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EVERALDO, O OURO DA BANDEIRA DO GRÊMIO

por André Felipe de Lima


“Já ganhei muitos presentes — dois carros, máquina de lavar roupa, relógio — e o carinho de meu povo. Meu contrato termina no dia 6 de fevereiro do ano que vem e então eu pedirei ao Grêmio o que achar que meu futebol vale”. Estas palavras foram ditas ao repórter Divino Fonseca em julho de 1970, um mês após o Brasil conquistar o tricampeonato mundial, no México, pelo inesquecível Everaldo, lateral-esquerdo daquele escrete campeão e um dos maiores ídolos de toda a história do Grêmio. Como a maioria dos craques de sua época, contentava-se com pouco para ser feliz. O que lhe garantisse uma razoável qualidade de vida. Mas tudo que o Grêmio fizesse por ele sempre seria pouco comparado à dimensão que Everaldo representa para gloriosa trajetória do clube gaúcho.

Após a Copa de 70, Everaldo desfilaria pela Porto Alegre sentado em um trono e ganharia muitos outros bens materiais pelo seu heroísmo no México. Do presidente Emílio Garrastazu Médici, ele e todos os companheiros do “tri” receberam um cheque de 25 mil cruzeiros e uma caderneta de poupança de 5 mil cruzeiros. Quando desembarcou em Porto Alegre, recebeu uma TV, um aspirador de pó, uma bandeja de prata, uma placa de bronze, uma chuteira de bronze e dezoito pares de sapato produzidos em Novo Hamburgo, uma taça prateada, vinte garrafas de vinho fabricados em Bento Gonçalves, um troféu da emissora de TV Piratini e um título de sócio honorário da Federação Gaúcha de Futebol que lhe garantia acesso livre aos estádios de qualquer canto do país.

Everaldo era uma sumidade. Acreditava que ficaria rico após o título de 70. Era humilde e, como o descreveu Divino Fonseca, um tanto “ingênuo”. Acreditava piamente que abriria uma loja para explorara Loteria Esportiva. Pelos seus cálculos, ficaria rico em pouco tempo com a lojinha. Afinal, tinha de aproveitar a bajulação. Era incessante o entra e sai de fãs, amigos e “amigos” de Everaldo no apartamento 303, na rua Jerônimo Ornelas, nº 28. Cleci, esposa do jogador que estava grávida, atendia a inúmeros telefonemas de donos de lojas, restaurantes e boates que insistiam em convidar o casal para homenagear o grande campeão mundial. Até um agende de publicidade Everaldo contratou para filtrar os convites. Quando o campo de futebol lhe dava uma folga, Everaldo escrevia crônicas para o jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Ganhava 100 cruzeiros por artigo e, de tabuada em punho, concluíra: “São 30 textos para contar toda a minha história na Copa do Mundo, vou ganhar 30 mil cruzeiros ao final”. Queria ficar rico, o grande ídolo.


Everaldo Marques da Silva era reserva da melhor seleção de futebol de todos os tempos. Naquele time de 70, enquanto o mundo só tinha olhos para Gérson, Clodoaldo, Carlos Alberto Torres, Rivelino, Jairzinho, Tostão e o Rei Pelé, Everaldo, que ocupara a vaga de Marco Antônio, cumpria a risca seu papel de garantir consistência à marcação e fechar a defesa. Aliás, sua principal característica como jogador era justamente a capacidade de defender, embora também atacasse com muita qualidade.

Com a seleção, Everaldo conquistou as maiores glórias de sua vida. Foi campeão da Copa de 1970 e graças a este título virou uma das estrelas da bandeira do Grêmio, clube pelo qual jogou quase toda a carreira. Quando retornou a Porto Alegre, no dia 24 de junho, após a conquista do tricampeonato foi recebido como um verdadeiro herói por uma multidão de aproximadamente 200 mil pessoas. A chegada parecia a de um pop star! O avião que trazia o único jogador de um clube gaúcho na delegação tricampeã foi escoltado pela FAB e, ao desembarcar, Everaldo foi recebido no Palácio Piratini pelo governador Walter Perachi de Barcelos.

Ao descer do avião, no aeroporto de Porto Alegre, Everaldo ficou espantado com a multidão que o cercava, com cerca de 5 mil pessoas [as que Everaldo pôde mensurar]. Perguntou ao presidente Flávio Obino e ao vice-presidente Sérgio Ilha Moreira: “Esse povo todo está aqui por minha causa?”


