaço para armazenamento e exposição de suas mercadorias, situações que o fazem serem seletivos na escolha do seu sortimento. 

Evidentemente que essa narrativa quanto à dificuldade de se colocar mais produtos no mercado não significa que eles não devam ser desenvolvidos. Devem sim, até porque ajudam no fortalecimento e no posicionamento da marca, porém, é fundamental que todo desenvolvimento seja amparado por um planejamento que minimize os efeitos de uma eventual baixa demanda. 


Ainda sobre a dificuldade de se sair das vendas dos artigos mais tradicionais, no caso as camisas e shorts, para as, digamos, mais irregulares, como casacões de chuva e agasalhos, vale salientar que um dos indicadores utilizados para se medir o desempenho dos vendedores da indústria em relação ao setor varejista é a positivação de produtos, na qual se apura como está sendo trabalhado o mix de produtos. 

A título de ilustração, citamos a seguir outros indicadores que também servem como parâmetros de avaliação comercial: rentabilidade do pedido, receita do pedido (valor do mesmo), ciclo médio de compras (quanto tempo que o cliente leva entre um pedido e o próximo), ticket médio do pedido (total de vendas dividido pelo número de clientes), abertura de clientes (quantidade de novos clientes) e positivação de clientes (quantos clientes foram atendidos no mês). 

No caso que serve de tema para esse artigo, o lançamento de um produto sem estimativa de boa demanda pode até vir a ser compensado e justificado pela rentabilidade do pedido, visto ser perfeitamente factível que a margem praticada em outros produtos compense um eventual desconto nesses produtos “mais difíceis”. 

O que não se justifica de forma nenhuma é não conseguir enxergar que desenvolver e lançar produtos envolvem riscos e, dessa forma, precisam ser exaustivamente ponderados.

SÓCRATES, O ÚNICO CORINTIANO QUE ME FEZ CHORAR

por Israel Cayo Campos


Quem me conhece sabe o amor que nutro pelo São Paulo Futebol Clube. Sentimento esse que surgiu desde que me entendo por gente ao ver aquela máquina comandada pelo mestre Telê Santana do início dos anos 1990.

Para quem dizia que o “Fio de Esperança” era um “pé frio”, eu só vi a fase pé quente dele. Seja em campeonatos paulistas, brasileiros, Libertadores da América duas vezes, Recopas, Torneios internacionais e principalmente em duas conquistas de campeonatos mundiais de clubes sobre nada mais nada menos do que os poderosos Barcelona (1992) e A.C. Milan (1993).

Nesse período meu ídolo dentro de campo era Raí, mais conhecido como o “Terror do Morumbi”. Que se não é o maior jogador do São Paulo, e aí podemos citar muitos que pleiteiam tal vaga, foi o mais decisivo nos títulos que me cativaram a tornar-me torcedor do clube, pois o vi em seu auge na fase em que comecei a amar o esporte bretão.

Claro que para um torcedor de verdade, ter um time a se amar não é nada se não existirem rivais a se odiar. Para mim logo dois surgiam: o Corinthians, que a época não ia muito bem dentro do campo, e o Palmeiras, com o timaço montado pela transnacional italiana Parmalat. É claro que escolhi o Palmeiras! Que vencia o São Paulo com maior frequência, e ainda levava nossos melhores jogadores que não iam para a Europa! Antônio Carlos, Cafu (que foi a Europa apenas para não mudar diretamente de clube) e Müller são exemplos.

Depois de meia década de pura felicidade, o São Paulo começava a entrar em ostracismo, Telê por problemas de saúde deixava o clube e o tricolor passou três anos amargando campanhas discretas.

Foi quando Raí, meu ídolo no futebol voltava em plena final do Campeonato Paulista de 1998 (quando o campeonato ainda era um paulistão!) para enfrentar o Corinthians! Na minha cabeça o São Paulo voltaria a ser grande, e aquela conquista em cima do novo time mais odiado na minha mente juvenil me fazia pensar assim.

Entretanto, o título paulista de 1998 foi a única coisa que Raí conquistou em sua volta ao Morumbi, e enquanto isso, o Corinthians vencia dois campeonatos brasileiros, torneios Rio-São Paulo e campeonatos estaduais… Muitos deles passando por cima do tricolor!

