DOIS ANOS DE UMA TRAGÉDIA
por Israel Cayo Campos
Dia 28 de novembro completamos dois anos do voo 2933 da LaMia que se acidentou na região de “El Gordo” na Colômbia, e que acabou por ceifar a vida e os sonhos de 71 dos 74 passageiros. Dentre esses estava a delegação da Associação Chapecoense de Futebol, a nossa querida “Chape”, que se preparava para o maior desafio de sua curta, porém vencedora, existência. Uma final de um torneio Sul-americano contra o atual campeão da Libertadores da América, o também verde e branco Atlético Nacional.
Uma tragédia esportiva brasileira que parou o mundo que eu me recorde, só em 1994. Quando em apenas 13 dias perdemos o Craque Dener, que poderia ter sido um gênio da bola se não fosse o triste acidente de carro no dia 18 de abril, e Ayrton Senna, maior esportista brasileiro em atividade, ídolo máximo com status de herói nacional, que acabou perdendo sua vida na fatídica Curva Tamburello em Ímola na Itália no dia 01 de maio do referido ano. Mas mesmo esses dias negros não se comparam ao que aconteceu naquela noite de 2016.
Não me cabe elencar culpados pelo ocorrido, mas quero homenagear todos que perdemos naquele fatídico voo. Pessoas que tinham uma vida toda pela frente. Pais de família! Seres humanos que não só comoveram o país, como o mundo todo. Se tratando do aspecto esportivo, essa foi e rezo para que seja eternamente, a maior tragédia ocorrida no país.
Ananias, meio campo da Chapecoense. Quem não se lembra da piada “Ananias Parque”? Por ele ter sido o autor dos dois primeiros gols da Arena do Palmeiras? Arthur Maia, de quem eu particularmente recordo atuando com a camisa do América de Natal (minha cidade), onde teve uma grande passagem, inclusive eliminando o Fluminense da Unimed em 2014 em pleno Maracanã pela Copa do Brasil com um expressivo 5 a 2 aplicados.
Bruno Rangel, um jogador rápido e goleador que tinha feito a maior parte de sua carreira no mundo árabe. Aílton Canela, um garoto que ganhava sua primeira chance em um clube de Série A. Cleber Santana. De um time formado com jogadores desconhecidos da grande mídia, era talvez o de mais “nome”. Entre Santos, São Paulo e Flamengo, também tinha passado algumas temporadas no Atlético de Madrid da Espanha.
Dener, que ainda tentava se firmar no futebol após passagem pelo Grêmio. Danilo, o goleirão que contribuiu demais para a vaga na final daquele torneio com defesas milagrosas em todas as partidas. Inclusive contra o tradicional San Lorenzo da Argentina nas semifinais. Ele já possuía 31 anos. Mas só naquele momento ele alcançava o auge e o reconhecimento por anos de trabalho duro em clubes menores. Filipe Machado e Sergio Manoel: Como gostaria de ter visto mais vocês em campo para tecer memórias importantes sobre suas promissoras carreiras.
Matheus Biteco. Formado no Grêmio, já havia visto alguns de seus jogos pela Seleção Brasileira sub-17 e sub-20. Junto com o irmão Guilherme, eram tidos como grandes promessas do futebol brasileiro, aos 21 anos não deu pra saber! Gimenez e Lucas Gomes. Dois jogadores formados no celeiro de craques do interior paulista, também estavam no auge de suas carreiras.
Kempes. O goleador do time no ano, com sua cabeleira cheia de estilo. Já tinha algumas passagens por outros clubes como o América de Minas Gerais. O volante Gil, o garoto Thiaguinho, e o volante Josimar, que teve passagem pelo Palmeiras.
O zagueiro Thiego, mais um formado pelo Grêmio, e que teve sua melhor fase no rival Figueirense. Marcelo, o jovem zagueiro que vinha se destacando na Sul-Americana. E Mateus Caramelo, formado no São Paulo, e que estava recuperando seu bom futebol exatamente na equipe da Arena Condá.
