O DEUS, O GÊNIO E O TÍTULO
por Luis Filipe Chateaubriand
O Campeonato Carioca de 1978 teve seu primeiro turno vencido pelo Flamengo. Assim, o rubro negro assegurava vaga na final, contra o vencedor do segundo turno, mas seria campeão, sem final, caso também vencesse o segundo turno.
Ao longo do segundo turno, Flamengo e Vasco da Gama fizeram campanhas notáveis. Quis o destino que os dois grandes clubes se enfrentassem na última rodada do segundo turno.
O Vasco da Gama tinha um ponto a mais no segundo que o Flamengo, ao se chegar na derradeira rodada. Então, a situação era clara: uma vitória vascaína, ou empate, no “Clássico dos Milhões”, garantia o título do segundo turno ao cruz maltino, que jogaria a final contra o Flamengo, campeão do primeiro turno; uma vitória rubro negra no “Clássico dos Milhões” daria o título do segundo turno ao “Mais Querido” e, como este foi campeão do primeiro turno, o título do Campeonato Carioca.
Como o Flamengo precisava vencer para garantir o título do turno, e do campeonato, começou a atacar com intensidade. As oportunidades de gol do time foram se sucedendo. Mas o gol não saía…
Como principal obstáculo, uma “muralha” vascaína: o goleiro Émerson Leão, titular da Seleção Brasileira, o maior goleiro brasileiro que este que vos escreve viu em ação. Zico, Adílio, Tita, Carpegiani e companhia tentavam, tentavam e tentavam, mas as oportunidades eram desperdiçadas mediante defesas do grande arqueiro.
Com o passar do tempo, o Flamengo foi saindo para o jogo cada vez mais, oferecendo espaços ao time vascaíno. E, no contra-ataque, preciosa oportunidade foi perdido, já por volta dos 30 minutos do segundo tempo, pelo atacante cruz maltino Paulinho Piracicaba, que, sozinho e de frente para o gol com o goleiro Cantarele, chutou bisonhamente alto e sem direção.
O jogo estava quase acabando, e o 0 x 0 garantia o título do turno ao “Gigante da Colina”. Então, o lateral rubro negro Júnior alçou uma bola na área e o lateral esquerdo vascaíno Marco Antônio, sem a mínima necessidade, a jogou pela linha de fundo.
Zico, o craque do time, foi bater o escanteio, pelo lado direito. Eram 43 minutos do segundo tempo. Ninguém entendeu nada… Não era para o craque do time estar na área, buscando o gol, ao invés de bater o corner?
Pouquíssimo tempo depois, todos entenderiam…
Zico, ao se dirigir à bola para bater o escanteio, fez um gesto com as mãos. Era a senha para o zagueiro Rondinelli ir para a área. Foi o que Rondinelli fez, se posicionando na entrada da grande área, no meio desta.
No corner cobrado por Zico, a bola veio alta, mas, descaindo, passou pelo zagueiro vascaíno Abel, que não subiu e… encontrou Rondinelli que, em esfuziante corrida, tinha saído do limite da grande área para o limite da pequena área.
Rondinelli chegou na bola a partir de uma inacreditável impulsão, cabeceou com força e com vontade e, desta vez, Emerson Leão não conseguiu chegar. Flamengo 1 x 0.
Depois do épico gol, havia pouco tempo para uma reação dos pretos e brancos. O Flamengo vencia o jogo, o turno e o título!
Após o cotejo, Rondinelli, que era conhecido como um jogador viril e que se entregava ao time, foi promovido, pela torcida, a uma designação divina: era, doravante, o Deus da Raça!
Mas a alma do título, que mudou a História do rubro negro, foi Zico: quando foi bater aquele escanteio, já sabia que era para Rondinelli que lançaria – o chamou para a área -, já sabia como alçaria a bola, onde Rondinelli chegaria, de que forma Rondinelli concluiria a jogada. Zico arquitetou o gol, a vitória, o título. Gênio!
Nosso bravo Leão não merecia a derrota, mas o técnico vascaíno, o “titio” Orlando Fantoni, sim. Afinal, como diz o adágio popular, “o medo de perder tira a vontade de ganhar”.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.
CRÔNICA DE UM ROMPIMENTO ANUNCIADO
por Idel Halfen
Quem acompanha esse espaço já deve ter se acostumado com a quantidade de críticas aos “engenheiros de obras prontas”, aqueles que, após o resultado efetivado, passam a discorrer sobre as causas de algum desfecho. Só nunca entendi a razão de eles não tecerem os comentários previamente, até porque há situações em que não é nada difícil prever o desenlace.