Everaldo voltou tricampeão do mundo e não eram só os gremistas que o aguardavam, mas o povo gaúcho. Do aeroporto até o Palácio Piratini, onde foi recebido pelo então governador Perachi Barcelos, Everaldo foi ovacionado por fãs que contavam 300 mil, a maior concentração pública numa extensão de 7 quilômetros. Fato inédito.

Ao descer o último degrau da escada do avião, Everaldo sorriu e, em seguida, soluçou. Intercalava riso e choro, erguendo os braços e procurava a esposa, a filha, os irmãos e a mãe com o olhar emocionado. Nem mesmo Figueroa e Falcão, dois ídolos renomados do Inter nos anos de 1970, nem outro jogador gremista posterior ao tempo de Everaldo foram agraciados na mesma proporção do ex-lateral esquerdo no Rio Grande do Sul.

Everaldo distribuiu autógrafos por uma semana, ganhou prêmios, homenagens públicas e foi convidado para banquetes. Pela primeira vez, um jogador do Grêmio sentou ao lado do presidente do Conselho Deliberativo e do presidente do clube. Ele motivou uma reunião extraordinária e festiva do alto órgão diretivo do clube.

Diante de tanta glória proporcionada pelo ídolo, a diretoria do Tricolor resolveu prestar-lhe uma homenagem: desde o dia 30 de junho de 1970, estampa-se uma estrela dourada na bandeira do Grêmio. A estrela é Everaldo. “Com toda a sinceridade, sinto-me feliz. Mais feliz ainda porque senti, ainda lá no México, como estaria o meu povo aqui no Brasil. Quando terminou o jogo, em segundos, eu vi o Brasil inteiro rindo e chorando. Vi a minha Porto Alegre, todos os seus bairros; vi o Olímpico, a minha turma, os jogadores e dirigentes do Grêmio; vi a minha esposa, minha filha, meus irmãos e minha mãe. Vi todos direitinho. Eles pulavam, gritavam, se abraçavam. Quando retornei, foi apenas a repetição do que já sentira lá no México. Tudo isso foi para mim motivo de alegria. Sou tricampeão do mundo. Para mim é um incentivo. Eu sei que agora tenho a obrigação de acertar sempre. Como pessoa, continuo igual. Acho, até, que nem preciso explicar. O meu prêmio maior, repito, foi ter podido ajudar o Brasil a conquistar o título. Para o Grêmio, que é o meu clube de coração, a conquista do tricampeonato representou muito.”


Nascido em Porto Alegre, no dia 11 de setembro de 1944, Everaldo, que começou jogando no Marabá, do bairro da Glória, chegou ao Grêmio com apenas 13 anos de idade para atuar nas categorias de base do clube. Vestiu pela primeira vez o manto sagrado do time profissional, no dia 18 de novembro de 1962, quando o Grêmio perdeu de 2 a 0 para a seleção gaúcha. Em seguida, Everaldo foi reintegrado ao time juvenil. Voltaria, definitivamente, ao time principal no dia 16 de janeiro de 1966, para nunca mais sair da lateral-esquerda. E com toda a pompa. O Grêmio massacrara o Itapuí de Guaíba pelo placar de 9 a 0.

Além do tricolor dos Pampas, o outro clube que Everaldo defendeu foi o Juventude. Porém, ficou duas temporadas [1964 e 65] na Serra Gaúcha e, em 1966, retornou ao clube que o revelou para não mais sair.

Com o Grêmio, conquistou quatro títulos gaúchos [1966, 67 e 68]. Era um jogador muito leal tanto que conquistou o prêmio Belfort Duarte. No entanto, em 1972, durante uma partida contra o Cruzeiro se desentendeu com o árbitro José Faville Neto e o agrediu. O ato de indisciplina lhe rendeu uma suspensão de um ano.

Everaldo gostava de samba. Foi ritmista da escola de samba Bambas da Orgia, o grêmio carnavalesco mais antigo de Porto Alegre e um dos mais populares da cidade. Mas a sua vida festiva e de glórias inigualáveis teve prazo. Um lamentável prazo curto.


