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OS MENUDOS TRICOLORES

por Luis Filipe Chateaubriand


Menudo era um grupo musical portorriquenho muito famoso nos anos 80 do século XX. Era, basicamente, composto de rapazes muito jovens.

Rapazes muito jovens eram Muller, Silas e Sidney, este um pouco mais velho. Eram garotos muito bons de bola que jogavam no São Paulo de meados dos anos 80.

Muller era um atacante muito veloz que gostava de fazer jogadas imprevisíveis e fazia muitos gols. Silas era um meia atacante cerebral e dinâmico, dotado de grande habilidade. Sidney era um ponta esquerda muito vigoroso que “fechava” quando o time estava sem a bola.

Os menudos faziam parte de um São Paulo fantástico, que foi campeão paulista de 1985 e campeão brasileiro de 1986. 

Em 1985, o time base era: Gilmar, Zé Teodoro, Oscar, Dario Pereira e Nelsinho; Falcão, Silas e Pita; Muller, Careca e Sidney. Márcio Araújo era um décimo segundo jogador de muita importância.


Em 1986, o time base era: Gilmar, Fonseca, Vagner Basílio, Dario Pereira e Nelsinho; Bernardo, Silas e Pita; Muller, Careca e Sidney.

O técnico Cilinho, notório armador de times com jovens promessas, engendrou o Tricolor Paulista de 1985. Em 1986, Pepe teve a sabedoria de manter as linhas mestras do trabalho do antecessor.

O São Paulo de meados da década de 1980 marcou época pelo futebol de alto nível apresentado, seja pela excelência do futebol de jogadores como Careca, Oscar, Dario Pereira, Bernardo, Pita e mesmo de um Falcão em fim de carreira, seja pela exuberância juvenil dos menudos. Pudera a bola ser sempre tão bem tratada como era por aquela turma.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.

O VERDADEIRO DIA EM QUE LARA SE DESPEDIU DO FUTEBOL

O primeiro volume de “Épocas & Ídolos” trará craques de A a Z da Era amadora do futebol, que marca o período de 1900 a 1933, quando emergiu por aqui o profissionalismo. Muitos dados perdidos dos primeiros momentos do futebol no país estamos recuperando, como, por exemplo, o fato de o lendário goleiro Eurico Lara, o maior ídolo da história do Grêmio, ter, antes de morrer em 6 de novembro de 1935, apitado alguns jogos após o memorável Gre-Nal“Farroupilha” de 1935, realizado em setembro do mesmo ano. A informação provoca uma reviravolta na biografia do ídolo, contrariando a descrição de que ele teria entrado num gramado pela última vez exatamente naquele épico Gre-Nal do qual teria saído diretamente para o hospital onde permaneceria até sua morte. Ou seja, Lara pode não ter entrado novamente em um gramado como jogador de futebol, mas certamente voltou aos campos após o Gre-Nal “Farroupilha” como um homem que ama o futebol acima de tudo. Leia um trecho do verbete de Lara que será publicado em “Épocas & Ídolos”.

 

 por André Felipe de Lima


Não havia jeito. Parecia o fim da carreira [e da vida] de Eurico Lara. Os médicos vaticinaram: “O futebol acabou para ele”. Lara nem aí. Tinha um Gre-Nal pela frente. E não era qualquer clássico. Era o “Gre-Nal Farroupilha”, do dia 22 de setembro de 1935. Não perderia aquilo por nada. Não só entrou em campo, como foi um dos personagens principais da decisão do campeonato do centenário da Revolta Farroupilha. Jogou apenas os primeiros 45 minutos. O bastante para levantar o ânimo dos companheiros e conduzir o Grêmio  à vitória por 2 a 0 e, consequentemente, à conquista de mais um título contra o eterno rival. Tudo era festa. Lara esqueceu-se das dores no peito e caiu nos braços da torcida no pavilhão da Baixada. Mas o esforço foi grande. Internaram-no. Após receber alta, obviamente ainda fragilizado pela doença [ou doenças], voltaria a campo para suas derradeirasperformances num gramado de futebol, episódio esquecido no tempo. Não como jogador, mas apenas como juiz.

