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OS SUPERCAMPEÕES DO BRASIL

por Fabio Lacerda


No gramado em que a luta o aguarda, no solo que tem suas cores, o Palmeiras mais uma vez chegou ao título de campeão brasileiro. Para os alviverdes, “tomar” a faixa do arquival, que havia “tomado” em 2017 do Palmeiras, é outro saboroso ingrediente na história do sexto título Brasileiro desde 1971. Pela primeira vez, o Palmeiras não conquistou o campeonato mais importante do país de forma consecutiva.

Dentro de campo, a redenção de Luiz Felipe Scolari, que por ironia do destino ou maldade, é lembrado pela goleada sofrida para a Alemanha, no Mineirão, na Copa do Mundo de 2014. Mas nossa memória é curta e não lembra do título de 2002 sobre a própria Alemanha. A chegada de Luiz Felipe Scolari reduz a zero qualquer distúrbio ou conflitos dentro de um grupo. Ele não permite. E diante de seus comandados, transforma a lealdade em padrão. A irretocável campanha verde deflagra uma gestão nos bastidores e dentro das quatro linhas sustentável.

Nesta campanha invicta desde a 17ª rodada, o Palmeiras rateou. Muito em razão do calendário, já que disputou muitas competições ao longo do ano como é de praxe para os grandes clubes bem geridos. As derrotas para Corinthians, Sport e Cruzeiro, nas 5ª, 7ª e 8ª rodadas, respectivamente, assim como os três empates consecutivos contra Ceará, Flamengo e Santos, e em seguida, a derrota para o Fluminense, na 15ª jornada, acenderam o sinal de alerta. Chega Luiz Felipe Scolari e arruma a casa. Uma característica marcante de um profissional vencedor. Um senhor do futebol brasileiro. Já colocado na mesma prateleira de imortais palmeirenses junto de Osvaldo Brandão. E por quê não, Vanderlei Luxemburgo? Aí é papo para mais de dois dias.


“Defesa que ninguém passa”. O primeiro verso da terceira estrofe do hino diz um pouco do sistema defensivo do clube, ainda mais após a chegada do Felipão que assumiu a equipe após a derrota para o Fluminense, e tem o privilégio de fechar o certame invicto. O Palmeiras tem a melhor defesa do Brasileiro, sofrendo 24 gols. Desde que Luiz Felipe Scolari assumiu na 16ª rodada, a defesa palmeirense, que fez rodízio de zagueiros e laterais em função da Libertadores da América. sofreu apenas nove gols. Outro informação interessante desconstrói a taxação de técnico defensivo pelo fato de ser da escola gaúcha. Dos 64 gols marcados pelo Palmeiras, 42 foram marcados sob o comando do técnico. Até ele assumir, a equipe tinha marcado 22 vezes.

Dentro de campo, o conjunto fez a diferença, e o plantel, idem. E ter no grupo jogadores acostumados a sagrarem-se campeões é um diferencial competitivo que faz a diferença na hora da decisão, na hora de separar os meninos dos homens, de separar os craques dos bons jogadores. Sem dúvida, Dudu fecha o campeonato como o melhor jogador da competição. O atacante Deyverson (oito gols sendo reserva), quando acionado, deu conta do recado além das expectativas. Felipe Melo e Bruno Henrique (oito gols), volantes que formam barreiras quase intransponíveis à frente da zaga, mas também são capazes de fazerem lançamentos de 50, 60 metros. Os gols do Borja, que apareceu muito bem na temporada, também foram determinantes.


