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O TÉCNICO MOTIVADOR

por Victor Kingma


O treinador Tico Santana era um folclórico técnico do interior mineiro. Se o apelido vinha da infância, o sobrenome ele herdou da idolatria que tinha por Joel Santana. Imitava o Papai Joel em tudo, desde a prancheta até o jeito paternal epeculiar de motivar seus atletas. 

Certa vez, numa decisão da liga local, parecia que Tico Santana ia colocar mais um título em seu extenso currículo. Prancheta debaixo do braço e aos gritos à beira do campo, motivava o time que, retrancado, segurava o 0 x 0 que lhe daria o campeonato.

De repente, faltando cinco minutos para o final do jogo, acontece o imprevisto: o goleiro paraguaio Paredes, que pegava tudo, sofre séria contusão e tem que ser substituído. O problema é que seu substituto, o reserva Rebote, como o próprio nome sugeria, não era nada confiável para agarrar as bolas. 


Suando em bicas mas tentando manter a fleuma, o velho Santana tenta motivar seu limitado guarda metas com palavras de ordem: 

– Vai lá, campeão! O título agora está em suas mãos! Eu confio em você! 

– O senhor acha que estou preparado, professor? – Indaga o assustado Rebote. 

– Preparadíssimo, meu filho! Vai lá que o título é nosso! 

Assim que o jogo reinicia, contudo, o bravo Tico Santana se vira para seus jogadores, descontrolado, joga a prancheta pro alto, e, aos berros, com as mãos na cabeça, grita: 

– Pelo amor de Deus, não deixem chutar no gol de jeito nenhum!!!

 

 

AMARGO REGRESSO

por Walter Duarte


O América e o Goytacaz FC acabam de retornar ao limbo da segunda divisão Carioca. Após a definição do malfadado torneio da morte, denominada “seletiva” pela FFERJ, os centenários clubes não conseguiram manter-se na elite.

Novos frequentadores deste torneio sofrido e ainda dependentes de um passado com tradição futebolística relevante, mas não suficientes no profissionalismo da atualidade. A inspiração para o título do texto se deu no filme de 78, um drama interpretado pelos grandes astros Jane Fonda e Jonh Voight de forma instintiva, logo após a decepcionante derrota do meu Goytacaz para o Macaé, nos minutos finais da partida. A combinação de resultados também nao favoreceu o Mequinha que de tabela foi “arrastado” com Goytacaz para a degola.

O “amargo regresso” à segundona destas instituições do nosso futebol tem um roteiro conhecido. Na verdade, uma mistura de cenários e decisões favoráveis ao fracasso e do dilema das incertezas. O América, por exemplo, vem passando, não é de hoje, por uma transformação tenebrosa. A imponente e degradada sede da Rua Campos Salles, na Tijuca, sugere uma cópia fiel da situação do Clube. Ao passar por ela é possível imaginar e ouvir os ecos dos carnavais de outrora, do famoso “Baile do Diabo” das décadas de 70 e 80, além de recordar o esquadrão de 74 montado pelo futebol, tão bem ilustrado pelo Marcelo Mendez.


Na contramão do bom senso e contribuindo para a paralisia do futebol carioca, temos regulamentos estranhos, que acabam aniquilando os clubes de baixo investimento, e também dos fatos lamentáveis dos últimos dias. De certo, é que o torcedor mais envolvido e apaixonado vai absorvendo esses impactos e tentando abstrair as conseqüências destes desmandos. Ficar preso às boas lembranças do passado distante é antes de tudo uma forma de sobrevivência. Na verdade uma linha tênue entre a sobriedade e a mais pura inocência, da nostalgia e da resistência. A realidade apresentada nos mostra caminhos a seguir e ao mesmo tempo nos faz repensar para onde vamos.

O futebol talvez seja uma síntese das emoções humanas, das nossas expectativas de retorno e dos anseios populares. Dizem que a vida imita a arte ou algo semelhante e busco insistente pela poesia perdida no futebol na forma de jogo, hoje tão maltratada.

Revejo o filme na madrugada e o lindo e iluminado sorriso da Jane Fonda talvez seja o sopro de esperança e a certeza que a vida continua.

Goytacaz e América fazem a partida de despedida no dia 23/02/2019 repensando seus destinos. Avante Goyta! Avante Sangue!

UM SENHOR ZAGUEIRO MOVIDO A MINGAU

por Marcos Vinicius Cabral


Os olhos rabiscavam cada metro quadrado do Campo do Cais, situado na rua Tomás Rodrigues, número 581, no bairro Antonina em São Gonçalo.

Construído por funcionários do Cais do Porto no fim da década de 1940 e rebatizado de Arena Dr. Manoel de Lima ano passado – vereador este falecido em 2017 -, jogar naquele chão de terra batida era a consagração de todo peladeiro.

Em pé e à beira do tradicional campo, o pequeno Jorge presenciava impávido o que seu tio Décio, ponta-direita da equipe do Cais do Porto, aprontava dentro das quatro linhas.


– Meu tio foi um dos maiores jogadores de São Gonçalo na sua época -, gaba-se Jorge Fernando Faria, de 58 anos.