No dia 27 de outubro de 1974, a vida do jogador, que se preparava para encerrar a carreira, foi interrompida bruscamente quando o carro que dirigia, um Dodge Dart, bateu violentamente em um caminhão na BR-290. No acidente, morreram Everaldo, então com apenas 30 anos de idade, a esposa e a filha.

Assim como Eurico Lara, lendário goleiro gremista, o lateral tricampeão mundial no México saiu dos gramados para entrar no Olimpo dos mitos tricolores. O craque disputou 364 jogos pelo Grêmio e marcou apenas dois gols. Se Eurico Lara teve o nome imortalizado no hino do clube, a estrela de ouro na bandeira gremista simboliza Everaldo por ter sido o primeiro jogador do tricolor gaúcho a se sagrar campeão mundial.

BECKENBAUER ÍDOLO

por André Felipe de Lima


“Olhe, tenho cinco filhos. Tive os três primeiros aos 23 anos. Não os vi crescer; estava focado no futebol. Negligenciei totalmente meus deveres como pai. Agora, recebi o presente de mais dois filhos. Se negligenciá-los, farei tudo errado novamente”. Confessar o erro é o começo para a transformação do amor. Franz Beckenbauer, o “Kaiser”, o maior jogador de futebol da Alemanha em todos os tempos e um dos “deuses” da história do futebol mundial, teve uma carreira irretocável dentro dos gramados. Dedicou-se ao extremo. Pagou um preço alto por isso: a distância da família. A confissão, feita em longa entrevista concedida em 2006, aos repórteres Jürgen Leinemann e Alfred Weinzierl, da Der Spiegel, sintetiza a importância de Beckenbauer como ídolo e figura pública para os alemães. Um camarada sincero, que não escamoteia.

Quando garoto torcia fervorosamente pelo TSV 1860, de Munique, rival do Bayern. Ele e o amigo Sepp Maier gostavam de jogar tênis, mas um dia Beckenbauer, durante uma pelada, recomendou ao Maier que ficasse no arco. Pintava ali o magistral goleiro do futuro, que se tornaria o maior goleiro da história do Bayern.

Beckenbauer realizara o sonho de todo menino: jogar pelo time do coração. Conseguira ingressar nos times infantis do TSV. Mas durante uma pelada ele saiu no tapa com meninos com quem jogava no clube. Acabou o amor. Torcer pelo TSV era passado. A desenvoltura do menino era, contudo, tão eloquente, que o rival do TSV acabou pescando-o para suas fileiras de craques, que começavam a escrever uma das páginas mais significativas do futebol germânico. Enfim, Beckenbauer iniciava sua trajetória no Bayern em 1965, como líbero, posição que o tornou célebre e a principal referência histórica. “Gostei de assumir um papel no flanco de trás. Eu era capaz de jogar com total liberdade; podia me apoiar em jogadores como (Uwe) Seeler, Willi Schulz e Karl-Heinz Schnellinger. Aqueles eram caras de verdade. Eles foram bem sucedidos. Atualmente, em quem um jovem jogador pode se apoiar? Ele vai cair!”.


Beckenbauer está certo. Um ídolo, para que exista, necessita da história anterior de outros ídolos. É como se os craques verdadeiros herdassem de geração a geração a chama do ídolo. No futebol brasileiro estamos perdendo o contato com a história dos ídolos do passado, dos próprios grandes clubes. Como frisou Beckenbauer, um jovem craque da atualidade “cairá”, ficará perdido sem a chama que deveria herdar de outro ídolo.

Mas hoje é o dia de Beckenbauer, que nasceu em Munique, no dia 11 de setembro 1945. Brotou daquela Alemanha dividida e dilacerada o maior ídolo do futebol que os germânicos reverenciariam nas décadas seguintes. O garoto cresceu no bairro de Giesing, como escreveu Torsten Körner, biógrafo do Kaiser, o campo de futebol era o “viveiro” de Beckenbauer, que adorava jogar peladas nas ruas antes de ingressar Bayern. Onde havia uma bola de futebol, lá estava o garoto. Jogou no time da escola e até mesmo no da igreja. Peladeiro de raiz e fominha, diríamos por aqui. O garoto Beckenbauer não ficava de fora das peladas que rolassem no velho Giesing, que por ironia é a casa do TSV.