Na semana seguinte após o Gre-Nal “Farroupilha”, Lara entrara em campo para apitar o jogo entre Nacional e Leopoldense, realizado no dia 27 de setembro e que terminou 3 a 1 para o Nacional. “Serviu de juiz o consagrado arqueiro Eurico Lara, que atuou com sua costumada competência”, escreveu o jornal A Federação na edição do dia seguinte. A saúde parecia não incomodá-lo. No dia 6 de outubro de 1935, como narra o mesmo jornal, às 14h, no estádio do Eucaliptos, Lara apitara a partida entre dois Rio Grandenses, o de Cruz Alta e o de Santa Maria. “Dirigiu esta pugna, com sua habitual correção, o velho arqueiro Eurico Lara”. Mas não seria aquela a peleja final. Lara voltaria aos gramados para apitar mais um jogo, no dia 29 de outubro. Em campo, Força e Luz e Cruzeiro de Porto Alegre. A partida terminou 3 a 1 para o Força e Luz e Lara mais uma vez apitou muito bem, com “precisão e energia”, como destacou A Federação. 


Na edição do dia seguinte, o jornal publicou as resoluções da AMGEA (Associação Metropolitana Gaúcha de Esportes Atléticos), dentre as quais uma informa a criação de uma comissão para visitar “o consagrado arqueiro Eurico Lara, atualmente enfermo”.Lara baixara novamente no hospital provavelmente logo após aquela peleja. Diante dessa importante informação, constata-se que a última vez que o maior ídolo gremista da história entrou em um campo de futebol não foi no “Gre-Nal Farroupilha” de setembro e sim naquele jogo entre Força e Luz e Cruzeiro. Acreditava-se até aqui que Lara teria saído do memorável Gre-Nal para o hospital, onde permaneceria até morrer.

Lara se superando e a doença o matando vagarosamente.O goleiro resistiu o quanto pôde, mas, às 7h10 da manhã do dia 6 de novembro de 1935, o grande Lara morreria em um leito do hospital da Beneficência Portuguesa. Seu corpo foi velado no salão nobre da Baixada, com bandeira do Tricolor sobre o caixão. Era casado com Maria Cândida Lara, com quem teve Odessa, que contava apenas 12 anos quando perdera o pai.

Mas quem o esqueceria? Eduardo Bueno recorda as palavras de Foguinho, que iniciou a vitória do Grêmio naquele inesquecível Gre-Nal [gols dele e de Laci], que sempre dizia, com inconfundível sotaque germânico, quando o abordavam com aquele papo de que havia pintado um goleiro “bom à beça” na praça: “O senhorr não sabe o que é um goleirro. O senhorr nunca viu um. Eu joguei com o maiorr de todos”.


Nos anos de 1970, era o único atleta, no Brasil, de quem o clube fez uma máscara mortuária para que todos que viveram em sua época perpetuassem a admiração pelo goleiro. Há um gesso com seu rosto na sede do Grêmio, junto aos troféus mais importantes. Anualmente, no aniversário do Grêmio e no da morte de Lara, era costume dirigentes gremistas irem ao cemitério São Miguel e Almas depositar flores no túmulo do grande ídolo.

Em 15 anos de Grêmio, Eurico Lara trocou de time apenas uma vez, em 1928. Brigou com o presidente do clube e vestiu a camisa do F. C. Porto Alegre. Em seu único jogo pelo clube, Lara enfrentou o Grêmio e perdeu de goleada. O bastante para perceber que nunca poderia abandonar o Tricolor.


Como confessou certa vez o escritor e jornalista Fausto Wolff, todo mundo da geração dele, em Porto Alegre, nas peladas dos campinhos da cidade, queria jogar como goleiro e ser chamado de Lara. Verdade. Luiz Mendes, o saudoso “comentarista da palavra fácil”, torcia pelo Grêmio. Levado pelo tio Oscar, presencio o mítico Gre-Nal Farroupilha, de 1935. O tio era colorado e queria convencer o sobrinho de que deveria também vestir vermelho. Mas Mendes viu os feitos de Lara. Ali, naquele instante, naquele Gre-Nal, encantado por Lara, decidiu: “Sou Grêmio!”

O TÉCNICO MOTIVADOR

por Victor Kingma


O treinador Tico Santana era um folclórico técnico do interior mineiro. Se o apelido vinha da infância, o sobrenome ele herdou da idolatria que tinha por Joel Santana. Imitava o Papai Joel em tudo, desde a prancheta até o jeito paternal epeculiar de motivar seus atletas. 