Mas destaco três jogadores que estão comemorando o quarto título Brasileiro. E por coincidência, esses jogadores têm seus títulos em três clubes diferentes. Jean, o polivalente jogador que atua no meio de campo e lateral-direita, foi pelo São Paulo, Fluminense, e duas vezes no Palmeiras. Edu Dracena, aos 37 anos, também conquista o Brasileiro pela segunda vez pelo Palmeiras. Anteriormente, Cruzeiro, em 2003, na equipe que conquistou a Tríplice Coroa, e em 2015, pelo Corinthians. Nos últimos quatro Brasileiros, Edu Dracena conquistou três. Ano que vem, se por ventura for campeão Brasileiro novamente, pode ser o encerramento de uma carreira vitoriosa no seu 20º ano de carreira. E Willian Bigode, um dos jogadores mais versáteis do futebol brasileiro desde que ganhou seu primeiro Brasileiro pelo Corinthians (2011). Dois anos depois, chegou ao Cruzeiro para ser bicampeão Brasileiro nas temporadas 2013 e 2014, sendo determinante para o sucesso celeste das Alterosas. Agora, é campeão pelo Palmeiras. Este jogador ainda não teve a chance de vestir a camisa amarela da seleção brasileira. E uma oportunidade é merecida desde 2011.

Na próxima temporada, os três jogadores têm grande chance de escrever mais capítulos honrosos em suas carreiras. Podem juntar-se a Andrade e Zinho como os maiores vencedores de Campeonatos Brasileiros. Porém, Willian Bigode e Jean ainda têm lenha a queimar e, mediante uma estratégia planejada junto a seus staffs, podem tornar-se os maiores vencedores do futebol brasileiro em todos os tempos. É acompanhar para saber.


Então, Luiz Felipe Scolari, Edu Dracena, Jean e Wilian Bigode, têm motivos de sobra para sorrirem nessa reta final de ano. E Dudu, que pela segunda vez consagra-se pelo Palmeiras. Se em 2016 ele foi eleito o melhor jogador do Brasileiro que culminou com o título palmeirense, não resta dúvida quem será apontado como o craque do campeonato. Fez apenas sete gols. Mesmo assim será eleito. E é outro jogador que merece uma chance na seleção.

Wéverton, Luan, Diogo Barbosa, Cláudio Gomez e Borja, cinco dos 11 últimos titulares na partida que sagrou o Palmeiras campeão Brasileiro em São Januário, conquistam o Brasileiro pela primeira vez. Sendo que Weverton e Luan haviam sido medalhas de ouro nas Olimpíadas, e Diogo Barbosa conquistara um título nacional (Copa do Brasil) com o Cruzeiro. Ou seja, um time com cancha para grandes decisões.

DOIS ANOS DE UMA TRAGÉDIA

por Israel Cayo Campos


Dia 28 de novembro completamos dois anos do voo 2933 da LaMia que se acidentou na região de “El Gordo” na Colômbia, e que acabou por ceifar a vida e os sonhos de 71 dos 74 passageiros. Dentre esses estava a delegação da Associação Chapecoense de Futebol, a nossa querida “Chape”, que se preparava para o maior desafio de sua curta, porém vencedora, existência. Uma final de um torneio Sul-americano contra o atual campeão da Libertadores da América, o também verde e branco Atlético Nacional.

Uma tragédia esportiva brasileira que parou o mundo que eu me recorde, só em 1994. Quando em apenas 13 dias perdemos o Craque Dener, que poderia ter sido um gênio da bola se não fosse o triste acidente de carro no dia 18 de abril, e Ayrton Senna, maior esportista brasileiro em atividade, ídolo máximo com status de herói nacional, que acabou perdendo sua vida na fatídica Curva Tamburello em Ímola na Itália no dia 01 de maio do referido ano. Mas mesmo esses dias negros não se comparam ao que aconteceu naquela noite de 2016.

Não me cabe elencar culpados pelo ocorrido, mas quero homenagear todos que perdemos naquele fatídico voo. Pessoas que tinham uma vida toda pela frente. Pais de família! Seres humanos que não só comoveram o país, como o mundo todo. Se tratando do aspecto esportivo, essa foi e rezo para que seja eternamente, a maior tragédia ocorrida no país.

Ananias, meio campo da Chapecoense. Quem não se lembra da piada “Ananias Parque”? Por ele ter sido o autor dos dois primeiros gols da Arena do Palmeiras? Arthur Maia, de quem eu particularmente recordo atuando com a camisa do América de Natal (minha cidade), onde teve uma grande passagem, inclusive eliminando o Fluminense da Unimed em 2014 em pleno Maracanã pela Copa do Brasil com um expressivo 5 a 2 aplicados.