Mas o Beckenbauer era tão bom de bola que, para entrar em campo com o time profissional do Bayern, teve de obter uma autorização especial da Federação Alemã de Futebol. Isso por volta de 1964/65, quando o Bayern retornava à primeira divisão do futebol alemão, a Bundesliga.

O treinador Zlatko Čajkovski foi que começou a moldá-lo para o futebol. Recomendava que o magricelo ganhasse mais peso. Tinha de comer mais. Mulher, cigarro e cerveja, nem pensar, como descreveu Körner. E deu certo, Em 1965 o garoto já estava escalado na seleção nacional, que se preparava para a Copa do Mundo que seria realizada no ano seguinte, na Inglaterra, e foi naquele Mundial que o planeta curvou-se ao genial garoto alemão, que não conquistou a Copa, mas mostrou que a escola de futebol da Alemanha não parou no título mundial de 1954. Começou a Copa de 66 no meio de campo e anos mais tarde o treinador Helmut Schön perceberia em Beckenbauer uma indiscutível vocação líbero. De 1966 em diante, era inimaginável um escrete germânico sem o Kaiser. Inimaginável também conferir uma escalação do Bayern sem ele. Clube do qual é o eterno capitão e que defendeu com brio incomum 424 vezes, assinalando 44 gols. Foi campeão da Bundesliga em 1969, 1972, 1973 e 1974; da Liga dos Campeões da Europa em 1973/74, 1974/75 e 1975/76 e Mundial Interclubes em 1976.


A primeira metade da década de 1970 foi mágica para o Kaiser. Ganhava tudo com o Bayern, e com a seleção alemã não foi diferente. Na Copa do Mundo de 1970, no México, impressionou o mundo ao permanecer em campo na semifinal contra a Itália, mesmo com a clavícula fraturada. Ídolo, herói… mito. Beckenbauer foi um jogador extraordinário.

A recompensa viria na Copa seguinte, com a Alemanha desbancando a poderosa Holanda, de Cruyff. Inesquecível vê-lo erguendo a nova Copa do Mundo, que substituíra a finada Jules Rimet, roubada e derretida no Brasil. Em 1977, após conquistar o Mundial Interclubes com o Bayern, Beckenbauer partira para uma aventura arriscada: fazer o americano gostar de futebol. E lá foi ele jogar ao lado do Pelé e do Carlos Alberto Torres, de quem se tornou amigo inseparável, no New York Cosmos. Foi campeão americano em 1977, 1978 e 1980.


O período nos Estados Unidos foi o emblema do distanciamento do Kaiser de sua amada seleção alemã. Poderia perfeitamente ir à Copa de 1978, na Argentina, mas, inexplicavelmente, a Federação Alemã de Futebol impediu que jogadores que atuassem fora do país fossem convocados. Mas por pouco essa regra estapafúrdica não foi pelos ares. Semanas antes do embarque do escrete para Buenos Aires, o treinador Helmut Schön ligou para Beckenbauer, que atendeu ao telefone às quatro horas da matina, em Los Angeles. “Ele perguntou se havia uma chance de me recuperar. Mas nenhum funcionário de alto escalão da DFB (Federação Alemã) ligou para pedir ao Cosmos que me liberasse. Enviaram o secretário-geral da associação de futebol americano, que obviamente não passou pelo porteiro (da sede da DFB). Então eu disse: ‘Não, vocês mostraram que não estão realmente interessados em minha participação (na Copa)”. O Kaiser só voltaria a brilhar com a seleção alemã em 1990, como treinador da Alemanha tricampeã mundial. Não falta mais nada ao maior dos maiores do futebol alemão. Pena ter sido o craque mencionado em um rumoroso caso de corrupção durante a escolha da Alemanha como sede da Copa do Mundo de 2006. Beckenbauer, segundo a Der Spiegel, teria recebido mais de 5 milhões de euros como chefe do comitê de organização da Copa, sobre os quais não pagou impostos. O Kaiser nega até hoje as acusações, e diz que a quantia recebida originou-se de publicidade e está devidamente declarada em impostos. Logo após a Copa de 2006, a revista Stern perguntou aos alemães se Beckenbauer mereceria manter o honroso apelido de Kaiser. Mais da metade dos entrevistados responderam com um rotundo “não”. Mas 35% votaram a favor da manutenção do Kaiser no “trono” do futebol alemão.

