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OLODUM, O NOSSO BARBOSA DA VÁRZEA

por Paulo Escobar


Não sei se vocês conheciam a comunidade autônoma do cimento, ela ficava ali na radial leste debaixo do viaduto Bresser, que reunia centenas de moradores de rua que procuravam uma alternativa a moradia, já que morar é privilégio e não direito neste país.

Muita coisa bonita aconteceu naquela comunidade, muitas ações bacanas, e dali surgiram alguns dos jogadores do Corote Molotov, time de moradores de rua e pessoas que correm junto e joga todo sábado na várzea de São Paulo. 

Outra questão é que aquele comunidade, “misteriosamente” pegou fogo após uma operação policial prévia a uma reintegração de posse. Reintegração é aquilo que é feito quando pessoas que não tem onde morar tomam conta de um espaço vazio e a os donos e poder público os expulsam para especulação imobiliária ou então para ficar vazio mesmo.

Dito isto, conto a história do primeiro goleiro do corote, Olodum foi nosso primeiro goleiro e o mais lindo que foi nosso goleiro negro. E não o único negro na posição, tivemos Aranha e Tibuia, foi nosso Barbosa, baita goleiro e não foi injustiçado nas falhas como na Copa de 50 aconteceu com o goleiro da seleção.

Olodum entrava fumando em campo, com seus guias no corpo, com sua cara de mau e sem aliviar na saída pra ninguém. Você conseguia ouvir as broncas dele na zaga de longe, Ceará nosso zagueiro que o diga, e o cigarro muitas vezes ficava do lado da trave.

Adorava dar uma ponte e eu do meio olhava pra ele e o mesmo piscava o olho pra mim meio que falando, viu só o que fiz?

Mas tinha algo que só Olodum sabia fazer, nos jogos mais pegados em meio a pressão, aqueles que o adversário insistia no gol e tomávamos sufoco, o nosso goleiro desmaiava de forma repentina. Tinha umas quedas e todos achávamos que estava inconsciente era uma correria dos dois lados com água, tirar camisa para abanar e todo tipo de auxílio. Até que um dia num mesmo piscar de olhos percebemos que era cera pra baixar a pressão da partida.

Nos outros desmaios era mais frequente os outros times se preocuparem mais que a gente, pois além de um baita goleiro era um grande ator. Esfriava necessariamente um jogo como poucos.

Tivemos jogos memoráveis com Olodum no gol, não gostava de perder e a cerveja não era a mesma depois dos jogos com uma derrota para ele. Quando ele vestia a um do corote entendia que havia uma comunidade que perguntava os resultados e aquilo era muita responsabilidade nas suas luvas.

Olodum representou sem dúvida de uma forma das mais belas o goleiro Barbosa, em cada defesa sua luvas carregaram a luta de ser goleiro negro no Brasil. Pois ser negro e goleiro em qualquer canto deste país é sinal de resistência, e a cada defesa Barbosa ressuscita.

As pessoas de bem que comemoram e fizeram buzinaço quando a favela do cimento pegou fogo não tinham ideia das pessoas maravilhosas que ali moravam, não tiveram o prazer de conhecer Olodum o nosso goleiro que a cada defesa beijava seus guias e agradecia aos orixás. Hoje naquele lugar somente há terra e falta a alegria daquela comunidade, é um lugar deserto e foi assim deserto que nós sentimos quando nunca mais vimos o nosso Olodum

ATÉ LOGO, FLAMENGO

por Leandro Ginane


O Flamengo vive um momento de transformação que teve início em 2012 com um novo modelo de gestão que visava sanar os históricos problemas financeiros das gestões anteriores.

Sete anos depois, o objetivo foi alcançado e em 2019 o Flamengo já um dos clubes mais ricos do mundo. Porém junto com os benefícios de uma gestão profissional, pouco a pouco o futebol rubro-negro foi se transformando.

