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BARBOSA, O INJUSTIÇADO

por Israel Cayo Campos


Hoje a minha humilde homenagem é para Moacir Barbosa do Nascimento. O goleiro Barbosa da Seleção brasileira e do Vasco da Gama. Seis vezes campeão carioca pelo time de São Januário (1945, 1947, 1949, 1950, 1952 e 1958), campeão do Campeonato Sul-Americano de clubes em 1948 com o “Expresso da vitória” do Vasco da Gama, que dominou o futebol carioca nos anos 1940 e início dos anos 1950.

Pela seleção brasileira, Barbosa também foi campeão Sul-Americano de seleções pelo Brasil em 1949, um título que o Brasil só conquistaria novamente quarenta anos depois, em 1989 com o início da geração Bebeto e Romário. Além dos títulos da Copa Roca em 1945 e duas Copas Rio Branco em 1947 e 1950.

No entanto, Barbosa ficou eternamente marcado pela falha que teria cometido no quadrangular final do mundial de 1950. Quando o jogo final contra os uruguaios estava empatado em 1 a 1 (resultado que daria o primeiro título mundial para os brasileiros em pleno Maracanã), Barbosa acabou aceitando um chute cruzado do atacante Alcides Ghiggia na mesma trave esquerda em que estava posicionado.

O gol selou o bicampeonato mundial uruguaio naquilo que ficou conhecido até hoje como o “Maracanazo”. E como uma terrível maldição, também selou o destino de Barbosa, que após aquela fatídica tarde de 16 de julho foi estigmatizado como o único culpado pela derrota brasileira.


Mesmo tendo sido o melhor goleiro daquele campeonato mundial, o fatídico lance o estigmatizou profundamente. Como ele mesmo explicara depois, Ghiggia iria cruzar a bola para Schiaffino, da mesma maneira que havia ocorrido o gol de empate uruguaio minutos antes, e ao perceber a jogada repetida, Barbosa deu um pequeno passo para a direita, o que ele não contava é que o cruzamento virasse um chute (proposital ou por pura sorte não se sabe!) e a bola tenha entrado exatamente no pequeno espaço entre ele e a trave.

Apesar de ter continuado sua carreira após o Mundial do Brasil, Barbosa teve poucas chances na seleção, e passou a sofrer hostilidades principalmente dos torcedores rivais do Vasco da Gama. O fato de ser negro contribuiu para crenças racistas de que um afrodescendente no gol traria azar ao Brasil.

Não à toa, só depois de 56 anos, outro goleiro negro defendeu a meta brasileira em uma Copa do Mundo, Dida, já em 2006. Nesse hiato de tempo, nenhum goleiro negro jogara uma Copa do Mundo pela seleção brasileira como titular!

Barbosa encerrou sua carreira no pequeno Campo Grande do Rio de Janeiro em 1962, e em seguida passou a trabalhar na Suderj como funcionário do Maracanã. E mesmo o Brasil a àquela altura já sendo bicampeão mundial de futebol, o estigma de Barbosa continuou a persegui-lo. Uma vez relatou com muito pesar, apesar da fala humilde que possuía, que dentro de um mercado, ouvia uma mãe dizer para o filho enquanto lhe apontava o dedo: “Aquele homem ali fez o Brasil chorar”.

Próximo a Copa do Mundo de 1994, outro caso muito triste lhe ocorreu. ele fora proibido de entrar na Granja Comary, onde estava a Seleção Brasileira que conquistaria nos Estados Unidos o tetracampeonato mundial meses depois.

Tais acusações deixavam Barbosa muito triste, e embora existisse o orgulho de uma carreira tão vitoriosa, o rancor injusto do povo brasileiro fez com que ele se isolasse cada vez mais. Já próximo de morrer, vivia com uma pequena pensão e a ajuda do então presidente do Vasco Eurico Miranda na pequena cidade paulista de Praia Grande, onde decidiu viver para se distanciar das perseguições.


