DA PELADA NASCEU JOEL CAMARGO, A ‘FERA’ MAIOR DO SALDANHA
por André Felipe de Lima
“Besouro!”. Gritou, durante uma pelada, um amigo para o menino Joel Camargo. “Essa é a sua chance!”, completou. E era mesmo a grande oportunidade do garoto, quando, em 1963, um tal Arnaldo de Oliveira, sócio da Portuguesa Santista, viu-o jogar bola pelo time de peladas “XV de Novembro”, do Marapé, bairro de Santos. A família Camargo morava na rua Antônio Bento de Amorim, no mesmo bairro da pelada que revelou Joel Camargo para o mundo. Quem não gostou muito da ideia foi dona Jordélia, a rigorosa mãe. O rapaz perderia o emprego na Delta Line, onde também trabalhava há anos o pai Antônio Camargo, e deixaria de estudar. Os diretores da Portuguesa cobriram o salário minguado do garoto. O sucesso seria inevitável. Muito bem preparado por Joaquim Feliz, Joel mostrava-se a cada treino um jogador fora da curva. Excepcional. O Santos pintou na jogada em 1964, e o levou para a Vila Belmiro a pedido o técnico Lula.
Da pelada das ruas do Marapé para as gramas dos estádios paulistas, foi mesmo um pulo. Joel passou a ganhar muito mais dinheiro jogando bola pelo Alvinegro praiano que no humilde emprego da Delta Line. A mãe deu a mão à palmatória. A profissão do filho era mesmo a de jogador de futebol. Silvio, o irmão caçula, então com 14 anos, lucrou com o sucesso do mano mais velho. A mamãe, até então “pé firme”, estava mais mansa, deixando-o também jogar bola. Todo mundo dizia que Silvio era melhor que Joel; que ele jogava mais bola e tal. Joel, em várias entrevistas, reconhecia isso, mas com o nariz meio torto. Os outros dois irmãos, o Jarbas e o Gilberto, também jogavam bola como Joel, que no iniciozinho de Santos tinha como principais conselheiros os consagrados Dalmo, Lima e Mauro Ramos de Oliveira. Na posição dele, a quarta zaga, havia dois medalhões: Haroldo e Calvet. Mas Joel também jogava às vezes como médio volante. Foi essa versatilidade que o levou à seleção brasileira num passe de mágica, e logo no primeiro ano de Santos.
Joel era um zagueiro estiloso, mas que não mandava recado aos atacantes. Se tivesse de descer a lenha em quem entrasse na área santista ou da seleção, não pestanejava. Todos esses, digamos, preceitos encantaram João Saldanha, o técnico da seleção brasileira que se preparava para a Copa do Mundo de 1970. João — pessoa maravilhosa, porém notório “pavio curto” — orgulhava-se de suas “feras”. Uma delas, talvez a “fera das feras”, o Joel Camargo, definido pelo João “Sem medo” como o “melhor quarto-zagueiro do mundo”. Com a saída de João da seleção por injustos e covardes motivos políticos, Joel estava com os dias contados na seleção. Por pouco foi sacado da lista do novo treinador Zagallo. Revelaria tempos depois que houve uma pressão enorme sobre os “queridos” do Saldanha. Lídio Toledo, médico da comissão técnica que assumiria o escrete após a saída de Saldanha, intimou-o a operar as amídalas, caso contrário, estaria fora da Copa. Com medo, Joel, que desistira da cirurgia anos antes, no Santos, acatou a ordem do médico e submeteu-se a desnecessária operação. Ficou fraco, comia muito pouco. Joel não tinha o mesmo vigor mostrado por outros jogadores do escrete. Apesar disso, o “melhor quarto-zagueiro do mundo” do Saldanha foi mantido na lista do Zagallo, porém amargaria a reserva na campanha do “Tri”, no México. Zagallo recuara o volante Piazza, que formaria a dupla de zaga com Brito. A imprensa, sobretudo a paulista, chiou. Joel Camargo estava no auge. Era, sem dúvida, o melhor zagueiro do país na ocasião. O “Açucareiro”, como o chamava o comentarista Mario Moraes, porque Joel simplesmente jogava bonito, como se deve jogar futebol. “Açucareiro” pelos braços abertos e a “doçura” pelos passes milimetricamente precisos. Joel tinha pinta de líbero. Sim, de líbero igualzinho ao alemão Beckenbauer, contemporâneo dele. Jogava na zaga, mas transitava pelo meio de campo. Jogava assim no Santos, sob o comando do Lula; chegou a jogar assim com Saldanha, na seleção, mas parou no Zagallo. Ali, o “líbero” Joel encontrou seu fim. Logo ele, o “Senador”, outro apelido alusivo à sua elegância com a bola nos pés.
