Horta + Márcio Braga
FLA-FLU DE TODOS OS TEMPOS
entrevista: Sergio Pugliese | texto: Gilmar Ferreira | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: Daniel Planel
Segundos antes de soarem as badaladas do antigo relógio de parede da ante-sala da presidência da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, anunciando às cinco horas da tarde da segunda-feira, dia 5 de novembro, Francisco Horta, de 84 anos, e Márcio Braga, de 82, já estavam de pé à frente do móvel de estilo colonial para uma rápida sessão de fotos. Foi quando um dos presentes deu a senha.
– É o horário tradicional de a bola rolar para um histórico Fla-Flu…
Foi como viajar no tempo e revisitar bastidores esquecidos nas páginas de livros e jornais dos anos 70. E as histórias agora recontadas numa atmosfera nostálgica ajudam a entender porque os dois ex-presidentes de Fluminense e de Flamengo, amigos de infância da mágica Copacabana dos anos 50, são até hoje parados por torcedores de outros clubes. Simplesmente porque de suas mentes ainda prodigiosas saíam ideias das mais emblemáticas para o futebol carioca.
– O Márcio é até hoje um galã de cinema. O ‘Dom Juan’ que roubava minhas namoradinhas na adolescência, e que anos mais tarde tornou-se um dos mais bem sucedidos dirigentes do futebol brasileiro! – derrete-se o eterno cartola tricolor, até hoje lembrado como “o dirigente do troca-troca”, ou “o presidente que em 75 viajou a São Paulo para tirar do Parque São Jorge o camisa 10 da seleção na Copa da Alemanha, em 74, sem que o Fluminense tivesse um centavo na conta.
Márcio Braga sorri, meio sem jeito, mas com o olhar do mais puro encantamento. E encontra na gentileza e na fidalguia do seu rival dos tempos do futebol de praia o gancho ideal para fixar suas ideias sobre o estágio atual do futebol brasileiro.
– Está vendo aí: a inteligência e a elegância do doutor Horta fazem uma falta danada à defesa das principais causas dos clubes brasileiros! – retribui o rubro-negro que comandou o clube em seis mandatos.
Noventa minutos de bate-papo foram suficientes para reavivar o quão adorável pode ser uma rivalidade futebolística. E os causos e as histórias contadas neste ‘Fla-Flu’ do qual pude presenciar a convite do ‘Museu da Pelada’ são de fazer um nostálgico assumido revirar a gaveta da escrivaninha atrás daquele adesivo plástico que a gente estampa no para-brisa traseiro do carro só para se diferenciar dos mortais.
“Eu fui!!!”
Projeto Cruzada
PROJETO CRUZADA
entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | vídeo: Daniel Planel
Na última semana, o Pelada Móvel pegou a estrada para equipar mais uma escolinha carente. Sem nenhum tipo de patrocínio, utilizamos o dinheiro da venda das nossas camisas para a compra de materiais esportivos.
Dessa vez, no entanto, as vendas não cobriram os gastos e os amigos Adriano Vaz e Múcio Borges deram uma generosa contribuição em dinheiro para ajudarmos o projeto do craque Paulinho Pereira, na Escola Santos Anjos, Cruzada São Sebastião.
Com aproximadamente 100 alunos de 8 a 15 anos, o professor conta com a colaboração de Luiz Carlos para comandar as atividades três vezes por semana e ajudar na formação da garotada.
– Gostei do convite do Paulinho e abracei a causa com ele para essas crianças não ficarem perdidas por aí – lembrou Luiz.
Quando a equipe do Museu chegou, com os reforços de Fred, Rapha, Vaz e Borges, carregada de sacolas com cones, coletes e bolas, o sorriso no rosto da molecada saltava aos olhos. Diante de tantas dificuldades, os meninos esquecem de qualquer problema quando estão dentro de quadra.
Um dos responsáveis pela compra do material esportivo, Múcio Borges rasgou elogios à iniciativa de Paulinho Pereira.
