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1986 E UM DOMINGO DE GOLEADA AO SOM DE PRINCE E BONNIE TYLER

por Marcelo Mendez


O ano de 1986 começava, movido a All Star vermelho, calça jeans rasgada no joelho, cabelo cumprido e a Cris, a doce Cris na minha vida.

Nosso imberbe namoro de já alguns meses ia bem. As descobertas todas juntos, a companhia, nossas voltas pela cidade de Santo André. No que pese algumas diferenças a gente se dava bem.

– Celo, vamos ao cinema?

– Vamo. Tá passando Daumbailó no Vitrine!

– Nem a pau. Quero ir no Studio Center em Santo André mesmo, te dar uns beijos namorar e ver qualquer coisa. Mas que merda, Marcelo… As coisas num precisam ser um evento intelectual toda hora. Eu quero ficar com meu namorado, o filme que se dane, entendeu?

– Entendi. Tá bom. Mas domingo cê sabe, tem Palmeiras x Corinthians, num rola…

– É, o amor da sua vida é o Palmeiras. Eu sou a amante…

A gente riu, ela me deu um beijo e como sempre naqueles tempos, fui ao Morumbi ver o Derby. Uma alegria vivida naquele intenso 1986…

Outros sons, outras batidas outras pulsações

Contrariando as previsões de minha mãe, o opala vermelho do Tio Bida seguia com ele. Era nosso carro de ir pro jogo.

Depois do almoço, passou em casa, pegou eu e meu Pai e fomos pro Morumbi. Aos 16 anos, eu jaá tava fincado no Rock até a medula. Mas naquele domingo o som do toca fita foi outro:

– Marcelo, se liga nesse som aqui..

Um balanção da hora! Meio funk, meio soul. Gostei.

– Que é isso, Tio?”

– Prince. A música chama Raspberry Beret”

– Irado!

Foi com esse hit na cabeça que vi o Palmeiras dar um baile no Corinthians no primeiro tempo. Acabou 2×0 com caixa pra mais. E teve mais!

No segundo tempo, com um show de Edu, Edmar, Mendonça e Mirandinha, metemos um 5×0 no Corinthians e nem demos bola para o gol de Casagrande. O que valia era os 5, metemos 5 neles!

Na volta pra casa, ainda não tinha dado sequer 20 horas. Dava tempo de ir até a Cris e pedi pra meu tio deixar me deixar la.

Da calçada gritei o nome dela. Ela saiu, me abraçou e me pediu pra ir no baile da primavera no salão paroquial da igreja do bairro.

Bom, eu já tinha furado com o cinema e apesar de ser em 1986, um moleque cabeludo que ouvia Slayer, Kreator e Venom, larguei tudo pra lá. Naquele domingo ouvi Prince. Naquele domingo o Palmeiras havia metido cinco. Naquele dia num quis outra coisa que num fosse ficar com a Cris.

E no baile, de rosto colado com ela aí som de Eclipse of the Heart, a vida pareceu algo bem legal…

LEICESTER CITY, ÉPICO

por Marcelo Soares


Na temporada de 2015/16 do Campeonato Inglês o que parecia impossível se realizou. O time da cidade de Leicester se sagrou campeão da primeira divisão do futebol inglês. Mas essa história começou em 2010 quando o tailandês Vichai Srivaddhanaprabha comprou o time.

Os torcedores mal sabiam que ali começaria uma história épica. Ele ajudou uma cidade com pouco mais de 400 mil habitantes a melhorar os hospitais e com ações de caridade. Também fez os torcedores acreditarem no impossível.

Coincidência ou não, após o enterro do Rei Ricardo III na catedral da cidade, que também teve ajuda do Tailandês, o time decolou.

King, camisa 10 do time, ajudou o Leicester na vitória após o enterro do rei e assim permaneceram na primeira divisão. Na temporada seguinte, no estádio King Power, o time do Leicester deu muitas alegrias aos seus torcedores. Até mesmo quem estava longe do time do coração teve a vida prolongada devido ao sucesso e a felicidade que o time trazia.

