DOSES E DELÍRIOS DE UM PAI
por Zé Roberto Padilha
Embarcava para o Sul-Americano de Futebol Sub-20, disputado no Paraguai, em 1971, e meu pai, perante sua roda de whisky, copos de gelo e amigos, pediu para trazer de lá uma garrafa de Royal Salute. Uma espécie rara tantos anos acima e bem acima do que pagavam pelo seu irmão menos envelhecido que consumiam, o Royal Label. Mesmo não alcançando o título, voltamos com a vaga garantida para as Olimpíadas de Munich, no ano seguinte, e aquele belo exemplar nas mãos. Era mais que uma garrafa, uma obra de arte esculpida em marrom protegida por uma sacola de veludo da mesma cor. Ficava a imaginar, para quem aprecia o produto, o sabor daquela bebida.
Na chegada, foi uma festa. Empolgado, meu pai fez a promessa que não conseguiria cumprir, por mais que me esforçasse: só abriria a garrafa quando fizesse um gol. Até aí era possível, mas ele queria um que desse um título ao Fluminense. Era mole para o Wilton, Flávio, o Mickey, Samarone e Lula, mas para mim….fazia tão poucos gols, como ponta esquerda, que certa tarde de domingo meu irmão gravava um Fluminense x Corinthians, no Maracanã. Aos 20 minutos, Januário de Oliveira narrou e ele, Mauro, gritou lá do quintal da nossa casa:
– Gol do Robertinho!
Fez-se uma pausa. E um silêncio. Ele insistiu a gritar:
– Foi gol dele, do Robertinho!
No lugar do júbilo, da confraternização, uma dúvida cruel percorreu salas , cozinhas e quartos.’ Minha irmã chegou na janela e gritou:
– Tem certeza?
Minha mãe, ao contrário da mãe do Zico, que vivia a responder “será que este menino não sabe fazer outra coisa?”, duvidou do meu feito. Quando finalmente foram convencidos, e se aproximaram do rádio, Rivelino empatou e o Vaguinho virou o jogo para o Corinthians.
O tempo passou e vinte anos depois, carreira profissional encerrada e defendendo um clube amador da minha cidade, o Esporte Clube Areal, fiz o gol do título contra o Santanense FC, pelo campeonato amador da Liga Desportiva de Três Rios de 1991. Com todo o respeito, um golaço de fora da área. Meu pai, sozinho na sala escutando a Rádio Três Rios, porque todos os seus amigos do malte escocês haviam partido, abriu a garrafa e fez um brinde em homenagem a cada um. Gostaria muito que estivessem ao seu lado, mas o sabor cada vez mais puro e envelhecido daquele genuíno escocês parecia lhe cobrar a ousada profecia. Porque não uma assistência? Um cruzamento da linha de fundo?
Pais são para isso. Ter fé e acreditar nos seus meninos até contra as evidências. Mesmo sendo um meia ponta esquerda armandinho, desde os infantis, um grito de gol lá em casa sendo mais raro que a passagem do cometa Halley, ele confiou em mim. Uma pena ter demorado tanto tempo para lhe conceder esta merecida alegria.
ESCALADO PARA A MISSÃO IMPOSSÍVEL
por Victor Kingma
Mais uma história para homenagear um dos maiores gênios da bola. No início dos anos 60, o Botafogo, base da seleção que acabara de conquistar o bicampeonato no Chile, era requisitado para fazer jogos amistosos em todo o país.
Certa vez foi disputar uma partida no interior de Minas.
Preocupado, o técnico da equipe local estudou durante toda a semana uma tática que pudesse neutralizar o poderoso ataque alvinegro e assim se safar de um vexame que se desenhava.
No dia do jogo, o treinador reuniu seus atletas no vestiário para uma última conversa:
– Quero todo o time concentrado na marcação! Vamos marcar as peças chaves deles! Meio de campo em cima de Didi. Não o deixe distribuir o jogo!