Apesar de ser lembrado apenas por um lance na sua brilhante história como goleiro, o senhor Barbosa não guardava mágoa nem rancor do povo brasileiro. Costumava brincar que era o único condenado do país a superar a pena máxima de 30 anos, pois continuava a pagar pelo erro na final de 1950, quase 50 anos depois.

No dia 07 de abril de 2000, aos 79 anos de idade, e prestes a completar 50 anos do lance que marcara sua vida, Barbosa faleceu sem nunca ter recebido o verdadeiro reconhecimento. O justo aplauso a aquele que foi um dos maiores goleiros brasileiros de todos os tempos.

Mesmo morto, Barbosa ainda era lembrado muitas vezes de maneira negativa como o responsável pela derrota na Copa do Mundo de 1950. Tal lembrança continuou forte até o ano de 2014, quando o Brasil sediaria novamente uma Copa do Mundo. Após a vergonhosa derrota brasileira por 7 a 1 em pleno estádio do Mineirão para a Seleção Alemã. Lembro de ter postado em minhas redes sociais que estava feliz ao ver aquele vexame pelo que fizeram ao Barbosa, e que até que enfim ele poderia descansar em paz! Mesmo sabendo que Barbosa jamais aprovaria o que ele sofreu a outros jogadores, pois era um homem de alma muito pura, senti que de alguma forma a justiça divina estava sendo feita!

Depois de um vexame protagonizado por jogadores milionários como o ocorrido em Minas Gerais, ninguém mais pode falar de um vencedor como Moacir Barbosa, que enfim, pode ser lembrado não por uma fração de segundos, mas pela sua carreira gloriosa. Barbosa estava livre de sua injusta sentença!


Sobre o lance que gerou o segundo gol uruguaio, vale salientar que a falha de Barbosa é muito citada por pessoas que sequer viram o lance! Que basearam suas opiniões em livros e revistas ufanistas e tendenciosas da época!

O marcador de Ghiggia, o lateral esquerdo Bigode, não teve uma boa apresentação naquele jogo final. Após levar uns “tapas” do capitão da seleção uruguaia Obdúlio Varela se desencontrou em campo, e os dois gols uruguaios saíram em jogadas na zona de marcação dele. Se de fato ocorreu uma falha, ela foi coletiva, e não apenas de Barbosa!

Após 1950, a Seleção Brasileira conquistou cinco campeonatos mundiais. Se tornando a maior vencedora do torneio até os dias atuais! E mesmo assim há quem não leve o “Maracanazo” como aprendizado. Para essas pessoas intolerantes, o vice é o primeiro dos últimos! Uma pena! Mas a história é o que fica para as gerações seguintes, e ela absolveu Barbosa, de maneira tardia é bem verdade, mas como diz o velho jargão, antes tarde do que nunca!

 

Chamada foto semana

 

foto da semana


A foto da semana é um belo registro de Severino Silva, um dos maiores fotojornalistas do mundo, que completa mais um ano de vida hoje!

 

A CÉSAR O QUE NÃO É DE CÉSAR

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Quando o córner contra o Flamengo foi batido, logo cedo pela manhã de domingo, e a bola caiu na pequena área, segundos antes do meu filho deixar a sala inconformado com o segundo gol tomado pelo Flamengo contra o Atlético-PR, lembrei-me de um goleiro que fez parte da nossa formação: Jorge Vitório. Alto, forte e disposto, quando uma bola daquela era alçada sobre a grande área, porque a pequena ele já tomava com sua envergadura, ele saia em todas e gritava: “Sai que é minha seus juvenis!”. E com aqueles joelhos à frente do corpo subindo em todas as direções, crescemos tomando cuidados a cada escanteio. Não tem trauma de infância? Então o trauma juvenil meu e do Rubens Galaxe, e do Cléber e do Pintinho, e de outros tantos que se formaram nas Laranjeiras, era de ser atropelado durante a cobrança de um escanteio.