Tantas derrotas para o time de Parque São Jorge sacramentaram que minha rivalidade no final dos anos 1990 e início do ano 2000 agora era com o Corinthians. E só Deus sabe quanto ódio senti ao ver o Raí perder aqueles dois pênaltis contra Dida na semifinal do Brasileiro de 1999 contra o Corinthians. Aquilo já passava de simples rivalidade! Era ódio puro!


Até então de Sócrates só tinha ouvido o básico… Que era o irmão do Raí (e não o contrário!), que tinha sido um excelente jogador de futebol usando a camisa do rival, que era chamado de “Doutor” pois de fato era médico formado, o que era uma raridade para os jogadores daquela época, e que era uma das estrelas daquela Seleção que fracassou no mundial de 1982 diante da Itália. Para mim, era estranho alguém com esse currículo ser o (ou um dos) maiores jogadores da história do time que mais me fazia sofrer enquanto torcedor do São Paulo.

Um pouco mais velho, via os tapes das partidas de Sócrates pela Seleção e lia nas minhas coleções de Revista Placar um pouco da história desse jogador.

– 3 títulos paulistas são os maiores troféus desse jogador? Pensava comigo. Não chega aos pés do Raí! Só campeonatos paulistas o Raí tinha cinco!

– Nenhum campeonato brasileiro conquistado? Libertadores? Mundial?Até jogando na Europa o currículo do irmão mais novo é superior! Esses comentaristas esportivos que dizem que ele é melhor que o Raí só podem estar loucos… Pensava eu ainda em minha pré-adolescência!

Com o chegar da minha adolescência e a intensificação das leituras sobre futebol comecei a perceber que a importância do Doutor ia muito mais do que somente pelos títulos dentro de campo. Mesmo sendo um jogador espetacular, Sócrates conseguia despertar a admiração de quem quer que fosse pela sua autenticidade, sinceridade e inteligência!

Mesmo não tendo a melhor relação do mundo com o goleiro Leão, votou a favor da contratação do mesmo para o gol alvinegro e dedicou o título paulista de 1983 a grande atuação do arqueiro na final contra o São Paulo (novamente o São Paulo!) terminada em 1 a 1 no Morumbi. Na frente de todos os jogadores e funcionários do clube.


Por falar em voto, o paraense radicado em Ribeirão Preto foi um dos principais idealizadores do movimento “Democracia Corintiana”. Que tinha como principal ideal que todas as decisões referentes ao time de futebol seriam votadas por todos os funcionários do clube! Do mais humilde ao presidente, todos teriam o mesmo peso de voto! Com isso, os jogadores decidiam se deveriam ou não se concentrar antes dos jogos, quais outros jogadores eram necessários para a melhoria do time (como foi o caso de Leão!), e até como o dinheiro do “bicho” (premiação dada por êxitos alcançados dentro de campo), deveria ser dividido de maneira igualitária entre os jogadores, roupeiros, motoristas e todos os outros funcionários do clube!

Era uma ideia de igualdade de direitos e deveres entre todos em um país que ainda estava na mão de uma ditadura! Obviamente, muitos não foram a favor desse conceito de liberdade, mas o que fazer? O Corinthians era o time mais popular de São Paulo, e Sócrates, o cabeça do movimento era não só um dos maiores jogadores do clube, como da Seleção Brasileira!

Mesmo com alguns reacionários de plantão a atacar essa ideologia com viés marxista em meio ao futebol, e algumas “fichadas” recebidas pelos policiais, o Regime Militar do início dos anos 1980 já não tinha forças suficientes para impedir essa revolução política dentro do futebol, ou seria do futebol dentro da política?

Entretanto, aquele viés revolucionário do “Magrão” (apelido carinhoso recebido a sua elevada estatura, mas estrutura corpórea magra), não se restringia ao clube de futebol que defendia. Buscando a redemocratização parcimoniosa do país ele militou na campanha “Diretas Já”, entre os anos de 1983 e 1984, que visava aprovar as eleições diretas para presidente da república no país por meio da proposta de Emenda Constitucional Dante de Oliveira que seria votada pelo congresso nacional.


Sócrates convocou o povo as ruas de São Paulo como forma de pressionar a aprovação da lei, participou de showmícios dedicados a divulgar a causa e garantiu que se a Emenda Dante de Oliveira fosse aprovada ele continuaria a jogar no futebol brasileiro, mesmo o Corinthians recebendo boas propostas de clubes italianos para a compra de seu passe! Como a lei não foi aprovada, ele embarcou rumo a Florença para jogar na Fiorentina por uma temporada…

Ao ler tais atitudes, pensava comigo ainda nos anos 2000, quando os salários nem se comparavam aos atuais, mais já eram altos. – Que jogador atualmente teria tal coragem de perder seu pé de meia em prol de um ideal que nem ele sabia se mesmo aprovado, seria bem-sucedido? Nenhum me veio a cabeça!