Após a vitoriosa campanha na Copa do Mundo de 1970, a vida de Joel Camargo virou de pernas para o ar. A morte rondava-o. Não por doença, mas pelas curvas e ruas de Santos. Joel sofreu dois graves acidentes de carro. Um deles, em novembro daquele mesmo ano do Mundial, com o Opala vermelho que o zagueiro comprou com o “bicho” que recebeu pelo “Tri”. Na tragédia, duas mulheres morreram: Olga Queija e Dilma Muniz Cardoso. Joel seguiu desacordado para a Santa Casa de Santos. Durante dias esteve muito mal. Quebrou o nariz (àquela altura, o de menos) e fez cirurgias no joelho, no tornozelo e na clavícula. Por causa do acidente, foi condenado por homicídio culposo, mas cumpriu a pena de um ano e oito meses em liberdade.
Dentro de campo, não era mais o mesmo cracaço. Estava na reserva do Santos, mas ainda mantinha a imagem de jogador brioso. Após a tragédia automobilística, os cartolas do alvinegro decidiram que na Vila Belmiro não dava pé. Não negociaram o passe dele. Naquela circunstância, um jogador ainda jovem como Joel, o passe livre soaria como desprezo. E foi exatamente assim que aconteceu. A diretoria não o queria mais na Vila Belmiro. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, o diretor de futebol Katutoshi Ono encabeçou a lista dos insatisfeitos com Joel. Nela constariam até Mauro Ramos de Oliveira (que um dia foi referência para Joel) e Pepe, ídolos do clube: “Saí do clube por causa da minha imagem negativa. Se eu fosse encarado como um bonzinho, não ganharia o passe, porque ninguém libera jogador que está por cima. Acredito que julgaram que eu seria prejudicial se permanecesse lá”.
Ofereceram o passe de Joel Camargo ao futebol francês. Foi a primeira grande estrela do futebol brasileiro a defender, entre o final de 1971 e fevereiro de 1972, o hoje badalado e milionário Paris Saint Germain, dos arquimilionários Neymar, Cavani e Mbappé. Ficou poucos meses na capital francesa. A família, sobretudo a pequena Simone, com poucos meses, não se adaptava ao clima local. A menina vivia doente. A esposa e Joel tinham extrema dificuldade com o idioma. Joel ouvia em francês as reclamações do técnico. Respondia em sonoro palavreado de baixo calão português. Ele, esposa e filha estavam completamente isolados. Os cartolas franceses aceitaram o pedido do deprimido Joel, que deseja voltar ao Brasil após o término do curto contrato.
O regresso mostrou-se uma lástima para o craque. Nada dava certo. Esperava uma volta triunfal, com clubes disputando a tapa o seu passe e com a torcida entoando seu nome nas arquibancadas. Nada disso aconteceu. Longe disso, perambulava por times pequenos, de norte a sul do país. Em setembro de 1973, o CRB, de Alagoas, dispensou-o porque o jogador “havia viajado para destino ignorado” e “vinha cometendo indisciplinas”. Reportagem do jornal Folha de S.Paulo alegava que Joel mostrava um lado visceral preocupante. Brigava com companheiros do time, gritando com todos em treinos e jogos, e tentara até agredir José Casado, um cartola do clube.