Com a chegada de jogadores sem identificação com a história do clube e cuja a aparência mais e assemelha a um ator de novela com previsíveis declarações à imprensa nas mais dolorosas derrotas, o alto preço de ingressos e o programa de Sócio Torcedor que favorece os mais ricos, um efeito colateral vem atingindo em cheio o maior patrimônio do clube, seu torcedor. Me refiro àquele torcedor que ia ao Maraca ver o Mais Querido jogar todo domingo e apoiava o tempo todo jogadores como Gaúcho, Piá e Charles Guerreiro que mesmo não sendo craques, honravam a camisa rubro-negra.

Esse espírito que uniu anos a fio time e torcida parece ter se transformado desde o início da “gestão profissional” e da inauguração da Arena Maracanã, em 2013. Com ingressos que chegaram a custar duzentos e cinquenta reais, a pequena arena tem sido invadida por torcedores que usam as redes sociais para destilar seu ódio e agora fazem o mesmo na arquibancada, com críticas direcionadas a determinados jogadores e técnicos. Um ódio jamais visto na torcida que ficou conhecida desde cedo como sinônimo nacional de festa, alegria e Carnaval, como diz Ruy Castro no ótimo livro “O Vermelho e o Negro”.


Esse processo de elitização da arquibancada fez a alegria dar lugar a um ódio que a cada jogo se acentua, tornando o Flamengo um time covarde, frágil e perdedor. O time do cheirinho, gerido por dirigentes que desejam agradar os torcedores das redes sociais que sequer conhecem a história do time mais popular do Brasil, o time da favela, do preto, do povo, que treinava na rua por falta de um campo profissional.

O que tenho refletido é se ainda há possibilidade de resgatar as raízes que fez do Flamengo a potência que é hoje. O time capaz de unir ricos e pobres; pretos e brancos. O time mais popular do mundo, que mesmo com jogadores inferiores ganhou títulos improváveis, graças a raça e a união com a arquibancada, como em 2001 no gol de falta do gringo mais rubro negro do Brasil, Petkovic, há dezoito anos.

Talvez ainda haja um caminho, que provavelmente é político por meio de integração social. Até lá, torcerei de longe, na esperança de que meu filho um dia conheça o verdadeiro time do povo.

PARA NÃO CAMINHAR SOZINHO

por Claudio Lovato


Existe uma piada sobre o Eurotúnel segundo a qual a obra, do ponto de vista dos europeus do continente, foi feita para ligar a Inglaterra à Europa, mas que, na ótica dos ingleses, teria sido realizada para ligar o resto da Europa à Inglaterra. O chiste me veio à cabeça nestes dias de Chelsea e Arsenal na final da Liga Europa e de Tottenham e Liverpool decidindo a Liga dos Campeões.

O futebol inglês evoluiu porque se globalizou. Mais que isso: porque se universalizou. Estão lá jogadores latino-americanos, africanos, asiáticos, além de europeus de numerosos países. Treinadores estrangeiros? Sejam bem-vindos também. Mas o processo foi mais profundo: o futebol inglês avançou porque soube olhar para dentro da própria Inglaterra. Como argutamente observou Paulo Cezar Caju em recente artigo, basta olhar para as fotos da seleção inglesa das últimas décadas para ver como a quantidade de negros aumentou. Bingo, PC.


Uma das lembranças que carrego em lugar mais especial da memória e do coração é da minha ida ao velho Wembley em maio de 1994 para assistir à final da Copa da Inglaterra daquele ano entre Manchester United e Chelsea. Eu estava na Inglaterra a trabalho, e, por uma dessas conspirações do universo em nosso favor, ganhei um ingresso especial para ver a partida e, antes disso, para participar de um almoço em que o cicerone era Ray Clemence, goleiro da seleção inglesa entre 1972 e 1984. Eric Cantona acabou com o jogo, marcando duas vezes na goleada de 4 x 0 em cima do time londrino. Ryan Giggs, seu companheiro de ataque, tinha 19 anos.