César não. Podendo usar suas mãos e socar aquela bola, ficou plantado em cima da linha do seu gol a esperar que a sorte, ou o tempo de bola, porque esqueceu que quem possuía seus melhores fundamentos, Rever e Juan, não estavam por ali a protegê-lo, acabou levando impávido, estático, o segundo gol do Furacão. Fora de ritmo, sem o tempo da bola e ainda dando azar de pegar um campo de grama sintética que dá velocidade aos tiros em sua direção, César recebeu o que não é para ser do César: a camisa titular do Flamengo para defender sua liderança no Campeonato Brasileiro.

O treinador pode poupar todo mundo. Menos o goleiro. Este, quando mais joga, mais esperto, mais ligado nas inúmeras situações que rondam sua cidadela fica. O tal ritmo de jogo lhe é fundamental e por isto Rogério Ceni jogou um milhão de partidas seguidas no auge do São Paulo. Nos anos 70, falava-se em Palmeiras, e lá estava o Leão no gol. Era o Félix no Fluminense e o Raul no Flamengo. E era Gilmar dos Santos Neves o nome que abria as escalações dos gloriosos tempos do Santos FC.

Em Minas, não tem mais Atlético x Cruzeiro: é Victor x Fábio. Em Recife, a escalação de Magrão, no gol do Sport, é mais certa no programa de domingo do que a de um boneco de Olinda. E no gol do Grêmio, Renato Gaúcho quando entrou o titular era o Marcelo Grohe. E ele jamais pensou em mexer naquela peça cheia de segurança. Cheia de confiança e detentora de todos os rumos e tempos da bola.

Portanto, Barbieri, poupe o Diego, que já passou dos 30, e reveze seus goleadores que não marcam gols. Mas não brinque com aquela nobre posição. Ou você escala o Diego Alves, e continue a brigar pela liderança, ou continue a dar a César o que não é, ainda, de César.

É O MESMO CARA?

por Claudio Lovato


É o mesmo cara ou não é?

Claro que sim.

Lógico que não.

Sim, senhor.

Não mesmo.

Foi craque, jogou na seleção, disputou Copa do Mundo, encerrou a carreira há trinta anos.

E, agora, cabelo grisalho, sobrepeso, marcas do tempo espalhadas pelo rosto.

É o mesmo cara ou não é?

Só é.

De jeito nenhum.

O sorriso de quem fez tudo o que havia para fazer na condição de ídolo de várias torcidas, os gestos que já não guardam tanta energia, as palavras de poucas ênfases.

Mas o olhar.

É o mesmo cara ou não é?

Claro que é.


Dá pra sacar pelo olhar.

O olhar de quem ainda solta bombas na lembrança. (E ainda tentaria mandar algumas hoje mesmo se fosse chamado a fazê-lo.)

De quem encobre goleiros na imaginação. (Sendo que nenhum desses devaneios supera o que ele fez na realidade quando era jovem, magrinho, cabeludo e feliz proprietário de um canhão na perna esquerda.)

O olhar de quem levou exércitos de meninos a decidir ser jogadores de futebol. (Sim, ele, figura maior na galeria pessoal de cada um daqueles para os quais sempre será o mais referencial e inspirador dos mestres.)

O olhar de quem sabe que fez milhões de torcedores se sentirem fodões-soberanos-donos-do-pedaço dentro do ônibus e depois na firma na segunda-feira de manhã.

Sim, é o mesmo cara.


Sentado no sofá do apartamento de três quartos, a cerveja colocada na mesa de centro pela companheira de muito tempo, o pensamento longe, um herói temendo o esquecimento em seu descanso tão merecido quanto indesejado.

Mas o mesmo cara.