Joel dizia que, desde que sofrera aqueles dois acidentes de carro, a opinião pública e a imprensa o perseguiam, acusando-o de ter dirigido embriagado. Negava ter bebido naquela noite do acidente e acusava os críticos de racismo. Foi ele um dos primeiros jogadores a tocar no assunto abertamente, e em alto e bom som, no futebol brasileiro. “O preconceito existe, e eu sempre falei disso. Na época do acidente, fui crucificado por causa da minha cor. Eu era o único que falava de preconceito naquela época. Meus colegas de time me chamavam de radical, mascarado, pediam pra eu deixar essas coisas pra lá. Fui dar entrevista uma vez e queriam que eu dissesse que não existia preconceito no Brasil. Porra, eu sou preto! Sei como as coisas funcionam. O pessoal diz que eu sou orgulhoso, mas, hoje em dia, para um crioulo como eu ser proprietário de um apartamento em edifício a uma quadra da praia, entrar no elevador e cruzar com o vizinho, é jogo duro. O preconceito de cor é do c… Não querem saber se eu fui jogador. Até a vizinhança aqui se acostumar comigo foram anos. Só quem é preto sabe. E ainda dizem que o negro é preconceituoso. O Pelé, por exemplo, acha que fez muito na luta contra o racismo. Mas ele não fez porra nenhuma. Sempre olhou o lado dele. Imagina se o Pelé tivesse se casado com uma negra? Seria fantástico.”, recordou Joel Camargo, em 2014, em depoimento ao repórter Breiller Pires, da revista Placar.
Para se ter uma ideia da má vontade com Joel, basta resgatar o título de uma reportagem da Folha de S.Paulo, de 1973: “O mesmo Joel, frio e amargo”. O repórter o definia como um sujeito “introvertido”, mas que dava sempre a impressão de estar “mal-humorado”, “revoltado”. “Um desconfiado”. “E Joel não faz nenhum esforço para parecer diferente”, escreveu o jornalista. A mesma reportagem também cometera o sacrilégio ao afirmar que o futebol de Joel Camargo foi apenas “bom”. “Prepotente”. Essa era a palavra mais comum com a qual boa parte da imprensa injustamente e sem alteridade o definia.
“Eu vou voltar. Eu quero voltar. E sei que vou conseguir. Não penso em provar para este ou aquele que fui injustiçado, esquecido ou magoado ou sei lá o quê. Eu vou voltar por mim”. Joel não voltaria mais. Com as críticas e o desempenho aquém do que sempre foi capaz, Joel dava adeus ao futebol.
Com cerca de 30 anos, e ainda com o vigor ideal para jogar tudo o que sabia, optou por outro caminho: o cais do porto de Santos. Durante 20 anos, foi estivador. Com 55 anos, aposentou-se. Vendeu medalhas e troféus. Tudo, enfim, que conquistara com o futebol. “Entrevistem Pepe, Mengálvio, Coutinho. Procurem o Zito. Eu sou apenas um estivador”.
Lutava contra o alcoolismo e a diabete, que lhe obrigou a amputar um dedo do pé. Em fevereiro de 2009, um baque. Perdera a esposa Arina Werneck Camargo, companheira que muitas vezes puxou a orelha de Joel, pedindo ao marido que parasse de beber por conta da doença. Com a morte de Arina, o quadro depressivo intensificara-se. Simone, a filha única que chegara bem miúda a Paris em 1971, cuidou do pai até o fim, quando Joel decidiu partir para sempre, logo após as revelações que fez ao Breiller Pires e pouco antes de começar mais uma Copa do Mundo na história do futebol brasileiro. A lamentável Copa de 2014, que Joel, o “melhor quarto-zagueiro do mundo” certamente não veria, pois o futebol há tempos o abandonara. Bem antes de sua morte.
O FLAMENGO QUE IRRITA O TORCEDOR
por Vinicius Vieira
Há algum tempo, vemos em campo um Flamengo que domina e tem bastante posse de bola, porém sem poder de fogo e quando isso acontece, nas arquibancadas os torcedores começam a caçar as bruxas, quase sempre de maneira injusta.
