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Natal do Cortazio

NATAL DA FAMÍLIA CORTAZIO

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | fotos e vídeo: Daniel Planel 

Para o verdadeiro amante do futebol arte, a pelada do parceiro Carlinhos Cortazio é um paraíso. Por ali, reúnem-se craques que arrastavam multidões ao Maracanã em uma época que éramos respeitados mundialmente. Por isso, volta e meia marcamos presença para resenhas memoráveis e é claro que não ficaríamos de fora da festa de fim de ano da pelada!


Mendonça, Moreno, Mário Português, João Luiz, Dé Aranha, Nélio, Jair Pereira, Arthurzinho… Poderia ser a lista de craques que fizeram história pelos gramados, mas são nomes que não ficam uma segunda-feira longe da pelada ou, pelo menos, da resenha do Cortazio.

– Não podemos deixar de falar da maior referência de ser humano. É uma honra muito grande poder conviver com essa galera maravilhosa. O Carlinhos é realmente o cabeça disso tudo aqui! – exaltou Dé Aranha.

– O Carlinhos é que nem vinho: quanto mais velho, melhor ele fica! – emendou João Luiz.

Sabendo o que iríamos encontrar, levamos algumas Revistas Placar dos anos 80 e, logo de cara, nos deparamos com João Luiz e Mário, dois personagens que já estamparam uma capa de 1980, ao lado de Mozer e Dudu.

– Isso foi quando a gente foi para Toulon pela Seleção. Fizeram um duelo Seleção Principal x Seleção de Base e foi 7 a 1 para eles, mas eu não estava. Aí Telê fez uma reformulação para Toulon e na última chamada eu entrei – lembrou Mário!

Em sua defesa, João Luiz disparou:


– Mas também os caras eram brincadeira! Olha o meio-campo: Cerezo, Falcão e Zico! A gente tinha um timaço, mas era tudo novinho!

Demos mais alguns passos e esbarramos na dupla Mendonça e Moreno, meias que teriam espaço em qualquer time do planeta atualmente. Com a mesma humildade de sempre, o ídolo do América-RJ não mediu as palavras ao elogiar o craque do Botafogo

– O Mendonça veio antes de mim, então eu tive o prazer de vê-lo jogando. Depois nós chegamos também. Tive dois prazeres: um de ter visto essa fera jogar e outro de jogar contra. Eu procurava me espelhar nele.

Depois de retribuir os elogios, o camisa 8 agradeceu ao Museu e nos deixou ainda mais extasiados naquela festa:

– Vocês resgatam coisas que até eu não sabia. É tipo um baú, que vem trazendo coisas do passado. Você acaba se emocionando. As crianças que não tiveram a oportunidade de nos ver podem acompanhar através do Museu.

Se não bastasse tanta felicidade, a fera Carlinhos Cortazio ainda preparou uma surpresa daquelas para a gente. Na hora de produzir as camisas personalizadas para a festa de fim de ano, fez questão de estampar a logo do Museu da Pelada em cada uma delas.


– Vocês merecem!! – disse o anfitrião.

Receber tal tipo de homenagem em um lugar que reúne feras mundiais é motivo de muito orgulho para nós e mostra que estamos no caminho certo.

Passada a emoção, reunimos Paulinho Pereira (Vasco da Gama), Nélio (Flamengo), Mário (Fluminense), Moreno (América-RJ), Mendonça (Botafogo) e o mestre Jair Pereira que passou pelos quatro grandes. Exaltados por todos eles, Jair foi taxativo ao ser perguntado como seria uma preleção com essas feras.

– Pode ir que está tudo certo! Todo jogador gosta de uma preleção curta, objetiva e efetiva. Mas na realidade quem decide jogo é a técnica do jogador. Com esses aqui, não tem erro!

No fim da resenha, ainda encontramos o parceiro Anderson Loubach muito bem vestido com a nossa camisa e o parceiro Robinho, o Robgol, ídolo do Remo. Um dia para ficar marcado na história do Museu da Pelada!

Valeu, Carlinhos!!!
 

 

ARTISTAS SACODEM O MARACA

entrevista: Sergio Pugliese | vídeo e edição: Daniel Planel

A convite do parceiro Sérgio Ricardo, presidente da Loterj, a equipe do Museu da Pelada foi até o Maracanã para o lançamento da Raspadinha Raspa Rio Balanço Geral, que contou com uma pelada sob forte calor e reuniu artistas e grandes craques do passado.

Para a nossa surpresa, durante o discurso de Sérgio Ricardo sobre a novidade, fomos convidados para falar um pouco do Museu da Pelada, representado pelo nosso capitão Sergio Pugliese:

– O nosso objetivo é eternizar momentos maravilhosos do futebol. Depois do 7×1, a gente quis mostrar para as novas gerações que o nosso futebol não era aquele. Por isso, criamos esse espaço que traz de volta os jogadores do passado.