Eu que sempre fui fã de pessoas revolucionárias começava a deixar meu ódio ao Corinthians de lado e admirar aquela figura. A mesma figura que ouvia meus parentes mais velhos xingarem por ter errado o primeiro pênalti contra a França naquela fatídica quarta de final do Mundial do México em 1986. Ou que criticavam pelo seu já conhecido gosto por bebidas alcoólicas e cigarros!

 Continuava a achar o Raí ídolo, mas não poderia deixar uma figura tão emblemática como essa deixada de lado simplesmente por não ter conseguido tantos campeonatos importantes! E afinal, o que é importante ou não, não está na nobreza ou nos valores de um título, mas na própria importância que o seu torcedor dá a aquela conquista, ou não conquista, como foi a Seleção de 1982.


Em 1986, na Copa do México usava uma faixa na cabeça com dizeres a cada jogo. Era uma forma de demonstrar ao mundo todo o quanto as questões sociais eram tão importantes quanto os 90 minutos de bola rolando.

Na primeira partida contra a Espanha, o “Magrão” usava uma faixa em seus cabelos com os dizeres “México sigueen pie”. Em uma clara alusão ao terremoto de mais de 8 graus que devastara parte do país as vésperas do início do torneio. Em outros jogos os textos das faixas atacavam temas ainda recorrentes ao mundo atual. Tais como a fome, o Imperialismo, o racismo e as guerras.         

Sócrates aproximava o futebol das questões sociais que mais afligiam os oprimidos no principal torneio de futebol do mundo. Algo admirável e nunca visto por nenhum outro jogador até os dias atuais. Até porque, nos dias atuais é difícil saber o que eles de fato pensam! Pois manifestações de cunho político e social são proibidas pela FIFA, e os assessores atuais impedem que qualquer um de seus agenciados diga algo que venha a causar algum impacto reflexivo a quem os assiste ou segue!

É claro que os milhões de dólares perdidos contam mais que o desejo de mudar o mundo, mas não era assim para Sócrates, que claro, ainda jogava em um futebol que não pagava milhões. Mas já pagava bem mais do que o restante da sociedade recebia, o que o próprio Sócrates deixa bem claro no início dos anos 1980 em entrevista a José Luiz Datena quando este ainda era repórter esportivo da Rede Globo!

Quanto mais lia sobre Sócrates, ou via suas entrevistas na televisão, mais me tornava fã de sua humildade, carisma, inteligência e coragem ideológica. Não cabendo aqui julgar se seus preferenciais políticos estavam corretos ou errados, Sócrates abertamente socialista defendia o partido com quem compartilhava suas crenças ideológicas, mesmo rejeitando desse mesmo partido quando esteve no poder um cargo ministerial. 

Por outro lado, aceitou o convite de Fidel Castro para treinar a fraca seleção de Cuba (convite que acabou não se concretizando) com apenas uma condição: a de que receberia um salário igual ao dos demais moradores da ilha, respeitando o ideal de igualdade marxista o qual tinha convicção ser o correto para qualquer sociedade… O homem do melhor passe de calcanhar da história era mais que um excelente jogador de futebol. Era a ovelha negra que dava a cara a bater por seus ideais, ao mesmo tempo que não perdia a capacidade de lutar, mesmo entendendo as diferenciações de mundo ideológico e real. Graças a serenidade do seu brilhante cérebro!

Além do esporte e do engajamento político, Sócrates também se destacava na música, teatro, televisão, literatura e é claro, mesmo não exercendo, na medicina! O que chama a atenção, pois mesmo não sendo leigo no assunto, o Doutor foi deixando a doença chamada alcoolismo o vencer durante toda a sua vida.

É claro, Sócrates não era um super-herói. Não podia sozinho mudar o mundo. Mas também não deixou que o mundo o mudasse! Mantinha os amigos feitos desde sua infância, passando pelos feitos durante seu auge de carreira, até os construídos já em seu último trabalho na tradicional e semanal mesa redonda da TV Cultura “Cartão Verde”.