Faz tempo que acho que o maior problema do Flamengo não está nas laterais (que não são boas) ou em atuações abaixo do esperado de alguns jogadores. O problema do Flamengo é exclusivamente tático! Não faz o menor sentido jogar com um único e ótimo volante e obrigar dois jogadores como o Diego e Everton Ribeiro a marcarem desesperadamente o tempo todo.
Alguns podem achar “defensivismo”, mas é justamente o inverso. Se ao lado do Cuellar, tivesse alguém para ajudar na função de proteção da zaga, Diego e Everton poderiam jogar um pouco mais adiantados e já pegarem a bola numa faixa de campo onde poderiam ser mais incisivos e terem mais liberdade para arremates ou uma assistência.
Reparem que os laterais do Flamengo, 90% das vezes que recebem bolas no ataque, não têm com quem jogar, o que acaba forçando o erro ou um recuo da jogada (o que irrita). Reparem que sempre que o adversário está com a bola, tanto Everton, quanto Diego ou Paquetá, estão ajudando na cobertura dos laterais. Quando o Flamengo retoma a bola, estão à milhas de distância do campo e ataque, resultado: o adversário se recompõe, se fecha e tudo fica mais difícil (vide o jogo contra o Corinthians pela Copa do Brasil).
Vejam vocês o paradoxo, mais um volante pode tornar o time mais agressivo e ofensivo e não mais defensivo como a maioria acha. O que me impressiona, é que nenhum teste é feito nessa linha, que além de prováveis benefícios ofensivos, também desgastaria menos alguns jogadores.
FUTEBOL PLAYBACK
por Mateus Ribeiro
Muitas pessoas com mais de trinta anos se lembram de um fenômeno musical chamado de Milli Vanilli. Caso você não se lembre, vou refrescar sua memória:
No final da década de 1980, um produtor musical alemão chamado Frank Farian criou um projeto musical. A princípio, tinha convocado cantores e cantoras extremamente talentosos para dar prosseguimento ao seu grande plano. Porém, Frank não considerava a imagem de nenhum desses músicos a ideal para vender o grupo. Foi aí que ele teve a (não tão) brilhante idéia de chamar dois dançarinos com pinta de modelo para levar a parada nas costas. Resumidamente: Frank Farian chamou Fabrice Morvan e Rob Pilatus apenas e simplesmente pelo visual deles.
Tudo estava dando certo demais. A dupla vendeu discos mundo afora, ganhou um Grammy, e até música em novela do Plim Plim emplacaram. Nada parecia estragar o sucesso da dupla…
… Até que depois de playbacks enroscando e muitas declarações polêmicas, o mundo descobriu que os dois dançarinos e líderes do novo sucesso mundial apenas faziam dublagem. Detalhe: dublagem de vozes que não eram deles. Saca os cantores e cantoras que falei no início do texto? Então, eles continuavam cantando, e os bonitões apenas dublavam.
A casa caiu pra todo mundo. Tiveram que devolver o Grammy, e a carreira de todo mundo ali se tornou um fracasso, afinal de contas, ficava difícil confiar em qualquer parte dessa historia.
Agora, vamos lá, por que diabos um site de futebol está veiculando um texto que tem uma introdução gigante falando de música? Bom, ao menos em minha opinião, a história dessa farsa tem muito a ver com o momento atual do futebol. Vem comigo que no caminho eu te explico.
A ditadura da imagem
Conforme dito no início do texto, Frank Farian colocou Fabrice e Rob como figuras centrais por um único motivo: o impacto visual que eles causavam. E foi justamente esse impacto que os fez ganhar o Grammy mais vergonhoso de todos os tempos. O que isso tem a ver com o futebol atual? Muito mais do que você imagina.