Para ilustrar o assunto, serão citados dois temas ligados ao futebol, que previamente foram vaticinados neste espaço. O primeiro se referia à entrada da Dry World no mercado brasileiro – http://halfen-mktsport.blogspot.com/2015/12/dinheiro-nao-e-tudo.html – no artigo foi mostrado que uma operação nos moldes propostos carecia de detalhados estudos para que o pior não acontecesse.
Infelizmente tais análises não foram executadas e o que se viu foi a saída da empresa deixando inúmeros credores no país, sendo que no caso do Fluminense o desastre foi ainda maior, pois, encantado com a sedutora proposta, rescindiu o contrato que tinha com a Adidas, relação que era a mais longa do mercado no futebol brasileiro e que rendia uma boa quantia para o clube. A infeliz decisão levou o Fluminense a ter que pagar uma multa pela rescisão, além de contrair despesas com a confecção dos uniformes, o que trouxe forte impacto no fluxo de caixa, já que a empresa canadense não honrou os compromissos assumidos.
Lendo atentamente o texto do link é possível concluir que não era difícil projetar o cenário que veio a se concretizar, na verdade era bem fácil, desde que se analisasse os aspectos técnicos ou mesmo se avaliasse que o desvio no padrão de remuneração prometido era, na melhor das hipóteses, suspeito.
O segundo caso a ser relatado é o da Carabao – http://halfen-mktsport.blogspot.com/2017/10/o-marketing-e-insubstituivel.html – que rescindiu recentemente o contrato que tinha com o Flamengo, clube carioca pentacampeão brasileiro. Aqui, pelo menos, se tratava de uma empresa com boa projeção internacional, mas que pecou ao colocar a expectativa de conquistar mercado como uma variável de remuneração do patrocínio, esquecendo-se que a simples promoção de um produto não a exime de trabalhar os demais componentes do composto de marketing (preço, ponto e produto), ainda mais em um mercado dominado por marcas fortíssimas com excelente capacidade de distribuição e forte estrutura comercial.
Confiar no engajamento da torcida, por maior que ela seja, é desprezar que para um produto vir a ser consumido pelos torcedores do patrocinado, é necessário que ele esteja disponível no ponto de venda e com preços competitivos. É preciso considerar que vários produtos de uma mesma categoria concorrem entre si primeiramente para serem adquiridos pelo varejo, o que envolve elaboradas “engenharias” comerciais que englobam não apenas o preço propriamente dito, mas também negociações acerca de bonificações e ações nos pontos de vendas, entre outros. Sendo que, quanto mais competitiva a categoria, o que é o caso dos energéticos, maior a dificuldade de se entrar no mercado em boas condições, isto é, com uma boa exposição – número de frentes e localização – e sem investimentos que inviabilizem a operação.
Como podemos constatar, as previsões contidas nos dois textos não se deveram a nenhum poder mediúnico, mas a uma simples análise do mercado, o que compreende estudar detalhadamente toda a cadeia de consumo do produto.
O DIA EM QUE PAULINHO PERDEU O MEDO
por André Felipe de Lima
Botafogo e Fluminense estavam a três dias da decisão do Campeonato Carioca de 1957. Entrariam no sagrado gramado do Maracanã no dia 22 de dezembro. Havia um clima de muita ansiedade. Um dos protagonistas do embate oque se avizinhava já estava devidamente confirmado. Era o craque Didi. Haveria outro, mas isso ninguém jamais suspeitava. Falava-se em Nilton Santos, em Garrincha. Mas Didi, sim, com sua inigualável clarividência de fazer inveja a um Zaratustra ou a um Houdini já sabia quem deveria ser coroado com ele no domingo.
Naquela tarde da antevéspera do jogo, Didi disse o seguinte à esposa Guiomar: “Esse menino, no dia em que perder o medo, e não quero dizer medo no sentido de covardia, falo melhor, no dia em que ganhar confiança em si, vai ser uma parada. Tem tudo para ser um bom jogador. Seu chute é uma pedrada”. Didi falava reservadamente sobre o rapaz “Paulinho” que os aguardava na sala de jantar. O convidado em questão chamava-se Paulo Ângelo Valentim, que frequentemente visitava o casal. Didi e Paulinho — como era carinhosamente chamado pelos amigos — jogavam juntos no Botafogo, que não conquistava títulos desde aquela polêmica final contra o Vasco, em 1948. Por isso a ansiedade, a magia que cercava aquele jogo. Afinal, seria a primeira decisão do Didi contra seu ex-clube, que deixara para trás com uma dose cavalar de mágoa na alma e no coração.