Além dos jogadores a comissão técnica: Caio Jr. Que antes de ser um técnico de respeito fora um atacante de destaque principalmente no Paraná Clube, na época que o mesmo estava na melhor fase de sua história. Com muitos títulos no mundo árabe, um Campeonato Baiano pelo Vitória e boas passagens por clubes como Palmeiras e Botafogo, o título da Sul-Americana seria o divisor de águas na carreira do técnico dentro do futebol brasileiro. Além de Caio, foram o auxiliar técnico Duca, o médico Márcio Koury, e o preparador físico Anderson Paixão, filho do famoso preparador da Seleção Brasileira Paulo Paixão. Todos deixando família e a sensação de que profissionalmente estavam a viver o melhor momento de suas vidas.
Além dos jogadores e da comissão técnica, os membros da imprensa que foram cobrir aquela final. Pessoas as quais estava acostumado a ver em minha casa até mais que os jogadores da Chape, pois estavam todos os dias a apresentarem seu trabalho para nós telespectadores.
É o caso de Deva Pascovicci, narrador da Fox Sports que começou na extinta TV Manchete (Na TV), e que ficara bastante reconhecido principalmente do pessoal de fora do sudeste brasileiro pela emocionante narração naquela semifinal contra o San Lorenzo, onde o “Espirito de Condá” esteve presente. Com ele partiram também o câmera Rodrigo Santana e o coordenador de externa Júnior Lilácio, este último descrito por seu companheiro de emissora Oswaldo Paschoal como tão dedicado e competente, que até subir em árvores para por um sinal de qualidade para os assinantes do canal ele fazia sem reclamar.
Ainda da Fox, três das figuras que mais senti a perda no meu dia a dia… Victorino Chermont, o Vitu… Repórter e comentarista acompanhava seu trabalho desde que o mesmo ainda era o “repórter carioca” da TV Bandeirantes, em seguida passando pelo grupo Globo e depois sendo o repórter América da Fox Sports, acompanhando todos os times brasileiros nos torneios disputados no continente. Sobre ele uma passagem muito comovente do colega Fábio Sormani. Que em uma conversa pessoal com Vitu ouvira (ou leu) do mesmo que se ele fosse antes, queria que um garçom que sempre o servia muito bem carregasse o caixão. Emocionado, Sormani fez o pedido ao mesmo que se estivesse vendo o programa, fosse ao enterro do mesmo prestar essa homenagem. Se o garçom em questão foi, não sabemos, mas que as tiradas inteligentes do rubro negro Victorino fazem falta… Há como fazem…
Paulo JulioClement. Lembro-me de acompanhá-lo via Facebook em seus comentários. O conheci enquanto jornalista com ele já na Fox. Mas o torcedor do Fluminense era bom em tudo que fazia. De edição ou como comentarista.
Mario Sergio Pontes de Paiva. Admito, até ele trabalhar na Fox o achava um treinador (já peguei essa fase dele) muito arrogante! Como comentarista também tinha coisas que me desagradavam muito. Mas ao ir trabalhar no Fox Sports Rádio, que hoje é líder de audiência dos programas esportivos (e não estou fazendo jabá, rs), comecei a ver outro lado daquele Mario, que fora um craque de bola, campeão do mundo pelo Grêmio, campeão várias vezes pelo Internacional, pela máquina tricolor de meados dos anos 1970 do Fluminense, e até campeão com o meu São Paulo. Um lado humano, engraçado, sincero, mas sem perder a doçura. Como disse o ex-colega de clube Leão (o ex-goleiro), O Mario Sergio estava passando pela fase mais doce e serena da vida dele.
