Escolha uma Página

Chamada foto semana

 

foto da semana


A foto da semana é um belo registro de Severino Silva, um dos maiores fotojornalistas do mundo, que completa mais um ano de vida hoje!

 

A CÉSAR O QUE NÃO É DE CÉSAR

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha

Quando o córner contra o Flamengo foi batido, logo cedo pela manhã de domingo, e a bola caiu na pequena área, segundos antes do meu filho deixar a sala inconformado com o segundo gol tomado pelo Flamengo contra o Atlético-PR, lembrei-me de um goleiro que fez parte da nossa formação: Jorge Vitório. Alto, forte e disposto, quando uma bola daquela era alçada sobre a grande área, porque a pequena ele já tomava com sua envergadura, ele saia em todas e gritava: “Sai que é minha seus juvenis!”. E com aqueles joelhos à frente do corpo subindo em todas as direções, crescemos tomando cuidados a cada escanteio. Não tem trauma de infância? Então o trauma juvenil meu e do Rubens Galaxe, e do Cléber e do Pintinho, e de outros tantos que se formaram nas Laranjeiras, era de ser atropelado durante a cobrança de um escanteio.

César não. Podendo usar suas mãos e socar aquela bola, ficou plantado em cima da linha do seu gol a esperar que a sorte, ou o tempo de bola, porque esqueceu que quem possuía seus melhores fundamentos, Rever e Juan, não estavam por ali a protegê-lo, acabou levando impávido, estático, o segundo gol do Furacão. Fora de ritmo, sem o tempo da bola e ainda dando azar de pegar um campo de grama sintética que dá velocidade aos tiros em sua direção, César recebeu o que não é para ser do César: a camisa titular do Flamengo para defender sua liderança no Campeonato Brasileiro.

O treinador pode poupar todo mundo. Menos o goleiro. Este, quando mais joga, mais esperto, mais ligado nas inúmeras situações que rondam sua cidadela fica. O tal ritmo de jogo lhe é fundamental e por isto Rogério Ceni jogou um milhão de partidas seguidas no auge do São Paulo. Nos anos 70, falava-se em Palmeiras, e lá estava o Leão no gol. Era o Félix no Fluminense e o Raul no Flamengo. E era Gilmar dos Santos Neves o nome que abria as escalações dos gloriosos tempos do Santos FC.

Em Minas, não tem mais Atlético x Cruzeiro: é Victor x Fábio. Em Recife, a escalação de Magrão, no gol do Sport, é mais certa no programa de domingo do que a de um boneco de Olinda. E no gol do Grêmio, Renato Gaúcho quando entrou o titular era o Marcelo Grohe. E ele jamais pensou em mexer naquela peça cheia de segurança. Cheia de confiança e detentora de todos os rumos e tempos da bola.

Portanto, Barbieri, poupe o Diego, que já passou dos 30, e reveze seus goleadores que não marcam gols. Mas não brinque com aquela nobre posição. Ou você escala o Diego Alves, e continue a brigar pela liderança, ou continue a dar a César o que não é, ainda, de César.

É O MESMO CARA?

por Claudio Lovato


É o mesmo cara ou não é?

Claro que sim.

Lógico que não.

Sim, senhor.

Não mesmo.

Foi craque, jogou na seleção, disputou Copa do Mundo, encerrou a carreira há trinta anos.

E, agora, cabelo grisalho, sobrepeso, marcas do tempo espalhadas pelo rosto.

É o mesmo cara ou não é?

Só é.

De jeito nenhum.

O sorriso de quem fez tudo o que havia para fazer na condição de ídolo de várias torcidas, os gestos que já não guardam tanta energia, as palavras de poucas ênfases.

Mas o olhar.

É o mesmo cara ou não é?

Claro que é.


Dá pra sacar pelo olhar.

O olhar de quem ainda solta bombas na lembrança. (E ainda tentaria mandar algumas hoje mesmo se fosse chamado a fazê-lo.)

De quem encobre goleiros na imaginação. (Sendo que nenhum desses devaneios supera o que ele fez na realidade quando era jovem, magrinho, cabeludo e feliz proprietário de um canhão na perna esquerda.)