E continua:
– Lateral direito na cola do Zagallo e a dupla de zaga sempre atenta aos movimentos de Quarentinha e Amarildo. Não podem chutar a gol de jeito nenhum! Todo cuidado é pouco!
Para o lateral esquerdo Bauru, entretanto, reservou uma conversa especial e mais longa:
– Pra você, meu craque, reservei a missão mais difícil: quero que marque o Garrincha em cima, o tempo todo! Olho vivo! Gruda nele e não descuide um minuto!
O vigoroso defensor, apreensivo, ouve atentamente as instruções e no final, assustado, argumenta:
– Mas sozinho, ninguém vai me ajudar?
– A tarefa é sua, meu craque! Confio em você!
– Uai! Mas aí não dá, professor! Isso é trairagem! Deixar eu levar baile do Mané Garrincha durante 90 minutos é sacanagem!
SE CUIDA, SEU ZILALDO!
por Sergio Pugliese
Desde bem pequenos, meus filhos Raphael e Frederico, gêmeos de 8 anos, tagarelas com seus amigos imaginários. O do Rapha é o Rait e o do Fred, Macã. Passada uma temporada, o Rapha arranjou um parceiro para o Rait, o Merdon. Mas esse teve vida curta. Morreu tragicamente ao despencar da cabine de um helicóptero, quando fotografava a Cidade Maravilhosa num voo panorâmico. Estatelou-se sobre um motoqueiro sem capacete.
No lugar do Merdon entrou o Boston, que há tempos anda sumido. Pelo que entendi, viajou com o Macã para uma temporada no infinito e além, do Buzz Lightyear. Isso é bom demais! Até quando duram os amigos imaginárions, pensei outro dia. Os meus existem até hoje e volta e meia ligam para me salvar dos faladores compulsivos e das reuniões intermináveis.
Outro dia no carro, levando a dupla no colégio, conheci uma nova brincadeira, a de perguntas sem nexo…
– Quem você queria ser por um dia, Hulk ou Peter Pan?
– Quem jogaria no seu time, Menino Maluquinho ou Cebolinha?
Achei profunda a segunda questão e passei o dia pensando em levar adiante esse desafio. No trabalho, me reuni com João Veiga e Igor Cavaco, da equipe “A Pelada Como Ela É”, e viajamos nessa onda imaginária. Como seria uma partida entre os personagens dos incríveis, fantásticos e extraordinários Maurício de Sousa e Ziraldo? Os dois cães farejadores partiram em busca dos ídolos de tantas gerações e pediram que escalassem seus times para o confronto. De cara, Ziraldo recuou e humildemente reconheceu a superioridade adversária.
– Melhor nem entrarmos em campo. O Maurício tem o Pelézinho, enquanto o meu principal jogador tem uma perna só, o Saci.
Realmente, o criador da Mônica estava bastante seguro e ainda revelou adiantadas negociações para contratar uma nova estrela: Neymarzinho.
– Neymarzinho? Ele não vai ter coragem de fazer isso? – espantou-se.
Quando soube da preocupação do amigo, Maurício prometeu deixar Pelézinho, Ronaldinho e Neymarzinho no banco, como armas secretas, só entrando numa eventual emergência. E não guardou segredo sobre a escalação.
– O Cascão não ficará na banheira por motivos óbvios e poderá driblar facilmente os adversários porque todos fugirão do seu cheirinho. Mas temos que ter alguém bom no ataque, talvez o Chico Bento que gosta de dar chapéu… de palha… e pode mandar a bola no ninho da Coruja (personagem de Ziraldo). O Cebolinha tem planos infalíveis, mas como nunca dão certo terei que desconfiar da sua eficiência como “técnico”. A Mônica é nossa arma secreta para os arremessos manuais com o Sansão. A Magali será a goleira e basta dizer que a bola é uma melancia para ela segurar todas. Ainda temos o Piteco, que vive treinado chute em bola de pedra e pode soltar aquela pedrada. No meio campo vou deixar o Louco fazer jogadas muito loucas e a Marina desenhar as melhores criações de ataque. Na defesa, quero o Horácio porque nunca fará pênalti colocando as mãos na bola. Meu time de respeito seria mais ou menos esse.
