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DE ENGRAXATE A CAMPEÃO DO MUNDO

por Marcos Vinicius Cabral


Seu Bidinho e dona Veriana

Bastante apreensivos, seu Abel e dona Veriana – grávida e prestes a dar à luz – chegavam ao Hospital São Camilo, situado na Avenida Brasil, n° 938, Paes Leme, Centro de Imbituba, em Santa Catarina.

Ao chegar naquele lugar foram logo encaminhados à emergência, dando um basta numa espera angustiante de nove meses: enfim, o pequeno Antônio nascia.

Era o nono dia do mês de agosto de uma quinta-feira de 1951, quando o quinto filho de um total de nove chorou pela primeira vez.

Conhecido por todos em Imbituba como seu Bidinho, seu Abel era um português esbelto – trabalhava como estivador na EFDTC (Estrada de Ferro Dona Thereza Christina), que na época do início da exploração do carvão, tornou-se atividade principal nos serviços de transporte ferroviário – que adorava futebol.

Assim como todo brasileiro apaixonado pelo esporte – criado pelos chineses há 2 mil anos e aperfeiçoado em 1863 pelos ingleses – sofrera na derrota do Brasil para o Uruguai por 2 a 1, na final da Copa do Mundo de 1950, em pleno Maracanã.

Afinal de contas, tanto sofrimento tinha lá seus motivos, já que alguns jogadores do poderoso “Expresso da Vitória” (um dos maiores times do Club de Regatas do Vasco da Gama de todos os tempos) serviam à seleção, como o goleiro Barbosa, o zagueiro Augusto, os volantes Eli e Danilo, os atacantes, Alfredo II, Maneca, Ademir Menezes (inclusive artilheiro da Copa com nove gols) e Chico, todos craques em suas respectivas posições.


Naquela fatídica partida disputada em 16 de julho de 1950, os olhos de seu Bidinho – torcedor vascaíno como Imbituba jamais conhecera – resignaram-se assim como os outros 173.850 mil pagantes naquela tarde triste de arquibancadas lotadas.

Já dona Veriana aos 31 anos, mulher exemplar e muito bonita por sinal, compreendia essa outra paixão na vida do marido.

Mulher prendada que não se limitava apenas em cuidar da família Nunes, mas desempenhava bem as funções de esposa e mãe.

Mesmo com toda dificuldade de criar os cinco meninos e as três meninas, o casal – que havia perdido um filho no parto – distribuía amor, carinho e mesmo com uma rigídez portuguesa e uma pontualidade britânica, educou toda prole na humilde casa onde residiam na Rua Otacílio de Carvalho, n° 298, no Centro da cidade.

Se a matriarca nunca deixou faltar bonecas para Alair, Abegail e Adelir brincarem, o patriarca arrancava sorrisos de Avanir, Antônio, Ademilson, Abenicius e José, com carrinhos de cores diferentes, que dava para os filhos, propositalmente, para não gerar brigas entre eles.

Já o pequeno Antônio, porém, deixava o seu brinquedo jogado em um canto qualquer da casa ou no quintal e aguardava ansioso a chegada do Natal para ganhar o seu tão desejado presente: uma bola de futebol!

A convivência com o tão aguardado brinquedo faria deles inseparáveis e com ele debaixo do braço após chegar do colégio – estudava no Grupo Escolar Henrique Lage, onde fez todo o primário – ia almoçar rapidamente para em seguida caminhar por cerca de 4 quilômetros a pé (ida e volta), até o serviço do pai, para levar o almoço numa marmitex sob sol ou chuva.

Depois passava direto na casa do amigo Serginho – seu colega de turma no colégio e filho de seu Lico, amigo de seu pai – para apanhá-lo para jogar futebol.

Era comum naquelas tardes passar mais tempo na casa de seu Lico do que em casa e por tal motivo, começou a ser chamado de Lico por todos da cidade, pegando de vez o apelido .

Em janeiro e fevereiro, meses em que os navios desembarcavam no Porto de Imbituba trazendo os marinheiros que procuravam aos berros por ele, que com apenas 7 anos era exímio engraxate.

– Aprendi a engraxar sapatos, pois na época dava uns bons trocados, principalmente quando os navios que traziam os marinheiros ancoravam – conta ao Museu da Pelada.

Poucas não foram as vezes que enquanto os soldados da Marinha do Brasil não chegavam, ensaiava dribles no irmão Ademilson no acimentado rachado em que as sandálias com as tiras presas com prego nas solas serviam de traves em um campo improvisado.

Embora tivesse habilidade para engraxar sapatos para ajudar os pais na criação dos irmãos nas noites frias de Imbituba, ainda sobrava fôlego para competir com o mesmo Ademilson na venda de amendoins torrados e bananas recheadas.