Bruno Rangel, um jogador rápido e goleador que tinha feito a maior parte de sua carreira no mundo árabe. Aílton Canela, um garoto que ganhava sua primeira chance em um clube de Série A. Cleber Santana. De um time formado com jogadores desconhecidos da grande mídia, era talvez o de mais “nome”. Entre Santos, São Paulo e Flamengo, também tinha passado algumas temporadas no Atlético de Madrid da Espanha.

Dener, que ainda tentava se firmar no futebol após passagem pelo Grêmio. Danilo, o goleirão que contribuiu demais para a vaga na final daquele torneio com defesas milagrosas em todas as partidas. Inclusive contra o tradicional San Lorenzo da Argentina nas semifinais. Ele já possuía 31 anos. Mas só naquele momento ele alcançava o auge e o reconhecimento por anos de trabalho duro em clubes menores. Filipe Machado e Sergio Manoel: Como gostaria de ter visto mais vocês em campo para tecer memórias importantes sobre suas promissoras carreiras.

Matheus Biteco. Formado no Grêmio, já havia visto alguns de seus jogos pela Seleção Brasileira sub-17 e sub-20. Junto com o irmão Guilherme, eram tidos como grandes promessas do futebol brasileiro, aos 21 anos não deu pra saber! Gimenez e Lucas Gomes. Dois jogadores formados no celeiro de craques do interior paulista, também estavam no auge de suas carreiras.

Kempes. O goleador do time no ano, com sua cabeleira cheia de estilo. Já tinha algumas passagens por outros clubes como o América de Minas Gerais. O volante Gil, o garoto Thiaguinho, e o volante Josimar, que teve passagem pelo Palmeiras.


O zagueiro Thiego, mais um formado pelo Grêmio, e que teve sua melhor fase no rival Figueirense. Marcelo, o jovem zagueiro que vinha se destacando na Sul-Americana. E Mateus Caramelo, formado no São Paulo, e que estava recuperando seu bom futebol exatamente na equipe da Arena Condá.

Além dos jogadores a comissão técnica: Caio Jr. Que antes de ser um técnico de respeito fora um atacante de destaque principalmente no Paraná Clube, na época que o mesmo estava na melhor fase de sua história. Com muitos títulos no mundo árabe, um Campeonato Baiano pelo Vitória e boas passagens por clubes como Palmeiras e Botafogo, o título da Sul-Americana seria o divisor de águas na carreira do técnico dentro do futebol brasileiro. Além de Caio, foram o auxiliar técnico Duca, o médico Márcio Koury, e o preparador físico Anderson Paixão, filho do famoso preparador da Seleção Brasileira Paulo Paixão. Todos deixando família e a sensação de que profissionalmente estavam a viver o melhor momento de suas vidas.

Além dos jogadores e da comissão técnica, os membros da imprensa que foram cobrir aquela final. Pessoas as quais estava acostumado a ver em minha casa até mais que os jogadores da Chape, pois estavam todos os dias a apresentarem seu trabalho para nós telespectadores.

É o caso de Deva Pascovicci, narrador da Fox Sports que começou na extinta TV Manchete (Na TV), e que ficara bastante reconhecido principalmente do pessoal de fora do sudeste brasileiro pela emocionante narração naquela semifinal contra o San Lorenzo, onde o “Espirito de Condá” esteve presente. Com ele partiram também o câmera Rodrigo Santana e o coordenador de externa Júnior Lilácio, este último descrito por seu companheiro de emissora Oswaldo Paschoal como tão dedicado e competente, que até subir em árvores para por um sinal de qualidade para os assinantes do canal ele fazia sem reclamar.