– Foi um prazer ter um feito essa doação, que na verdade é um agradecimento ao trabalho que vocês fazem com essa garotada. É um exemplo para os nossos filhos!
Seguindo a mesma linha, o vascaíno Adriano Vaz agradeceu a Paulinho não só pelas atuações no Maracanã, mas também pelo projeto.
– A gente ajuda, mas o presente é para a gente! Chegar aqui e ver essa alegria da garotada não tem preço. Parabéns pelo trabalho e pode contar com a gente sempre!
Vale lembrar que, além de equipar as escolinhas, salvamos acervos pessoais e ajudamos ex-jogadores no que for preciso para retribuir as alegrias que eles nos proporcionaram em campo. A intenção é estarmos juntos, abrindo portas para quem precisa!
COLONIZARAM A LIBERTADORES
por Paulo Escobar
Desde que me lembro por gente que acompanha futebol, tenho lembranças da Libertadores, que na minha opinião era um dos torneios mais loucos e que trazia a diversidade e as mais variadas culturas latinas a campo. Os times, seus estádios, as torcidas a pressão e as festas de cidade para cidade.
O que dizer dos jogos no centenário, na Bombonera, em Nuñes, no Nacional, no Defensores del Chaco, no Cilindro, Lima, La Paz e nos mais variados estádios. Como não lembrar dos jogos quentes e finais incríveis, os mata-matas, os chamados grandes caindo, o torneio que talvez sempre mais custou aos times brasileiros e que sempre trouxe histórias e bastidores inesquecíveis.
Aos poucos foram nos matando, assassinando o futebol latino e a Libertadores, a exemplo do que a América Latina sofreu na colonização, quando os assassinos vinham com seus costumes, deuses e culturas e assim impunham aos índios, do mesmo jeito tem acontecido com o nosso futebol. Não aceitam nossa diversidade, não aceitam nossas paixões, não aceitam nosso jeito diverso de ser, mas querem nos adestrar e nos padronizar e dizer como deve ser nosso futebol.
Aos poucos levam nossos craques, depois tiraram nossos instrumentos e bandeiras, proibiram nossos sinalizadores e fogos de artifícios, colocaram cadeiras e nos disseram como se comportar nos nossos jogos, não permitiram mais ambas as torcidas, tiraram a cerveja e, a exemplo dos colonizadores, nos impuseram seus costumes e nos deixaram um hino, aquela coisa chata que é tocada na entrada de ambos os times juntos.
Mais do que nunca, o que aconteceu domingo teve muitos atores por trás, as federações que historicamente defenderam interesses daqueles que as comandam e não do futebol, os governos que sempre vão culpar as torcidas das desgraças e descuidos históricos deles mesmos, as dirigências dos times envolvidos que sempre abaixaram a cabeça para tudo que lhes é imposto. Tudo o que rolou no domingo com a FIFA por trás e todos seus capachos somente veio fortalecer o argumento de final única em campo neutro.
A final em campo único em países distantes, além dos ingressos caros, exige agora pegar avião para poder acompanhar seus times de coração. Se já é difícil você ir numa final pelos preços absurdos, agora some passagens e gastos de estadia. As finais serão mais um meio de exclusão e imposição de como devemos torcer ou agir de acordo com os padrões impostos de cima para baixo.
Houve interesses de muitos poderosos que se aproveitam do futebol nos incidentes de domingo, se aproveitaram dos fatos para querer nos dizer que não somos civilizados e que o futebol europeu é o antro da ordem e de como se deve torcer, superdimensionam os conflitos nos nossos estádios como se fosse rotina e minimizam os conflitos ocorridos na Europa como se fossem exceções. Vale dizer que grande parte da mídia esportiva foi participante do assassinato da Libertadores e imposições de como se deve ser ou agir.