De tanto ver o estrago que seu tio fazia nas zagas adversárias, começou a se encantar pela posição, não a de atacante por incrível que pareça, mas a de zagueiro.

Assim como os tantos defensores que sofriam nas mãos, ou melhor, nos pés de seu tio, decidiu que não se tornaria um zagueiro qualquer, mas seria o melhor do bairro.

Em 1971, aos dez anos de idade, deixou São Miguel com a irmã Rejane e com os pais Basílio e Anízia, para irem morar no Boa Vista.

Aquela mudança repentina teria grande significado na sua vida, já que os domingos no Campo do Cais haviam sido substituídos pelas peladas durante a semana no Campinho da Mangueira, na rua Paulo Setúbal, onde reside até hoje.

Certa vez, numa dessas (como outras tantas) peladas, enquanto o seu time puxava um contra-ataque, dona Nair, mãe de seu colega Luís Otávio – lateral-direito muito ofensivo e adversário na ocasião -, chega no portão de casa e grita:

– Giiiiinho, vem comer seu mingau!

O jogo é interrompido e um silêncio fúnebre invade aquele lugar.

Ninguém responde.


– Ei dona Nair, eu quero! – gritou Jorge, estufando o peito na altivez de seus 1,87 de altura, desamarrando as chuteiras jogando-as para um lado, tirando os meiões das pernas compridas e finas e jogando-os para o outro e já sentando à mesa.

Nascia ali, naquele ano de 1973, o apelido que o acompanharia para o resto de sua vida: Jorge Mingau.

E foi com essa alcunha que fez história nos campos de São Gonçalo em seus 128 anos de existência, não sem antes, com dezesseis anos, treinar no Botafogo de Futebol e Regatas, em 1977.

– A gente treinava três vezes por semana na Base de Fuzileiros Navais, na Ilha do Governador. Era bem puxado, já que saíamos às 4h da manhã de casa, voltávamos às 14h para almoçar e entrar às 15h no colégio para sair às 19h – lembra.

E completa:

– Eu desanimei quando ele foi reprovado – conta visivelmente emocionado ao lembrar do falecido amigo Lino.

Mas se não chegou a se profissionalizar no clube da Estrela Solitária vestindo a camisa 3 de seu ídolo rubro-negro Jayme, fez história nos campos da cidade.

No Biquinha Futebol Clube, foi protagonista nas campanhas da equipe no extinto Campo do Arlindo, onde hoje funciona o São Gonçalo Shopping, no Boa Vista.


– Jogar com Mingau é o sonho de todo camisa 1. Se eu fui o goleiro que fui é porque ele foi o zagueiro que foi. Simplesmente incomparável – frisa Renivaldo Sant’ana Cândido, de 60 anos, considerado o melhor goleiro do Boa Vista de todos os tempos.

Mas a elegância e o potente chute lhe credenciariam a conquistar de forma invicta o campeonato do bairro Rosane, um dos mais disputados da localidade pelo Mangueira Futebol Clube.

– Jorge Mingau foi campeão por onde passou. Sempre foi respeitado por todos no futebol, apesar de ser bem mais novo que a maioria dos boleiros. Era forte, com boa estatura e nunca vi um jogador bater tão bem na bola como ele. Me sentia muito bem jogando ao seu lado – diz seu ex-companheiro de zaga Ubirajara Alves de Oliveira, de 62 anos.

Mas o auge foi no Liverpool Futebol Clube, onde conquistou títulos, ficou vários jogos invictos, fez amigos, escreveu seu nome definitivo na história do bairro e fez seu Basílio, seu pai, se tornar fã número um e acompanhar o time nas excursões que fazia.

Todos queriam vencer o Liverpool mas poucos conseguiam tal façanha.

Até hoje, depois de tantas gerações, não houve um beque-central como Jorge.

Portanto, lá do céu, dona Anízia – que detestava o apelido do filho – fazendo tricô em seu sofázinho e seu Basílio – que se divertia com isso – lendo seu jornalzinho em sua cadeira de balanço, hão de concordar: foi um grande zagueiro

ATÉ A PÉ NÓS IREMOS… MESMA QUE SEJA ATÉ TÓQUIO

por Luis Filipe Chateaubriand


Em 1983, o Grêmio, campeão da América do Sul, decidia o Mundial de Clubes (ou Copa Intercontinental, como muitos preferem), contra o Hamburgo, campeão europeu.

Naquele 11 de Dezembro de 1983, o Tricolor Gaúcho jogou com: Mazaropi, Paulo Roberto, Baideck, De Leon e Paulo Cesar Magalhães; China, Oswaldo (Bonamigo) e Mário Sérgio; Renato, Tarcísio e Paulo Cesar Caju.

No primeiro tempo, o jogo teve poucas oportunidades de gol, embora muito disputado. O Grêmio teve mais volume de jogo. Renato era muito bem marcado por Schroder, mas, ainda assim, incomodava barbaridade a defesa alemã.

No único lance de real perigo do primeiro tempo, Paulo Cesar Caju recebe a bola ainda na defesa, mas próximo à lua de meio campo, aciona Renato, na intermediária de ataque, pela direita.