Ziraldo analisava a formação adversário e ao desenhar o Menino Maluquinho comemorando um gol em Cebolinha, “bingo!”, lembrou-se que poderia surpreender Maurício & Cia. de duas formas: usando o Maluquinho de centroavante, pois ninguém defenderia sua panelada, quer dizer cabeçada, e escalando a seu lado, além do parceiro Bocão, os mesmos guerreiros que enfrentaram e venceram o escrete da Pruslávia, pouco antes da Copa do Mundo de 1958: Saci, a onça Galilelu, o coelho Geraldinho, a tartaruga Moacir, o macaco Alan, o índio Tininim e o tatu Pedro Vieira, figuras clássicas da lenda brasileira.
A coruja Professor Nogueira apitou esse racha e Tuiuiú e a Boneca de Piche lideraram a torcida. Mas Ziraldo reconheceu a vantagem de terem jogada em casa, na Mata do Fundão, e sugeriu campo neutro para o confronto.
– O Maurício (criado em Mogi das Cruzes) vai querer São Paulo, mas não aceitarei – adiantou o mineiro de Caratinga.
E o aguardado dia chegou! Os craques pisaram no gramado e os fogos explodiram! Na contagem, o árbitro sentiu falta de dois jogadores, um de cada lado, mas o mistério foi rapidamente desfeito: Pedro Vieira, o Tatu, ponta-direita de Ziraldo, estava enterrado porque tinha a missão de surpreender o marcador com ataques subterrãneos e Anjinho, escalado de surpresa, planava porque forçaria as jogadas aéreas.
Os ingressos esgotaram e a criançada se espremia no Estádio Peladão. Os vendedores de cachorro-quente, sorvete e pipoca não davam conta. Rapha e Fred levaram Youle, Dedé, Pedro, Marinho, Flavinho, Fadel, Melendez, Buffara, Junqueira, Borges, Gavin, Maci, Lucas, Lipe e Priolli, inseparáveis amigos do colégio, e Rait, Macã e Boston, vocês já sabem…
A histeria dos locutores contagiava. O árbitro conferiu o cronômetro. Ziraldo e Maurício cumprimentaram-se, e Cebolinha provocou:
– Se cuida, seu Zilaldo!!!
Aí meu celular tocou… Rapha e Fred me olharam com reprovação. Era meu amigo imaginário, mas dessa vez ele ligou fora de hora, então convidei-o para juntar-se a nós. Em seguida, enrosquei Rapha e Fred num abraço, e o jogo começou!
Texto publicado original na coluna “A Pelada Como Ela É”, do Jornal O Globo, no dia 9 de junho de 2012.
O QUE AS MARCAS ESTÃO BUSCANDO?
por Idel Halfen
Pela 5ª vez a Jambo Sport Business publicou seu estudo anual sobre as marcas que vestem os clubes das 20 principais ligas de futebol do mundo. O trabalho pode ser visto através do link: https://pt.slideshare.net/jambosb/as-marcas-esportivas-nas-20-principais-ligas-20182019.
Através do material é possível constatar que a Nike manteve o mesmo número de times que vestia na temporada passada (76), porém aumentou a diferença em relação à Adidas, vice-líder, que teve uma queda acentuada em termos de equipes supridas (passou de 70 para 63).
Grande parte das mudanças ocorridas neste “ranking” costuma acontecer em função de acessos e descensos das equipes em relação à primeira divisão, por isso chama a atenção o movimento da Adidas que, independentemente dos desempenhos técnicos de seus times, deixou de suprir quatorze das equipes que vestia na temporada passada e incluiu apenas três no seu portfólio. Números que ficarão ainda piores, pois o CSKA Moscow passa a vestir Umbro ainda em 2018 enquanto o Palmeiras e o Valencia já assinaram contrato de fornecimento com a Puma.
