PONTE PRETA 1977
por Marcelo Mendez
Havia muita coisa acontecendo no Brasil de 1977 e decerto em todas elas não estava incluída nossa bucólica vida na periferia de Santo André no ABC Paulista. Mas fato é que tínhamos nossa bucólica vida periférica naquele ano.
E essa vida muda consideravelmente quando do lado de nossa casa, muda o seu Montalvão. Um português gente ótima, que tinha uns comércios no Abc, uma Belina lindona, vermelha e toda chavosa e que gostava de bola tanto quanto a gente. Problema é que ele era Corinthiano e não demorou muito a fazer amizade e nos convidar para ir ao Pacaembu com ele ver o time dele jogar.
No meu caso, menino de 7 anos, fui feliz da vida com o passeio de carro até o Pacaembu com a festa toda envolvida. Meu pai foi porque o Portuga era gente ótima demais. Mas para nossa surpresa, o time de Preto e Branco vindo do interior do estado era um timaço.
Venceu o Corinthians por 2×1, deu um baile de bola nos caras e com a camisa 10 do time tinha um cidadão de nome Dicá, que me encheu os olhos com o tanto de bola que jogou naquele e em todos os outros dias em que jogou na vida. Mal sabia que um outro 2×1 faria parte da vida desse time. Hoje vamos contar a história dessa esquadra.
O ESQUADRÕES DO FUTEBOL BRASILEIRO chega para falar da Ponte Preta de 1977/1982.
A ESQUADRA
Nos anos 70, a Ponte Preta já dava indícios de que boas coisas viriam direto de Moisés Lucarelli.
Em 1970, após conseguir o acesso, a Ponte Preta fez um grande Campeonato Paulista dando trabalho para um gigante de então, o São Paulo, de Pedro Rocha, que acabou ficando com o título, mas o time do interior mostrou uma fornada de ótimos jogadores, dentre os quais, o maior deles, Dicá.
Mestre Dicá, o Maestro. Vi Dicá jogando na seleção de masters do Luciano do Vale nos anos 80 e ali, deu pra sacar o gigante que foi aquele camisa 10 no auge de sua carreira. Pela Ponte Preta, o Mestre jogou por música, sonho e verso. Sua classe, inteligência, categoria e elegância marcaram a história do futebol Paulista e após saídas para Santos e Portuguesa, foi o Mestre que conduziu a Ponte para fazer história.
Atrás dele, uma defesa poderosa com Oscar e Polozzi, dois ótimos laterais como Jair Picerni e Odirlei, mais o seguro goleiro Carlos. A seu lado no meio campo, um jogadoraço na volância, Vanderlei Paiva, acompanhado de Marco Aurélio na meia, responsáveis pela criação do time. No ataque, o rápido ponta Lúcio, os espertos Parraga e Rui Rei, se revezando com a 9 e com Tuta na ponta esquerda.
Esse esquadrão bateu na trave em 1977, perdendo a final para Corinthians de maneira épica. 0x1 no primeiro jogo, 2×1 no segundo e o gol de Basílio no 1×0 para marcar o final de um sofrimento enorme para o povo Corinthiano. Os dois times se enfrentariam de novo em 1979, com o Corinthians sendo campeão novamente. Em 1981, a Ponte perde a decisão para o São Paulo e daí sei que quem chegou até aqui, há de perguntar:
“Mas só perdeu! De onde vem essa grandeza toda?”
Explico de novo:
A real grandeza dessa coluna é dar luz a times que marcaram na mente de milhões de torcedores jogando o fino da bola, despertando paixões, formando legiões de torcedores e encantando quem gosta de bola.
Não precisa necessariamente de um troféu para conseguir isso.
Parabéns, Ponte.
SENSO E CONSENSO
por Eliezer Cunha
Não sou um crítico e muito menos um analista de futebol, mas, zelo pelo bom senso, consenso, beleza e a lisura no esporte.
Algumas decisões ou atitudes me incomodam dentro dos bastidores do vasto mundo do futebol, o que me leva a produzir minhas opiniões a partir deste canal de comunicação: “Museu da Pelada” com todo carinho e respeito.
Embora tenha convivido com esse tipo de esporte ao longo dos meus médios anos de vida, fui do tempo em que se dormia abraçado a uma bola, ou no mínimo trazia ela para debaixo da cama. Exemplo nítido de paixão pura por este esporte. Tive, graças ao meu irmão, o prazer de ir ao Maracanã quase todos os domingos e quartas-feiras. Assistia aos domingos os clássicos do Mengo e às quartas sempre um confronto com um time dito como pequeno, pelo Campeonato Carioca.