Tony Skeffington, em estado terminal, acompanhava de longe, na Austrália, a campanha inacreditável que seu time fazia. Faleceu um pouco antes do time levantar o troféu de campeão da Premier League. Mas viveu muito mais do que os médicos previam vendo as vitórias da sua equipe.


Gary Lineker, ídolo do futebol inglês, confessou que o que mais desejou no futebol foi ver seu time campeão da primeira divisão. Leicester City x Norwich City, 44 do segundo tempo. Um gol, a vitória da equipe e um tremor registrado na cidade após a bola estufar as redes.

Talvez todos esses fatores façam esse título ficar marcado pra sempre no futebol como um dos maiores feitos.

O futebol continua ainda fazendo milagres e sendo um dos motivos de maior felicidade para os apaixonados por ele. Nada disso seria possível para o Leicester sem a presença de Vichai.

No último sábado, 27 de outubro, o tailandês dono o clube foi vítima de um acidente de helicóptero no estacionamento do estádio do clube.


Homenagens não faltaram para o tailandês. Jogadores e toda cidade mostraram um enorme carinho não só pelo profissional, mas também pela pessoa de Vichai.

A cidade de Leicester e o mundo do futebol sempre serão gratos por esse feito que conseguiu por um clube que sempre viveu longe dos holofotes, e por uma temporada teve todos os olhares do mundo voltados para ele.

DOSES E DELÍRIOS DE UM PAI

por Zé Roberto Padilha


Embarcava para o Sul-Americano de Futebol Sub-20, disputado no Paraguai, em 1971, e meu pai, perante sua roda de whisky, copos de gelo e amigos, pediu para trazer de lá uma garrafa de Royal Salute. Uma espécie rara tantos anos acima e bem acima do que pagavam pelo seu irmão menos envelhecido que consumiam, o Royal Label. Mesmo não alcançando o título, voltamos com a vaga garantida para as Olimpíadas de Munich, no ano seguinte, e aquele belo exemplar nas mãos. Era mais que uma garrafa, uma obra de arte esculpida em marrom protegida por uma sacola de veludo da mesma cor. Ficava a imaginar, para quem aprecia o produto, o sabor daquela bebida.

Na chegada, foi uma festa. Empolgado, meu pai fez a promessa que não conseguiria cumprir, por mais que me esforçasse: só abriria a garrafa quando fizesse um gol. Até aí era possível, mas ele queria um que desse um título ao Fluminense. Era mole para o Wilton, Flávio, o Mickey, Samarone e Lula, mas para mim….fazia tão poucos gols, como ponta esquerda, que certa tarde de domingo meu irmão gravava um Fluminense x Corinthians, no Maracanã. Aos 20 minutos, Januário de Oliveira narrou e ele, Mauro, gritou lá do quintal da nossa casa:


– Gol do Robertinho!

Fez-se uma pausa. E um silêncio. Ele insistiu a gritar:

– Foi gol dele, do Robertinho!

No lugar do júbilo, da confraternização, uma dúvida cruel percorreu salas , cozinhas e quartos.’ Minha irmã chegou na janela e gritou:

– Tem certeza?

Minha mãe, ao contrário da mãe do Zico, que vivia a responder “será que este menino não sabe fazer outra coisa?”, duvidou do meu feito. Quando finalmente foram convencidos, e se aproximaram do rádio, Rivelino empatou e o Vaguinho virou o jogo para o Corinthians.


O tempo passou e vinte anos depois, carreira profissional encerrada e defendendo um clube amador da minha cidade, o Esporte Clube Areal, fiz o gol do título contra o Santanense FC, pelo campeonato amador da Liga Desportiva de Três Rios de 1991. Com todo o respeito, um golaço de fora da área. Meu pai, sozinho na sala escutando a Rádio Três Rios, porque todos os seus amigos do malte escocês haviam partido, abriu a garrafa e fez um brinde em homenagem a cada um. Gostaria muito que estivessem ao seu lado, mas o sabor cada vez mais puro e envelhecido daquele genuíno escocês parecia lhe cobrar a ousada profecia. Porque não uma assistência? Um cruzamento da linha de fundo?