Ou você acha que se o Márcio Araújo tivesse a mesma pinta de integrante do Backstreet Boys que o Diego tem ele seria achincalhado como é? A não ser que você ache justo que o craque que ganha um salário astronômico pra fazer jogo bom contra time de baixo da tabela receba o valor astronômico que recebe para justificar derrotas com seu topete impecável.
Sendo um pouco mais extremo, tente imaginar que fraco e perseguido (sim, perseguido, afinal, nem na segunda divisão do Japão esquecem o cara) Muralha fosse comprado pela fortuna que o Liverpool torrou no goleiro modelo da Seleção Brasileira na última Copa. Já, por outro lado, tenha certeza absoluta que qualquer falha de Alisson sempre terá um fator externo que livre a cara do regular goleiro que saiu do Internacional de Porto Alegre. Bom, pudemos ter um exemplo no jogo entre Liverpool e Leicester. Faça um exercício de imaginação, e imagine qualquer goleiro em atividade no futebol brasileiro cometendo a presepada que Alisson cometeu. Parou pra pensar o festival de críticas e “memes” (que coisa insuportável) que começaria a brotar? Não adianta ser o sabichão e falar que isso é achismo da minha parte. Todos sabemos que o mundo do futebol, começando pela bancada da mesa redonda, até discussão de mesa de bar, direta ou indiretamente, age com esse pensamento de dois pesos e duas medidas.
Exemplos como esse existem aos montes, e basta você usar a cabeça, que vai encontrar vários deles. Apenas para terminar essa parte: imagina só se Rivaldo tivesse a mesma fachada que o David Beckham? Creio que talvez ele tivesse um busto do tamanho do Pão de Açúcar em sua homenagem na sede da CBF.
Dito isso, vamos para outra parte.
A VENDA DO PRODUTO
Voltando a falar do grupo em si, quando ficou decidido que a dupla de dançarinos estaria ali para angariar fãs com o poder da imagem, tanto o produtor quanto os outros envolvidos possivelmente não imaginaria que algo pudesse dar errado. Venderam uma idéia, muita gente abraçou, e pronto. O mundo tinha dono, e nada de ruim poderia atrapalhar.
Pois bem, é mais ou menos o que acontece por aqui. Uns montes de especialistas que nunca chutaram uma bola na vida estão dominando o universo do esporte bretão, seja com algum cargo em departamento de marketing, seja em mesa redonda. E alguns desses mestres são tratados como deuses, ou mitos, simplesmente por gastar o dinheiro (dos outros) com negociações bombásticas. E partindo disso, dá lhe “melhor elenco do Brasil”, “elenco para 120 partidas no ano” e “time para brigar em três frentes”. Uma conversa pra boi dormir, que acaba convencendo parte dos admiradores do 4-2-3-1. Pior de tudo isso: no caso de derrota, não existe problema. Afinal de contas, o que importa é poder estufar o peito e vender a ideia de que um time é bom pelo simples fato de ser caro no papel. Os títulos? Eles são conseqüência, afinal, quando um clube gasta zilhões de reais, euros, pesos, dólares, a intenção é “dar sequência ao planejamento”, e sempre pensar no ano seguinte.
Sorte de quem vive disso, e azar de torcedor que cai nesse conto do vigário, e comemora contratação cara. Vale deixar como exemplo o carnaval que muitos torcedores do Corinthians fizeram no final de 2012, quando o clube contratou o dublê de jogador de futebol, que tal qual seu xará do reino animal, não faz nada direito.
O PLAYBACK
Para encerrar, vamos para a última parte. Novamente, volto a falar do Milli Vanilli. O barraco começou a desabar quando descobriram que a dupla vivia fazendo playback, dos outros.
E isso se parece demais com o futebol brasileiro dos últimos anos. Tudo é um playback. Todos nós já sabemos o que esperar (principalmente quando se fala de Seleção Brasileira): baixa qualidade nas partidas, programas esportivos tão qualificados quanto a maioria dos jogos dos campeonatos nacionais, péssimas arbitragens, ingressos com preços pornográficos.
Tal qual a dupla do final dos anos 80, o futebol daqui segue fazendo “dublagens” do trabalho dos outros. O problema é que copiamos tudo da pior maneira possível.