Dono de um amor por apostas em cavalos e um vício de limpar seus próprios óculos, Mario era garantia de meus risos certos quando participava do programa. E mesmo sendo campeão nos dois grandes do Rio Grande, me acabava de rir com as provocações que fazia ao Grêmio e também ao Internacional… “Tudo no Inter se pergunta lá no Posto Ypiranga antes de se tomar uma decisão dizia ele”, em referência ao ex-presidente colorado Fernando Carvalho. Mas tão grande era o amor pelo clube, que o mesmo fez uma aposta impossível de publicar aqui com o apresentador Benjamin Back se o Internacional aquele ano fosse rebaixado… O Inter acabou sendo rebaixado, mas Mario malandro que sempre foi, se despediu desse mundo antes para não precisar pagar a aposta! Infelizmente Mario Sergio…
Além deles, ressalto outros jornalistas que não conhecia, mas que com certeza tinham um grande futuro em sua profissão: Os repórteres Guilherme Marques e Giovane Klein, o câmera Ari Junior, o produtor Guilherme Laars todos da Rede Globo. O repórter André Podiacki do Diário Catarinense. O cinegrafista Djalma Araújo da RBS, o repórter Renan Carlos da Rádio Oeste Capital, LaionEspíndula, setorista da Chapecoense para o Globo Esporte, Gelson Galiotto narrador da Rádio SuperCondá, Ivan Carlos e Edson Luiz, ambos da mesma rádio! Fernando Schardong e Douglas Dornelles da Rádio Chapecó e JacirBiavatti da Rádio Vanguarda FM.
Além deles, também devemos citar o piloto Miguel Quiroga, RomelVacaflores (assistente de voo), Ovar Goytia, Arias Alex e Gustavo Lugo. Mesmo passado dois anos, alguns menos outros mais, mas todos deixam saudades, principalmente aos respectivos familiares.
Vale ressaltar em toda essa tragédia o lado humano. O apoio do povo colombiano nas buscas e nos cuidados com os corpos. O fato do Atlético Nacional abrir mão de qualquer vaidade e ceder o título daquele torneio a Chapecoense, as comoções pelo mundo todo de jogadores da mais alto garbo aos seus colegas de profissão, o sentimento único de que antes de nacionalismos somos seres humanos, brasileiros e colombianos nunca se gostaram tanto e que seja assim para sempre! Que não se precise outra tragédia para nos unir. Até eu que estava bravo com o Atlético Nacional por ter tirado o meu São Paulo das semifinais da Libertadores, se tenho um time internacional para quem torço incondicionalmente hoje, esse time é o Atlético Nacional de Medellin.
Vale ressaltar também o velório da Chapecoense. A força da mãe do goleiro Danilo ao abraçar um repórter que não aguentava a perca de seus colegas de profissão. Dona LLaides Padilha é a prova clara de que o filho batalhador e vencedor não foi por acaso. O grande capitão do Barcelona Charles Puyol, que fez questão de participar do cortejo, Ao Barcelona que fez um amistoso com a Chape com o objetivo de ajudar no reerguimento do clube (Que na minha torcida pessoal não cairá a segunda divisão esse ano!), E até a Galvão Bueno, o tão criticado Galvão Bueno… Que consegue nos passar emoção de um título mundial no futebol. Assim como transmitir uma tragédia inesquecível como essa da maneira mais humana e verdadeira possível.