A superstição estava em alta em General Severiano. O letreiro do clube inexplicavelmente estava sem todas as letras “e”. Quem por ali passava, lia: “Botafogo d FutbolRgatas”. Um cenário simplesmente nonsense que só mesmo o Alvinegro carioca para promovê-lo. Durante um papo com o amigo Rafael Casé, autor, entre outros, do maravilhoso “O artilheiro que não sorria”, uma sedutora biografia do artilheiro Quarentinha, e de “Somos todos Carlito”, sobre o impagável cartola botafoguense Carlito Rocha, ele recordou que a história certamente teria começado com Carlito, figura notória pela superstição com tudo e todos. Dias após nossa conversa sobre o episódio, Casé enviou uma nota de um jornal de 57, confirmando que o dirigente foi a um pai de santo nas vésperas do jogo. Carlito se benzeu, mas também pediu para que a macumba “amarrasse” os pés dos tricolores. O religioso foi enfático: “Retire todos os “es” do letreiro no portão do estádio”. Missão dada, missão cumprida.
Mas o que, afinal, tanto assustava Paulinho? Guiomar foi incisiva e perguntou o que mais o atemorizava. Ele respondeu que estava inseguro por ter custado tanto ao Botafogo e que as vaias também o importunavam. Sentia-se desvalorizado e sem ânimo para continuar jogando futebol e não descartava a possibilidade de não entrar em campo no domingo, contra o Fluminense. Ou, talvez, nunca mais.
O sábio Didi, o mais efetivo “psicólogo histórico” do futebol brasileiro, procurava levantar o moral do Paulinho, dizendo a ele que também sentia temor, e que isso era normal. Tanto que até promessas fez para cumpri-las em caso de vitória na final. A primeira seria estender a camisa do jogo no altar da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador, mas Didi — como é público e notório — só a cumpriria no ano seguinte, após o Brasil levantar o caneco mundial na Suécia; para cumprir a segunda, a mais complicada, teria de caminhar do Maracanã até General Severiano logo após o jogo, e com o uniforme completo, da chuteira à camisa: “Deixa isso para lá, rapaz, você tem jogo para muito tempo. Você leva jeito para o negócio. Precisa sair um pouco mais, aprender a desmarcar-se. O resto é fácil. Deixa que eu dou na frente.”
Mais calmo após o papo com Didi e Guiomar, Paulinho confessara que desejava jogar de meia e não de centroavante, como o escalara João Saldanha: “Já falei com Saldanha. No jogo de domingo contra o Fluminense eu vou tirar fotografia na posição de meia. Tenho certeza que isso dará sorte. Eu tenho minhas manias.”
O tempero da Guiomar e a “psicologia” do Didi injetaram no rapaz uma vontade incontrolável de brilhar, de ser a representação mais esfuziante da estrela solitária. Naquele dia 22 de dezembro de 1957, a “mandiga” do Paulinho, o letreiro louco de General Severiano, as promessas do Didi e os conselhos que o jovem ponta-de-lança recebeu do próprio Didi e da Guiomar funcionaram.
Botafogo e Fluminense entraram em campo diante de cerca de 100 mil torcedores. Após o apito final do juiz Alberto da Gama Malcher, estava lá, no placar do estádio: Botafogo 6, Fluminense 2, com cinco gols do renascido Paulinho Valentim.
No vestiário, Guiomar beijou calorosamente o marido Didi. “Tudo que sou devo a você, Guiomar, e à nossa Rebequinha (a filha do casal)”. Após as entrevistas, Didi cumpre a primeira das duas promessas e, vestido ainda com o uniforme alvinegro completo, caminha do Maracanã até sua residência cercado de uma multidão incrivelmente feliz em preto e branco.
Quanto ao Paulinho, foi amar — com todas as cores possíveis — sua querida Hilda.
BRAGANTINO 1989/1991
por Marcelo Mendez
Naquele sábado eu fui para Bragança Paulista em uma missão que me parecia tão somente protocolar.
Era o ano de 1989 e o meu Palmeiras havia varrido com todo mundo no Campeonato Paulista daquele ano, venceu uma Taça dos Invictos com 23 partidas sem perder, se classificou em primeiro lugar, nos quadrangulares caiu num grupo formado pelo décimo primeiro e o Décimo segundo e tudo parecia muito bem até que, chegou o dia de ir pra Bragança.
Da janela do ônibus eu vi um estádio pequeno, meio apertado, completamente abarrotado e em campo um primeiro tempo que vinha sendo nosso até que um tal de Almir abriu o placar. Depois Zé Rubens e depois Galo. Incrível 3×0 que tirou o meu time, o melhor do Paulistão.
Foi a pior forma para mim, o jeito mais dolorido de conhecer o timaço de hoje.
