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ATLÉTICO MINEIRO 1976

por Marcelo Mendez

"Não precisa medo, não
Não precisa da timidez
Todo dia é dia de viver
Eu sou da América do Sul
Eu sei, vocês não vão saber
Mas agora sou cowboy
Sou do ouro, eu sou vocês
Sou do mundo, sou Minas Gerais"

Os anos 70 eram lindos em Minas Gerais.

O Estado crescia, os sonhos eram múltiplos e para além do futebol, o Brasil passou a ouvir umas vozes maravilhosas cantando letras épicas, canções belíssimas compostas por cabeludos talentosos

A rapaziada do Clube da Esquina, formada por Milton Nascimento, os irmãos Lo e Marcio Borges, Beto Guedes, Nelson Angelo, Fernando Brandt, Wagner Tiso, Robertinho Silva, fizeram os ouvidos do Brasil ficar atentos aos sons de Minas. Em campo não podia ser diferente.

Minas Gerais apresentava dois grandes rivais e toda a excelência de craques desfilando com arte em tardes ensolaradas no Mineirão. Porém, algo não estava bem para uma das metades do Estado.


Após ter vencido um Campeonato Brasileiro em 1971, o Atlético amargava uma fila em que seu maior rival, o Cruzeiro, nadava de braçada com um tetracampeonato entre 1972/1975. O técnico Tele Santana, escolhido para começar um trabalho a longo prazo, não contou com a paciência nem da torcida, muito menos da direção e foi demitido.

Na base, pouca atenção era dada e os jovens talentos do Galo eram espalhados para todos os rincões do País, para times como Nacional de Manaus, casos de Toninho Cerezo, Paulo Isidoro e Danival. Mas isso ia mudar.

No final de 1975, o técnico Barbatana assume. Os jogadores emprestados retornam e encontram Marcelo e Reinaldo, Heleno e Angelo. A magia estava pronta:

Surge então o Atlético Mineiro de 1976. Time que estrela hoje na série Esquadrões do Futebol Brasileiro.

"Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada
Agora não espero mais aquela madrugada
Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser faca amolada
O brilho cego de paixão e fé, faca amolada"

Até 1976, em 11 Campeonatos Mineiros, o Cruzeiro havia vencido nove.

O implacável time de Zé Carlos, Tostão, Piazza, Evaldo, Raul, Nelinho, havia varrido as Minas Gerais com um caminhão de conquistas, entre elas, a Libertadores de 1976 e aquilo estava incomodando demais as Gentes do Galo.

Não dava mais para esperar.

Teria que ser “agora”


O Time da Molecada do Galo, sob comando de Barbatana, chegou invicto para a decisão contra a Raposa. Amassou geral, metendo goleadas implacáveis como o começo da competição; 6×1 no Sete de Setembro, 5×0 Nacional de Muriaé, 5×0 Esab, 5×0 no Guarani MG, 8×0 no Nacional de Uberada.

Eram espetáculos de bola em tardes que jamais seriam esquecidas por quem as viveu no concreto da arquibancada do Mineirão. Um timaço, rápido, habilidoso, inteligente, uns moleques abusadissimos como Heleno, Ziza, Reinaldo, Marcelo, Paulo Isidoro, Marcio e uma campanha primorosa. Mesmo assim, o Cruzeiro era tido como favorito para a decisão.

Mas isso também ia acabar…

"A espera na fila imensa
E o corpo negro se esqueceu
Estava em San Vicente
A cidade e suas luzes
Estava em San Vicente
As mulheres e os homens
Coração americano
Um sabor de vidro e corte"

Em dois jogos com mais de 100 mil pessoas no Mineirão, o Brasil viu a máquina Atleticana amassar o Cruzeiro em duas partidas vencias pelo mesmo placar; 2×0. Nas duas, Reinaldo, o Rei, deitou na zaga cruzeirense, meteu gol, chapéu, caneta, fez o diabo!


O Atlético acabou com a hegemonia do rival e mais que isso; A partir de 1976 tomou conta do futebol mineiro e venceu tudo até 1983, sendo conhecido como o time do Hexa. Nesse período o Galo conquistou o respeito nacional com grandes campanhas no Campeonato Brasileiro, conseguindo dois vices, em 1977 e no controverso 1980.  Fez história.

E quem faz história, entra nessa série. Nossas odes ao Atlético Mineiro de 1976, time que começou uma dinastia e que figura aqui:

Com 31 jogos, 26 vitórias e cinco empates. 81 gols feitos e oito sofridos, o Atlético Mineiro de 1976, ganha seu lugar de honra em Esquadrões do Futebol Brasileiro.