Renato avança com a bola com grande vigor pela direita, adentra a grande área, corta Schroder pela direita, corta Schroder pela esquerda, corta de novo Schroder pela direita e chuta rasteiro entre a trave e o goleiro alemão. Um golaço! Eram 37 minutos do primeiro tempo.

Grêmio 1 x 0.

O segundo tempo começa com amplo domínio gremista e, inclusive, um pênalti em Renato, logo nos minutos iniciais, não é assinalado. Contudo, a partir da metade da etapa, o Hamburgo equilibra as ações.

Os últimos dez minutos do segundo tempo são de sufoco alemão. Renato, com cãibras, está fora de campo. Schroder, seu marcador implacável, se vê livre para atacar, vai à área e empata o jogo, aos 40 minutos do segundo tempo.

O jogo está 1 x 1.

Vem a prorrogação. E, logo no início desta, Caio cruza a bola da intermediária esquerda, Tarcísio cabeceia no meio da grande área, Renato domina a bola com o pé direito do lado direito da área, corta o zagueiro e direciona a bola para seu lado esquerdo e, com o pé esquerdo, estufa novamente as redes alemãs. São três minutos do primeiro tempo da prorrogação.

Grêmio 2 x 1.

Daí em diante, o Hamburgo pressiona, mas os gremistas resistem. O Tricolor Gaúcho é campeão mundial pela primeira vez.


Mazaropi teve grande atuação, fazendo ótimas defesas em momentos cruciais. 

Mário Sérgio teve atuação de gala, com inteligência tática e toques e lançamentos divinos. 

Mas Renato acabou com o jogo.

Certa vez, Renato foi entrevistado por Zico. Foi indagado sobre sua atuação naquele jogo. Respondeu assim: “Joguei pouco: ataquei, defendi e fiz dois gols”. 

Pano rápido!

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.

SÓ ME RESTA PEDIR DESCULPAS

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Escrevo essas mal traçadas linhas para pedir desculpas ao Maracanã e aos torcedores. É o que me resta. Meus gritos não são ouvidos e jamais serão. Estádio e torcedor aceitam tudo, menos esse descaso há que vêm sendo submetido há anos. O Maracanã passou por um lipoaspiração mal sucedida e cirurgias plásticas que o deformaram de vez.

O “maior estádio do mundo” queria envelhecer com dignidade, tomado por rugas e as marcas do tempo, registros de sua história. O Maracanã e sua inseparável torcida trazem cicatrizes que jamais serão apagadas pelos cirurgiões. A dor faz parte do espetáculo. Já choraram juntos em 50, mas estremeceram os pilares de felicidade com o gol de Romário contra o Uruguai. Maracanã e torcida, um depende do outro.

Os torcedores também foram transformados ao longo dos anos. Hoje, são brancos, belos e ricos. Duvido que saibam desfraldar uma bandeira gigante e tocar um repique. Duvido que o grito de gol saia das entranhas da garganta e que abracem o suadão do lado.


Me perdoe por isso, Dulce Rosalina, Rução, Tarzan, Tia Ruth e o homem do pó de arroz. Todos já choraram. Nenhum deles se importa em sair do estádio com o coração em frangalhos, mas não barre nenhum deles, suplico. Me perdoe, Jayme de Carvalho e sua charanga, me perdoe rapaziada fantasiada da Geral. Como fui xingado por vocês, mas como amo vocês! Bastava eu colocar a mão na cintura, desistir da jogada, para a galera cair de pau, me xingar de tudo.

Xinguem-me, voltem e afaste de mim esse pesadelo!!! Renasçam!!! Me perdoe, Mário Filho, João Saldanha, Nelson Rodrigues e Ruy Castro. Ah, Maraca querido, imagino sua dor e peço perdão porque sei que nenhum dirigente o fará. Eles afastaram você de seu melhor amigo, o torcedor.

Vocês são o maior símbolo de união e parceria do futebol. Quantas decisões você presenciou, abarrotado, explodindo. Excelente anfitrião, era da filosofia do sempre cabe mais um. Hoje acham 50 mil muito, Kkkkk!!!

Mas, Maraca e torcedores, cá entre nós, essa decisão da Taça Guanabara merecia a atenção de vocês? Era melhor não ter visto mesmo, né? Até o gol do título foi sem querer, Kkkk!!! Adoraria abraçá-los, ser um polvo gigante para carregá-los no colo porque vocês já me deram muitas alegrias. Tristezas também, afinal essa mistura de sentimentos é o que resulta nessa nossa paixão ensandecida.


Me perdoe, porque o perdão é o que me resta. A violência e o descaso com vocês chegou ao extremo, as grandes estrelas barradas no baile enquanto os egoístas brigavam por um lado. Sou do tempo em que quem tinha lado era disco, A e B.

Muita raiva por isso tudo e minha forma de extravasar é pedir desculpas, gritar o mais alto que eu conseguir. Ou, então, imitar a os geraldinos que no auge de sua ira, carregada de pureza, arremessavam seus radinhos de pilha no gramado.