Ainda da Fox, três das figuras que mais senti a perda no meu dia a dia… Victorino Chermont, o Vitu… Repórter e comentarista acompanhava seu trabalho desde que o mesmo ainda era o “repórter carioca” da TV Bandeirantes, em seguida passando pelo grupo Globo e depois sendo o repórter América da Fox Sports, acompanhando todos os times brasileiros nos torneios disputados no continente. Sobre ele uma passagem muito comovente do colega Fábio Sormani. Que em uma conversa pessoal com Vitu ouvira (ou leu) do mesmo que se ele fosse antes, queria que um garçom que sempre o servia muito bem carregasse o caixão. Emocionado, Sormani fez o pedido ao mesmo que se estivesse vendo o programa, fosse ao enterro do mesmo prestar essa homenagem. Se o garçom em questão foi, não sabemos, mas que as tiradas inteligentes do rubro negro Victorino fazem falta… Há como fazem…

Paulo JulioClement. Lembro-me de acompanhá-lo via Facebook em seus comentários. O conheci enquanto jornalista com ele já na Fox. Mas o torcedor do Fluminense era bom em tudo que fazia. De edição ou como comentarista. 

Mario Sergio Pontes de Paiva. Admito, até ele trabalhar na Fox o achava um treinador (já peguei essa fase dele) muito arrogante! Como comentarista também tinha coisas que me desagradavam muito. Mas ao ir trabalhar no Fox Sports Rádio, que hoje é líder de audiência dos programas esportivos (e não estou fazendo jabá, rs), comecei a ver outro lado daquele Mario, que fora um craque de bola, campeão do mundo pelo Grêmio, campeão várias vezes pelo Internacional, pela máquina tricolor de meados dos anos 1970 do Fluminense, e até campeão com o meu São Paulo. Um lado humano, engraçado, sincero, mas sem perder a doçura. Como disse o ex-colega de clube Leão (o ex-goleiro), O Mario Sergio estava passando pela fase mais doce e serena da vida dele.


Dono de um amor por apostas em cavalos e um vício de limpar seus próprios óculos, Mario era garantia de meus risos certos quando participava do programa. E mesmo sendo campeão nos dois grandes do Rio Grande, me acabava de rir com as provocações que fazia ao Grêmio e também ao Internacional… “Tudo no Inter se pergunta lá no Posto Ypiranga antes de se tomar uma decisão dizia ele”, em referência ao ex-presidente colorado Fernando Carvalho. Mas tão grande era o amor pelo clube, que o mesmo fez uma aposta impossível de publicar aqui com o apresentador Benjamin Back se o Internacional aquele ano fosse rebaixado… O Inter acabou sendo rebaixado, mas Mario malandro que sempre foi, se despediu desse mundo antes para não precisar pagar a aposta! Infelizmente Mario Sergio…

Além deles, ressalto outros jornalistas que não conhecia, mas que com certeza tinham um grande futuro em sua profissão: Os repórteres Guilherme Marques e Giovane Klein, o câmera Ari Junior, o produtor Guilherme Laars todos da Rede Globo. O repórter André Podiacki do Diário Catarinense. O cinegrafista Djalma Araújo da RBS, o repórter Renan Carlos da Rádio Oeste Capital, LaionEspíndula, setorista da Chapecoense para o Globo Esporte, Gelson Galiotto narrador da Rádio SuperCondá, Ivan Carlos e Edson Luiz, ambos da mesma rádio! Fernando Schardong e Douglas Dornelles da Rádio Chapecó e JacirBiavatti da Rádio Vanguarda FM.

Além deles, também devemos citar o piloto Miguel Quiroga, RomelVacaflores (assistente de voo), Ovar Goytia, Arias Alex e Gustavo Lugo. Mesmo passado dois anos, alguns menos outros mais, mas todos deixam saudades, principalmente aos respectivos familiares.

Vale ressaltar em toda essa tragédia o lado humano. O apoio do povo colombiano nas buscas e nos cuidados com os corpos. O fato do Atlético Nacional abrir mão de qualquer vaidade e ceder o título daquele torneio a Chapecoense, as comoções pelo mundo todo de jogadores da mais alto garbo aos seus colegas de profissão, o sentimento único de que antes de nacionalismos somos seres humanos, brasileiros e colombianos nunca se gostaram tanto e que seja assim para sempre! Que não se precise outra tragédia para nos unir. Até eu que estava bravo com o Atlético Nacional por ter tirado o meu São Paulo das semifinais da Libertadores, se tenho um time internacional para quem torço incondicionalmente hoje, esse time é o Atlético Nacional de Medellin.