O olhar de quem levou exércitos de meninos a decidir ser jogadores de futebol. (Sim, ele, figura maior na galeria pessoal de cada um daqueles para os quais sempre será o mais referencial e inspirador dos mestres.)

O olhar de quem sabe que fez milhões de torcedores se sentirem fodões-soberanos-donos-do-pedaço dentro do ônibus e depois na firma na segunda-feira de manhã.

Sim, é o mesmo cara.


Sentado no sofá do apartamento de três quartos, a cerveja colocada na mesa de centro pela companheira de muito tempo, o pensamento longe, um herói temendo o esquecimento em seu descanso tão merecido quanto indesejado.

Mas o mesmo cara.

Orlando Pingo de Ouro

O OURO MAIS BRILHANTE E FELIZ DAS LARANJEIRAS

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Felipe de Lima | vídeo: Daniel Planel 

Recife era uma cidade pacata naquele ano de 1939. Brotaram dali figuras excepcionais da intelligentsia nacional, como o sociólogo Gilberto Freyre (que dispensa apresentações) e Barreto Campello, um jornalista e criminologista que teve as teorias debatidas internacionalmente, uma delas a da menoridade social, com a qual Campello sugere que índios não podem ser imputados pela lei. Foi ele também um dos primeiros nomes da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, em 1940, exatamente um ano após ingressar na Academia Pernambucana de Letras. E foi exatamente em 1939, que surgiu por lá, na capital do frevo, uma figura que anos depois se mostraria cultíssimo, ávido leitor de Humberto de Campos e apreciador de obras de arte, mas que se tornaria nacionalmente conhecido não pelas letras ou artes plásticas, mas sim com a bola nos pés. Chamava-se O rlando de Azevedo Viana, o extraordinário Orlando Pingo de Ouro, irmão de outro grande ídolo do futebol local, o goleador Tará, que o mimava como todo irmão mais velho faz com o caçula. Orlando se espelhou nele e desabrochou em gols. Muitos mesmo. É o segundo maior artilheiro da história do Fluminense, com 186 gols em 310 jogos. Fica atrás apenas do centroavante Waldo, que o sucedeu no ataque tricolor, na década de 1950.

Orlando nasceu em um dia bacana de 1923: 4 de dezembro. Digo “bacana” porque é o dia de Santa Bárbara, minha santa de devoção, e, creio, que a dele também. A santa certamente deu muita força para Orlando encher de muita alegria a torcida do Fluminense, mas, sobretudo, encantar a vida de uma mulher singular: Dona Maura, a grande companheira de toda a vida, e com quem tive o imenso prazer de conversar sobre Orlando Pingo de Ouro, juntamente com o repórter Sergio Pugliese e Ana Paula Viana, filha do artilheiro com dona Maura.

Orlando ensinou-a gostar de futebol, mas, especialmente, a amar o Fluminense. O marido levava a esposa para todos os lados. Almoço, jantares, festas, estádios. Se Orlando estava lá, dona Maura também. Um grande e formidável casal.

Dona Maura contou um pouco dessa deliciosa convivência com Orlando, lembrou, inclusive, que Pingo de Ouro não se achava tão craque quanto o irmão mais velho, para muitos o maior ídolo da história do Santa Cruz. “Sempre dizia que ele [Tará] era o melhor”. A modéstia do Orlando, um cracaço de bola, faz muita falta hoje no milionário universo do futebol. Impossível encontrar uma “estrela” da atualidade que se comporte como um Orlando, ou mesmo como um Ademir de Menezes, um Zizinho, um Telê, um Bigode… aliás, os quatro foram grandes amigos do centroavante do Fluminense. As famílias sempre se encontravam. Dona Maura recordou alguns desses momentos. Inclusive o último filme que o craque assistiu no cinema: Titanic.

A história de Orlando foi linda, com momentos de extrema alegria, mas também de dificuldades, de perdas. De dor. Foi emocionante ouvir dona Maura e Ana Paula descreverem um pouco do que foi Orlando. “Paro com o futebol antes que o futebol pare comigo”, dizia ele para ambas, demonstrando uma sabedoria incomum nos dias atuais do nosso maltratado futebol. “A melhor época da vida dele foi no futebol”, reconheceu Ana Paula.