Recebido com aplausos, Edmundo era um dos mais aguardados pela galera e atendeu fã por fã com autógrafos e selfies.


Como a gente gosta mesmo é da resenha, partimos para o vestiário do Maraca e nos deparamos com a logo do Museu estampada nas camisas que seriam usadas pelas estrelas. Ao notar que usaria a mística camisa 7, Toni Garrido não se conteve:

– Não é todo dia que você chega ao Maracanã e tem seu nomezinho com uma camisa te esperando. Ainda mais com a camisa 7, vou ser o Toni Garrincha! – brincou.

Acostumado com todo aquele ambiente, Adílio preferiu exaltar o nosso trabalho e fazer nosso dia ainda mais feliz:

– Museu da Pelada é demais! A peladinha é a origem de todos nós. Antes de virar jogador, driblava a árvore que tinha no campinho perto de casa. A gente aprendeu a jogar na marra.

O goleiro Cláudinho Cunha, da Planet Globe, seguiu pelo mesmo caminho:


– O Museu da Pelada faz parte da nossa essência, da nossa infância. A maioria dos brasieiros, desde criança, imaginou ser jogador de futeobl. Então todos têm essa veia futebolística e nosso amigo Pugliese traz isso à tona para a gente recordar esses momentos maravilhosos.

Para completar, ainda entramos em campo ao lado de Adílio e não só não batemos uma peladinha porque nosso artilheiro Pugliese está sob cuidados do Departamento Médico!

MORRI, ISSO POUCO IMPORTA. VIBRO PELO EDEVALDO E O MEU TRICOLOR

por André Felipe de Lima


“Morri ontem, um domingo. Mais dia ou menos dia, chegaria a hora. Encontrando-me no céu, fui recebido em um camarote concedido por Deus para poucos, honraria que confesso jamais imaginar ostentar ou tampouco ambicionar, não esforcei-me para isso. Tive direito a asas angelicais e auréolas douradas, as mesmas que usei em procissões quando menino em priscas eras imemoriais, antes do nada, portanto, como muitos gostavam de ouvir e ler. Ali, envolvido pela minha imaculada ingenuidade infantil, acreditava em Deus e sequer pensava existir lorpas, pascácios e sacripantas. Perdi-o — o garoto ingênuo — no meio da longa estrada da carne. Culpa minha decerto. Mas Ele, lá do seu camarote, o mesmo onde me encontro agora, cercado de nuvens e luzes indescritíveis, assistia, como faz com todos crédulos ou incrédulos, ateus ou carolas, cada passo dado por esta eterna moribunda alma, sobretudo cada frase que escrevia ou verbo proferido. Perdoou-me por todas as letras das vidas que ousei compor sem lirismo. Era o nu e o cru, e não haveria de ser diferente. Afinal, como sempre afirmava — e Ele pode provar isso nos anais que destina a todos nós— que, embora assumidamente violento quando me sentava diante de uma Remington, mantive muito do menino que fui. Salvei-me aí. Mas nada. Nada mesmo importa neste momento de transição do chão infernal ao teto sublime azul anil mais que a atuação do Edevaldo. Como jogou bem o meu lateral-direito tricolor. Os suíços deram trabalho ontem enquanto me encaminhava para o camarote de Deus. Porém vencemos com um magro 2 a 0. O bastante. Se a seleção foi sofrível aos olhos dos críticos, a mim pouco importa. Edevaldo redimiu o escrete. A tarde antes cinzenta sobre a fronte de Telê coloriu-se em um arco-íris predominantemente verde e amarelo com o lateral indo e voltando de uma ponta a outra do campo com um fôlego inimaginável. Um puro-sangue. O Brasil seguirá firme para Montevidéu, conquistará o Mundialito. Quanto a mim, se Ele permitir, permanecerei aqui, em meu reluzente camarote celestial, apenas observando os encontros e desencontros das carnes de vocês e o que andam fazendo (ou não fazendo) pelo meu Fluminense.”

***

No dia 21 de dezembro de 1980, enquanto a seleção brasileira derrotava a seleção suíça pelo placar de 2 a 0 (gols de Sócrates e Zé Sérgio), no estádio José Fragelli, em Cuiabá, preparando-se para o Mundialito, uma mini Copa do Mundo, no Uruguai, perdíamos o “profeta tricolor” Nelson Rodrigues. E também perderíamos o Mundialito. Isso, Nelson não poderia prever.

A LIÇÃO DOS CABEÇAS-BRANCAS

por Claudio Lovato

Primeiro entraram os “velhos”, os “coroas”, os “velha-escola”.

Depois entrou o time atual, que havia levado o clube, naquele ano, ao quinto lugar no campeonato nacional.