Mas como milagres acontecem! Até mesmo em um momento tão triste como esse, podemos tirar boas notícias! Nesse caso além da já citada união dos povos e até de torcidas rivais que vivem a se digladiarem, também tivemos sobreviventes: Alan Ruschel, que voltou a jogar futebol, e continua a atuar pela Chape. O goleiro reserva Jackson Follman, que perdeu a perna no acidente mas que hoje é comentarista e que afirmou a pouco tempo ter feito dois anos que nasceu de novo. O zagueiro Neto, o último a ser salvo entre as ferragens, mas que se recuperou e voltou ao futebol e o narrador da Rádio Oeste Capital FM Rafael Henzel, que narrou o “jogo da amizade” entre Brasil e Colômbia ao lado de Galvão Bueno. Lançou um livro contando sua experiência e voltou a suas atividades de narração pela mesma rádio. Afinal, a vida continua…
Além deles sobreviveram a comissária de bordo Ximena Suárez que hoje atua como modelo e o mecânico Erwin Tumiri, de quem pouco se tem informações. Que todos a partir daquele dia possam ter vidas felizes e em paz! Enquanto aqueles que se foram, a pergunta eterna do ser humano para eles já fora respondida. Entretanto, todos eles nunca serão esquecidos, e nunca sairão não só dos corações dos torcedores da Chapecoense, como de todos nós que amamos futebol! Afinal, todos nós somos efêmeros no tempo e no espaço, mas o que deixamos de legado aqui é eterno. E o desses meninos/homens, ficará guardado enquanto existir esse esporte tão apaixonante.
Horta + Márcio Braga
FLA-FLU DE TODOS OS TEMPOS
entrevista: Sergio Pugliese | texto: Gilmar Ferreira | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: Daniel Planel
Segundos antes de soarem as badaladas do antigo relógio de parede da ante-sala da presidência da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, anunciando às cinco horas da tarde da segunda-feira, dia 5 de novembro, Francisco Horta, de 84 anos, e Márcio Braga, de 82, já estavam de pé à frente do móvel de estilo colonial para uma rápida sessão de fotos. Foi quando um dos presentes deu a senha.
– É o horário tradicional de a bola rolar para um histórico Fla-Flu…
Foi como viajar no tempo e revisitar bastidores esquecidos nas páginas de livros e jornais dos anos 70. E as histórias agora recontadas numa atmosfera nostálgica ajudam a entender porque os dois ex-presidentes de Fluminense e de Flamengo, amigos de infância da mágica Copacabana dos anos 50, são até hoje parados por torcedores de outros clubes. Simplesmente porque de suas mentes ainda prodigiosas saíam ideias das mais emblemáticas para o futebol carioca.
– O Márcio é até hoje um galã de cinema. O ‘Dom Juan’ que roubava minhas namoradinhas na adolescência, e que anos mais tarde tornou-se um dos mais bem sucedidos dirigentes do futebol brasileiro! – derrete-se o eterno cartola tricolor, até hoje lembrado como “o dirigente do troca-troca”, ou “o presidente que em 75 viajou a São Paulo para tirar do Parque São Jorge o camisa 10 da seleção na Copa da Alemanha, em 74, sem que o Fluminense tivesse um centavo na conta.
Márcio Braga sorri, meio sem jeito, mas com o olhar do mais puro encantamento. E encontra na gentileza e na fidalguia do seu rival dos tempos do futebol de praia o gancho ideal para fixar suas ideias sobre o estágio atual do futebol brasileiro.
– Está vendo aí: a inteligência e a elegância do doutor Horta fazem uma falta danada à defesa das principais causas dos clubes brasileiros! – retribui o rubro-negro que comandou o clube em seis mandatos.
Noventa minutos de bate-papo foram suficientes para reavivar o quão adorável pode ser uma rivalidade futebolística. E os causos e as histórias contadas neste ‘Fla-Flu’ do qual pude presenciar a convite do ‘Museu da Pelada’ são de fazer um nostálgico assumido revirar a gaveta da escrivaninha atrás daquele adesivo plástico que a gente estampa no para-brisa traseiro do carro só para se diferenciar dos mortais.
“Eu fui!!!”
Projeto Cruzada
PROJETO CRUZADA
entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | vídeo: Daniel Planel
Na última semana, o Pelada Móvel pegou a estrada para equipar mais uma escolinha carente. Sem nenhum tipo de patrocínio, utilizamos o dinheiro da venda das nossas camisas para a compra de materiais esportivos.
