NO “CAMPINHO” DA MEDIOCRIDADE, AINDA HÁ ESPERANÇA
por Pablo Lima
Nos arredores do charmoso agradável bairro de Belgrano, em Buenos Aires, com suas ruas arborizadas e gastronomia abundante, repousa o não menos admirável estádio Monumental Antonio Vespucio Liberti, mais conhecido como Monumental de Nuñez, casa do tradicionalíssimo Clube Atlético River Plate.
Há exatos cinco anos (mais precisamente no dia 10 de maio de 2014), visitei o (literalmente) monumental estádio. Na passagem pelo concorrido ‘museo river’, lembranças inesquecíveis de nomes que marcaram a história do clube, como Daniel Passarella, Mario Kempes, e um memorial em homenagem ao mito Alfredo Di Stefano. Na entrada do local que homenageia o maior ídolo, uma inscrição está em destaque:
“DI STÉFANO, um dos três maiores jogadores de todos os tempos ao lado de MARADONA e PELÉ…”
Ao me deparar com a informação, não consegui conter o riso: a parcialidade argentina, já legitimada por nós brasileiros como pitoresca e exótica, não faria diferente ao agrupar dois jogadores do país entre os três maiores.
Quando da visita ao complexo de tênis do estádio, claro que não aguentei e me dispus a questionar o gentil guia turístico do local sobre a dupla eleição portenha dos melhores– óbvio, escolhi um culpado para os meus conflitos futebolísticos. Ríspido e veloz, o guia concluiu:
– Maradona e Di Stéfano estão entre os grandes, mas há outros do mesmo nível. E cabe a nós, argentinos de coração, valorizar os nossos ídolos a qualquer custo!
Um caloroso aperto de mão marcou a nossa despedida, e de volta ao Rio de Janeiro, refleti sobre a conclusão do guia: até quando é válido valorizar seus ídolos nacionais em detrimento da imparcialidade? O que de lição ensina essa declaração? O que nós, brasileiros, temos a aprender com isso?
Em um país célebre em não reconhecer seus maiores ídolos de maneira devida – lembremos da máxima “Pelé calado é um poeta”, tão elucidada por aqui, será que temos muito ainda que aprender com os argentinos sobre o tema?
Saltos temporais nem sempre são prudentes quando o assunto é comparar momentos esportivos, mas sigamos precisamente ao jogo que eliminou o Brasil na última Copa do Mundo, contra a Bélgica, em 6 de julho de 2018.
Horas antes da referida partida, uma mesa-redonda da emissora SporTV traria o que chamamos no jargão da imprensa futebolística de “campinho”: os participantes do programa fizeram uma seleção entre os 22 participantes do jogo, definindo a escalação dos melhores em campo, descrita na imagem acima.
Para o meu susto (eu não aprendo), a nossa querida e PARCIAL imprensa não faria diferente ao escalar seus onze “titulares”. A maioria dos escalados seria do SENSACIONAL, MARAVILHOSO E IMBATÍVEL selecionado brasileiro, e nomes belgas de destaque no Mundial, como o goleiro Courtois e os meias Kevin De Bruynee Hazard, ficariam longe de merecer uma vaga nesse time titular. Mas, para surpresa deles, o resto é história: tanto De Bruyne quanto Courtois, Hazard e outros da equipe belga brilharam e mandaram o Brasil de volta pra casa.
E aí me lembrei da parcialidade argentina com Di Stéfano e Maradona e acabei por exorcizar de vez a minha implicância com o fanatismo deles. Concluí que acabamos por vezes sendo ainda mais parciais que todos, e pior: parte da nossa imprensa valoriza atletas que jamais ocupariam espaço entre os nossos ídolos mais brilhantes.
JOGAR BEM E VENCER, EIS A QUESTÃO
Chegando ao momento presente, maio de 2019: o treinador do Corinthians Fabio Carille começa a semana trazendo uma declaração em defesa do futebol de resultados. Disse ele para defender a má atuação do seu clube na partida contra a Chapecoense: “até a parada (da Copa América) o futebol vai ser um pouquinho feio.” Enquanto isso, ninguém menos que Lionel Messi resolveu encantar a Europa na primeira partida das semifinais da Uefa Champions League, na vitória de 3 a 0 do Barcelona sobre o Liverpool: dois gols e um festival de passes e dribles de tirar o fôlego dos amantes do futebol bem jogado.