Certa vez, numa decisão da liga local, parecia que Tico Santana ia colocar mais um título em seu extenso currículo. Prancheta debaixo do braço e aos gritos à beira do campo, motivava o time que, retrancado, segurava o 0 x 0 que lhe daria o campeonato.

De repente, faltando cinco minutos para o final do jogo, acontece o imprevisto: o goleiro paraguaio Paredes, que pegava tudo, sofre séria contusão e tem que ser substituído. O problema é que seu substituto, o reserva Rebote, como o próprio nome sugeria, não era nada confiável para agarrar as bolas. 


Suando em bicas mas tentando manter a fleuma, o velho Santana tenta motivar seu limitado guarda metas com palavras de ordem: 

– Vai lá, campeão! O título agora está em suas mãos! Eu confio em você! 

– O senhor acha que estou preparado, professor? – Indaga o assustado Rebote. 

– Preparadíssimo, meu filho! Vai lá que o título é nosso! 

Assim que o jogo reinicia, contudo, o bravo Tico Santana se vira para seus jogadores, descontrolado, joga a prancheta pro alto, e, aos berros, com as mãos na cabeça, grita: 

– Pelo amor de Deus, não deixem chutar no gol de jeito nenhum!!!

 

 

AMARGO REGRESSO

por Walter Duarte


O América e o Goytacaz FC acabam de retornar ao limbo da segunda divisão Carioca. Após a definição do malfadado torneio da morte, denominada “seletiva” pela FFERJ, os centenários clubes não conseguiram manter-se na elite.

Novos frequentadores deste torneio sofrido e ainda dependentes de um passado com tradição futebolística relevante, mas não suficientes no profissionalismo da atualidade. A inspiração para o título do texto se deu no filme de 78, um drama interpretado pelos grandes astros Jane Fonda e Jonh Voight de forma instintiva, logo após a decepcionante derrota do meu Goytacaz para o Macaé, nos minutos finais da partida. A combinação de resultados também nao favoreceu o Mequinha que de tabela foi “arrastado” com Goytacaz para a degola.

O “amargo regresso” à segundona destas instituições do nosso futebol tem um roteiro conhecido. Na verdade, uma mistura de cenários e decisões favoráveis ao fracasso e do dilema das incertezas. O América, por exemplo, vem passando, não é de hoje, por uma transformação tenebrosa. A imponente e degradada sede da Rua Campos Salles, na Tijuca, sugere uma cópia fiel da situação do Clube. Ao passar por ela é possível imaginar e ouvir os ecos dos carnavais de outrora, do famoso “Baile do Diabo” das décadas de 70 e 80, além de recordar o esquadrão de 74 montado pelo futebol, tão bem ilustrado pelo Marcelo Mendez.


Na contramão do bom senso e contribuindo para a paralisia do futebol carioca, temos regulamentos estranhos, que acabam aniquilando os clubes de baixo investimento, e também dos fatos lamentáveis dos últimos dias. De certo, é que o torcedor mais envolvido e apaixonado vai absorvendo esses impactos e tentando abstrair as conseqüências destes desmandos. Ficar preso às boas lembranças do passado distante é antes de tudo uma forma de sobrevivência. Na verdade uma linha tênue entre a sobriedade e a mais pura inocência, da nostalgia e da resistência. A realidade apresentada nos mostra caminhos a seguir e ao mesmo tempo nos faz repensar para onde vamos.

O futebol talvez seja uma síntese das emoções humanas, das nossas expectativas de retorno e dos anseios populares. Dizem que a vida imita a arte ou algo semelhante e busco insistente pela poesia perdida no futebol na forma de jogo, hoje tão maltratada.

Revejo o filme na madrugada e o lindo e iluminado sorriso da Jane Fonda talvez seja o sopro de esperança e a certeza que a vida continua.

Goytacaz e América fazem a partida de despedida no dia 23/02/2019 repensando seus destinos. Avante Goyta! Avante Sangue!

UM SENHOR ZAGUEIRO MOVIDO A MINGAU

por Marcos Vinicius Cabral


Os olhos rabiscavam cada metro quadrado do Campo do Cais, situado na rua Tomás Rodrigues, número 581, no bairro Antonina em São Gonçalo.

Construído por funcionários do Cais do Porto no fim da década de 1940 e rebatizado de Arena Dr. Manoel de Lima ano passado – vereador este falecido em 2017 -, jogar naquele chão de terra batida era a consagração de todo peladeiro.