Tinha seus vícios, adorava uma cervejinha como já dito antes, e aqui não cabe qualquer tipo de julgamento, mas sim um reconhecimento de apesar de ser um ser humano diferenciado em todos os aspectos ainda era um ser humano igual aos demais! Infelizmente, esse vício o levou ao fim da vida em 04 de dezembro de 2011, aos 57 anos de idade.


E eu, que acordava de maneira displicente naquela manhã de domingo em que o arquirrival do meu time se sagraria campeão brasileiro, acabei também chorando pela perda de um ser humano tão fantástico! Ainda maior do que foi como jogador de futebol! E olha, hoje (com a maturidade e racionalidade!), reconheço ter sido um espetacular jogador de futebol (estava no Top 100 da FIFA do Século passado)!

Se ele foi melhor ou pior que Raí dentro dos campos? Isso é assunto para um outro texto! Entretanto, aquele triste dia me fez ter uma reação que nunca pensei que fosse acontecer… Chorei muito pela perda de um ex-jogador corintiano, que faz uma falta danada nesse mundo onde as pessoas estão cada vez mais vazias e medíocres em todos os aspectos!

JOGOS INESQUECÍVEIS

por Mateus Ribeiro


São Paulo x Corinthians (Semifinal do Campeonato Brasileiro 1999).

Clássicos são emocionantes na maioria das vezes. Se o clássico em questão valer algo grande, a tendência é que a emoção alcance níveis estratosféricos. E foi isso que aconteceu no dia 28 de novembro de 1999.

São Paulo e Corinthians se enfrentaram pela primeira partida da semifinal do Campeonato Brasileiro de 1999. De um lado, um São Paulo que vinha de uma década fantástica, com títulos nacionais, continentais e mundiais. Do outro, o Corinthians, que naqueles dias, vivia a melhor fase de sua história. Como se isso não bastasse, grandes nomes do futebol como França, Marcelinho, Rogério Ceni, Rincón, Ricardinho, Raí, Edílson, Jorginho, Dida e muitos outros estavam em campo. Não se poderia esperar algo diferente de um grande jogo.

A partida foi um lá e cá sem fim, do primeiro ao último minuto. Os treinadores deram uma bica na tal da cautela, e ambos os times atacavam sem medo de ser feliz.

O Corinthians saiu na frente, com gol do zagueiro Nenê. Alguns minutos depois, Raí, acostumado a ser carrasco do Corinthians, acertou um chute que nem dois Didas seriam capazes de defender. Eu, que já havia ficado muito chateado pelo tanto que Raí judiou do meu time do coração (acho que já deu pra perceber que torço para o Corinthians) em 1991 e 1998, senti um filme passando pela minha cabeça. Estava prevendo o pior.


Para a minha sorte, dois minutos depois, Ricardinho aproveitou um lançamento e colocou o Corinthians na frente de novo. Meu coração estava um pouco mais aliviado, e eu conseguia respirar. Até que Edmílson tratou de empatar a partida, e jogar um banho de água fria na torcida do Corinthians. O frenético e insano primeiro tempo terminou empatado em dois gols, e com muitas alternativas para ambos os lados. Eu tinha certeza que o segundo tempo seria uma loucura. E realmente foi.

Logo no início, Edílson deixou Wilson na saudade, e caiu dentro da área. Pênalti para o Corinthians. Na batida, o jogador que eu mais amei odiar na minha vida inteira: Marcelinho. Bola de um lado, goleiro do outro, e o Corinthians estava novamente em vantagem.

Alguns minutos depois, pênalti para o São Paulo. De um lado, um dos maiores jogadores da história do São Paulo. Do outro, um goleiro gigantesco, que estava pegando até pensamento em 1999. O Resultado? Nas palavras de Cléber Machado, “…Dida, o rei dos pênaltis, pega mais um…”.

Naquelas alturas, eu já estava quase tendo uma parada cardíaca. Teve bola na trave, bola tirada em cima da linha, e tudo mais que os deuses do futebol poderiam preparar para fazer meu coração parar.


Até que quando o jogo estava se aproximando do fim, mais uma surpresa. Desagradável, é lógico. Mais um pênalti para o São Paulo. Eu já achava que aquilo fosse perseguição. Meu coração, desde sempre, nunca foi de aguentar fortes emoções. Tanto que no segundo pênalti, fiquei de costa para a tevê, sabe se lá o motivo, com meu chinelo na mão. E o chinelo foi um personagem importante, já que o monstruoso Dida defendeu o pênalti do gigante Raí mais uma vez, e eu arremessei meu calçado na árvore de Natal, e destruí o adorno que enfeitava a sala da minha casa.