Ora vencia e ora era vencido!

Nas bancas montadas em frente ao Cine Marabá, viu a infância passar tão rápido como num estalar de dedos.

– Fui o quinto filho de nove irmãos. Meus pais foram meus grandes heróis. Às vezes penso e começo a imaginar como eles conseguiram criar tantos filhos, com tanto amor e com tanta disposição. Acho que foi pela fé, sabe? -, diz emocionado.

E foi ali, em frente ao único cinema da cidade – inaugurado em 03 de fevereiro de 1965 pelo então empresário Abady Rufino de Sousa – que sua vida mudou.

Por muitas vezes assistiu matinês de Django, Zorro, Capitão América e (o seu preferido) Rin Tin Tin – série esta produzida entre 1954 e 1959, em que um cachorro acompanhava uma cavalaria nos EUA. No Brasil, já teve a voz do então dublador mirim Reginaldo Faria, dublando o Cabo Rusty.

Mas nada, absolutamente nada, fazia seus olhos brilharem tanto como os filmes exibidos pelo Canal 100.

Ali, naquela projeção em preto e branco ele se imaginava dando os dribles desconcertantes de Garrincha nos “Joões” que insistiam em marcá-lo ou sendo Didi com sua habitual elegância no fino trato à bola ou ainda fazendo os lançamentos milimétricos como os de Gérson para os peitos dos atacantes.

Sim, ele estava disposto a mudar de vida e ser jogador de futebol!


E com esse pensamento aos 8 anos de idade, quando não estava engraxando sapatos dos marinheiros que procuravam por moças de família para namorar ou vendendo amendoins torrados e bananas recheadas, ficava até tarde da noite com Abenicius – seu irmão mais velho e um dos mais habilidosos que teve a oportunidade de conhecer na vida – aprendendo fundamentos do futebol.

Era passe, domínio de bola no peito, na coxa, na parte interna e externa do pé, cabeceadas, chutes à médias e longas distâncias, dribles em alta e baixa velocidades, deslocamentos, além dos exercícios físicos e alongamentos.

Aos 16 anos de idade, já era aspirante da equipe do Imbituba Atlético Clube – que foi fundado em 1924 e que encerrou suas atividades em 1990, após ter disputado suas últimas competições oficiais.

Não demoraria muito e nem causaria estranheza tamanha evolução aos que acompanharam de perto todo esse processo de aprendizagem do então jovem promissor Lico, que chegava ao América Futebol Clube em 1970, após pedido do amigo Paulo Roberto – ponta-direita daqueles que aliavam velocidade e habilidade – ao seu Lauro Búrigo, então treinador da equipe americana, exigindo que fosse contratado com seu amigo inseparável da camisa 11.

– Eu havia acertado tudo com o pai do Paulo Roberto, que se apresentaria no início da temporada. Aí ele exigiu que eu contratasse o Lico, que eu nem sabia quem era. Mas como estava desejoso em levar o craque da cidade para o meu time, aceitei, mas já pensando em dois ou três treinos depois, mandá-lo embora -, diz o “Velho Bruxo”, como é chamado pela mídia catarinense e que teve sua trajetória contada nas 328 páginas do livro “Lauro Búrigo – Segredos do Bruxo”, relançada ano passado pelo jornalista Paulo Brito.


América/SC em 1972

Ironias da bola, isso acabou não acontecendo pois o indesejado Lico que receberia um pé na bunda se firmou e foi o grande nome no time do América, comandado por seu Búrigo.

Se pela equipe americana nos gramados catarinenses o promissor camisa 11 magrelo e pernas compridas ia destronando laterais com dribles desconcertantes, rompendo por entre zagueiros viris com velocidade e desqualificando esquemas táticos com uma habilidade sobrenatural, sua permanência no clube em que se profissionalizou seria curta, para desespero do “Velho Bruxo”.

Para fazer caixa, o modesto América não resistiria as investidas do extremo Sul do país e emprestaria sua joia rara de 22 anos, para jogar no Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense em 1973.

Apesar da expectativa da exigente torcida gremista, que ostenta ídolos até hoje – como o goleiro Eurico Lara (jogador que defendeu o gol do tricolor por mais tempo, de 1920 a 1935), o meia Tarciso (que vestiu mais vezes a camisa do clube, em 721 partidas), o atacante Alcindo (que de 1963 a 1971 e de 1977 a 1979, comemorou 264 gols) e Renato Gaúcho (bicampeão da Libertadores como jogador em 1983 e como técnico em 2017) – Lico não foi tão produtivo como de costume e amargou seis meses sem jogar.

– Eu vi do banco de reservas, dois gols de Pelé, um de Nenê e outro de Brecha e aquele fantástico Santos nos golear no Pacaembu no Campeonato Brasileiro – confidencia sem esconder o desejo de ter enfrentado o Rei naquele Brasileiro de 73.