Aquele 1994 ainda fazia parte de um período de transição do futebol inglês, que, depois de 70, no México, só retornaria à Copa do Mundo em 1982, na Espanha, disputaria as Copas de 86, no México, e 90, na Itália, e voltaria a ficar de fora da edição de 94, nos Estados Unidos. O English Team tratava de abandonar definitivamente os dogmas da ligação direta entre defesa e ataque e do chuveirinho na área e adotava a saída de jogo com a bola no pé, a tabela para chegar ao gol, o toque de bola.

Em paralelo ao que fazia dentro das quatro linhas, a Inglaterra modernizava seus estádios, os clubes reformulavam seu sistema de gestão e o país atraía investimentos estrangeiros. Deu no que deu. A presença de quatro times da Inglaterra na decisão dos dois maiores torneiros do Velho Continente em 2019 não é obra do acaso.


Embora eu continue convicto de que nunca houve, não há e nunca haverá uma competição com mais alma que a Libertadores da América, e que nós, sul-americanos, sempre seremos exemplo de gente que tem amor verdadeiro por seus clubes, acho que se engana quem pensa que todas essas mudanças no futebol inglês fizeram diminuir a paixão de seus torcedores. O fanatismo continua. A ligação com o escudo permanece firme e forte. Os cantos seguem sendo entoados a plenos pulmões, entre eles o “You’ll never walk alone”, do Liverpool, canção que pode ser entendida hoje com um sentido a mais.

Parabéns ao futebol inglês. Parabéns aos ingleses. A nação que inventou o esporte que tanto amamos soube reinventá-lo para si própria.

PRESENTE INESQUECÍVEL

por Rodrigo Remedios


Amigos do Museu,

Escrevo para dizer que recebi minha foto autografada do grande craque Paulo Cézar Caju.

Minha ideia era mandar enquadrar essa relíquia e enviar uma foto já na moldura, mostrando meu cuidado e carinho com essa preciosidade. Mas, ao abrir o pacote, fui surpreendido mais uma vez! Recebi meu autógrafo já num quadro personalizado do Museu da Pelada.

Sendo assim, só me resta agradecer ao Museu e especialmente ao amigo Sérgio Pugliese que, segundo consta, foi quem atendeu o meu inusitado e insistente pedido.

Sérgio, muito obrigado, de coração. Sua gentileza e generosidade fizeram feliz um apaixonado pelo nosso futebol. Agora posso olhar para o meu quadro e me sentir um pouquinho mais próximo dessa lenda do nosso futebol (O cara jogou na maior seleção que já existiu!!!). Por favor, quando tiver a oportunidade, agradeça ao Sr. Paulo Cézar. Diga que adorei meu autógrafo (vibrei como em um gol) e que sou grato a ele por isso.

Um grande abraço, do amigo Rodrigo Remedios.

Paulinho Ladrão de Bola

UM CRAQUE NÃO TÃO ESQUECIDO

entrevista: Sergio Pugliese e Ygor Lioi | texto: Ygor Lioi | fotos e vídeo: Daniel Planel

Hoje o Museu da Pelada tem a honra de homenagear e registrar um dos maiores jogadores da década de 50, cria do Madureira jogando com Nayr, Nelsinho e fazendo dupla de ataque com seu amigo Evaristo de Macedo no início dos anos 50. Em 53, especificamente, foi a revelação do Campeonato Carioca de futebol, chamando atenção de clubes grandes como Santos, Vasco e Botafogo.

Pelas atuações de gala contra o alvinegro de General Severiano naquele ano e por ser um amor de infância, acabou optando por levar seus talentos ao Clube da Estrela Solitária, com a missão de substituir ninguém menos que Geninho, o cara do time, o responsável por ter desbancado o Expresso da Vitória em 1948. O Botafogo desembolsou o maior ordenado por um jogador de futebol até aquele momento de sua história, 400 mil cruzeiros. Paulinho valia tudo isso? Valia, e muito mais que isso! 
Para se ter uma ideia, o valor pago só foi superado com a compra do inesquecível Didi, que custou aos cofres alvinegros cerca de 1 milhão de cruzeiros.