Pena que a sinceridade que sempre marcou a carreira de Beckenbauer tenha sido manchada por esse episódio. O povo alemão, em geral, não perdoa escorregões dessa natureza. Mas o Kaiser, apesar do imbróglio da Copa de 2006, é um ídolo. Como na Grécia Antiga, os deuses também cometeram deslizes, e assim caminha humanidade. Para o bem ou para o mal.

NÚMEROS E MARCAS

por Idel Halfen


No mercado de bens de consumo e até de varejo não é incomum encontrar produtos que agregam algum número ao nome para assim formarem uma marca. A título de exemplos podemos citar: a loja de conveniência 7-Eleven, o refrigerante 7up, a empresa 3M e o perfume Chanel No 5, entre outros. Aliás, até no esporte a utilização de algarismos começa a ganhar corpo, vide a solidificação da marca 70.3 para nominar as provas com a distância de um meio ironman organizadas pela World Triathlon Corporation.

Apesar de essas marcas possuírem razões que justificam a incorporação dos respectivos números, há também o aspecto que visa facilitar a lembrança e a comunicação, além, é claro, de ajudar na diferenciação do produto. 


Ato contínuo vemos no futebol um movimento similar, onde os jogadores passam a incorporar o número da camisa com que costumam jogar a seu nome ou sigla para assim construírem uma marca. CR7 e R9 exemplificam bem essa tendência. 

Também é cada vez mais frequente ver clubes adotando numeração fixa para seus jogadores, uma iniciativa bastante interessante como forma de construção de marca para os atletas e também, de forma indireta, para os clubes que se valorizam em função do co-branding (associação a marcas fortes). 

Há no entanto alguns dogmas relativos a essa opção de numeração, os quais costumam exaltar em demasia a iniciativa, deixando-a como quase que perfeita. 

Um desses dogmas preconiza que a numeração fixa permite avaliar a popularidade dos jogadores, pois, quanto maior for a venda de uma camisa com dado número, mais popular é o jogador que com ela atua. Apesar de parecer algo lógico não é assim que a coisa funciona. 

Inicialmente deve ficar claro que é possível ter informações sobre a popularidade sem a necessidade de se inventariar a venda de camisas. 

Além do que, dificilmente veremos camisas em ponto de vendas com os números previamente afixados, pois isso aumentaria o risco de perda do produto, ou seja, caso não haja a demanda estimada por alguma numeração as peças ficariam encalhadas. Em vista disso, os números costumam ser vendidos separadamente e aplicados na própria loja ou em locais especializados. 

Portanto, caso se pretendesse mensurar a popularidade dos jogadores em função de vendas de produtos, deveriam compilar a venda dos “números” em cada loja, tarefa que não é das mais fáceis em função da quantidade de pontos de vendas. Outra possibilidade seria obter a informação da venda do fabricante ao varejo, o que também não é assertivo, visto que estar na loja não significa que a venda ao consumidor final se efetive. 


Complica também a apuração a existência de números com dois algarismos, isto é, uma venda expressiva do número “um”, por exemplo, não significa que o dono dessa camisa é o mais popular, visto que esse algarismo pode ser usado para composição de outros números. Querer que o responsável pela aplicação faça o registro do que está sendo colado não parece razoável, pois demandaria mais tempo de um funcionário que exerce outras funções no estabelecimento. 

Ainda como crítica a esse “benefício” devemos considerar que existe a possibilidade dos resultados serem mascarados por questões ligadas a ruptura do estoque, o que faz com que o cliente deixe de comprar algum número por ele não estar disponível, acarretando na escolha de outro ou de nenhum, situações que enviesariam a informação que se busca. Isso sem falar que a escolha pode vir a se dar pela preferência ao número e não ao jogador que o utiliza.

Todos esses pontos elencados não pretendem de forma alguma colocar em dúvida a eficácia da numeração fixa em grandes times, onde uma eventual despesa extra com os cromos pouco impacta no orçamento, até porque, como foi escrito acima, há a possibilidade de ser obter retorno através do fortalecimento da marca. 

A intenção de listar os “problemas” foi mostrar a necessidade de se conhecer e analisar todos os processos da cadeia que dará valor à operação, ao invés de simplesmente “achar”, ou pior, repetir o que os que “acham” insistem em preconizar.