Antes do apito final, Maurício (que substituiu Dida) ainda fez uma grande defesa, garantindo a vantagem para o jogo de volta.

Um jogo emocionante, que consagrou Dida, e de certa forma, foi uma espécie de vingança minha contra Raí, que em muitas oportunidades me fez chorar. Vale ressaltar que o craque são paulino é o rival que eu mais admirei durante minha vida.

A vitória me deixou feliz, é claro. Porém, além dos três pontos e da vantagem para o jogo da volta, quase uma década depois, o que me deixa feliz (e triste) é ver que naqueles dias as torcidas dividiam o estádio, os times se enfrentavam em pé de igualdade, e os craques ainda passeavam pelos gramados.

Um dos dias mais emocionantes e insanos da minha vida. Agradeço aos grandes jogadores que me fazem lembrar daquele domingo como se fosse ontem. Agradeço também, você que leu até aqui, e dividiu essas lembranças comigo.

Um abraço, e até a próxima!

 

 

 

Aguinaldo

reverência ao rei

entrevista: Paulo Escobar | vídeo: Jhonny Jamaica | edição de vídeo: Daniel Planel

Se hoje em dia os goleiros contam com luvas emborrachadas que variam de acordo com o tempo, roupas que amortecem as quedas e bolas cada vez mais leves e macias, os arqueiros da década de 60 precisavam se virar para defender as pancadas sem luvas e com bolas de couro pesadíssimas. É o caso de Aguinaldo Moreira, goleiro “raiz” do Santos nos tempos de Pelé, que recebeu a equipe do Museu no Parque São Jorge para um papo descontraído.


Jhonny Jamaica, Paulo Escobar, Aguinaldo Moreira e Ruth Bessa.

– Se eu tivesse os aparatos que os goleiros têm hoje, eu estaria na Seleção! Hoje tem luva para sol, noite, chuva… Nem preparador de goleiros a gente tinha! – disparou.

Apesar de ter feito muito sucesso debaixo das traves, Aguinaldo revelou que seu sonho era ser ponta-esquerda, assim como muitos meninos da sua geração. O motivo é mais do que nobre: todos se inspiravam no ensaboado Canhoteiro.

Quando tomou coragem para realizar uma peneira se decepcionou com a concorrência:

– O professor perguntou quem era ponta-esquerda e todos levantaram a mão. Acabei indo para o gol mesmo, que foi a posição que sobrou.

As primeiras experiências não foram nada boas e Aguinaldo cansou de buscar a bola no fundo das redes antes de começar a operar os primeiros milagres. Despontou na Portuguesa-SP, mas foi no Santos que ganhou projeção nacional.

No alvinegro praiano teve a honra de disputar a posição com Gylmar dos Santos Neves, bicampeão mundial pela Seleção, e atuar ao lado de Pelé. Foi Aguinaldo, inclusive, quem carregou o Rei na comemoração do milésimo gol.


– Goleiro tem que ser maluco, né? Passei por baixo dos repórteres e coloquei o Pelé no ombro. Foi coisa de instinto! Ele ficou com um medo danado de cair! – lembrou, seguido de uma risada.

Antes de pendurar as luvas, defendeu o Vitória e se tornou preparador de goleiros quando encerrou a carreira. Pelas suas mãos passaram Leão e Zetti, no Palmeiras, Carlos, Waldir Perez e Ronaldo, no Corinthians, e Rogério Ceni, no São Paulo.

Hoje em dia, aos 74 anos e uma vida quase inteira dedicada a evitar os gols, passa os seus muito ensinamentos aos goleiros da base do Corinthians.

 

 

Viladônega

BOM DE BOLA E TELA

entrevista e texto: Paulo Oliveira | edição de vídeo: Daniel Planel

Viladônega de Souza Rodrigues jogava pelada debaixo de uma ponte no bairro de Jequiezinho, em Jequié, cidade do sudoeste baiano a 365 quilômetros de Salvador, quando foi descoberto pelo médico e diretor de hospital Sebastião Azevedo. Sócio benemérito do Vasco, Azevedo moveu céu e terra para levar o menino de 12 anos para fazer um teste no infanto-juvenil do clube pelo qual torcia.

Primeiro, o médico procurou os pais do garoto, Adélia e Expedito Rodriguez, que só concordaram em deixar o pequeno craque ir para o Rio de Janeiro, depois que Azevedo prometeu que ele não deixaria de estudar. Pesou também o prestígio que o doutor tinha na cidade. Sendo assim, Viladônega botou a pouca roupa que tinha em uma mala de papelão e pegou um avião.