A filha de Orlando está corretíssima. O excelente papo com dona Maura e Ana Paula confirmou que Orlando foi um grande pai e marido, mas também ídolo inesquecível da história Tricolor. No acervo de Orlando, que foi restaurado pelo Museu da Pelada, estava reservado um presente para a imensa torcida do Fluminense: a reportagem resgatou a foto — assinada por “Rudy” Machado — do primeiro gol de Orlando Pingo de Ouro no Fluminense, em jogo que terminou 5 a 1 para o Tricolor contra o Bonsucesso. No verso da foto — talvez o único registro do primeiro gol dele no Fluminense —, Orlando escreveu: “Meu primeiro gol em campos cariocas, Rio, 15/7/45, ass. Orlando Viana”. O primeiro de muitos, em muitas tardes de festa pintadas de grená, branco e verde. O Orlando, que deu nó em pingo d’água e fez dos seus gols centenas de pingos… de ouro. Ouro maciço e feliz.

 

 

CRAQUE, A FAMÍLIA AMORIM FAZ EM CASA

por Marcos Vinicius Cabral


Jogar bola no campo de várzea em frente à sua casa, em Guadalupe, Zona Norte do Rio de Janeiro, nunca foi problema para o pequeno Jorginho. 

Difícil era conviver com as constantes agressões verbais e físicas, sofridas por ele e sua mãe quando seu Jayme – um português vascaíno – chegava em casa.

– Meu pai era muito violento. Batia demais na minha mãe, que inclusive é surda de tanto tomar soco dele. Já em mim, meu pai me agredia como se eu fosse um homem, apesar dos meus 8, 9, 10 anos! – conta o treinador que recentemente foi demitido do Vasco.

Ainda na infância, viu por muitas vezes seu irmão mais velho – hoje Pastor Jayme Amorim, da Igreja Internacional da Graça de Deus e braço direito do Missionário R.R Soares – chegar em casa alcoolizado enquanto um outro irmão completamente drogado, às vezes nem chegava.

Mas se isso era ruim, o pior foi ver uma de suas irmãs fechar os olhos definitivamente para a eternidade. 


Portanto, resistir aos duros golpes dados pela vida era determinante para seguir em frente.

O futebol era, naquele momento, sua rota de fuga, no qual sua única certeza era que não  desistiria e seria alguém na vida. 

E foi assim, obstinado, que Jorge de Amorim Campos, não hesitou: com 19 anos, começou a jogar futebol no América/RJ.

Nesse período, o lateral-direito já se destacava nas categorias inferiores da seleção brasileira, conquistando as medalhas de prata nos Jogos Pan-Americanos de 1983, numa geração  que merecia o ouro.

Não demoraria muito para algum clube contratar aquele lateral.

Em seu currículo, um jogador que era rápido, com excelente visão de jogo, passes e cruzamentos precisos e que voava pelas extremidades do campo com uma velocidade impressionante.

Para quem na infância “comeu o pão que o diabo amassou” literalmente, jogar no “Mais Querido” não seria tarefa inglória.

Na sua cabeça, passava um filme de terror quando lembrava dos momentos em que apanhava do pai ou quando chorava ao ver o sofrimento da mãe e quando também se escondia dos irmãos para não ser maltratado.

Porém, foi em 1984 que os joelhos de Leandro lhe obrigariam a jogar de zagueiro, deixando a camisa 2 sem dono.

Eis que a oportunidade batia à porta do jovem Jorginho, que – apesar da responsabilidade de substituir Leandro, a maior referência da posição – encararia o desafio com maturidade de quem enfrentou problemas pessoais mais graves até chegar ali.

Agarrou e não largou mais. 


– Certa vez, eu estava fazendo tratamento no clube e o Jorginho chegou. Eu disse para o meu filho Leandrinho, que estava comigo: está vendo aquele jogador ali? (disse apontando o dedo para Jorginho), ele joga muito. Mas sabe quando ele vai jogar igual ao seu pai? Nunca, conta Leandro ao Museu da Pelada, fazendo questão de dizer que isso motivou Jorginho a ser o grande jogador que foi.