MUITO PRAZER, CARLOS ROBERTO!

por Walter Duarte


Manhã de sol de um Sábado de final de inverno no Rio de Janeiro. Céu azul e aquela paisagem deslumbrante da Zona Sul Carioca. Lá vou eu com a família visitar o Forte Copacabana e conhecer de perto toda aquela rica história de um Brasil do passado e as relíquias do Museu ali muito bem preservadas.

Recebo uma ligação do Amigo Carlos Fernando “Caca” para um “bate bola” em Ipanema no tradicional Botequim Popeye, e de pronto respondo baixinho:

– Aguarda um pouco, vou desenrolar com esposa e te encontro aí pelo meio dia.

“Liberado”, vou a pé mesmo pelo Arpoador aproveitando todo aquele visual nestas curtas visitas ao Rio. Chegando lá encontro com outros Campistas radicados no Rio como o Marcos Vergalhão e Jorge “PC”, um grande motivo para boa resenha de futebol e um chopp, é claro.


Apesar de tantas coisas ruins acontecendo no país, motivos de grandes embates, incluindo os ideológicos, passamos bons momentos e discutimos também os caminhos e descaminhos do futebol brasileiro. Papo vai, papo vem, eis que adentra ao recinto um Senhor sorridente e que eu conhecia de algum lugar. O Caca me apresenta.

– Waltinho, você sabe quem é esse aí?

Respondo:

– Rapaz, acho que sim, mas não sei se é…

Ele responde:

– Muito prazer, Carlos Roberto! 

A partir daí, passei a conhecer uma figura de rara simpatia e evidentemente muita bagagem no futebol. Falamos do “futebol clássico”, da sua experiência como volante do Botafogo campeão de 67/68 e de tantos momentos vividos por ele ao lado de lendas do futebol. Recordamos também de suas experiências como treinador, sendo campeão carioca em 2006 pelo Botafogo, sua passagem positiva no Americano de Campos em 85 e a admiração de jogadores de lá, em especial o incansável volante Índio.

Perguntei a ele das dificuldades que qualquer jovem jogador teria para pleitear uma vaga no Botafogo daquela época. Ele respondeu com a sabedoria de quem passou pelo crivo de grandes treinadores:

– Para se dar bem aqui você não pode errar passes! 

Certamente essa foi a receita do sucesso do Carlos Roberto. A sua eficiência e regularidade para dar sustentação àquele time mágico que ele recitou como poesia para todos presentes:


– Cao, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Waltencir, Carlos Roberto e Gérson, Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo Cezar Caju.

Nos despedimos e, satisfeito com aquela resenha descontraída, retorno para Copa com um motivo importante para justificar “aquela escapada”. Um dia que foi iniciado com um passeio histórico, terminando com uma aula de futebol de um importante profissional que faz parte de uma era gloriosa do futebol Brasileiro.

Ao decidir escrever estas linhas, retornando a Campos no domingo, fico sabendo do incêndio do Museu Nacional. Tragédia anunciada pelo descaso com a coisa pública. Façamos nossas reflexões de quanto é importante valorizar nossa história, riquezas e identidade enquanto povo.

WALDO, O MAIOR ARTILHEIRO TRICOLOR

por André Felipe de Lima


Certa vez o poeta Victor Hugo deparou-se com estupenda interpretação da atriz Sarah Bernhardt, em A Dama das Camélias. A cada ato, bradava: “É a maior! É a maior”. Ao final da épica e insofismável apresentação da diva entre as divas da história do teatro, Victor Hugo em seu, digamos, périplo até o camarim empurra a todos que vê pela frente. Nos bastidores, berra: “Divina! Divina!”. Pois bem, aconteceu algo parecido após um Vasco e Fluminense. A pertinaz analogia não é deste cronista, mas de outro, anos luz superior: Nelson Rodrigues. “Anteontem, eu me lembrei de Vitor Hugo pelo seguinte: — no vestiário, depois do jogo, estava lá um pó-de-arroz desvairado. Ele varara as vagas sucessivas de funcionários da ADEM [Administração dos Estádios Municipais]. Com essa eficácia do penetra nato e hereditário, conseguira descer aos subterrâneos do Maracanã. E, enfim, entrara no vestiário tricolor. Aconteceu então o seguinte: — diante de Valdo, que ainda pingava de suor épico, o torcedor abriu os braços e soluçou: — ‘Divino!’. E tornou, convulsivamente: — ‘Divino!”.