As revoltas e conflitos são fatos sociais além do futebol, e que devem ser observados como fenômenos sociais além do esporte. O que acontece com as pessoas dentro dos estádios são reflexos daquilo que se vive nas sociedades que vivemos, e nossas diversidades e particularidade dentro dos estádios devem ser preservadas, nossa forma de manifestar nossa paixão respeitada e não assassinadas como vem sendo feito ao longo dos anos.
Nossa forma de torcer e manifestar nossas paixões são motivos de incômodo para os de fora, não respeitam nossa diversidade e nos punem por sermos diferentes. As entidades querem nos colonizar e impor o que para eles é futebol e nos colocar como devemos agir e ser dentro e fora dos estádios.
O que foi acontecendo na Libertadores ao longo destes anos nos mostra que foram nos matando aos poucos, com requintes de crueldade, foram nos assassinando de maneira lenta. Nos mutilaram aos poucos e hoje falecemos junto com a morte da Libertadores do jeito que a amávamos e conhecíamos.
O simbolismo de levar a final a Madrid mostra o ponto final deste processo colonizador, a exemplo das invasões e imposições que sofremos ao longo dos séculos vimos no futebol. Nos roubaram tudo inclusive a final da Liberadores, nos saquearam e levaram até nossas finais do jeito que as conhecíamos embora.
Não será a mesma coisa a final em Madrid, muitos dos torcedores que poderiam ir a uma final em seus estádios não poderão ir a Espanha, ali será uma final para aqueles que podem pagar e alguns que terão que se endividar para poder acompanhar seus times.
O que nos resta é o que sempre aconteceu nos processos colonizadores ao longo da história, a resistência daqueles que amamos o futebol, dos torcedores que não aceitem estas imposições. Que algo que nos dê um sinal de esperança aconteça daqui até o dia 9, e que o futebol nos surpreenda de alguma forma.
Pois diante do colonizador sempre houve resistência, tomara que com o futebol não seja diferente.
VENCE O FLUMINENSE’. ASSIM SEMPRE CANTOU O ÍDOLO GALHARDO
por André Felipe de Lima
Em 1965, o jovem zagueiro Galhardo mostrava-se preocupado com o futuro, sobretudo quando chegasse o momento de abandonar a carreira. Tendo o pai José como sócio, tocou uma fábrica de bebidas em Araraquara. Esse estilo cônscio e resoluto, ele levava para o campo. E foi assim que Galhardo foi construindo sua brilhante carreira no futebol. Um beque dos melhores de sua geração.
Orgulho da mãe Maria Michelini e da irmã Maria Helena, João José Galhardo, seu nome de batismo, começou em 1958 como lateral-direito, no juvenil da Ferroviária de Araraquara, cidade em que nasceu no dia 29 de novembro de 1942. Quem o levou para o clube foi o amigo Picolin, que na época era o treinador do time. Nos aspirantes, pulou para a lateral-esquerda e depois para a zaga, e lá permaneceu. Galhardo jamais deixou treinadores na mão. Era pau pra toda obra. “Antes eu jogava futebol na várzea, no time do bairro do Carmo, onde morava, chamado Paulista (onde jogava como meia-esquerda). Em 1960, fui promovido ao quadro de aspirantes e, em 1962, na Taça São Paulo, fui lançado no time principal da Ferroviária, entrando no lugar de Válter, lateral-esquerdo, na partida contra o Corinthians. Depois do jogo, o presidente corintiano perguntou se a diretoria da Ferroviária estava interessada na venda de meu passe. Ante a resposta negativa, o Corinthians pediu prioridade para a sua compra”, narrou Galhardo, à antiga Revista do Esporte, em 1965, quando já se encontrava no Parque São Jorge, vestindo a camisa do Timão.
Seu passe custou ao Corinthians 25 milhões de cruzeiros da época, além dos passes do Bazzani (maior ídolo da história da Ferroviária) e do Osmar. Logo no primeiro ano no novo clube, o técnico Oswaldo Brandão o escalou na lateral-direita. Na reserva ficara ninguém menos que Jair Marinho. Como chutava com os dois pés, não sentiu a diferença. Como já enfatizamos, Galhardo era polivalente.