– Foi a aeromoça que me levou à casa da família de Sebastião Azevedo, que morava na Praia de Botafogo. Quando cheguei lá, cabreiro, ligaram a televisão para eu assistir. No interior da Bahia não tinha tevê naquela época. Quando ouvi a Ângela Maria falar em um programa “vou acender o cigarro”, fiquei doidinho procurando a caixa de fósforo. Três dias depois fui levado para São Januário! – conta o meio-campista, que pisou pela primeira vez no estádio em 1954.

ENCONTRO COM BELLINI


Ainda é bem nítida a cena de sua chegada no clube carioca. Os aspirantes treinavam e os jogadores do time principal assistiam na arquibancada. Foi aí que o menino de nome incomum foi apresentado ao zagueiro Bellini, esboçando timidamente um “Como vai, senhor Bellini?”. Tempos depois quando fez uma brincadeira com o defensor, o bicampeão mundial de futebol retrucou:

– Quando chegou aqui me chamava de senhor, agora está me gozando! – revela o ex-atacante.

Na peneira para o time infanto-juvenil havia 18 times, 198 jogadores. Apenas três foram aprovados: o volante Maranhão, o lateral esquerdo Edílson e Viladônega.

Nascido em 1942, em Euclides da Cunha (BA), o meio-campista passou pelas categorias juvenil, aspirante e profissional do Vasco. Ainda era adolescente quando estreou no time principal em um jogo contra o Peñarol, no Uruguai, no qual a equipe cruzmaltina venceu por 2 a 1. Na época, os técnicos, segundo Viladônega, evitavam estreias de jogadores da base no Maracanã para não queimar os guris.

Foi no juvenil, aos 16 anos, que Vila, como também era conhecido, conquistou o único título pelo Vasco. A decisão contra o Flamengo, na Gávea, nunca foi esquecida:

– Cruzaram a bola e sem querer ela bateu na minha cabeça e entrou. Um a zero contra o Flamengo de Gérson! – celebra.

Villadônega participava de excursões internacionais, jogando entre os titulares. Participou de um torneio no México, onde ressalta a atuação do goleiro Ita. Na volta, foi convocado para a seleção brasileira amadora que disputaria o Pan-Americano de 1959, em Chicago, nos Estados Unidos. Estavam entre os convocados Gérson, Beirute, Germano e Maranhão.

Os brasileiros venceram quatro das seis partidas, incluindo a goleada de 9 a 1 sobre o Haiti. Perderam para os Estados Unidos (5 a 3) e empataram com a campeã Argentina (1 a 1). Foram vice-campeões. A medalha de prata, perdeu. Restou uma medalha de bronze entregue na cerimônia de encerramento da competição, uma das duas que o craque guarda consigo. A outra é do primeiro campeonato brasileiro de futebol amador (1961) que, de acordo com Villa, foi disputado por seleções estaduais.

BRIGAS ENTRE RIVAIS


O baiano foi efetivado como titular pouco antes de vencer a idade de aspirante. Ele dividiu o campo com Lorico, Da Silva e Pinga, no qual se espelhava. De seu ídolo ouviu o conselho para nunca dar pancada, pois quem jogava no ataque não precisava bater em ninguém.

Nos anos 50 pouca gente seguia a recomendação daquele que viria a ser o quarto maior artilheiro da história do Vasco. Muitas vezes, a rivalidade terminava em pancadaria. A briga entre jogadores como a que houve entre o Almir (Vasco) e Pavão (Flamengo) ficou famosa. E foi após pancadaria generalizada, no ano da inauguração do Mineirão, que a carreira de Viladônega entrou em declínio.

A transferência para o Atlético (MG), que lutava para ser bicampeão, aconteceu em 1963. A princípio por empréstimo, mas efetivada após ele marcar um golaço contra o Cruzeiro.

“Tive a sorte de fazer um gol do meio da rua, no campo do Cruzeiro. O goleiro adversário chutou, a bola bateu no chão, subiu, eu peguei de primeira, do meio de campo. A redonda viajou, viajou, viajou, rodou, pegou carona no vento e foi lá dentro. Ganhamos de 1 a 0.” – narra.