Figueirense em 1975

Depois de um ano e de ter dado um passo maior que as pernas – em questão da ida precipitada para o Grêmio -, regressou às origens e com o passe livre nas mãos – o América enfrentava uma crise financeira e não havia condições de pagar seu salário – negociou com o Figueirense.

Nos dois anos em que esteve no Orlando Scarpelli, vestiu a camisa 7 e teve a oportunidade de conhecer o habilidoso meia-esquerda Luiz Éverton, que além de ter se tornado seu grande amigo (ainda são até hoje), o ensinou a dirigir.

– Eu precisava convencê-lo em comprar um carro e assim que adquiriu um, não foi difícil. Ele estava se destacando nos jogos e precisava – como dizíamos na época – se motorizar. E foi bem rápido -, diz aos risos o ex-camisa 10 do Figueirense, hoje com 68 anos.

Em 1976, disputado pelos clubes de Santa Catarina, acertava com o Avaí Futebol Clube para ser o camisa 11, vestindo as cores azul e branco.


No Adolfo Konder, apelidado de “Pasto de Bode” ou “Majestoso” (estádio demolido em 1982 para construção do Beira Mar Shopping, que serviu de casa do Avaí antes da Ressacada ser utilizado em definitivo a partir de 1983), permaneceu até 1978, mas fez em 1977, um campeonato impecável em todos os aspectos, ganhando um Fusca como premiação por ter sido eleito o melhor jogador do Campeonato Catarinense, mesmo sendo vice-campeão após perder o título para a Chapecoense.

Depois disso, dois acontecimentos mudariam sua vida peremptoriamente, em 1978: o casamento com Simone Silva Nunes, na Igreja Matriz Imaculada Conceição, em 18 de março e a assinatura de contrato com o Joinville Esporte Clube, em 04 de dezembro.

Enquanto o coração transbordava em amor pela sua dona foi na Arena Joinville que se transformou em ídolo, vestindo pela primeira vez a camisa 10, apesar da preferência pela 8.

– Certa vez, quando criança, assisti Imbituba x Metropol, em que vi um (camisa) 8 chamado Madureira, jogar tanta bola que passei a gostar desse número por causa dele -, confessa.


E foi com a 10 que foi derrotado por 3 a 2 para o Corinthians de Sócrates e Cia, no Morumbi, válido pela primeira fase do Campeonato Brasileiro de 1980, que o “jogador magro de pernas longas mas extremamente habilidosas”, como era chamado na cidade pelo jornalista Maceió, tenha feito sua melhor partida como profissional, naquela tarde de 23 de fevereiro.

Depois dessa atuação de gala, alguns clubes despertariam interesse em sua aquisição, entre eles o Flamengo que para desgosto de seu Bidinho, o pai vascaíno, o contratou.

– Na transação entrou Cr$ 6.000,00 (seis milhões de cruzeiros) e mais os passes de Valdo, Lima e Hélio dos Anjos -, cita Waldomiro Shutzler, presidente do Joinville que negociou o craque com o Flamengo à época.

Nômade nos campos catarinenses à procura de uma boa pastagem para alimentar seu futebol, chegou ao Rio de Janeiro com a difícil missão de ser o reserva imediato do Galinho de Quintino.

Porém, como o camisa 10 rubro-negro dificilmente ficava fora das partidas, Lico quase não jogou e voltou ao Joinville, dessa vez emprestado para jogar o Brasileiro daquele ano.

Em três meses, atuou apenas em oito partidas e voltou ao time carioca.


Preterido pelos treinadores Cláudio Coutinho e Dino Sani, que não lhe deram oportunidade em sua primeira passagem pela Gávea, Carpegiani, recém efetivado no cargo, não queria cometer o mesmo erro de seus antecessores.

Dessa vez parecia que Lico daria um salto na carreira ao desembarcar pela segunda vez na Cidade Maravilhosa para vestir o manto rubro-negro, com as orações de dona Veriana, sua mãe, de Simone, sua esposa, e a bênção de São Judas Tadeu, padroeiro do clube.

Na chegada ao Flamengo no segundo semestre de 1980, já amadurecido pelas cicatrizes da bola, não demorou para mostrar seu verdadeiro futebol.

Numa tarde aprazível, no esburacado Estádio Ítalo del Cima, contra o modesto Campo Grande, no 3° turno do Campeonato Carioca, Carpegiani lançou no segundo tempo o ponteiro técnico e veloz, quando o time de Zico e Cia perdia por 1 a 0.

Ali, os 6.588 pagantes presenciaram o surgimento do mais novo camisa 11 do Flamengo, que ao dar um passe para o gol de Tita – pouco antes do camisa 7 ser expulso – e fazer o outro de bicicleta, chamou a atenção da imprensa esportiva.