Dessa vez, no entanto, as vendas não cobriram os gastos e os amigos Adriano Vaz e Múcio Borges deram uma generosa contribuição em dinheiro para ajudarmos o projeto do craque Paulinho Pereira, na Escola Santos Anjos, Cruzada São Sebastião.
Com aproximadamente 100 alunos de 8 a 15 anos, o professor conta com a colaboração de Luiz Carlos para comandar as atividades três vezes por semana e ajudar na formação da garotada.
– Gostei do convite do Paulinho e abracei a causa com ele para essas crianças não ficarem perdidas por aí – lembrou Luiz.
Quando a equipe do Museu chegou, com os reforços de Fred, Rapha, Vaz e Borges, carregada de sacolas com cones, coletes e bolas, o sorriso no rosto da molecada saltava aos olhos. Diante de tantas dificuldades, os meninos esquecem de qualquer problema quando estão dentro de quadra.
Um dos responsáveis pela compra do material esportivo, Múcio Borges rasgou elogios à iniciativa de Paulinho Pereira.
– Foi um prazer ter um feito essa doação, que na verdade é um agradecimento ao trabalho que vocês fazem com essa garotada. É um exemplo para os nossos filhos!
Seguindo a mesma linha, o vascaíno Adriano Vaz agradeceu a Paulinho não só pelas atuações no Maracanã, mas também pelo projeto.
– A gente ajuda, mas o presente é para a gente! Chegar aqui e ver essa alegria da garotada não tem preço. Parabéns pelo trabalho e pode contar com a gente sempre!
Vale lembrar que, além de equipar as escolinhas, salvamos acervos pessoais e ajudamos ex-jogadores no que for preciso para retribuir as alegrias que eles nos proporcionaram em campo. A intenção é estarmos juntos, abrindo portas para quem precisa!
COLONIZARAM A LIBERTADORES
por Paulo Escobar
Desde que me lembro por gente que acompanha futebol, tenho lembranças da Libertadores, que na minha opinião era um dos torneios mais loucos e que trazia a diversidade e as mais variadas culturas latinas a campo. Os times, seus estádios, as torcidas a pressão e as festas de cidade para cidade.
O que dizer dos jogos no centenário, na Bombonera, em Nuñes, no Nacional, no Defensores del Chaco, no Cilindro, Lima, La Paz e nos mais variados estádios. Como não lembrar dos jogos quentes e finais incríveis, os mata-matas, os chamados grandes caindo, o torneio que talvez sempre mais custou aos times brasileiros e que sempre trouxe histórias e bastidores inesquecíveis.
Aos poucos foram nos matando, assassinando o futebol latino e a Libertadores, a exemplo do que a América Latina sofreu na colonização, quando os assassinos vinham com seus costumes, deuses e culturas e assim impunham aos índios, do mesmo jeito tem acontecido com o nosso futebol. Não aceitam nossa diversidade, não aceitam nossas paixões, não aceitam nosso jeito diverso de ser, mas querem nos adestrar e nos padronizar e dizer como deve ser nosso futebol.
Aos poucos levam nossos craques, depois tiraram nossos instrumentos e bandeiras, proibiram nossos sinalizadores e fogos de artifícios, colocaram cadeiras e nos disseram como se comportar nos nossos jogos, não permitiram mais ambas as torcidas, tiraram a cerveja e, a exemplo dos colonizadores, nos impuseram seus costumes e nos deixaram um hino, aquela coisa chata que é tocada na entrada de ambos os times juntos.
Mais do que nunca, o que aconteceu domingo teve muitos atores por trás, as federações que historicamente defenderam interesses daqueles que as comandam e não do futebol, os governos que sempre vão culpar as torcidas das desgraças e descuidos históricos deles mesmos, as dirigências dos times envolvidos que sempre abaixaram a cabeça para tudo que lhes é imposto. Tudo o que rolou no domingo com a FIFA por trás e todos seus capachos somente veio fortalecer o argumento de final única em campo neutro.