Natal do Cortazio

NATAL DA FAMÍLIA CORTAZIO

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | fotos e vídeo: Daniel Planel 

Para o verdadeiro amante do futebol arte, a pelada do parceiro Carlinhos Cortazio é um paraíso. Por ali, reúnem-se craques que arrastavam multidões ao Maracanã em uma época que éramos respeitados mundialmente. Por isso, volta e meia marcamos presença para resenhas memoráveis e é claro que não ficaríamos de fora da festa de fim de ano da pelada!


Mendonça, Moreno, Mário Português, João Luiz, Dé Aranha, Nélio, Jair Pereira, Arthurzinho… Poderia ser a lista de craques que fizeram história pelos gramados, mas são nomes que não ficam uma segunda-feira longe da pelada ou, pelo menos, da resenha do Cortazio.

– Não podemos deixar de falar da maior referência de ser humano. É uma honra muito grande poder conviver com essa galera maravilhosa. O Carlinhos é realmente o cabeça disso tudo aqui! – exaltou Dé Aranha.

– O Carlinhos é que nem vinho: quanto mais velho, melhor ele fica! – emendou João Luiz.

Sabendo o que iríamos encontrar, levamos algumas Revistas Placar dos anos 80 e, logo de cara, nos deparamos com João Luiz e Mário, dois personagens que já estamparam uma capa de 1980, ao lado de Mozer e Dudu.

– Isso foi quando a gente foi para Toulon pela Seleção. Fizeram um duelo Seleção Principal x Seleção de Base e foi 7 a 1 para eles, mas eu não estava. Aí Telê fez uma reformulação para Toulon e na última chamada eu entrei – lembrou Mário!

Em sua defesa, João Luiz disparou:


– Mas também os caras eram brincadeira! Olha o meio-campo: Cerezo, Falcão e Zico! A gente tinha um timaço, mas era tudo novinho!

Demos mais alguns passos e esbarramos na dupla Mendonça e Moreno, meias que teriam espaço em qualquer time do planeta atualmente. Com a mesma humildade de sempre, o ídolo do América-RJ não mediu as palavras ao elogiar o craque do Botafogo

– O Mendonça veio antes de mim, então eu tive o prazer de vê-lo jogando. Depois nós chegamos também. Tive dois prazeres: um de ter visto essa fera jogar e outro de jogar contra. Eu procurava me espelhar nele.

Depois de retribuir os elogios, o camisa 8 agradeceu ao Museu e nos deixou ainda mais extasiados naquela festa:

– Vocês resgatam coisas que até eu não sabia. É tipo um baú, que vem trazendo coisas do passado. Você acaba se emocionando. As crianças que não tiveram a oportunidade de nos ver podem acompanhar através do Museu.

Se não bastasse tanta felicidade, a fera Carlinhos Cortazio ainda preparou uma surpresa daquelas para a gente. Na hora de produzir as camisas personalizadas para a festa de fim de ano, fez questão de estampar a logo do Museu da Pelada em cada uma delas.


– Vocês merecem!! – disse o anfitrião.

Receber tal tipo de homenagem em um lugar que reúne feras mundiais é motivo de muito orgulho para nós e mostra que estamos no caminho certo.

Passada a emoção, reunimos Paulinho Pereira (Vasco da Gama), Nélio (Flamengo), Mário (Fluminense), Moreno (América-RJ), Mendonça (Botafogo) e o mestre Jair Pereira que passou pelos quatro grandes. Exaltados por todos eles, Jair foi taxativo ao ser perguntado como seria uma preleção com essas feras.

– Pode ir que está tudo certo! Todo jogador gosta de uma preleção curta, objetiva e efetiva. Mas na realidade quem decide jogo é a técnica do jogador. Com esses aqui, não tem erro!

No fim da resenha, ainda encontramos o parceiro Anderson Loubach muito bem vestido com a nossa camisa e o parceiro Robinho, o Robgol, ídolo do Remo. Um dia para ficar marcado na história do Museu da Pelada!

Valeu, Carlinhos!!!
 

 

ARTISTAS SACODEM O MARACA

entrevista: Sergio Pugliese | vídeo e edição: Daniel Planel

A convite do parceiro Sérgio Ricardo, presidente da Loterj, a equipe do Museu da Pelada foi até o Maracanã para o lançamento da Raspadinha Raspa Rio Balanço Geral, que contou com uma pelada sob forte calor e reuniu artistas e grandes craques do passado.