Sofria no apertado trem da central para assistir e admirar magicamente meus ídolos como: Carpegiani, Adílio e Zico. Não me lembro de ouvir da imprensa da época dizer: “O treinador vai poupar os titulares e entrar com um time reserva para uma partida”. Poupar de quê? De ganhar uma partida ou um título? De escrever o nome do time na história do futebol? De proporcionar um belo espetáculo para a sua grande torcida? Pra mim, ações como essa desprestigiam os times, jogadores, clubes, patrocinadores e o pior, o torcedor que paga o ingresso para assistir o confronto e a emoção de ganhar uma partida. Jogadores contundidos faziam testes às vésperas dos jogos nos vestiários do Maracanã, pouco antes das partidas, prova maior que o resultado do jogo era o mais importante.
O dia seguinte será e vai sempre existir e, nele está a concentração das lembranças marcadas pelos resultados, sendo eles favoráveis ou não. É a matéria prima que impulsionam para os debates e as realizações dos torcedores. São momentos de glória e vitórias para um cotidiano tão penoso.
Atletas de outros esportes se desgastam muito mais que nossos jogadores de futebol. Citando um bom exemplo, vamos para o Tênis de quadra ou basquete, onde horas são consumidas e os jogadores possuem um pequeno tempo para descansar, estão em movimento constante tanto no ataque quanto na defesa.
Pergunto então, como pagar pra ver um show de um artista se ele não está presente no palco? Desculpe-me os treinadores, mas, poupar jogadores, principalmente numa final de campeonato, é um desrespeito à tradição e a história dos times e principalmente aos seus torcedores.
E sinceramente: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Ado (Bangu)
O ETERNO ÍDOLO DO BANGU
entrevista: Sergio Pugliese | fotos e vídeo: Daniel Planel
“Eu sou apaixonado por esse clube e tenho uma dívida com os torcedores”. Um dos personagens mais solicitados pela galera que acompanha o Museu, Ado nos recebeu em Moça Bonita e abriu o jogo sobre o seu amor pelo clube e um pênalti que não sai da sua memória.
Na década de 80, o Brasil vivia seus tempos áureos dentro de campo, com craques para todo lado e futebol arte em seu estado mais puro. No Brasileiro de 1985, no entanto, foi o Bangu quem despontou como grande time e não tomou conhecimento dos adversários. Vasco, Internacional e Brasil de Pelotas, por exemplo, foram times que ficaram pelo caminho do time de Moça Bonita.
Na grande final, após duas vitórias convincentes contra o Brasil de Pelotas, o Bangu enfrentaria o Coritiba em jogo único, no Maracanã.
– A gente estava pensando no Atlético-MG e veio o Coritiba. Estávamos tão confiantes que chegamos ao estádio apenas 15 minutos antes do jogo. Acho que essa autoconfiança prejudicou um pouquinho! – confessou Ado.
Empurrado por mais de 90 mil pessoas no Maracanã, a equipe carioca saiu atrás do placar, mas conseguiu deixar tudo igual e levar a decisão para os pênaltis.
– Parecia que o mundo tinha acabado ali. Eu ainda não assimilei aquele momento e até hoje tenho dificuldades para dormir.
A dor em questão surgiu após a última cobrança do Bangu, quando Ado deslocou o goleiro com perfeição mas a bola passou rente à trave direita de Rafael, responsável por fechar o gol do Coritiba durante o tempo regulamentar. Gomes converteu para o Coxa e calou o Maracanã naquele 31 de julho de 1985.
– Embora muitos craques tenham perdido, eu não admito jogador desperdiçar um pênalti. As chances do goleiro são mínimas!
De fato, o craque ficou marcado por esse revés, mas não podemos deixar de lado tudo que ele fez e continua fazendo pelo Bangu. Sua identificação com o clube é coisa de cinema e depois de tantos gols e dribles, o ex-ponta hoje trabalha na comissão técnica do alvirrubro.
Seu maior sonho é levantar um caneco pelo Bangu para retribuir todo o carinho da torcida e, como ele mesmo diz, pagar essa dívida.
– Eu amo tanto esse clube que não quis jogar no Flamengo, no Fluminense, no Corinthians, no Santos. Não quis ganhar dinheiro! Trabalho aqui por amor. É o clube da minha vida e aqui estou em casa!