Em pé e à beira do tradicional campo, o pequeno Jorge presenciava impávido o que seu tio Décio, ponta-direita da equipe do Cais do Porto, aprontava dentro das quatro linhas.


– Meu tio foi um dos maiores jogadores de São Gonçalo na sua época -, gaba-se Jorge Fernando Faria, de 58 anos.

De tanto ver o estrago que seu tio fazia nas zagas adversárias, começou a se encantar pela posição, não a de atacante por incrível que pareça, mas a de zagueiro.

Assim como os tantos defensores que sofriam nas mãos, ou melhor, nos pés de seu tio, decidiu que não se tornaria um zagueiro qualquer, mas seria o melhor do bairro.

Em 1971, aos dez anos de idade, deixou São Miguel com a irmã Rejane e com os pais Basílio e Anízia, para irem morar no Boa Vista.

Aquela mudança repentina teria grande significado na sua vida, já que os domingos no Campo do Cais haviam sido substituídos pelas peladas durante a semana no Campinho da Mangueira, na rua Paulo Setúbal, onde reside até hoje.

Certa vez, numa dessas (como outras tantas) peladas, enquanto o seu time puxava um contra-ataque, dona Nair, mãe de seu colega Luís Otávio – lateral-direito muito ofensivo e adversário na ocasião -, chega no portão de casa e grita:

– Giiiiinho, vem comer seu mingau!

O jogo é interrompido e um silêncio fúnebre invade aquele lugar.

Ninguém responde.


– Ei dona Nair, eu quero! – gritou Jorge, estufando o peito na altivez de seus 1,87 de altura, desamarrando as chuteiras jogando-as para um lado, tirando os meiões das pernas compridas e finas e jogando-os para o outro e já sentando à mesa.

Nascia ali, naquele ano de 1973, o apelido que o acompanharia para o resto de sua vida: Jorge Mingau.

E foi com essa alcunha que fez história nos campos de São Gonçalo em seus 128 anos de existência, não sem antes, com dezesseis anos, treinar no Botafogo de Futebol e Regatas, em 1977.

– A gente treinava três vezes por semana na Base de Fuzileiros Navais, na Ilha do Governador. Era bem puxado, já que saíamos às 4h da manhã de casa, voltávamos às 14h para almoçar e entrar às 15h no colégio para sair às 19h – lembra.

E completa:

– Eu desanimei quando ele foi reprovado – conta visivelmente emocionado ao lembrar do falecido amigo Lino.

Mas se não chegou a se profissionalizar no clube da Estrela Solitária vestindo a camisa 3 de seu ídolo rubro-negro Jayme, fez história nos campos da cidade.

No Biquinha Futebol Clube, foi protagonista nas campanhas da equipe no extinto Campo do Arlindo, onde hoje funciona o São Gonçalo Shopping, no Boa Vista.


– Jogar com Mingau é o sonho de todo camisa 1. Se eu fui o goleiro que fui é porque ele foi o zagueiro que foi. Simplesmente incomparável – frisa Renivaldo Sant’ana Cândido, de 60 anos, considerado o melhor goleiro do Boa Vista de todos os tempos.

Mas a elegância e o potente chute lhe credenciariam a conquistar de forma invicta o campeonato do bairro Rosane, um dos mais disputados da localidade pelo Mangueira Futebol Clube.

– Jorge Mingau foi campeão por onde passou. Sempre foi respeitado por todos no futebol, apesar de ser bem mais novo que a maioria dos boleiros. Era forte, com boa estatura e nunca vi um jogador bater tão bem na bola como ele. Me sentia muito bem jogando ao seu lado – diz seu ex-companheiro de zaga Ubirajara Alves de Oliveira, de 62 anos.

Mas o auge foi no Liverpool Futebol Clube, onde conquistou títulos, ficou vários jogos invictos, fez amigos, escreveu seu nome definitivo na história do bairro e fez seu Basílio, seu pai, se tornar fã número um e acompanhar o time nas excursões que fazia.

Todos queriam vencer o Liverpool mas poucos conseguiam tal façanha.

Até hoje, depois de tantas gerações, não houve um beque-central como Jorge.

Portanto, lá do céu, dona Anízia – que detestava o apelido do filho – fazendo tricô em seu sofázinho e seu Basílio – que se divertia com isso – lendo seu jornalzinho em sua cadeira de balanço, hão de concordar: foi um grande zagueiro