Além do bicampeonato, Villadônega foi o artilheiro do campeonato mineiro com 12 gols em 22 jogos. De seus companheiros de time, o meio-campista lembra de Bueno (cabeça de área), Peres, Marcelino (lateral), Nilson (centroavante) e Bougleaux (autor do primeiro gol da história do Mineirão). Dentre os adversários, sobram elogios para Tostão e Dirceu Lopes. Eles valorizam a conquista do título.

SUSPENSÃO DE UM ANO

No dia 24 de outubro de 1965, aconteceu o primeiro superclássico no Mineirão, que havia sido inaugurado há pouco mais de um mês. Na versão do atleticano “o juiz roubou” e provocou um tumulto generalizado em campo:


– O Atlético não podia perder. O ponta direita recebeu um lançamento e ajeitou a bola com a mão. Ele cruzou para dentro da área e o juiz marcou pênalti. Foi uma correria. Todo mundo queria pegar o juiz achando que ele roubou. Perdemos de um a zero. Eu não bati em ninguém, mas toquei no capacete de um guarda, ele caiu e o soldado não pode ficar sem capacete. O chefe do policiamento era da diretoria do Cruzeiro e fez carga contra mim. Aí eu fui suspenso um ano: eu, Nílson e uma porrada de gente! – conta

No site cruzeiropedia.org a história é diferente. Ele conta que a superioridade do adversário deixou o Galo tonto e os jogadores alvinegros irritados. Aos 35 minutos do primeiro tempo, Tostão abriu o placar após receber passe de Marco Antônio.

Na segunda etapa, Wilson Almeida invadiu a área e foi derrubado por um carrinho do lateral Décio Teixeira. O juiz Juan De La Pasión Artés. O autor do texto prossegue:

“Vander agrediu o juiz, que pediu proteção à Polícia Militar. Como ela não atendeu prontamente, outros termocéfalos (cabeças quentes) se animaram. Virou linchamento. O treinador Marão invadiu o gramado e também bateu no árbitro. Só aí os soldados saíram de sua letargia para proteger a vítima. Seguiu-se uma batalha campal entre jogadores emplumados, inclusive reservas, e policiais. Artés expulsou o time inteiro do Atlético e pôs fim à partida.”

Parte do período da suspensão, Viladônega continuou a receber o salário, mas depois, conta, pediu rescisão por não estar sendo útil ao time. Enquanto estava no Atlético, o jogador fez um curso de aprimoramento na Escola Politécnica, sem saber que isto seria de grande valência no futuro.

ACIDENTE NA ESTRADA

O último clube de Villa foi o URT (União Recreativa dos Trabalhadores), de Patos de Minas. Após uma partida contra o Tupi, o ônibus que transportava os jogadores virou na estrada.

– No meio do caminho, um animal atravessou na pista. O motorista desviou bruscamente e o veículo capotou três vezes. Os vidros caíam em cima da gente, eu imaginava todo mundo ensanguentado. Alguns se feriram, mas nenhum de forma grave. Eu só tive escoriações, graças a Deus! O motorista passou dois dias desacordado! – relata.

No final da temporada, o URT dispensou todo mundo e não pagou a ninguém. Vila, que estava há 11 anos sem visitar a família na Bahia, escreveu pedindo dinheiro para retornar. Ainda passou por Pontalina (GO) para ver um amigo que levara para fazer um teste no Vasco. Tinha esperança de encontrar um time em Goiás, mas ela acabou quando soube que o parceiro desistira do futebol e estava trabalhando de motorista.

No final dos anos 60, o reencontro com a família se deu em Itapetinga, cidade para a qual o pai tinha se mudado. Ainda tentou continuar jogando no Bangu local, mas a liga municipal não permitia jogadores profissionais entre amadores. Largou de vez o futebol, recusando convites para ser treinador da seleção municipal e de clubes locais.

– Nunca quis ser técnico. O cara que paga entrada para ir ao estádio, principalmente no interior, acha que tem o direito de xingar todo mundo e eu nunca gostei disso! – justifica.

ARTISTA PLÁSTICO

O curso de aprimoramento na Escola Politécnica não chegou a ser concluído, mas permitiu que Viladônega, que desenhava desde criança, aprendesse novas técnicas. Longe da bola, passou a fazer a decoração da cidade para festas como o São João e a extinta micareta, além de serviços particulares.

A arte aproximou Vila do pedreiro e escultor autodidata Júlio de Souza Barbosa, o São Félix, cujas obras estão espalhadas por praças da cidade e pela Matinha, área verde onde fica o zoológico de Itapetinga.