Mas foi no mítico Estádio do Maracanã, no dia 08 de novembro de 1981, contra o clube da Estrela Solitária, que o endiabrado ponta-esquerda “comeu a bola” literalmente.


– Foi nesse jogo que o futebol dele se cristalizou de tal maneira que eu não tinha mais como tirá-lo do time -, diz Paulo Cézar Carpegiani, lembrando da atuação dele na goleada de 6 a 0 contra o Botafogo, no Carioca daquele ano.

Mas se nove anos antes, numa quarta-feira 15 de novembro de 1972, em seu 77° aniversário, o clube da beira da Lagoa recebia como presente no Maracanã, a acachapante goleada de 6 a 0 imposta pelos “Gloriosos” Cao, Mauro, Valtencir, Osmar e Marinho; Nei e Carlos Roberto; Zequinha, Fisher, (Ferreti), Jairzinho e Ademir, (Marco Aurélio), válida pelo Campeonato Brasileiro, quis o destino que o troco viesse à altura.

Demorou mas a faixa “Nós gostamos de vo6!”, estendida ironicamente nos clássicos entre as duas equipes, numa mais foi vista nas arquibancadas.

– Este foi um jogo especial. Era um placar que estava entalado na garganta dos torcedores. Mas eu só fiquei sabendo da história no intervalo da partida. Tinha que ser naquele dia -, diz “Bigode”, chamado carinhosamente pelos companheiros de time.

Companheiros estes, que se renderiam ao seu talento e importância para o sucesso da equipe.

– Lembro quando ele veio de Santa Catarina, já com 29 anos, considerada uma idade avançada para se integrar em um clube como o Flamengo. Chegou com o aval do nosso treinador Cláudio Coutinho, caindo como uma luva naquela equipe – diria o imortal ex-lateral Leandro.

Se os 90 minutos do jogo da vingança seriam relevantes, o que dizer da maratona de competições?

E convenhamos, naquela temporada seria desgastante: seis meses antes, em maio, disputa o Brasileiro, em julho conquista a Taça Guanabara por pontos corridos, em novembro é campeão da Libertadores e em dezembro conquista o Carioca e o Mundial Interclubes.

Alguns jogos tão intensos e disputados, principalmente na Libertadores, onde hematomas, suor e sangue, fizeram parte do nacionalismo radical e da ditadura do general Augusto Pinochet (1915-2006), seguidos à risca pelo Cobreloa, no gramado de Santiago.

– Nessa competição tem que se usar todos os recursos. Contra a gente foi dessa forma, mas nosso time tinha um equilíbrio emocional muito grande -, contemporiza Adílio, uma das vítimas dos “Pinochetianos” jogadores do time chileno.

Lico, outra vítima, vai além:

– A agressão que sofri foi covarde, já que esse tipo de coisa não condiz com o futebol e muito menos com profissionais que decidem uma competição tão importante.

Naquele solo infértil de grama verde em que o árbitro uruguaio Roque Cerullo fez vista grossa para o supercílio cortado de Adílio, o olho inchado de Lico, ocasionado pelo soco desferido por Mário Soto e o corte na orelha de Tita – sabe se lá como – a decisão se tornaria um barril de pólvoras.

E se tornou uma das mais violentas da história quando no finalzinho do jogo, o jovem atacante Anselmo, de 22 anos, entrou aos 40 minutos do segundo tempo e acertou um soco em Mário Soto, explodindo de vez na briga generalizada após o apito do árbitro encerrando a partida.

Entre vencedores e derrotados nesta batalha em que se transformou a decisão, coube aos soldados rubro-negros hastearem a bandeira nas cores vermelho e preto e fazer desta conquista da Libertadores um juramento: “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo, Flamengo eu sempre hei de ser…”

Ainda impactados com a difícil conquista das Américas, quis o destino que quatro dias depois uma notícia pegasse todos de surpresa na véspera da decisão do Campeonato Carioca: a morte de Cláudio Coutinho!

– Havia entre nós jogadores um carinho e admiração enormes pelo Coutinho e foi um choque muito grande a notícia de sua morte. Demoramos a assimilar o duro golpe e perdemos os dois primeiros jogos para o Vasco (2 a 0 e 1 a 0) mas no terceiro, superamos e tivemos força para vencer (2 a 1) – diz recordando seu primeiro título Carioca.

Se lamentavelmente faltou ar para o brilhante treinador nas águas profundas na Ilha Cagarras – arquipélago próximo à praia de Ipanema – naquele trágico 27 de novembro de 1981, quando o mesmo praticava pesca submarina, não se pode dizer o mesmo do Flamengo na decisão do Mundial Interclubes contra os ingleses do Liverpool, em Tóquio, duas semanas depois.