Pais são para isso. Ter fé e acreditar nos seus meninos até contra as evidências. Mesmo sendo um meia ponta esquerda armandinho, desde os infantis, um grito de gol lá em casa sendo mais raro que a passagem do cometa Halley, ele confiou em mim. Uma pena ter demorado tanto tempo para lhe conceder esta merecida alegria.

ESCALADO PARA A MISSÃO IMPOSSÍVEL

por Victor Kingma


Mais uma história para homenagear um dos maiores gênios da bola. No início dos anos 60, o Botafogo, base da seleção que acabara de conquistar o bicampeonato no Chile, era requisitado para fazer jogos amistosos em todo o país. 

Certa vez foi disputar uma partida no interior de Minas.

Preocupado, o técnico da equipe local estudou durante toda a semana uma tática que pudesse neutralizar o poderoso ataque alvinegro e assim se safar de um vexame que se desenhava.

No dia do jogo, o treinador reuniu seus atletas no vestiário para uma última conversa:

– Quero todo o time concentrado na marcação! Vamos marcar as peças chaves deles! Meio de campo em cima de Didi.  Não o deixe distribuir o jogo!

 E continua:


– Lateral direito na cola do Zagallo e a dupla de zaga sempre atenta aos movimentos de Quarentinha e Amarildo. Não podem chutar a gol de jeito nenhum! Todo cuidado é pouco!

Para o lateral esquerdo Bauru, entretanto, reservou uma conversa especial e mais longa:

– Pra você, meu craque, reservei a missão mais difícil: quero que marque o Garrincha em cima, o tempo todo! Olho vivo! Gruda nele e não descuide um minuto!


O vigoroso defensor, apreensivo, ouve atentamente as instruções e no final, assustado, argumenta:

– Mas sozinho, ninguém vai me ajudar?

– A tarefa é sua, meu craque! Confio em você!

 – Uai! Mas aí não dá, professor! Isso é trairagem! Deixar eu levar baile do Mané Garrincha durante 90 minutos é sacanagem!

 

SE CUIDA, SEU ZILALDO!

por Sergio Pugliese

Desde bem pequenos, meus filhos Raphael e Frederico, gêmeos de 8 anos, tagarelas com seus amigos imaginários. O do Rapha é o Rait e o do Fred, Macã. Passada uma temporada, o Rapha arranjou um parceiro para o Rait, o Merdon. Mas esse teve vida curta. Morreu tragicamente ao despencar da cabine de um helicóptero, quando fotografava a Cidade Maravilhosa num voo panorâmico. Estatelou-se sobre um motoqueiro sem capacete.

No lugar do Merdon entrou o Boston, que há tempos anda sumido. Pelo que entendi, viajou com o Macã para uma temporada no infinito e além, do Buzz Lightyear. Isso é bom demais! Até quando duram os amigos imaginárions, pensei outro dia. Os meus existem até hoje e volta e meia ligam para me salvar dos faladores compulsivos e das reuniões intermináveis.

Outro dia no carro, levando a dupla no colégio, conheci uma nova brincadeira, a de perguntas sem nexo…

– Quem você queria ser por um dia, Hulk ou Peter Pan?


– Quem jogaria no seu time, Menino Maluquinho ou Cebolinha?

Achei profunda a segunda questão e passei o dia pensando em levar adiante esse desafio. No trabalho, me reuni com João Veiga e Igor Cavaco, da equipe “A Pelada Como Ela É”, e viajamos nessa onda imaginária. Como seria uma partida entre os personagens dos incríveis, fantásticos e extraordinários Maurício de Sousa e Ziraldo? Os dois cães farejadores partiram em busca dos ídolos de tantas gerações e pediram que escalassem seus times para o confronto. De cara, Ziraldo recuou e humildemente reconheceu a superioridade adversária.

– Melhor nem entrarmos em campo. O Maurício tem o Pelézinho, enquanto o meu principal jogador tem uma perna só, o Saci.