O jogo entre o time de veteranos e o time principal começou como uma piada entre um dos heróis do passado, hoje conselheiro do clube, e o diretor de futebol, adepto do marketing agressivo e das “novas ferramentas de gestão”.

Rapidinho a coisa transpirou para a imprensa e virou matéria nos cadernos de esportes de todos os jornais da cidade, versão impressa e on-line.

Dos veteranos, o mais novo tinha 58 anos; o mais velho, 66.

Estádio cheio, dezembro, domingo de manhã, sol, último dia antes das férias do plantel. Papai Noel na pista atlética, bolas chutadas para a torcida, discurso do presidente do clube.

Aos 20 minutos, o jogo já estava três a zero para o time atual – sem que este forçasse a máquina em momento algum.

Em 35 minutos, a partida havia chegado aos cinco a zero, e os veteranos já haviam feito três substituições. Ao fim dos primeiros 45 minutos, o jogo estava seis a zero.

O intervalo foi de muitas risadas e gozações no vestiário do time atual e de conversa nenhuma no vestiário dos másters, porque não havia o que dizer e porque a sede era imensa. 

Voltaram para o campo, e o processo apenas foi retomado: em 10 minutos, dois gols da equipe principal.  Lá pelos vinte minutos do segundo tempo, no entanto, aconteceu algo que ninguém esperava – ou que alguns esperavam, a princípio, e depois desistiram de esperar. 

Saída de bola na defesa do time dos veteranos, pelo lado direito da grande área.Do goleiro, com as mãos, para o lateral-direito, deste para o quarto-zagueiro, dele para o “centromédio”, que mandou para o lateral novamente, que passou para o ponta-direita, e, do ponta, um passe mais longo e arriscado para o meia-esquerda, que tinha se infiltrado, e do meia para o lateral-esquerdo, que enfiou uma bola rasteirinha e rápida para o centroavante, que entrou na diagonal, por trás de um dos zagueiros, e, com o pé direito, batendo bem embaixo dela, com zelo e carinho, encobriu o goleiro e fez a bola morrer mansinha lá no fundo da rede.


Menos de 10 toques na bola. Sem que os adversários a tocassem. Sem bate-rebate. Só passes limpos, rentes à grama, no pé do companheiro.

Esse lance sensacional gerou aplausos, gritos e sorrisos nas arquibancadas, mas, dentro do campo, entre “os do futebol”, ocasionou outro tipo de reação.

Naqueles momentos que se seguiram ao gol, os dois zagueiros do time principal ficaram olhando um para o outro, querendo entender o que havia acontecido; o goleiro ficou olhando para o centroavante sênior, que corria, de braços erguidos, o 9 às costas da camisa que parecia que ia se rasgar a qualquer momento por causa da barriga, e os veteranos indo abraçá-lo e dar-lhe tapas na cabeça e saltar sobre ele – meninos de novo.

Dentre todas as reações dos caras que eram do futebol, contudo, a que teve significado mais especial foi esta: enquanto os bumbos e os surdos ressoavam na arquibancada, enquanto os jogadores de um time se perguntavam o que tinha sido “aquilo” e os de outro reviviam momentos especiais do passado, o técnico do time atual, um jovem estudioso do futebol que recém havia entrado na casa dos 40, olhou para o treinador dos veteranos, um macaco velho do futebol beirando os 70, e recebeu dele um sorriso que dizia mais ou menos assim: “Deixa pra lá, foi por acaso, lance fortuito…” Mas o jovem técnico sabia que não se tratava disso. Havia uma lição ali, simples e eficaz, que ele jamais esqueceria e que seria fundamental para todas as muitas conquistas que ele viria a ter em sua vitoriosa carreira.

Havia uma lição que falava de maestria adquirida e do eterno prazer em fazer aquilo de que se gosta e do quanto isso é capaz de nos manter sempre no jogo.

Do quanto isso é capaz de nos manter vivos.

A BELEZA DO LOCO

por Paulo Escobar


Nasceu em Rosário talvez um dos caras mais loucos e obsessivos por jogar de maneira agradável aos olhos, e quem sabe seja também um dos mais amados e odiados ao mesmo tempo. Muito pela suas ideias e convicções que não abre mão, ganhando de cinco ou perdendo de cinco.

Desde muito pequeno cultivou um amor louco pelo Newell’sOldBoys, e já na infância prometeu a um amigo que jogaria nesse clube um dia. A loucura de Bielsa já na infância o fez amar o clube rival de seu pai, o Rosário Central, e ao chegar nas categorias de base do Newell´s seu pai nunca assistiu a um jogo seu. Sendo assim, desde muito jovem conviveu com a solidão que o futebol gera naqueles que pensam diferente ao senso comum.