Com um Zico inspirado e com participações especiais nos dois gols de Nunes e no de Adílio, o Flamengo vencia o jogo mais importante da sua história para deleite dos 62 mil pagantes.

Na Terra do sol nascente, o que se viu foi uma verdadeira aula de futebol em que onze jogadores de camisas brancas com mangas rubro-negras ensinaram aos de camisas vermelhas, o objetivo do esporte: vencer!

Não bastaria apenas vencer mas a busca incessante pela perfeição estava no equilíbrio.

– O Lico foi na verdade o grande ponto de equilíbrio do nosso time.

Primeiramente com sua experiência, pois era um jogador com uma estrada muito grande já percorrida, depois a sua técnica e sobretudo a sua inteligência tática, fizeram com que a nossa equipe conseguisse atingir o maior equilíbrio para atacar e defender da mesma forma – frisa o ex-lateral Júnior, recordista de partidas com a camisa do Flamengo.

E reitera:

– O Lico foi uma das principais peças na engrenagem tática vencedora do Flamengo.

Um ano após o Mundial, em 1982, após um 1 a 1 no Maracanã e um 0 a 0 no Olímpico, a equipe do Flamengo, sob o comando de Carpegiani, vence o bom time do Grêmio, treinado pelo eficiente Ênio Andrade, na terceira partida que decidiu o campeonato.

O gol do “João Danado” Nunes aos 10 minutos do primeiro tempo, em passe açucarado de Zico, proporcionou ao Flamengo comemorar seu segundo título brasileiro e o primeiro em nível nacional de Lico.

– Não foi uma vingança. Até porque eles sinalizaram com uma proposta de compra do meu passe e o América/SC não aceitou por considerar a proposta baixa. Mas fica em mim, a certeza de que eles haviam perdido um grande jogador, campeão Carioca, da Libertadores, do Mundo e do Brasileiro – diz o ídolo rubro-negro hoje com 67 anos.

No ano seguinte, em 1983, enquanto Carlos Alberto Torres (1944-2016) estreia como treinador de futebol, um 3 a 0 contra o Santos de Marolla, Paulo Isidoro, Pita, Serginho Chulapa e João Paulo, em um Maracanã com mais de 155 mil pagantes, garante ao “Mais Querido” seu terceiro título nacional e ao Lico, a tristeza em ter jogado boa parte do campeonato e ficado de fora da final.

Aos 32 anos, seu “coração da perna” – assim como o Dr. Giuseppe Taranto, chefe do departamento médico do Flamengo costumava chamar seu joelho – infartaria com tantas emoções vividas de 80 a 83: era necessário operar!

E lá foi com o cabeça de área Andrade para os Estados Unidos fazer a primeira intervenção cirúrgica no menisco do joelho direito, com o Dr. John Xetalis, médico do New York Cosmos – clube americano que se popularizou nos anos 1970 por ter Pelé, Beckenbauer e Carlos Alberto Torres, como seus jogadores.

Todavia, em seguida iniciava sua via-crúcis de sessões de fisioterapia e musculação, recondicionamento físico, ingestão de forma controlada de anti-flamatórios e analgésicos e o acompanhamento de perto da família.

Reencontraria a bola meses depois e passou a sentir dores no joelho esquerdo dessa vez, onde operaria o ligamento cruzado anterior.

Porém, pelo esforço feito nessa volta, se submeteu a uma raspagem na cartilagem devido a uma cárie óssea e pela terceira (e última) vez faria uma artroscopia com o Dr. Abraão Fiszman, um dos médicos do Flamengo.

No entanto voltaria sem o brilho de antes, inclusive com limitações e com dores intensas após as partidas.

Pediria então a Giuseppe Taranto (1936-2010), Pinkwas Fiszman e Abraão Fiszman para reavaliarem seus joelhos para constatar uma grave lesão de cartilagem.

Entraria 1984 deprimido e com a incerteza de ser o Lico de outrora e aos 33 anos sentia mais dor do que alegria àquela altura.

Durante três meses fazendo infiltrações para atuar decidiu que aquele 11 de fevereiro seria, definitivamente, sua última partida como jogador de futebol.

Entrou no segundo tempo e aos 35 minutos vestindo a camisa 22, fez o quarto gol na vitória por 4 a 1 contra o Santos no Maracanã, válido pela Libertadores daquele ano.

– Foi muito difícil para nós, pois tudo aconteceu no auge de sua carreira. Na verdade, ninguém estava preparado para aceitar que ele não poderia mais fazer o que mais amava na vida, que era jogar futebol – relembra Simone, sua esposa.