Que surjam mais Ados no futebol brasileiro!
O INSOFISMÁVEL CAMISA 6
por Marcos Vinicius Cabral
“Futebol é uma parte da minha vida que eu amo e sempre vou amar”. A frase é de Evandro, o eterno camisa 6).
Filho mais velho de seu João e de dona Ziléia, o sonho do pequeno Evandro era ter uma bola de futebol.
Nos meses de novembro (seu aniversário) e dezembro (Natal), os olhos do pequeno garoto buscavam nos quatro cantos da casa o tão desejado presente.
Com apenas seis anos de idade, sua intenção era se relacionar com a bola e viver essa paixão platônica.
Mas os pais não pensavam assim.
A mãe, uma dedicada dona do lar e o pai, caldeireiro do Estaleiro Mauá S/A em Niterói, zelavam tanto pelos estudos dele e do irmão Vander, a ponto de colocá-los no Centro de Ensino Sininho de Ouro, um dos mais tradicionais do bairro.
Mas nada o impediria de viver sua paixão.
– Jogávamos com nossos primos todas às tardes depois das aulas com um bola feita de meias em um terreno íngreme e baldio no Largo do Barradas, onde hoje funciona o Tio Sam Esporte Clube -, confidencia Evandro França de Oliveira de 53 anos.
Dois anos depois, morando no Boa Vista em São Gonçalo, como todo moleque, jogaria na rua no time chamado Galo de Ouro, no qual cada vitória valia um refrigerante.
– Bebi muito Mineirinho! – diz às gargalhadas.
Desde cedo, vencer seria um verbo conjugado sempre na primeira pessoa de Evandro.
Em 1978, com 13 anos e seu irmão com 11, recebiam a notícia que a cegonha estava trazendo um irmãozinho chamado Leandro.
Quando o menino chegou ao mundo no ano seguinte, o duro golpe: seus pais se divorciaram.
Enquanto dona Ziléia precisava trabalhar para cuidar dos três filhos, Evandro era obrigado a cuidar dos dois irmãos.
Sorte deles que ganharam um segundo pai e azar do Club de Regatas do Vasco da Gama, que perdeu um grande lateral-esquerdo.
– Não me arrependo de não ter ido treinar em São Januário para cuidar dos meus irmãos -, lembra visivelmente emocionado.
Se os “Deuses do Futebol” lhe tiraram a chance de ser jogador, o destino foi mais generoso e permitiu que se transformasse num dos maiores jogadores de várzeas.
Estreou em 1980 no bom time do Mequinha Futebol Clube em São Fidélis, conhecida como “Cidade Poema” devido às belezas naturais e ao seu grande número de poetas e foi verso e prosa naquele gramado contra a seleção local no primeiro quadro aos 15 anos.
– Meu tio Zé Maria me escalou, marquei o craque deles e comecei ali minha história no futebol – relembra.
Um outro tio de nome João, vulgo Joãozinho, o levaria no Campo do Vital Brasil em Itaúna, e naquele instante, sentiu algo diferente.
– Foi ali que verdadeiramente nasceu o desejo de jogar futebol. Aquilo foi crescendo, crescendo e crescendo em mim, contagiando… não sei explicar! – diz referindo-se ao futebol praticado pelas equipes do Magno, Pagão e Monte Verde.
Meses depois, no Campo do Mangueirinha, no Luiz Caçador, começou a escrever seu nome de grande jogador vestindo o verde e amarelo do Unidos da Amizade Futebol Clube.
Ganhador de vários campeonatos, a final contra o temido Tronco no Jockey foi inesquecível.
– Ganhamos de 1 a 0, gol de Vandinho, contra o time da casa e sua torcida, mas nosso time era muito equilibrado – conta.
De acordo que os títulos iam se amontoando, os joelhos começavam a dar sinais de desgate: era preciso recuar.
E foi remanejado à zaga, posição que sempre foi seu desejo.
Já como zagueiro, ganhou três dos três campeonatos que disputou com as camisas do Internacional e Unidos da Amizade no Recanto em Luiz Caçador.
– Me espelhava em Leandro – revela sem esconder a admiração pelo ídolo rubro-negro que teve a carreira abreviada pelos joelhos.
Em 1990, conquistou o Campeonato Gonçalense – que é o ápice na carreira de todo atleta amador – no centenário da cidade, jogando pelo Beira-Rio, no extinto 3° BI (Batalhão de Infantaria), na Venda da Cruz.