Vale ressaltar também o velório da Chapecoense. A força da mãe do goleiro Danilo ao abraçar um repórter que não aguentava a perca de seus colegas de profissão. Dona LLaides Padilha é a prova clara de que o filho batalhador e vencedor não foi por acaso. O grande capitão do Barcelona Charles Puyol, que fez questão de participar do cortejo, Ao Barcelona que fez um amistoso com a Chape com o objetivo de ajudar no reerguimento do clube (Que na minha torcida pessoal não cairá a segunda divisão esse ano!), E até a Galvão Bueno, o tão criticado Galvão Bueno… Que consegue nos passar emoção de um título mundial no futebol. Assim como transmitir uma tragédia inesquecível como essa da maneira mais humana e verdadeira possível.


Mas como milagres acontecem! Até mesmo em um momento tão triste como esse, podemos tirar boas notícias! Nesse caso além da já citada união dos povos e até de torcidas rivais que vivem a se digladiarem, também tivemos sobreviventes: Alan Ruschel, que voltou a jogar futebol, e continua a atuar pela Chape. O goleiro reserva Jackson Follman, que perdeu a perna no acidente mas que hoje é comentarista e que afirmou a pouco tempo ter feito dois anos que nasceu de novo. O zagueiro Neto, o último a ser salvo entre as ferragens, mas que se recuperou e voltou ao futebol e o narrador da Rádio Oeste Capital FM Rafael Henzel, que narrou o “jogo da amizade” entre Brasil e Colômbia ao lado de Galvão Bueno. Lançou um livro contando sua experiência e voltou a suas atividades de narração pela mesma rádio. Afinal, a vida continua…

Além deles sobreviveram a comissária de bordo Ximena Suárez que hoje atua como modelo e o mecânico Erwin Tumiri, de quem pouco se tem informações. Que todos a partir daquele dia possam ter vidas felizes e em paz! Enquanto aqueles que se foram, a pergunta eterna do ser humano para eles já fora respondida. Entretanto, todos eles nunca serão esquecidos, e nunca sairão não só dos corações dos torcedores da Chapecoense, como de todos nós que amamos futebol! Afinal, todos nós somos efêmeros no tempo e no espaço, mas o que deixamos de legado aqui é eterno. E o desses meninos/homens, ficará guardado enquanto existir esse esporte tão apaixonante.     

Horta + Márcio Braga

FLA-FLU DE TODOS OS TEMPOS

entrevista: Sergio Pugliese | texto: Gilmar Ferreira | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: Daniel Planel 

Segundos antes de soarem as badaladas do antigo relógio de parede da ante-sala da presidência da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, anunciando às cinco horas da tarde da segunda-feira, dia 5 de novembro, Francisco Horta, de 84 anos, e Márcio Braga, de 82, já estavam de pé à frente do móvel de estilo colonial para uma rápida sessão de fotos. Foi quando um dos presentes deu a senha.

– É o horário tradicional de a bola rolar para um histórico Fla-Flu…

Foi como viajar no tempo e revisitar bastidores esquecidos nas páginas de livros e jornais dos anos 70. E as histórias agora recontadas numa atmosfera nostálgica ajudam a entender porque os dois ex-presidentes de Fluminense e de Flamengo, amigos de infância da mágica Copacabana dos anos 50, são até hoje parados por torcedores de outros clubes. Simplesmente porque de suas mentes ainda prodigiosas saíam ideias das mais emblemáticas para o futebol carioca.

– O Márcio é até hoje um galã de cinema. O ‘Dom Juan’ que roubava minhas namoradinhas na adolescência, e que anos mais tarde tornou-se um dos mais bem sucedidos dirigentes do futebol brasileiro! – derrete-se o eterno cartola tricolor, até hoje lembrado como “o dirigente do troca-troca”, ou “o presidente que em 75 viajou a São Paulo para tirar do Parque São Jorge o camisa 10 da seleção na Copa da Alemanha, em 74, sem que o Fluminense tivesse um centavo na conta.