No dia 18 de fevereiro de 1984 anunciaria o encerramento de sua carreira tendo disputado 126 partidas (75 vitórias, 28 empates e 23 derrotas) e marcado 20 gols, segundo o “Almanaque do Flamengo”, de Roberto Assaf e Clóvis Martins.

A trajetória desse brilhante jogador foi contada em “A Travessia de um Sabiá”, documentário produzido e dirigido pelos jornalistas Cleber Latrônico e Fábio Lima.

A obra, de 32 minutos de duração, narra a trajetória do ex-craque Lico por meio de imagens, gols, depoimentos de amigos, familiares, colegas do futebol, como Zico, Andrade, Balduíno, Fontan; os treinadores Paulo Cézar Carpegiani e Lauro Búrigo; cronistas esportivos como Roberto Alves, Fernando Linhares e Maceió; além do ex-repórter de campo e hoje apresentador de TV Hélio Costa.


Atualmente mora com a esposa Simone, com quem é casado há 40 anos e tem três filhas: Mônica, Mariana e Marina, com quem divide os bons momentos que a carreira lhe proporcionou.

– As grandes conquistas desse campeão não foram somente em sua carreira, como pai ele é daqueles que faz as coisas impossíveis se tornarem fáceis quando o assunto somos nós, suas meninas -, entrega a caçula Marina Silva Nunes, de 25 anos.

Hoje, quinta-feira, 13 de dezembro, antes de tomar café com sua esposa Simone, passar a mão no jornal Diário de Santa Catarina, brincar com Nina – um vira-lata adotado há 30 dias -, colocar seu curió na varanda para pegar sol e sair para a habitual caminhada às 6h da manhã pelas ruas de Imbituba, seus olhos se fecharão levando-o para bem longe.

Vai lembrar de muitas coisas, principalmente de seu Bidinho (1919-1986) e de dona Veriana (1920-2009), antes, porém, de passar um filme na sua cabeça.

Talvez ele aperte os olhos evitando o choro ou esboce um leve sorriso… isso não saberemos!

Mas sabemos com propriedade que ele foi gigante ao lado de Raul, Leandro, Marinho, Mozer, Júnior, Andrade, Adílio, Zico, Tita e Nunes, na conquista do título mundial de um dos maiores times da história do futebol de todos os tempos.

VIVA O RIVER, VIVA O BOM FUTEBOL

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Muitos leitores mandam perguntas que guardo e acabo não respondendo. Mas fim de ano, época de arrumações e retrospectivas, resolvi aproveitar esse espaço para esclarecer algumas dúvidas. Mas, antes, quero agradecer aos deuses do futebol pela vitória do River Plate, indiscutivelmente melhor do que Boca, Palmeiras e Grêmio.

Claro que a competição sofreu um desgaste, mas o River seria campeão em qualquer campo! O Benedetto, do Boca, é muito bom jogador, mas o conjunto e o toque de bola do River são muito mais bonitos e envolventes. Gosto muito de vê-lo jogar e, além de tudo, é importante o futebol argentino continuar sendo uma potência mundial. E que bom ver um canhotinho como o Quintero! Chutou aquela bola sem ter muito espaço, lindo demais!

Bem, mas vamos às perguntas!


Verdade que você jogou no Corinthians? Me arrependo de ter aceitado esse convite porque a Democracia Corintiana era uma panela e joguei apenas algumas partidas em torneios internacionais. Eu e Ruy Rey sofríamos por sermos cariocas. Que culpa eu tenho se eles não têm praia, Kkkkk!!!

Por que você voltou da Europa para o Brasil? Outro erro. O Francisco Horta me convenceu e também queria voltar à seleção. Tive uma temporada maravilhosa marcando 16 gols e com o Olympique sendo vice-campeão. Errei feio!

Como você foi parar no Vasco? Em uma troca com o goleiro Leão. Estávamos muito insatisfeitos em nossos clubes e o Leão achava o futebol carioca muito desorganizado.

Telê x Guardiola? Dois excelentes treinadores, mas fico com Guardiola. O Telê era muito turrão e teimoso.


É verdade que você provocava o Dadá Maravilha quando jogavam pelo Flamengo? Ele achava que eu não gostava dele porque vivia reclamando de sua forma de jogar. E para provocar eu mandava os passes para ele cheio de veneno, caprichava na graxa. A bola quicava, ele não conseguia dominar e depois vinha reclamar comigo, Kkkkk!!! 

Por ordem, qual o melhor time carioca que você jogou? Botafogo: eu, Rogério, Roberto Miranda, Gerson e Jair. Fluminense: eu, Rivellino, Dirceu, Doval e Búfalo Gil. Flamengo: eu, Rogério, Doval e Caio Cambalhota. Vasco: eu, Guina e Pintinho.

1958 x 1970? Para facilitar, vamos colocar uma em cada tempo, mas um time que tem Pelé e Garrincha juntos leva vantagem!