E completa:

– Depois de Carlos Alberto Torres, foi o melhor lateral que eu vi jogar!

Para Jorginho, o que antes era inferno, se tornara um paraíso, pois afinal de contas, não era qualquer um que tinha o privilégio de conviver com o falecido goleiro Zé Carlos, Leandro, Mozer, Tita, Andrade, Júnior, Adílio, Nunes e Zico.

Assim como na cidade de Jericó, onde Jesus foi tentado pelo Diabo no Monte, o jovem Jorginho, então dono da camisa 2 do Flamengo, resistia às tentações da Cidade Maravilhosa. 

Em 1986, conquistou o Campeonato Carioca e entregou sua vida a Jesus, naquele 1° de junho daquele ano.

No ano seguinte, já recebeu as primeiras convocações para a seleção brasileira principal, sendo ao lado de Zé Carlos, Leandro, Edinho, Leonardo, Andrade, Aílton, Zico, Bebeto, Renato Gaúcho e Zinho, Campeão Brasileiro de 1987 e prata nas Olimpíadas de Seul, em 1988, na Coreia do Sul.

Em 1989, quando ainda defendia o Flamengo, conseguiu se tornar Campeão da Copa América.

Logo após a conquista, Jorginho se transferiu para o Bayern Leverkusen, da Alemanha. 

O lateral-direito foi destaque na conquista da Copa da Alemanha na temporada de 1992/93.


O sucesso foi tanto que, no mesmo ano, foi contratado pelo arquirrival Bayern de Munique.

Então, o menino de Guadalupe chegou ao auge, vencendo a Liga dos Campeões (1995/96) e Campeonato Alemão (1993/94).

Em meio a essa excelente fase, o craque foi chamado para a seleção brasileira na disputa da Copa do Mundo de 1994, em solo americano. 

O título conquistado veio coroar uma geração contestada, que sob o comando de Parreira, deu a resposta em campo e quebrou um hiato de 24 anos sem título. 

Nos anos seguintes, já experiente, Jorginho ainda passou pelo Kashima Antlers, do Japão, levantando as taças do Campeonato Japonês (1996 e 98), da Copa da Liga Japonesa (1997), além da Copa do Imperador (1997).

Uma década depois, retornou ao Brasil para atuar no São Paulo. 

Em 2000, foi Campeão Brasileiro e da Copa Mercosul com o Vasco da Gama, tornando-se ídolo nos corações vascaínos e deixando seu pai, o velho Jayme, feliz no céu. 

Antes de encerrar a carreira, Jorginho defendeu ainda o Fluminense, onde foi Campeão Carioca, em 2002. 


Pendurando as chuteiras, resolveu se dedicar às carreiras de treinador e de auxiliar, sem jamais ter abandonado sua Bíblia Sagrada, já que nos tempos de jogador, ele foi um dos principais nomes dos Atletas de Cristo, movimento que começou a ganhar força no futebol brasileiro no começo dos anos 1990.

Casado com Cristina e pai de Laryssa, Vanessa, Daniel e Isabelly, Jorginho também atua no social, sendo presidente do Instituto Bola Pra Frente, que nasceu de um sonho quando ele tinha 11 anos de idade e jogava bola no campo de várzea, em frente à sua casa, em Guadalupe, onde até hoje funciona o Instituto. 

Desde a sua inauguração, no ano 2000, o Bola Pra Frente, vem investindo em pesquisa e desenvolvimento de ferramentas que utilizam o futebol para a transformação social. 


O Instituto atende crianças e adolescentes de baixa renda na faixa etária de 6 a 17 anos, no contraturno escolar e oriundos de escolas públicas. 

Hoje este numero gira em torno de 2.000 crianças.

Jorginho, craque dentro e fora de campo, apostou na fé para ter a sua vida transformada e, mesmo sendo um homem de palavras fortes, traz consigo a capacidade de crer que nenhuma causa é perdida. 

Contudo, lição esta que aprendeu em casa a duras penas e se imortalizou no coração dos torcedores dos clubes que defendeu, e que hoje, 17 de agosto, o felicitam pelo seu 54° aniversário.