Márcio Braga sorri, meio sem jeito, mas com o olhar do mais puro encantamento. E encontra na gentileza e na fidalguia do seu rival dos tempos do futebol de praia o gancho ideal para fixar suas ideias sobre o estágio atual do futebol brasileiro.

– Está vendo aí: a inteligência e a elegância do doutor Horta fazem uma falta danada à defesa das principais causas dos clubes brasileiros! – retribui o rubro-negro que comandou o clube em seis mandatos.

Noventa minutos de bate-papo foram suficientes para reavivar o quão adorável pode ser uma rivalidade futebolística. E os causos e as histórias contadas neste ‘Fla-Flu’ do qual pude presenciar a convite do ‘Museu da Pelada’ são de fazer um nostálgico assumido revirar a gaveta da escrivaninha atrás daquele adesivo plástico que a gente estampa no para-brisa traseiro do carro só para se diferenciar dos mortais.

“Eu fui!!!”
 

 

Projeto Cruzada

PROJETO CRUZADA

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | vídeo: Daniel Planel 

Na última semana, o Pelada Móvel pegou a estrada para equipar mais uma escolinha carente. Sem nenhum tipo de patrocínio, utilizamos o dinheiro da venda das nossas camisas para a compra de materiais esportivos.

Dessa vez, no entanto, as vendas não cobriram os gastos e os amigos Adriano Vaz e Múcio Borges deram uma generosa contribuição em dinheiro para ajudarmos o projeto do craque Paulinho Pereira, na Escola Santos Anjos, Cruzada São Sebastião.

Com aproximadamente 100 alunos de 8 a 15 anos, o professor conta com a colaboração de Luiz Carlos para comandar as atividades três vezes por semana e ajudar na formação da garotada.

– Gostei do convite do Paulinho e abracei a causa com ele para essas crianças não ficarem perdidas por aí – lembrou Luiz.


Quando a equipe do Museu chegou, com os reforços de Fred, Rapha, Vaz e Borges, carregada de sacolas com cones, coletes e bolas, o sorriso no rosto da molecada saltava aos olhos. Diante de tantas dificuldades, os meninos esquecem de qualquer problema quando estão dentro de quadra.

Um dos responsáveis pela compra do material esportivo, Múcio Borges rasgou elogios à iniciativa de Paulinho Pereira.

– Foi um prazer ter um feito essa doação, que na verdade é um agradecimento ao trabalho que vocês fazem com essa garotada. É um exemplo para os nossos filhos!

Seguindo a mesma linha, o vascaíno Adriano Vaz agradeceu a Paulinho não só pelas atuações no Maracanã, mas também pelo projeto.

– A gente ajuda, mas o presente é para a gente! Chegar aqui e ver essa alegria da garotada não tem preço. Parabéns pelo trabalho e pode contar com a gente sempre!

Vale lembrar que, além de equipar as escolinhas, salvamos acervos pessoais e ajudamos ex-jogadores no que for preciso para retribuir as alegrias que eles nos proporcionaram em campo. A intenção é estarmos juntos, abrindo portas para quem precisa!
 

 

COLONIZARAM A LIBERTADORES

por Paulo Escobar


Desde que me lembro por gente que acompanha futebol, tenho lembranças da Libertadores, que na minha opinião era um dos torneios mais loucos e que trazia a diversidade e as mais variadas culturas latinas a campo. Os times, seus estádios, as torcidas a pressão e as festas de cidade para cidade.

O que dizer dos jogos no centenário, na Bombonera, em Nuñes, no Nacional, no Defensores del Chaco, no Cilindro, Lima, La Paz e nos mais variados estádios. Como não lembrar dos jogos quentes e finais incríveis, os mata-matas, os chamados grandes caindo, o torneio que talvez sempre mais custou aos times brasileiros e que sempre trouxe histórias e bastidores inesquecíveis.