Você é formado em Educação Física? Peraí, aí, não, Kkkkk!!!! Quando estava no Grêmio os preparadores físicos pegavam pesado na musculação. Fui ao presidente do clube, disse que não tinha intenção de me transformar em halterofilista e ele me dispensou das aulas. Também queriam que eu corresse não sei quantos quilômetros e avisei que não era maratonista. Caju bombadão, não, Kkkkk!!!!

Aproveito para mandar um conselho aos professores de Educação Física: abram suas academias e deixem o futebol em paz!  E viva o River, viva o bom futebol!!! 

TITE E BOLSONARO

por Rubens Lemos

Uma bobagem típica de seca jornalística de fim de ano o noticiário sobre a visita do futuro presidente à seleção brasileira, vetada num corajoso carrinho pelo técnico(?) Tite. Bem antes do fim dos pontas autênticos, aboli extremos de minha vida.

O único ponta-direita razoável da infância chamava-se Nilton Batata, do Santos, vendido ao México onde por lá ficou. Para quem ouvia dos coroas, canções em fintas delirantes de Garrincha, Julinho, Joel, Jairzinho, Paulo Borges, Natal, Mané Maria, Nilton Batata não representou uma lágrima de lembrança. Era a Direita.

A fase do sumiço de Nilton Batata coincidiu com uma safra exuberante de dribladores pela Esquerda, ala política mexendo-se com a Anistia para pregar o que deixou de fazer no poder. Filho de perseguido político na Ditadura, família exilada no Chile, meu pai torturado 44 dias consecutivos, vomito radicais. Dos dois lados.

Em qualquer tendência ou circunstância. No futebol, ainda mais. Vejo o futebol como ente cultural de integração, cartão vermelho para os valentões de gangues de estádio e sabichões grosseiros de rede social.


Craques: Júlio César do Flamengo (a cintura dele era de borracha), Joãozinho do Cruzeiro, Zé Sérgio do São Paulo, Paulo Cézar Caju (esse até de goleiro teria sido gênio), Mário Sérgio, Edu Bailarino, em fim de carreira. Telê escolheu o mais eficiente e não menos cintilante Éder.

O país foi dividido agora em outubro e continua a discussão digital babaca entre partidários de Bolsonaro e do PT. Bolsonaro insinuou visitar a seleção em 2019. Tite disse não.

Tentam traçar um paralelo pobre entre a valentia de João Saldanha com o General Médici que exigiu e levou Dadá Maravilha à Copa de 1970. João perdeu o cargo com duas feras injustiçadas: Dirceu Lopes e Toninho Guerreiro. Dadá canelava a bola. Dirceu, a cortejava.

O presidente eleito torce pelo Palmeiras e foi batizado, segundo ele, em homenagem a Jair Rosa Pinto (e não da Rosa Pinto), um dos meias antológicos de uma entre tantas academias do Verdão. Também do Vasco, do Flamengo, do Santos e do Brasil derrotado pelo Uruguai em 1950. Vovô Bolsonaro tinha bom gosto.


João Saldanha disse em 1970, “o presidente escala o ministério e eu a seleção”. Foi “dissolvido” igual a picolé Chicabon. Bolsonaro anunciou seus 22 e, fora Sérgio Moro e o falastrão da Fazenda, Paulo Guedes, um escrete de incógnitas. Deverá estar bem ocupado quando Tite reunir seus prediletos. Bolsonaro, provável, nem escale a seleção e arquive a visita. Separe Neymar e seus showzinhos e Philippe Coutinho, o time de Tite é “um ministério” difícil de escalar. De tão ruins os meninos do Brasil.

ESQUADRÕES DO FUTEBOL BRASILEIRO

VASCO 1977

por Marcelo Mendez


Na nova série para o Museu da Pelada, decidi por algo que sempre me chamou atenção, que sempre me aguçou os sentidos em se tratando de futebol. Decidi por falar dos grandes clubes do futebol do Brasileiro, mas não apenas isso. 

Quero falar de máquinas de sonhos, de artilharias pesadas, de estufamento pleno de todas as redes.

Quero falar dos maiores Esquadrões do Futebol Brasileiro.

Para começar, vou falar de algo afetivo, de um grande time que marcou, mas não apenas por títulos e vitórias. Do ponto de vista lúdico, sob o olhar de um menino de apenas sete anos de idade, que passava a descobrir as ondas do rádio e o futebol, essa equipe foi fundamental para eu entender do ludismo do futebol

A série Esquadrões Do Futebol Brasileiro, pega carona na máquina do tempo e vai para 1977 para falar do Vasco, o Vascão 77.