A final em campo único em países distantes, além dos ingressos caros, exige agora pegar avião para poder acompanhar seus times de coração. Se já é difícil você ir numa final pelos preços absurdos, agora some passagens e gastos de estadia. As finais serão mais um meio de exclusão e imposição de como devemos torcer ou agir de acordo com os padrões impostos de cima para baixo.
Houve interesses de muitos poderosos que se aproveitam do futebol nos incidentes de domingo, se aproveitaram dos fatos para querer nos dizer que não somos civilizados e que o futebol europeu é o antro da ordem e de como se deve torcer, superdimensionam os conflitos nos nossos estádios como se fosse rotina e minimizam os conflitos ocorridos na Europa como se fossem exceções. Vale dizer que grande parte da mídia esportiva foi participante do assassinato da Libertadores e imposições de como se deve ser ou agir.
As revoltas e conflitos são fatos sociais além do futebol, e que devem ser observados como fenômenos sociais além do esporte. O que acontece com as pessoas dentro dos estádios são reflexos daquilo que se vive nas sociedades que vivemos, e nossas diversidades e particularidade dentro dos estádios devem ser preservadas, nossa forma de manifestar nossa paixão respeitada e não assassinadas como vem sendo feito ao longo dos anos.
Nossa forma de torcer e manifestar nossas paixões são motivos de incômodo para os de fora, não respeitam nossa diversidade e nos punem por sermos diferentes. As entidades querem nos colonizar e impor o que para eles é futebol e nos colocar como devemos agir e ser dentro e fora dos estádios.
O que foi acontecendo na Libertadores ao longo destes anos nos mostra que foram nos matando aos poucos, com requintes de crueldade, foram nos assassinando de maneira lenta. Nos mutilaram aos poucos e hoje falecemos junto com a morte da Libertadores do jeito que a amávamos e conhecíamos.
O simbolismo de levar a final a Madrid mostra o ponto final deste processo colonizador, a exemplo das invasões e imposições que sofremos ao longo dos séculos vimos no futebol. Nos roubaram tudo inclusive a final da Liberadores, nos saquearam e levaram até nossas finais do jeito que as conhecíamos embora.
Não será a mesma coisa a final em Madrid, muitos dos torcedores que poderiam ir a uma final em seus estádios não poderão ir a Espanha, ali será uma final para aqueles que podem pagar e alguns que terão que se endividar para poder acompanhar seus times.
O que nos resta é o que sempre aconteceu nos processos colonizadores ao longo da história, a resistência daqueles que amamos o futebol, dos torcedores que não aceitem estas imposições. Que algo que nos dê um sinal de esperança aconteça daqui até o dia 9, e que o futebol nos surpreenda de alguma forma.
Pois diante do colonizador sempre houve resistência, tomara que com o futebol não seja diferente.
VENCE O FLUMINENSE’. ASSIM SEMPRE CANTOU O ÍDOLO GALHARDO
por André Felipe de Lima
Em 1965, o jovem zagueiro Galhardo mostrava-se preocupado com o futuro, sobretudo quando chegasse o momento de abandonar a carreira. Tendo o pai José como sócio, tocou uma fábrica de bebidas em Araraquara. Esse estilo cônscio e resoluto, ele levava para o campo. E foi assim que Galhardo foi construindo sua brilhante carreira no futebol. Um beque dos melhores de sua geração.