São Félix foi assassinado a facadas e pedradas em 2010, aos 83 anos, por um casal de adolescentes que acreditaram no boato espalhado por um radialista de que ele guardava grande quantia em dinheiro em casa. O escultor pedia ajuda ao ex-jogador para acertar a proporção de suas obras.

Aproveitando convite do filho de São Félix, Cabo Barbosa, e a presença do repórter do Museu da Pelada/Meus Sertões, Vila voltou à Matinha, hoje fechada ao público para se adequar à legislação ambiental. Foram oito anos longe das obras que ajudou a criar.

– São Félix era gozador, engraçado e gostava de piadas. Enquanto enchia a massa, eu ia cortando, modelando. Ele não estudou arte. Tinha um talento natural. – conta.

Viladônega também é o autor de um painel no muro do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), na rua Macarani. Feito com tinta óleo, o quadro retrata uma paisagem imaginada pelo artista para a cidade, cuja economia está fincada na criação de gado leiteiro e de corte. A concessionário prometeu pagar R$ 1.000 pelo mural, mas cinco meses depois da conclusão não tinha feito a quitação.

Além do que recebe pelas decorações que faz, o ex-jogador recebe aposentadoria de um salário mínimo mensal.

RESENHA

Ao falar em valores, o assunto volta a ser futebol. No tempo em que Viladônega se destacava nos gramados, o salário de atleta era baixo. De tudo o que ganhou na carreira, ele comprou uma casa simples para o pai, que casou quatro vezes, e um aparelho de medição para o velho Expedito continuar trabalhando como arquiteto.

Para ele mesmo, não comprou nada:

– Fiz o barraco onde moro há 15 anos com o dinheiro que ganhei como artista plástico! – revela


Se não fez fortuna, o meio-campista guardou histórias, que conta com prazer. Lembra de um Vasco x Santos, no qual Pelé virou o jogo no último minuto. Cita o nome dos companheiros – Orlando, Coronel, Sabará, Almir, Vavá, Pinga e Barbosinha – com o mesmo prazer que fala dos adversários, como Babá, do Flamengo.

Conta casos divertidíssimos sobre o goleiro Barbosa (veja o vídeo), que era chamado de Tio pelos jogadores mais novos e era viciado em “Biotônico Fontoura”.

Outro que faz parte de seus “causos” é Laerte, amigo inseparável de Sabará. Os dois moravam na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro.

– Uma passagem que morro de rir até hoje é do meio de campo Laerte. Nas excursões do Vasco para o exterior, todo mundo comprava presentes para a família e mostrava de noite para os companheiros no hotel. A sensação da época era o rádio de pilha. Aí o Laerte apareceu com um arco e flecha imenso, dizendo que tinha comprado para o Veinho, como ele chamava o filho. “Mas Laerte, você não está vendo que isso não vai caber na mala”, disse um jogador. Ele falou assim: “Vocês são burros”. Foi lá e quebrou o arco. Depois disse: “Chegando no Brasil, boto esparadrapo. Quando o Veinho for brincar, pow, quebra. Aí eu falo: Tá vendo, eu não compro mais nada para você” (risos).

O volante Laerte, segundo Viladônega, gostava muito de faroeste. Um dia convidou Sabará para ir ao cinema. Quando o filme estava no meio, chamou o amigo para ir embora. O ponta-direita tentou fazer ele mudar de ideia, mas o amigo disse haver esquecido que tinha visto o filme há muito tempo. Sabará ficou retado.

O craque do passado lembra com saudades do tempo que morou em São Januário, no alojamento debaixo da arquibancada. Seu jogo inesquecível, no entanto, foi Atlético x Cruzeiro, no dia 15 de setembro de 1963.  Era o 11º jogo do campeonato e o último do primeiro turno, no Estádio Independência, e ele fez o gol da vitória.

– O Atlético venceu por 1 a 0 e arrancou para o bi! – enfatiza

A DESPEDIDA

Em data que não soube precisar, Viladônega Rodriguez conta que o Vasco foi fazer um amistoso em Itapetinga e enviou para ele uma camisa oficial e o convite para dar o pontapé inicial da partida. Em agradecimento pela camisa, o Vila deu ao emissário dois cágados que tinha no quintal. Falou também que o convite estava aceito.

No sábado seguinte, pouco antes do jogo começar, foram buscá-lo em casa, mas ele não estava:

– É que eu tinha uma pescaria marcada e não podia faltar! – justifica.