E no fim das contas, sabe o pior de tudo? Fãs tontos, como eu, merecem sofrer, pois mesmo sabendo desse futebol playback, ainda se matam assistindo os times do coração.
Ah, e o Milli Vanilli? Não existe mais. De certa forma, o futebol também não.
Agora, com licença, que vou vestir minha roupa multicolorida para dançar ao som fake do Milli Vanilli.
Um abraço, e até a próxima.
A LIRA DOS 16 ANOS. DE QUANDO SURGE O AMOR EM PALESTRA ITÁLIA
por Marcelo Mendez
Era um tempo de menino na minha vida.
Aos oito anos de idade, eu tinha como única preocupação, o campeonato de fubecas que acontecia no quintal da minha tia Marieta. Fubeca, que no mundo por aí a fora chamam de “bolinhas de gude”. Não…
No Parque Novo Oratório em 1978, o nome era fubeca. Uma, entre tantas outras peculiaridades da vida nossa, naquele bucólico e prosaico bairro da Cidade de Santo André. Ali começava a minha vida.
Rua de terra, bola de capotão numero 5, kichute no pé, todos os sonhos na cabeça. No rachão do “Larguinho”, onde se davam nossas batalhas épicas, a minha camisa já era verde, o número das costas já era o 10, o qual eu já havia sido ensinado que pertencia ao Divino Ademir Da Guia e o escudo que ia do lado esquerdo do meu peito…
Palmeiras.
Do lado esquerdo do meu peito, de dentro da minha alma, ainda que eu tentasse fazer diferente não seria possível. Antes de descobrir e ser qualquer coisa na vida, eu já era Palmeirense. E ainda que não soubesse disso, sem duvida, já sentia isso fortemente. E 1978 foi fundamental para que tudo isso se consolidasse.
– Filho, tenho uma coisa boa pra você; Domingo vamos na casa do Landau ver a final na TV em cores!!
– Aeeee!!! – Respondi ao pai, vibrando. Foi ali, que começaria uma história que duraria 16 anos…
Um Vice no Banco de um Landau
A semana não havia sido boa para o Palmeiras.
Além da derrota em casa na primeira partida da decisão do Campeonato Brasileiro para o ótimo time do Guarani, o nosso Verde não teria o goleiro Leão e tinha que vencer o Bugre dentro de Campinas. Mesmo assim, meu Pai manteve a esperança e a palavra. Quando o domingo chegou, fomos até a casa do Landau.
Um dia frio.
Era Agosto de 1978, a Copa do Mundo havia acabado de maneira frustrante e estranha, as pessoas ainda ruminavam aquela patacoada da armação Peru/Argentina para eliminar o Brasil e na volta, um Campeonato Brasileiro foi disputado e agora chegou ao fim. Na vida dos Palmeirenses, algo corriqueiro.
O Palmeiras teve uma década de 70 gloriosa e podia fechá-la com chave de ouro. Mas ali não se jogava a vida. O nosso Verde havia sido campeão dois anos antes em 1976, o torcedor da época tinha uma certa barriga cheia e talvez por isso, outras coisas me importavam naquele domingo. O Landau, por exemplo.
Era amigo do Velho, trabalhava como Ferramenteiro na Scania e o apelido se dava por conta de ele ter um carro homônimo, um Landau Branco 1975, tinindo. Chegando na sua casa, na Vila Lucinda, poucos quilômetros da nossa, ele nos recebeu, me abraçou e me disse que o carro estava aberto. Corri para lá e, no banco do motorista, comecei a me imaginar um Fittipaldi.
Brincava ali como brincam os meninos, como se faz quando é menino. Pouco me importei com o tempo, esqueci completamente do jogo que ali começaria e enquanto o Palmeiras levava gol do Guarani, eu pouco sofria.
Em 1978, derrota não era a regra no Palmeiras. A sensação que tínhamos é que em breve isso passaria, que tão logo começasse os campeonatos, venceríamos como sempre acontecia.