Mas o craque dos “sete instrumentos” — como diziam os mais antigos — acalentava outro sonho, o de jogar pelo Santos. Afinal, que jovem jogador como ele na época não queria defender o alvinegro praiano e jogar ao lado de Pelé e companhia?
O menino dizia torcer pelo Flamengo no Rio e ocultava o time de coração em São Paulo. “Deixa pra lá”, respondeu ao repórter. Jamais escondera o desejo de um dia jogar por um grande time carioca. Ouvira falar em 1964 que o Flamengo estava interessado no passe dele. “Mas parece que tudo foi só onda dos jornais”, disse ele. Mas por pouco não parou com o futebol em 1968, após um entrevero com o então técnico do Corinthians Zezé Moreira. “Queria abandonar o futebol”, declarou ele a Valterson Botelho.
Se a investida do Flamengo foi “marola”, a de outro clube carioca no qual Galhardo escreveria a mais importante página da carreira seria um verdadeiro “tsunami”. Esse maremoto de alegria na vida do Galhardo chama-se Fluminense para onde Galhardo foi após um convite do treinador Evaristo de Macedo.
Foi quando ainda dava os primeiros passos na carreira que conheceu Selma, com quem se casaria. Ela foi, talvez, quem melhor compreendia a paixão que Galhardo construiu pelo Tricolor ao longo da jornada nas Laranjeiras. “Quando o Flu não consegue vencer, meu amor fica o resto do dia intranqüilo, aborrecido mesmo”. A mais pura verdade. Galhardo tornou-se um dos melhores zagueiros da história do Fluminense.
Com o Tricolor, foi campeão carioca de 1969 e de 1971 e da Taça Brasil de 1970, o antigo Torneio Roberto Gomes Pedrosa. Aquele Fluminense de “timinho” tinha nada. Era um esquadrão de respeito sob o comando do técnico “casca grossa” Paulo Amaral. Vamos lá: No gol, Félix; na defesa, Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; vamos ao meio de campo com Denilson e Didi; no ataque, Cafuringa, Samarone, Mickey e Lula.
Em 1973, como destaca o jornal Folha de S.Paulo, o Fluminense planejava conceder a Galhardo o passe livre. O jogador vivia um drama. Um dos ligamentos de um dos joelhos ficou severamente comprometido após um jogo contra o Bahia em 1971. Telê Santana até o convidou para jogar pelo Atlético Mineiro, mas era mesmo o fim da carreira de jogador. Mas sem deixar de lado o futebol, sua paixão. Treinou escolinhas de futebol e trabalhou como vendedor.
Hoje, o grande ídolo e tricolor de coração vive tranqüilo em Araraquara ao lado da família.
PENEIRA NA KELSON´S
Através do parceiro Anderson Jedai, Maurício Albuquerque, observador técnico do Flamengo, esteve ontem no campo da favela da Kelson’s, realizando uma peneira para avaliar meninos de 7 a 15 anos que driblam várias dificuldades diariamente, mas não desistem do sonho de construir seu futuro.
Debaixo de muito sol, os futuros craques fizeram os olhos do professor brilharem a ponto de alguns terem sido selecionados para um período de testes no Ninho do Urubu.
Como podemos ver nas fotos, a garotada foi dividida em dois times e usou os coletes doados pelo Museu da Pelada no fim do ano passado, quando equipamos a escolinha do parceiro Farney de Melo. Tal fato nos motiva ainda mais a continuar nessa batalha diária, ao lado dos amigos, em prol da solidariedade.
Vale lembrar que o volante Michel, campeão da Libertadores pelo Grêmio, deu seus primeiros passos no campo da Kelson´s e é exemplo para os meninos da comunidade.