Para a nossa surpresa, durante o discurso de Sérgio Ricardo sobre a novidade, fomos convidados para falar um pouco do Museu da Pelada, representado pelo nosso capitão Sergio Pugliese:

– O nosso objetivo é eternizar momentos maravilhosos do futebol. Depois do 7×1, a gente quis mostrar para as novas gerações que o nosso futebol não era aquele. Por isso, criamos esse espaço que traz de volta os jogadores do passado.

Recebido com aplausos, Edmundo era um dos mais aguardados pela galera e atendeu fã por fã com autógrafos e selfies.


Como a gente gosta mesmo é da resenha, partimos para o vestiário do Maraca e nos deparamos com a logo do Museu estampada nas camisas que seriam usadas pelas estrelas. Ao notar que usaria a mística camisa 7, Toni Garrido não se conteve:

– Não é todo dia que você chega ao Maracanã e tem seu nomezinho com uma camisa te esperando. Ainda mais com a camisa 7, vou ser o Toni Garrincha! – brincou.

Acostumado com todo aquele ambiente, Adílio preferiu exaltar o nosso trabalho e fazer nosso dia ainda mais feliz:

– Museu da Pelada é demais! A peladinha é a origem de todos nós. Antes de virar jogador, driblava a árvore que tinha no campinho perto de casa. A gente aprendeu a jogar na marra.

O goleiro Cláudinho Cunha, da Planet Globe, seguiu pelo mesmo caminho:


– O Museu da Pelada faz parte da nossa essência, da nossa infância. A maioria dos brasieiros, desde criança, imaginou ser jogador de futeobl. Então todos têm essa veia futebolística e nosso amigo Pugliese traz isso à tona para a gente recordar esses momentos maravilhosos.

Para completar, ainda entramos em campo ao lado de Adílio e não só não batemos uma peladinha porque nosso artilheiro Pugliese está sob cuidados do Departamento Médico!

MORRI, ISSO POUCO IMPORTA. VIBRO PELO EDEVALDO E O MEU TRICOLOR

por André Felipe de Lima


“Morri ontem, um domingo. Mais dia ou menos dia, chegaria a hora. Encontrando-me no céu, fui recebido em um camarote concedido por Deus para poucos, honraria que confesso jamais imaginar ostentar ou tampouco ambicionar, não esforcei-me para isso. Tive direito a asas angelicais e auréolas douradas, as mesmas que usei em procissões quando menino em priscas eras imemoriais, antes do nada, portanto, como muitos gostavam de ouvir e ler. Ali, envolvido pela minha imaculada ingenuidade infantil, acreditava em Deus e sequer pensava existir lorpas, pascácios e sacripantas. Perdi-o — o garoto ingênuo — no meio da longa estrada da carne. Culpa minha decerto. Mas Ele, lá do seu camarote, o mesmo onde me encontro agora, cercado de nuvens e luzes indescritíveis, assistia, como faz com todos crédulos ou incrédulos, ateus ou carolas, cada passo dado por esta eterna moribunda alma, sobretudo cada frase que escrevia ou verbo proferido. Perdoou-me por todas as letras das vidas que ousei compor sem lirismo. Era o nu e o cru, e não haveria de ser diferente. Afinal, como sempre afirmava — e Ele pode provar isso nos anais que destina a todos nós— que, embora assumidamente violento quando me sentava diante de uma Remington, mantive muito do menino que fui. Salvei-me aí. Mas nada. Nada mesmo importa neste momento de transição do chão infernal ao teto sublime azul anil mais que a atuação do Edevaldo. Como jogou bem o meu lateral-direito tricolor. Os suíços deram trabalho ontem enquanto me encaminhava para o camarote de Deus. Porém vencemos com um magro 2 a 0. O bastante. Se a seleção foi sofrível aos olhos dos críticos, a mim pouco importa. Edevaldo redimiu o escrete. A tarde antes cinzenta sobre a fronte de Telê coloriu-se em um arco-íris predominantemente verde e amarelo com o lateral indo e voltando de uma ponta a outra do campo com um fôlego inimaginável. Um puro-sangue. O Brasil seguirá firme para Montevidéu, conquistará o Mundialito. Quanto a mim, se Ele permitir, permanecerei aqui, em meu reluzente camarote celestial, apenas observando os encontros e desencontros das carnes de vocês e o que andam fazendo (ou não fazendo) pelo meu Fluminense.”