Em 3º aparece a Puma e em 4º a Umbro, que é a marca mais presente entre os times do Campeonato Brasileiro, conforme pode ser visto no quadro.
Sobre as marcas brasileiras, essas se mantiveram em três: Topper, Lupo e Penalty, tendo aumentado o número de clubes por elas supridos de seis para oito, valendo ressaltar que a Penalty não veste nenhum clube brasileiro, mas sim uma equipe argentina e outra japonesa.
Outra observação interessante diz respeito à concentração das três principais marcas (Nike, Adidas e Puma) que vem diminuindo ao longo do tempo. Na temporada 2013-14 era 54%, percentual que caiu para 45,2% em 2018-19.
Não obstante essa tendência, as marcas chamadas “nacionais” – aquelas presentes apenas nas ligas dos países em que estão localizadas sua matriz – não conseguem manter uma regularidade em termos de presença. Na atual temporada, quatro delas foram as que mais vestiram equipes em seus respectivos países: Lacatoni em Portugal, Kelme na Espanha, Masita na Holanda e Charly no México. Não incluímos nessa lista a italiana Macron, por considerá-la uma marca continental, visto ter equipes em várias ligas europeias além da italiana.
É provável que o movimento das três gigantes fique ainda mais seletivo, o que não necessariamente significa que as marcas menores tomarão e se manterão nas posições mais altas, pois, para isso, seria necessária forte capacidade de investimento. Contudo, pode ser que haja espaço para que mais marcas, mesmo que pequenas, marquem presença em algum momento.
DEIXEM-NOS ENTRAR
por Paulo Escobar
Deixem-nos entrar com as bandeiras, instrumentos e nossas faixa, não nos privem e reprimam a festa que somente a torcida que sofre e se alegra com seus times pode proporcionar.
Parem de nos privar do privilégio dos estádios e viajar com nossos times que são nossa religião, nos privar com os preços de ingressos inacessíveis para nos barrar do prazer de exercer a nossa fé.
Deixem-nos cantar e xingar sem tanto moralismo que procura punir manifestações dentro dos estádios, símbolo daqueles que também querem desabafar as agonias da semana pobre que nos destinaram a viver desde que nascemos.
Deixem-nos tocar os instrumentos e ter a liberdade de torcer que até hoje nossos irmãos argentinos possuem, privilégio que nos gera inveja e ciúmes quando vemos como são felizes e participantes do jogo dentro e fora de campo.
Parem de querer que engulamos que torcida é esse público de teatro que mal sabe cantar os cânticos ou então que mal sabe o que é realmente sofrer pelo seu time de coração. E deixem de insistir que o jeito certo é torcer sentado sem poder pular ou expressar nossas paixões de formas diversas.
Deixem-nos acender sinalizadores, fumaça e papel picado nas entradas dos nossos times, pois queremos no meio da festa lhes dar as boas-vindas e manifestar que ali estamos presentes alentando.
Deixem os nossos rivais entrarem na nossa casa e podermos comemorar nossas vitórias com eles presentes, e parem de nos culpar pela violência que é uma questão muito mais ampla e gerada socialmente por muitos acima de nós.
Deixem de insistir em reprimir nossas paixões, e parem de chamar de invasões o que muitos de nós fazemos quando queremos entrar de alguma forma daquilo que vocês nos privaram através da barreira econômica imposta nos preços, aonde mostram que lugar de povão é do lado de fora.
Parem de achar que é democrático abrir as portas de treinos gratuitos e nos barrar dos jogos, que é o que realmente vale a pena assistir.
Já nos roubaram os estádios, já nos tomaram os acessos, já nos proibiram de tudo e tentaram nos colonizar. Mas a única coisa que nunca vão tirar de nós é a paixão e fé que temos naquilo que nos move que é o torcer e manifestar nosso sofrimento e amor.