Orgulho da mãe Maria Michelini e da irmã Maria Helena, João José Galhardo, seu nome de batismo, começou em 1958 como lateral-direito, no juvenil da Ferroviária de Araraquara, cidade em que nasceu no dia 29 de novembro de 1942. Quem o levou para o clube foi o amigo Picolin, que na época era o treinador do time. Nos aspirantes, pulou para a lateral-esquerda e depois para a zaga, e lá permaneceu. Galhardo jamais deixou treinadores na mão. Era pau pra toda obra. “Antes eu jogava futebol na várzea, no time do bairro do Carmo, onde morava, chamado Paulista (onde jogava como meia-esquerda). Em 1960, fui promovido ao quadro de aspirantes e, em 1962, na Taça São Paulo, fui lançado no time principal da Ferroviária, entrando no lugar de Válter, lateral-esquerdo, na partida contra o Corinthians. Depois do jogo, o presidente corintiano perguntou se a diretoria da Ferroviária estava interessada na venda de meu passe. Ante a resposta negativa, o Corinthians pediu prioridade para a sua compra”, narrou Galhardo, à antiga Revista do Esporte, em 1965, quando já se encontrava no Parque São Jorge, vestindo a camisa do Timão.
Seu passe custou ao Corinthians 25 milhões de cruzeiros da época, além dos passes do Bazzani (maior ídolo da história da Ferroviária) e do Osmar. Logo no primeiro ano no novo clube, o técnico Oswaldo Brandão o escalou na lateral-direita. Na reserva ficara ninguém menos que Jair Marinho. Como chutava com os dois pés, não sentiu a diferença. Como já enfatizamos, Galhardo era polivalente.
Mas o craque dos “sete instrumentos” — como diziam os mais antigos — acalentava outro sonho, o de jogar pelo Santos. Afinal, que jovem jogador como ele na época não queria defender o alvinegro praiano e jogar ao lado de Pelé e companhia?
O menino dizia torcer pelo Flamengo no Rio e ocultava o time de coração em São Paulo. “Deixa pra lá”, respondeu ao repórter. Jamais escondera o desejo de um dia jogar por um grande time carioca. Ouvira falar em 1964 que o Flamengo estava interessado no passe dele. “Mas parece que tudo foi só onda dos jornais”, disse ele. Mas por pouco não parou com o futebol em 1968, após um entrevero com o então técnico do Corinthians Zezé Moreira. “Queria abandonar o futebol”, declarou ele a Valterson Botelho.
Se a investida do Flamengo foi “marola”, a de outro clube carioca no qual Galhardo escreveria a mais importante página da carreira seria um verdadeiro “tsunami”. Esse maremoto de alegria na vida do Galhardo chama-se Fluminense para onde Galhardo foi após um convite do treinador Evaristo de Macedo.
Foi quando ainda dava os primeiros passos na carreira que conheceu Selma, com quem se casaria. Ela foi, talvez, quem melhor compreendia a paixão que Galhardo construiu pelo Tricolor ao longo da jornada nas Laranjeiras. “Quando o Flu não consegue vencer, meu amor fica o resto do dia intranqüilo, aborrecido mesmo”. A mais pura verdade. Galhardo tornou-se um dos melhores zagueiros da história do Fluminense.
Com o Tricolor, foi campeão carioca de 1969 e de 1971 e da Taça Brasil de 1970, o antigo Torneio Roberto Gomes Pedrosa. Aquele Fluminense de “timinho” tinha nada. Era um esquadrão de respeito sob o comando do técnico “casca grossa” Paulo Amaral. Vamos lá: No gol, Félix; na defesa, Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; vamos ao meio de campo com Denilson e Didi; no ataque, Cafuringa, Samarone, Mickey e Lula.
Em 1973, como destaca o jornal Folha de S.Paulo, o Fluminense planejava conceder a Galhardo o passe livre. O jogador vivia um drama. Um dos ligamentos de um dos joelhos ficou severamente comprometido após um jogo contra o Bahia em 1971. Telê Santana até o convidou para jogar pelo Atlético Mineiro, mas era mesmo o fim da carreira de jogador. Mas sem deixar de lado o futebol, sua paixão. Treinou escolinhas de futebol e trabalhou como vendedor.
Hoje, o grande ídolo e tricolor de coração vive tranqüilo em Araraquara ao lado da família.