Waldo — cuja grafia correta é com w e não v, como escreviam os jornais dos anos de 1950 e 60 — foi exultante, aos olhos de Nelson Rodrigues , diante do Vasco. Marcou gols aos montes no goleiro Barbosa. “Jamais Valdo foi tão Valdo, tão ele mesmo […] nem a falecida Sarah Bernhardt faria melhor […] E quando soou o apito final, cada um de nós era um Victor Hugo diante de Sarah Bernhardt. O torcedor anônimo e ignaro não falou por si, falou por todos. Ele resumia um Juízo Final e unânime. Todos nós achamos Valdo ‘divino’ da cabeça aos sapatos”.


E o placar resoluto apontava: Waldo 3, Vasco 2, com gols de Pinga e Delém, diante de um Maracanã apinhado de Sarahs Bernhardt no dia 31 de março de 1960. 
Waldo Machado da Silva é até hoje o maior artilheiro da história do Fluminense. Figuraria facilmente em listas que apontam o maior esquadrão tricolor em todos os tempos. Mas, apesar dos 319 gols [em 403 jogos] que marcou com a camisa do Fluminense, a memória social turva vem fazendo dele personagem rara nas rodas de conversa entre torcedores do Tricolor.

De 1954 até 1961, ninguém brilhou mais que Waldo nas Laranjeiras. Nem mesmo Telê Santana. Talvez Castilho… é verdade. Para quem Waldo perderia, talvez, no photochart. Foi daqueles centroavantes trombadores capazes de fazer gols em profusão e de qualquer maneira. Waldo cabia perfeitamente na brilhante frase de Dadá Maravilha: “Não existe gol feio. Feio é não fazer gol”. E tantos gols com a camisa Tricolor devem-se, sobretudo, aos passes de Didi, Maurinho e Telê Santana, que jogavam mais bola que Waldo. Outra verdade inquestionável. Mas isso não vem ao caso. O que importava era Waldo entrar nos gramados e fazer gols de cabeça, de pé direito, de pé esquerdo, de peito, de carrinho, de bico, de peito de pé, de sola, de canela, de joelho… só não fazia perder gols. Até hoje, ao lado de Heleno de Freitas, é quem mais gols marcou em clássicos entre Fluminense e Botafogo. Por dezesseis vezes balançou as redes alvinegras.

Waldo foi artilheiro do campeonato estadual de 1956, com 22 gols, e campeão em 1959. Foi também campeão do Torneio Rio-São Paulo nos anos de 1957 e 60, e artilheiro com 13 e 11 gols, respectivamente. Em 1960, seu passe acabou negociado com o Valência, da Espanha.

Na terra das touradas e do flamenco, seu faro de gol continuou apurado. Os 160 tentos com a camisa do Valência, a artilharia do campeonato espanhol na temporada de 1966/ 67, com 24 gols, e o bicampeonato da Copa da Uefa [1962 e 63] não deixam margem para dúvidas.


O grande Waldo nasceu em São Gonçalo, no dia 9 de setembro de 1934 e terminou a carreira no futebol espanhol. Após defender o Valência — até 1969 — e se consagrar como um dos maiores jogadores da história do clube defendeu o Hércules, de Alicante, e o Torrente, onde encerrou a carreira em 1976. Waldo mora até hoje na Espanha e dirige escolas de futebol.

Apesar da notoriedade, o centroavante só atuou pela seleção brasileira em quatro oportunidades. Pouco para muitos, mas não para o oportunista Waldo, que marcou dois gols.

Ao longo da carreira, Waldo marcou cerca de 500 gols. Pelo Flu, 319 [54 a 61]; pelo Valência, 160 [61 a 69]; pela seleção carioca, 6, e pela nacional, [1960], dois gols . Outra estatística incomensurável do maior artilheiro da história do Fluminense é o título de maior goleador brasileiro na história do futebol espanhol até 2006, façanha que foi superada por Ronaldo, o “Fenômeno”, quando este defendia o Barcelona e o Real Madrid.

Waldo esteve há alguns anos no Rio de Janeiro. Quem o trouxe foi o amigo e tricolor inconteste Valterson Botelho, autor da imperdível biografia do artilheiro, cujo título é “Waldo, o artilheiro”. Justa e merecida homenagem ao maior de todos os centroavantes que pisaram a grama da histórica Laranjeiras.