Orlando Pingo de Ouro

O OURO MAIS BRILHANTE E FELIZ DAS LARANJEIRAS

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Felipe de Lima | vídeo: Daniel Planel 

Recife era uma cidade pacata naquele ano de 1939. Brotaram dali figuras excepcionais da intelligentsia nacional, como o sociólogo Gilberto Freyre (que dispensa apresentações) e Barreto Campello, um jornalista e criminologista que teve as teorias debatidas internacionalmente, uma delas a da menoridade social, com a qual Campello sugere que índios não podem ser imputados pela lei. Foi ele também um dos primeiros nomes da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, em 1940, exatamente um ano após ingressar na Academia Pernambucana de Letras. E foi exatamente em 1939, que surgiu por lá, na capital do frevo, uma figura que anos depois se mostraria cultíssimo, ávido leitor de Humberto de Campos e apreciador de obras de arte, mas que se tornaria nacionalmente conhecido não pelas letras ou artes plásticas, mas sim com a bola nos pés. Chamava-se O rlando de Azevedo Viana, o extraordinário Orlando Pingo de Ouro, irmão de outro grande ídolo do futebol local, o goleador Tará, que o mimava como todo irmão mais velho faz com o caçula. Orlando se espelhou nele e desabrochou em gols. Muitos mesmo. É o segundo maior artilheiro da história do Fluminense, com 186 gols em 310 jogos. Fica atrás apenas do centroavante Waldo, que o sucedeu no ataque tricolor, na década de 1950.

Orlando nasceu em um dia bacana de 1923: 4 de dezembro. Digo “bacana” porque é o dia de Santa Bárbara, minha santa de devoção, e, creio, que a dele também. A santa certamente deu muita força para Orlando encher de muita alegria a torcida do Fluminense, mas, sobretudo, encantar a vida de uma mulher singular: Dona Maura, a grande companheira de toda a vida, e com quem tive o imenso prazer de conversar sobre Orlando Pingo de Ouro, juntamente com o repórter Sergio Pugliese e Ana Paula Viana, filha do artilheiro com dona Maura.

Orlando ensinou-a gostar de futebol, mas, especialmente, a amar o Fluminense. O marido levava a esposa para todos os lados. Almoço, jantares, festas, estádios. Se Orlando estava lá, dona Maura também. Um grande e formidável casal.

Dona Maura contou um pouco dessa deliciosa convivência com Orlando, lembrou, inclusive, que Pingo de Ouro não se achava tão craque quanto o irmão mais velho, para muitos o maior ídolo da história do Santa Cruz. “Sempre dizia que ele [Tará] era o melhor”. A modéstia do Orlando, um cracaço de bola, faz muita falta hoje no milionário universo do futebol. Impossível encontrar uma “estrela” da atualidade que se comporte como um Orlando, ou mesmo como um Ademir de Menezes, um Zizinho, um Telê, um Bigode… aliás, os quatro foram grandes amigos do centroavante do Fluminense. As famílias sempre se encontravam. Dona Maura recordou alguns desses momentos. Inclusive o último filme que o craque assistiu no cinema: Titanic.

A história de Orlando foi linda, com momentos de extrema alegria, mas também de dificuldades, de perdas. De dor. Foi emocionante ouvir dona Maura e Ana Paula descreverem um pouco do que foi Orlando. “Paro com o futebol antes que o futebol pare comigo”, dizia ele para ambas, demonstrando uma sabedoria incomum nos dias atuais do nosso maltratado futebol. “A melhor época da vida dele foi no futebol”, reconheceu Ana Paula.

A filha de Orlando está corretíssima. O excelente papo com dona Maura e Ana Paula confirmou que Orlando foi um grande pai e marido, mas também ídolo inesquecível da história Tricolor. No acervo de Orlando, que foi restaurado pelo Museu da Pelada, estava reservado um presente para a imensa torcida do Fluminense: a reportagem resgatou a foto — assinada por “Rudy” Machado — do primeiro gol de Orlando Pingo de Ouro no Fluminense, em jogo que terminou 5 a 1 para o Tricolor contra o Bonsucesso. No verso da foto — talvez o único registro do primeiro gol dele no Fluminense —, Orlando escreveu: “Meu primeiro gol em campos cariocas, Rio, 15/7/45, ass. Orlando Viana”. O primeiro de muitos, em muitas tardes de festa pintadas de grená, branco e verde. O Orlando, que deu nó em pingo d’água e fez dos seus gols centenas de pingos… de ouro. Ouro maciço e feliz.