Bielsa foi um zagueiro que tentou ser o melhor na sua posição, mas não conseguiu e já aos vinte cinco anos decidiu parar de jogar e se dedicar àquilo que viria ser o seu diferencial: estudou educação física e procurou pesquisar a estrutura humana virando um treinador muito jovem. Seu primeiro contato com a parte técnica e tática foi como ajudante de Griffaque, quando dirigia o Newell´s. Griffa, alías, já percebeu a loucura de Bielsa desde muito cedo. Numa das missões dadas por ele a Marcelo, pediu para ir atrás de jovens talentos, o Loco saiu pela Argentina e percorreu cerca de 30.000 kms. Nessa garimpada, conheceu um jovem chamado Gabriel, que depois viria ser o Batigol. Mas não foi a única a descoberta de talentos. Tirar o melhor de cada jogador costuma ser uma das marcas deste Loco.


A pedido do próprio Griffa, Marcelo Bielsa assumiu o Newell´s e virou técnico oficialmente aos seus 35 anos, no final de 1990 quando o time se encontrava na beira do abismo com grande risco de cair para a segunda divisão. E aí começa a remontada, levando o time a ser campeão argentino, naquela mítica celebração em que o Loco sai carregado pela torcida que cantava seu nome.

Depois disso, levou o Newell´s a final da Libertadores de 1992 contra o São Paulo, enfrentando aquele time mítico do Telê, num confronto de um futebol vistoso jogado para frente. Além dos três títulos nacionais, apresentou os primeiros sinais de um futebol jogado sem medo. A passagem foi tão marcante que o nome do estádio do Newell´s leva seu nome.

Mas como o próprio Loco costuma dizer, ele tem tido mais fracassos que êxitos, como a eliminação da Argentina na primeira fase da Copa de 2002, no qual se enfrenta a fúria midiática que esperava o fracasso daquele que confrontava as opiniões dos meios de comunicação. Bielsa, carregando a dor do fracasso, leva a Argentina a ser campeã olímpica em 2004 e logo depois renuncia, ficando três anos no silêncio sem dar declarações ou atender aqueles que o procuravam.


Volta para mudar a mentalidade de uma geração e de uma seleção acostumada ao fracasso, o Chile, e dali para frente passa por diversos times sempre ligado a cultura local ou as histórias dos seus povos. Passou pelo Marselha, Bilbao, Lille e hoje o vemos fazendo milagres com o Leeds, da segunda divisão inglesa, que está a um ponto do líder na luta para subir a Premier Liga. Na cidade de Leeds já virou cântico de estádio e faz o time jogar para frente de uma maneira linda de se ver. Imaginemos que delicia será ano que vem jogando a primeira divisão contra Guardiola, Mourinho, Klopp e Pochetino (que jogava naquele Newell´s).

A maioria dos jogadores que passam nos seus times são marcados de alguma forma. Guardiola o tem como ídolo, pois para ele não importam se há títulos ou não nos trabalhos de Bielsa, mas sempre há um estilo de jogo implantado perdendo ou ganhando se procura o gol. Um dos ensinamentos de Menotti que Bielsa leva consigo e o aplica dentro de campo é aquele citado algumas vezes pelo próprio Loco:


– Aquele que cruza o jardim – como diz Menotti – evitando o ângulo de noventa graus, pisa as flores e chega mais rápido, enquanto aquele que recorre o ângulo de noventa graus tarda mais, mas não esmaga as flores!

É assim que ele vê o futebol procurando preservar beleza e não somente visando o resultado. Bielsa procura preservar o futebol bem jogado, aquele que nos delicia a alma, procurando, acima dos títulos e dos “resultadismos”, deixar um legado.

No terremoto de 2010 no Chile, uma das cidades mais afetadas foi a de Constitución. O Loco percorreu esta cidade, conversou com as pessoas e fez questão de ajudar na construção de suas casas. Não era raro vê-lo sair nas ruas de Santiago de bicicleta indo a feira ou colocando crianças para assistir a seus treinos.  Em uma das suas mais recentes “loucuras” comprou um hotel para concentração ou para Newell´s utilizar para melhorar sua estrutura, prédio que leva por nome “Griffa”.


Procura a identificação com a história e povos que cercam os seus times, vive suas realidades e não se isenta de posições rejeitando o silêncio obrigatório imposto pelas federações. Não se silencia nem dos escândalos que as federações vivem, só ver a sua saída da seleção chilena, será que Bielsa se encaixaria nos esquemas da CBF?

Num futebol que visa somente os resultados e que mata a beleza em prol da feiura e dos lucros, Marcelo Bielsa é um verdadeiro anti-herói. Nadando contra a corrente e contra a lógica imposta, el Loco continua com sua loucura de acreditar na beleza do Futebol acima de qualquer título. Você que leu este texto, gostaria de um louco desse andando de um lado para outro intensamente no banco de seu time?