Realmente, o criador da Mônica estava bastante seguro e ainda revelou adiantadas negociações para contratar uma nova estrela: Neymarzinho.

– Neymarzinho? Ele não vai ter coragem de fazer isso? – espantou-se.

Quando soube da preocupação do amigo, Maurício prometeu deixar Pelézinho, Ronaldinho e Neymarzinho no banco, como armas secretas, só entrando numa eventual emergência. E não guardou segredo sobre a escalação.

– O Cascão não ficará na banheira por motivos óbvios e poderá driblar facilmente os adversários porque todos fugirão do seu cheirinho. Mas temos que ter alguém bom no ataque, talvez o Chico Bento que gosta de dar chapéu… de palha… e pode mandar a bola no ninho da Coruja (personagem de Ziraldo). O Cebolinha tem planos infalíveis, mas como nunca dão certo terei que desconfiar da sua eficiência como “técnico”. A Mônica é nossa arma secreta para os arremessos manuais com o Sansão. A Magali será a goleira e basta dizer que a bola é uma melancia para ela segurar todas. Ainda temos o Piteco, que vive treinado chute em bola de pedra e pode soltar aquela pedrada. No meio campo vou deixar o Louco fazer jogadas muito loucas e a Marina desenhar as melhores criações de ataque. Na defesa, quero o Horácio porque nunca fará pênalti colocando as mãos na bola. Meu time de respeito seria mais ou menos esse.

Ziraldo analisava a formação adversário e ao desenhar o Menino Maluquinho comemorando um gol em Cebolinha, “bingo!”, lembrou-se que poderia surpreender Maurício & Cia. de duas formas: usando o Maluquinho de centroavante, pois ninguém defenderia sua panelada, quer dizer cabeçada, e escalando a seu lado, além do parceiro Bocão, os mesmos guerreiros que enfrentaram e venceram o escrete da Pruslávia, pouco antes da Copa do Mundo de 1958: Saci, a onça Galilelu, o coelho Geraldinho, a tartaruga Moacir, o macaco Alan, o índio Tininim e o tatu Pedro Vieira, figuras clássicas da lenda brasileira.

A coruja Professor Nogueira apitou esse racha e Tuiuiú e a Boneca de Piche lideraram a torcida. Mas Ziraldo reconheceu a vantagem de terem jogada em casa, na Mata do Fundão, e sugeriu campo neutro para o confronto.

– O Maurício (criado em Mogi das Cruzes) vai querer São Paulo, mas não aceitarei – adiantou o mineiro de Caratinga.


E o aguardado dia chegou! Os craques pisaram no gramado e os fogos explodiram! Na contagem, o árbitro sentiu falta de dois jogadores, um de cada lado, mas o mistério foi rapidamente desfeito: Pedro Vieira, o Tatu, ponta-direita de Ziraldo, estava enterrado porque tinha a missão de surpreender o marcador com ataques subterrãneos e Anjinho, escalado de surpresa, planava porque forçaria as jogadas aéreas.

Os ingressos esgotaram e a criançada se espremia no Estádio Peladão. Os vendedores de cachorro-quente, sorvete e pipoca não davam conta. Rapha e Fred levaram Youle, Dedé, Pedro, Marinho, Flavinho, Fadel, Melendez, Buffara, Junqueira, Borges, Gavin, Maci, Lucas, Lipe e Priolli, inseparáveis amigos do colégio, e Rait, Macã e Boston, vocês já sabem…

A histeria dos locutores contagiava. O árbitro conferiu o cronômetro. Ziraldo e Maurício cumprimentaram-se, e Cebolinha provocou:

– Se cuida, seu Zilaldo!!!

Aí meu celular tocou… Rapha e Fred me olharam com reprovação. Era meu amigo imaginário, mas dessa vez ele ligou fora de hora, então convidei-o para juntar-se a nós. Em seguida, enrosquei Rapha e Fred num abraço, e o jogo começou!

Texto publicado original na coluna “A Pelada Como Ela É”, do Jornal O Globo, no dia 9 de junho de 2012.