***

No dia 21 de dezembro de 1980, enquanto a seleção brasileira derrotava a seleção suíça pelo placar de 2 a 0 (gols de Sócrates e Zé Sérgio), no estádio José Fragelli, em Cuiabá, preparando-se para o Mundialito, uma mini Copa do Mundo, no Uruguai, perdíamos o “profeta tricolor” Nelson Rodrigues. E também perderíamos o Mundialito. Isso, Nelson não poderia prever.

A LIÇÃO DOS CABEÇAS-BRANCAS

por Claudio Lovato

Primeiro entraram os “velhos”, os “coroas”, os “velha-escola”.

Depois entrou o time atual, que havia levado o clube, naquele ano, ao quinto lugar no campeonato nacional.


O jogo entre o time de veteranos e o time principal começou como uma piada entre um dos heróis do passado, hoje conselheiro do clube, e o diretor de futebol, adepto do marketing agressivo e das “novas ferramentas de gestão”.

Rapidinho a coisa transpirou para a imprensa e virou matéria nos cadernos de esportes de todos os jornais da cidade, versão impressa e on-line.

Dos veteranos, o mais novo tinha 58 anos; o mais velho, 66.

Estádio cheio, dezembro, domingo de manhã, sol, último dia antes das férias do plantel. Papai Noel na pista atlética, bolas chutadas para a torcida, discurso do presidente do clube.

Aos 20 minutos, o jogo já estava três a zero para o time atual – sem que este forçasse a máquina em momento algum.

Em 35 minutos, a partida havia chegado aos cinco a zero, e os veteranos já haviam feito três substituições. Ao fim dos primeiros 45 minutos, o jogo estava seis a zero.

O intervalo foi de muitas risadas e gozações no vestiário do time atual e de conversa nenhuma no vestiário dos másters, porque não havia o que dizer e porque a sede era imensa. 

Voltaram para o campo, e o processo apenas foi retomado: em 10 minutos, dois gols da equipe principal.  Lá pelos vinte minutos do segundo tempo, no entanto, aconteceu algo que ninguém esperava – ou que alguns esperavam, a princípio, e depois desistiram de esperar. 

Saída de bola na defesa do time dos veteranos, pelo lado direito da grande área.Do goleiro, com as mãos, para o lateral-direito, deste para o quarto-zagueiro, dele para o “centromédio”, que mandou para o lateral novamente, que passou para o ponta-direita, e, do ponta, um passe mais longo e arriscado para o meia-esquerda, que tinha se infiltrado, e do meia para o lateral-esquerdo, que enfiou uma bola rasteirinha e rápida para o centroavante, que entrou na diagonal, por trás de um dos zagueiros, e, com o pé direito, batendo bem embaixo dela, com zelo e carinho, encobriu o goleiro e fez a bola morrer mansinha lá no fundo da rede.


Menos de 10 toques na bola. Sem que os adversários a tocassem. Sem bate-rebate. Só passes limpos, rentes à grama, no pé do companheiro.

Esse lance sensacional gerou aplausos, gritos e sorrisos nas arquibancadas, mas, dentro do campo, entre “os do futebol”, ocasionou outro tipo de reação.

Naqueles momentos que se seguiram ao gol, os dois zagueiros do time principal ficaram olhando um para o outro, querendo entender o que havia acontecido; o goleiro ficou olhando para o centroavante sênior, que corria, de braços erguidos, o 9 às costas da camisa que parecia que ia se rasgar a qualquer momento por causa da barriga, e os veteranos indo abraçá-lo e dar-lhe tapas na cabeça e saltar sobre ele – meninos de novo.

Dentre todas as reações dos caras que eram do futebol, contudo, a que teve significado mais especial foi esta: enquanto os bumbos e os surdos ressoavam na arquibancada, enquanto os jogadores de um time se perguntavam o que tinha sido “aquilo” e os de outro reviviam momentos especiais do passado, o técnico do time atual, um jovem estudioso do futebol que recém havia entrado na casa dos 40, olhou para o treinador dos veteranos, um macaco velho do futebol beirando os 70, e recebeu dele um sorriso que dizia mais ou menos assim: “Deixa pra lá, foi por acaso, lance fortuito…” Mas o jovem técnico sabia que não se tratava disso. Havia uma lição ali, simples e eficaz, que ele jamais esqueceria e que seria fundamental para todas as muitas conquistas que ele viria a ter em sua vitoriosa carreira.

Havia uma lição que falava de maestria adquirida e do eterno prazer em fazer aquilo de que se gosta e do quanto isso é capaz de nos manter sempre no jogo.

Do quanto isso é capaz de nos manter vivos.