Vamo lá…

ERA UM MUNDO LEGAL EM 1977

A ligação afetiva de quem vê futebol aos 7 anos de idade é algo que te marca para o resto da vida. Morava em Santo André. O Parque Novo Oratório ainda era algo bucólico, as marcas de asfalto eram poucas, a pressa não havia e a vida era quase que contemplativa.

Nasci num quintal cheio de primos, na casa da Avenida das Nações, até 1975, quando mudamos para nossa casa. Todavia, a ligação com os primos e primas era muita para deixar de haver de um dia para outro. Então, eu, menino de 7 anos vivia no quintal da Tia Leoni, onde uma das casas era nossa.


Ali tinha os primos, Zé Carlos e Tine, todos mais velhos, as primas, Lourdes, Miriam, Silmara, Marlene, Mirian e Angela. E meu Tio João. Foi com ele que descobri o “Futebol Compacto” da Tv Cultura de domingo à noite. Era o VT da rodada do Campeonato Carioca que passava pra gente às 20h do domingo.

Numa noitada daquelas, descobri um dos narradores que mais gosto, de nome José Cunha, um cara de voz rouca, cheio de onda, narrador carioquissimo que não gritava gol quando o sujeito estufava as redes; “Isso é televisão, o cara tá vendo que foi gol. Pra que vou dizer isso?” – Dizia. Foi com o Zé, não gritando gol, mas gritando “Roberrrrtôôôôôô”, que descobri que no Rio de Janeiro de 1977, havia um camisa 10 que dinamitava todas as defesas de lá e que o time que ele jogava, era um timaço.

BLACK RIO!

O Rio de Janeiro era um barato em 1977!

Nos subúrbios a black music fervia os bailes com Tim Maia, Cassiano, Carlos Dafé, com as equipes de baile e as orquestras como a Banda Black Rio. Uma lindeza! No maracá, o show ficava por conta do Vascão.

Um timaço que desde o começo, dava cara de ser um baita time, como conta Zé Mário, o volante, Gerente da meiuca daquele time:

– Desde as primeiras trocas, desde o principio de tudo, deu pra perceber que o time tinha potencial. Chegaram Geraldo e Orlando Lelé do América, Marco Antonio veio do Fluminense, Dirceu… O time foi tomando forma, com o Orlando Fantoni no comando.”


Na meiuca, além de Zé Mário, tinha Zanata e Fumanchu. O Ataque era avassalador; Ramon, Roberto Dinamite e Wilsinho Xodó da Vovó. Uma máquina que varreu com todo mundo em goleadas homéricas, como 6×0 no Bangu, 7×1 no Madureira, Passeio no Fluminense, Flamengo, Botafogo, em Geral toda. O Vasco venceu os dois turnos, para ser campeão do Cariocão.

Depois disso, o Vasco demorou a ser feliz. A chegada de uma nova geração, formaria um outro esquadrão, esse, eu vi jogar muito, mas muito.

Mas essa história fica pra outra hora.

Por hora, vamos cantar de coração; O Vascão 77 foi um puta dum timão!

COPA DO MUNDO DE AMADORES

Como todos sabem, a equipe do Museu da Pelada só entra em campo para defender causas especiais e a convite do parceiro Bris Belga, tivemos a honra de participar da 5ª Copa do Mundo de Amadores, que reúne peladeiros de diferentes classes sociais e refugiados de diversas nacionalidades no CFZ.

– São 14 países mais a Catalunha, que eu não posso considerar como país, mas são meninos que vêm aqui com todo orgulho de representar a região.

Aceitamos o convite na hora e entramos em contato com Guido Ferreira, idealizador do Projeto Facão e craque do Fut 7, para montar a nossa seleção. Em poucos minutos os nossos 14 craques já estavam selecionados: Antonio Minotauro, Rola, Kaká, Dabá, Ismael, Claudio, Sidinho, Carlinhos, Waguinho, Mazza, Fábio, Canhota, Xande e Aranha.


Reinaldo Demorô, Bris Belga, Sergio Pugliese e Bruno Gallart

Mesmo sem poder atuar, por conta de uma lesão no joelho, o centroavante Sergio Pugliese recebeu tratamento VIP quando chegou ao local da partida e deixou seus pés sob os cuidados do excelente podólogo Bruno Gallart.

Se não bastasse a ausência do nosso artilheiro, ainda enfrentaríamos a equipe da Angola, atual campeã do torneio, mas nada que abalasse a confiança dos nossos craques!

– O importante é que nós vamos lutar pelo Museu! – disse Rola.

– O Museu vai entrar para a história! – emendou Kaká, nosso japonês voador.

O resultado da partida não podemos divulgar. O importante é que nos divertimos pra valer e só nos resta agradecer ao parceiro Bris Belga pelo convite e parabenizá-lo pela organização do torneio, que contou até com transmissão ao vivo pelo YouTube.