No Cinco de Julho, pelo Atlantic Peon, em cinco campeonatos chegou em todos na final, sendo vice em quatro deles e campeão em 2000.
– Uma pena que um cara como Evandro não tenha se tornado profissional. Além da dedicação dentro de campo, jogador de rara inteligência. Um boleiro como costumamos chamar – diz Felipe de 60 anos, seu treinador no Atlantic.
Em 2008, no Lira Futebol Clube e já veterano, foi campeão mais uma vez.
– Evandro era um jogador de muita técnica, boa marcação, além dos excelentes cruzamentos e viradas de jogo. Quando era deslocado pra jogar na zaga, colocava o atacante no bolso – diz Helinho de 47 anos que o enfrentou várias vezes.
Mas se dentro de campo não lhe faltou motivos para sorrir com as conquistas alcançadas, fora dele, algumas lágrimas passearam por seu rosto áspero com duas perdas irreparáveis.
– Meu irmão de consideração. Me ensinou a nunca chutar de bico. Trabalhamos juntos nos estaleiros da vida, no camelô e jogamos juntos várias vezes! – diz sobre o falecimento do compadre Lilico.
E completa:
– Minha mãe foi tudo para mim. Deus a levou ano passado no dia do meu aniversário – emociona-se.
Mas no fim, o reconhecimento se dá aos domingos no Campo do Mangueirinha, onde às 9h, o craque da eterna camisa 6 ensina futebol com a maior humildade, qualidade esta que é sua última e grande vitória.
JOGADOR MORRE DUAS VEZES, NÓS VÁRIAS
por Paulo Escobar
Falcão um dia disse que jogador de futebol morre duas vezes, uma quando para de jogar e a segunda quando morre mesmo. Mas de uns anos pra cá acredito que nós, os torcedores, morremos algumas vezes.
Quantos ídolos acompanhamos desde as categorias de base, vimos suas histórias de saída das realidades de pobreza e nos encantaram nos gramados por décadas. E quantos deles no momento de pendurarem as chuteiras nos fizeram perder o chão?
Somos tão envolvidos com o sentimento que o futebol gera em nós, que não percebemos o tempo passar e quando olhamos se passaram os anos. E com este passar do tempo os nossos ídolos viraram senhores, que a idade lhes gerou as marcas também e os leva ao final de suas carreiras, pelo corpo já não aguentar aquilo que é exigido pelo futebol.
Eu era criança quando Zico se despediu do futebol aqui no Brasil, que depois continuou por mais quatro anos no Japão, naquele jogo Flamengo e seleção do Mundo. Maracanã lotado naquele 1990, que ainda existia a geral, totalmente estrumbado pra ver o adeus do Galinho.
Me senti vazio depois daquele jogo festivo, como se a partir daquele momento faltaria a magia, me emocionei. Pensei o que seria do futebol sem Zico, seria voltar a ver o Flamengo e procurar o camisa dez no meio de campo e não encontrá-lo.
Com o passar do tempo voltamos a viver de novo, aprendemos a conviver com a dor da primeira morte do ídolo, e criamos novos ídolos. No nosso altar interno outros se somam e passamos a viver tudo de novo.
Depois, na Bombonera, tive outra morte quando Diego se despediu naquilo que foi mais que um jogo, foi um verdadeiro ritual. Maradona que me fez vibrar e sonhar, pendurava as chuteiras, um tango se encerrava e ali voltei a ter os mesmos sentimentos de vazio, pensando o que viria depois de Diego.
Quando Roman e Marcelo Salas pararam tive a mesma sensação de tristeza, não os veria mais nos gramados e muitas vezes assisti aos jogos e os procurei me esquecendo que já não estavam mais nos gramados.
Perdi as contas de quantas vezes chorei com a despedida de um ídolo, de quantas vezes estive de luto pela primeira morte deles. E suspeito que ainda morrerei outras vezes, suspeito que me iludirei de novo achando que eles nunca deixarão de jogar, até ter que enfrentar a realidade de que eles irão parar.
Morri junto também com Gamarra, Djalminha, Zamorano, Rincón, Alex, Gaúcho e com tantos outros que levaram um pedaço de mim. Procurei muitos deles no gramado depois que pararam e a cada dia que o futebol se moderniza, sinto mais a falta deles.
Os anos passam e sentimos as dores da idade dentro e fora dos campos, sei que ainda veremos muita coisa, mas uma delas é certa: que se jogador morre duas vezes, nós morremos e morreremos muitas ainda.