Aos poucos foram nos matando, assassinando o futebol latino e a Libertadores, a exemplo do que a América Latina sofreu na colonização, quando os assassinos vinham com seus costumes, deuses e culturas e assim impunham aos índios, do mesmo jeito tem acontecido com o nosso futebol. Não aceitam nossa diversidade, não aceitam nossas paixões, não aceitam nosso jeito diverso de ser, mas querem nos adestrar e nos padronizar e dizer como deve ser nosso futebol.


Aos poucos levam nossos craques, depois tiraram nossos instrumentos e bandeiras, proibiram nossos sinalizadores e fogos de artifícios, colocaram cadeiras e nos disseram como se comportar nos nossos jogos, não permitiram mais ambas as torcidas, tiraram a cerveja e, a exemplo dos colonizadores, nos impuseram seus costumes e nos deixaram um hino, aquela coisa chata que é tocada na entrada de ambos os times juntos.

Mais do que nunca, o que aconteceu domingo teve muitos atores por trás, as federações que historicamente defenderam interesses daqueles que as comandam e não do futebol, os governos que sempre vão culpar as torcidas das desgraças e descuidos históricos deles mesmos, as dirigências dos times envolvidos que sempre abaixaram a cabeça para tudo que lhes é imposto. Tudo o que rolou no domingo com a FIFA por trás e todos seus capachos somente veio fortalecer o argumento de final única em campo neutro.

A final em campo único em países distantes, além dos ingressos caros, exige agora pegar avião para poder acompanhar seus times de coração. Se já é difícil você ir numa final pelos preços absurdos, agora some passagens e gastos de estadia. As finais serão mais um meio de exclusão e imposição de como devemos torcer ou agir de acordo com os padrões impostos de cima para baixo.

Houve interesses de muitos poderosos que se aproveitam do futebol nos incidentes de domingo, se aproveitaram dos fatos para querer nos dizer que não somos civilizados e que o futebol europeu é o antro da ordem e de como se deve torcer, superdimensionam os conflitos nos nossos estádios como se fosse rotina e minimizam os conflitos ocorridos na Europa como se fossem exceções. Vale dizer que grande parte da mídia esportiva foi participante do assassinato da Libertadores e imposições de como se deve ser ou agir.


As revoltas e conflitos são fatos sociais além do futebol, e que devem ser observados como fenômenos sociais além do esporte. O que acontece com as pessoas dentro dos estádios são reflexos daquilo que se vive nas sociedades que vivemos, e nossas diversidades e particularidade dentro dos estádios devem ser preservadas, nossa forma de manifestar nossa paixão respeitada e não assassinadas como vem sendo feito ao longo dos anos.

Nossa forma de torcer e manifestar nossas paixões são motivos de incômodo para os de fora, não respeitam nossa diversidade e nos punem por sermos diferentes. As entidades querem nos colonizar e impor o que para eles é futebol e nos colocar como devemos agir e ser dentro e fora dos estádios.

O que foi acontecendo na Libertadores ao longo destes anos nos mostra que foram nos matando aos poucos, com requintes de crueldade, foram nos assassinando de maneira lenta. Nos mutilaram aos poucos e hoje falecemos junto com a morte da Libertadores do jeito que a amávamos e conhecíamos.


O simbolismo de levar a final a Madrid mostra o ponto final deste processo colonizador, a exemplo das invasões e imposições que sofremos ao longo dos séculos vimos no futebol. Nos roubaram tudo inclusive a final da Liberadores, nos saquearam e levaram até nossas finais do jeito que as conhecíamos embora.

Não será a mesma coisa a final em Madrid, muitos dos torcedores que poderiam ir a uma final em seus estádios não poderão ir a Espanha, ali será uma final para aqueles que podem pagar e alguns que terão que se endividar para poder acompanhar seus times.

O que nos resta é o que sempre aconteceu nos processos colonizadores ao longo da história, a resistência daqueles que amamos o futebol, dos torcedores que não aceitem estas imposições. Que algo que nos dê um sinal de esperança aconteça daqui até o dia 9, e que o futebol nos surpreenda de alguma forma.

Pois diante do colonizador sempre houve resistência, tomara que com o futebol não seja diferente.