Com vocês, Bragantino de 1989/1991 em ESQUADRÕES DO FUTEBOL BRASILEIRO
INTERIOR FORTE
No final dos anos 80, o interior estava em ascensão em São Paulo.
Uns anos antes a Inter de Limeira já tinha conseguido um título, o São José, do artilheiro Toni e do atacante Tita, chegaria para o decidir título e agora, em 1989, surgia um time de preto e branco em Bragança Paulista. De lá pouco se sabia. Apenas que tinha um patrono, o poderoso Nabi Abi Chedid, um técnico talentoso, jovem e vibrante de nome Vanderlei Luxemburgo e a partir daí veio a montagem de um time poderosíssimo.
Astuto e ligeiro, sem gastar muito, Nabi saiu pelo interior recrutando a rapaziada. Primeiro, foi na cidade próxima em Campinas e de lá veio com um pacote do Guarani. O Zagueiro Nei, o goleiro Marcelo, o volante Mauro Silva, Sousa, Ivair vieram para formar o timaço. Do Fluminense, João Santos, Franklin, da Lusa o experiente Luis Muller e do Rio, os craques Tiba e Mazinho. Era essa a estrutura do time que faria história naquele começo de década no Brasil.
Marcelo, Gil Baiano, Nei, Junior e Biro Biro na zaga. Mauro Silva, Ivair, João Carlos e Alberto na meiuca; Mazinho e Tiba. Esse foi o time base que conseguiu um título paulista numa decisão inédita contra o Novo Horizontino em 1990, que se firmou para disputar um ótimo Brasileirão em 1991.
Naquele ano, a Lingüiça Atômica de Bragança chegou a final do Campeonato Brasileiro de 1991, sendo batido pelo São Paulo de Tele Santana.
Claro que quando falamos de um grande time, nunca é legal a gente terminar falando de um vice. Acontece que aqui, em ESQUADRÕES DO FUTEBOL BRASILEIRO, muitas outras coisas valem além do titulo que se conquista. O Bragantino ousou estar num lugar que diziam não ser o seu. E é essa ousadia que aqui homenageamos.
Grande Bragantino 1989/1991
COMO CONHECI PC CAJU
por Luis Filipe Chateaubriand
Em 1980, aos dez anos de idade, entrava no Maracanã pela segunda vez para assistir um jogo de futebol, mas iria assistir pela primeira vez um jogo do clube do qual sou torcedor. Jogavam, em um domingo, América x Vasco da Gama, no Maracanã.
O jogo foi bom, movimentado, disputado. Tanto o time do América como o time do Vasco eram bons.
O ponta direita Wilsinho fez 1 x 0 para o Vasco no final do primeiro tempo. O centroavante Luisinho empatou para o América, 1 x 1, por volta de 20 minutos do segundo tempo, e o lateral esquerdo Marco Antônio fez, de falta, o gol da vitória vascaína, 2 x 1, faltando uns dez minutos para o jogo acabar.
Foi divertido assistir ao jogo, ver meu time vencer, meio estranho ver a torcida xingar o juiz (o garoto de dez anos ainda não era acostumado com essas malcriações…), mas o que foi legal mesmo foi ficar observando Paulo Cesar, o Caju, em campo.
O primeiro detalhe que me chamou atenção foi que, enquanto os outros jogadores jogavam com a camisa para dentro do calção, PC colocava a camisa para fora. A camisa, assim, cobria o calção todo, parecia que o Caju esta usando um vestido com a cruz de malta. O visual engraçado mostrava a irreverência do craque…
Mas havia outro detalhe que merecia mais atenção ainda: ao contrário dos outros jogadores, que quando recebiam a bola sempre davam passes laterais curtos ou até para trás, ao recebê-la o Paulo Cesar sempre tentava algo inusitado, diferente, inesperado. Ou era um passe em profundidade. Ou um drible inventivo. Ou um arremate inesperado.
O cara não corria muito, mas botava a bola onde queria! Parecia que tão somente sua presença majestosa já intimidava os adversários.
Esse foi um jogo comum de Paulo Cesar Caju, já caminhando para o fim de carreira. Dizem que, no Vasco, jogou muito pouco em relação ao que havia jogado no Flamengo, no Botafogo, na Seleção Brasileira e, especialmente, na Máquina Tricolor – times que não tive o prazer de acompanhar, ou porque não era nascido, ou porque ainda era muito novo e não entendia futebol.
O fato é que fico cá a pensar com meus botões: se o PC Caju majestoso que vi no Maracanã em 1980, já com mais de 30 anos, era essa bola toda, o que não teria sido o PC Caju de antes? Minha Nossa Senhora!
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.