Mas não foi assim.
E para contar como foi, começa aqui a série em 16 Crônicas que contará a história dos anos mais duros da história do Palmeiras. Da escassez que fez florir as mais belas flores no jardim suspenso do saudoso Parque Antártica. Vamos falar da Fila, mas também vamos falar dos sonhos.
Do amor que surge no peito de uma geração de Palmeirenses esculpida a machadadas. De uma Geração que teve seu amor se consolidando na fase de miséria ludopédica, plena.
Geração esta, o qual esse Cronista orgulhosamente fez parte.
Venham comigo amigos, começa aqui “A Lira dos 16 Anos Verdes”
FUTEBOL TRANSPORTADO EM AMBULÂNCIA SEM BATERIA
por Marcos Vinicius Cabral
O encontro entre os defensores vascaínos Bruno Silva e Luiz Gustavo, aos 27 minutos do segundo tempo, no clássico carioca Vasco x Flamengo, mostrou o choque de realidade de duas das principais equipes do futebol brasileiro.
Se por um lado, vascaínos e rubro-negros fizeram um jogo ruim tecnicamente, o empate em si mostrou aos 54.288 pagantes que estiveram nas arquibancadas do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, que as próximas partidas da competição serão de emoções e decepções cada vez maiores.
O Flamengo, que ocupa a 4° colocação neste campeonato brasileiro com 45 pontos, está longe de ser o protagonista que a mídia esportiva quer que ele seja.
Já o Vasco, que amarga 25 pontos, tem a luta real e imediata contra o rebaixamento, que – se ocorrer – será o quarto de sua história.
Mas algumas peculiaridades transformam o Flamengo – imortalizado por Zico, Júnior e Leandro – e o Vasco – respeitado com Roberto Dinamite, Edmundo e Romário – em motivos de chacotas.
O Flamengo, há quase uma década sem o titulo de campeão brasileiro, comemora como título uma mera classificação à Libertadores, para mais uma vez, participando, fazer vergonha.
O Vasco, que deixou há tempos de ser o “Gigante da Colina” ou o “Time da Virada” – para ser exato desde 2000, quando foi campeão brasileiro pela última vez contra o São Caetano – viveu uma entressafra nefasta com Roberto e Eurico à frente do clube de 120 anos, com dívidas megalômanas.
Enquanto o Flamengo de hoje tem Eduardo Bandeira de Mello, que tira selfie com torcedores (as) sem representatividade alguma com as tradições rubro-negras e faz do clube trampolim para ser eleito Deputado Federal pelo Rede – pelo amor de Deus, não votem no número 1818 – se contenta com conquistas regionais e acha o máximo ter colocado as contas em dia.
É como se fosse um favor ao clube, e não uma obrigação, equacionar dívidas.
Já pelo lado da Nau Vascaína, o ditadorismo de um Eurico Miranda, que por anos, soube apenas jogar no ar fumaças carregadas de prepotência nas baforadas dadas em seus charutos, disputas internas e medindo forças com Roberto Dinamite – a estátua do Romário em São Januário foi em retaliação ao eterno camisa 10 – marcado suas passagens em campanhas esdrúxulas.
Portanto, queridos vascaínos e rubro-negras de verdade, devemos agradecer ao Flamengo de 81, por ter nos permitido bater no peito e gritar a plenos pulmões: “Sou campeão da Libertadores e Mundial”; ao Vasco de 97, por ter permitido a cada torcedor a satisfação em dizer que tem uma Libertadores.
E por fim, não esquecer de enaltecer grandes jogadores como Raul, Acácio, Zico, Roberto Dinamite, Júnior, Edmundo, Nunes, Felipe, Leandro, Jorginho, Mozer, Mauro Galvão, Angelim, Mazinho, Tita, Geovani, Pet, Juninho, Adriano e tantos outros que conquistaram títulos, e sendo assim, souberam extrair de nós, torcedores, um sentimento que há tempos perdemos: a alegria de torcer!