Desfilou seus talentos durante 3 anos em General Severiano, chegando à quase ser vendido para Juventus em 1955. Não quis ficar na Europa por causa da família, e na ocasião Dino e Vinícius acabaram sendo os sortudos da vez. Na época, alguns jornais diziam que Paulinho e um outro garoto chamado Garrincha haviam se revelado nos gramados europeus. Mas, quis o destino que o então técnico do Botafogo Zezé Moreira o deixasse de fora se uma excursão e com o fim de seu contrato, rumou à Pernambuco para jogar pelo Náutico.

Um ano depois, já em 58 voltou ao Rio de Janeiro para jogar pelo Canto do Rio. Lá, pelo atraso de pagamentos, conquistou o passe livre em 1959, sendo um dos primeiros jogadores do futebol brasileiro a conseguir tal proeza. Já com 26 anos, pensando em se aposentar e sem clube, o meia então recebeu um convite de ninguém menos que Zezé Moreira para ir jogar no Fluminense.

Chegou ao tricolor no posto de reserva e logo foi alçado ao time titular. O “Timinho”, como ficou conhecido aquela escrete, levantou o carioca de 59, foi vice em 1960, eliminado nas semifinais da Taça Brasil de 60 pelo Palmeiras com um gol feito na bacia das almas em pleno Maracanã. Além, é claro, do título do Rio São Paulo de 1960.

Durante os quase 4 anos de Laranjeiras, Paulinho colecionou inúmeros gols e muitas atuações elogiadas por torcedores e jornalistas. Ganhou pela crônica futebolística especificamente pelo saudoso Luís Mendes, o apelido de Ladrão de Bola, pela facilidade que tinha de roubar bola de seus adversários. Saiu em 1963 para jogar no Bonsucesso ao lado de seu amigo Pinheiro e de Sabará.

Em 1966 encerrou a carreira e continuou sendo funcionário público da Marinha. De lá para cá, muitos esqueceram de Paulinho, que foi esse homem que na época era conhecido como Ladrão de bola. Aquele que tinha como virtudes ser canhoto, ser rápido, onde ajudava a defesa e apoiava o ataque. Roubava a bola, dava passes e fazia gols. Uma grande disposição e a habilidade incontestável, onde adorava colocar a bola “por baixo” das canetas dos adversários. 


Esse personagem do futebol brasileiro ficou “esquecido” até 2018, quando seu neto, Ygor Lioi, rodou o seu primeiro documentário chamado “Um Craque Esquecido”, através de um projeto social da Portela, o Por Telas. Hoje Paulinho tem 87 anos, ainda reside em Marechal Hermes e tem Alzheimer. Não era lembrado pela torcida, dirigentes, clubes e pela mídia. E ele mesmo não se lembra mais das coisas.

O célebre Paulo Roberto Falcão uma vez disse que o jogador de futebol tinha duas mortes: A primeira quando para de jogar bola e a segunda a morte física. Não seria a segunda o esquecimento? Como um jogador que esteve lado a lado com Garrincha, Geninho, Juvenal, Danilo Alvim, Pinheiro, Castilho, Escurinho, Gérson, Telê, Waldo, Jair Marinho, Jair Francisco, Maurinho, Clóvis, Edmilson, Arlindo, Altair e entre outros pode ter sido esquecido?

Hoje Paulinho não é mais esquecido, depois de seu curta passar no Cinefoot de 2018, agora está eternizado no Museu da Pelada. Que o primeiro Ladrão de Bola do futebol brasileiro tenha vida longa, viva Paulinho o nosso “Crack” do dia.”