Outro corintiano, dessa vez o goleiro Cássio, também discursou em defesa do futebol medíocre: “Qualquer torcedor prefere vencer jogando feio a perder jogando bonito”; poucos dias depois, o brasileiro Lucas Moura encantou o mundo com três gols na eletrizante vitória do Tottenham sobre o Ajax, pela outra semifinal da UCL. E, nesse clima, fica a minha torcida para que os Cassios e Carilles da vida tenham assistido ao espetacular Grêmio 4 x 5 Fluminense pela terceira rodada do Campeonato Brasileiro.
A pergunta que fica: seria tão incomum assim falarmos do trivial, que é jogar bem e vencer, como fizeram Messi e Lucas nessa semana e tantos ilustres mundo afora? Com Garrincha e Pelé nas Copas de 1958 a 1970; tal como o francês Zinedine Zidane no Mundial em 1998, ou mesmo os tricolores de Grêmio e Fluminense no Brasileirão 2019?
Apesar dos defensores do futebol medíocre, das parcialidades e que tais, felizes somos por saber que há luzes brilhando, do lado de cá ou de lá, em Porto Alegre ou no Velho Continente, nos trazendo esperança de dias melhores dentro das quatro linhas.
Doação na Rocinha
DOAÇÃO NA ROCINHA
Com a ajuda dos parceiros e o dinheiro da venda das camisas, a equipe do Museu da Pelada teve a honra de abastecer mais uma escolinha de futebol com materiais esportivos. Dessa vez, a convite do parceiro Biscoito, subimos a Rocinha e presenteamos a garotada do campo da Vila Verde.
Liderados pelos professores Índio e Ednardo, os futuros craques revelaram que são avaliados não só dentro de campo mas também pelo desempenho fora dele:
– Somos barrados quando tiramos nota baixas ou quando desrespeitamos alguém!
Vale destacar que Índio é um fenômeno que ultrapassa gerações, visto que deu aula para muitos pais dos atuais alunos, inclusive nosso parceiro Biscoito.
– Eu respiro futebol, estudo para poder passar a realidade para eles! – explicou o professor.
Apesar de não ter seguido o profissionalismo no futebol, Biscoito não dispensa uma pelada nos dias de hoje. Foi ele o responsável por notar a carência de materiais na escolinha de futebol da região e fazer o pedido para a nossa equipe.
– Só agradecer à equipe do Museu da Pelada por ajudar essa garotada. Vocês são nota 10! – parabenizou Biscoito!
Após muita resenha com os meninos, entramos no campo, distribuímos os coletes e ouvimos uma salva de palmas, seguidas de um coro:
– VALEU, MUSEU DA PELADA!!!
Não há felicidade maior que essa! Só agradecer a todos que acreditam no nosso projeto e nos incentivam diariamente!
Estamos aqui brindando esse momento especial de poder ajudar essa garotada para eles continuarem na escolinha.
Moreno e JR Reis
MILIONÁRIO POR UM TRIZ
Dentre as muitas histórias que chegam até a gente diariamente, a do colecionador JR Reis despertou a nossa atenção. Tratava-se de uma aposta combinada de 13 jogos na loteria esportiva que não se tornou vitoriosa por um triz.
Rubro-negro de carteirinha, JR Reis, como todos flamenguistas da época, depositava todas as suas fichas no time que encantou o mundo na década de 80. Aos 16 anos, decidiu tentar a sorte na loteria e recebeu a sugestão de apostar em um bolão com treze jogos.
– Apesar da ausência do ídolo Zico, que já estava na Udinese, o Flamengo tinha um time maravilhoso!
Não seria nenhum exagero falar que o jogo do Flamengo era o que JR Reis depositava mais confiança. Acontece que o adversário era o América-RJ.
– Confesso que não acompanhei os jogos e só fui conferir os resultados com a zebrinha do Fantástico. Todos os jogos estavam batendo e quando chegou no último, o do Flamengo, anunciaram a derrota!
Com dois gols e uma assistência, Moreno foi o grande destaque daquela partida. Por isso, a equipe do Museu proporcionou um encontro entre o ídolo do América-RJ e o colecionador no CFZ.
– Pelo menos está milionário de saúde! Tem que perguntar se você quer me conhecer ou quer me matar! – brincou Moreno.
Após assistir os melhores momentos no celular e relembrar os lances daquela partida, o craque fez questão de presentar JR Reis com uma camisa oficial do América-RJ da época. Embora só camisas rubro-negras entrem em sua coleção, o flamenguista não titubeou e aceitou o presente:
– Essa não tem como ficar de fora! Vai ficar em um lugar especial!
PAIXÃO QUE ARREBATA
por Henrique Brandão
Três momentos, esta semana, reforçaram a convicção de que o futebol é o mais democrático dos esportes. É exatamente a possibilidade de reviravoltas, a imprevisibilidade do resultado, que faz do velho e violento esporte bretão essa paixão que arrebata mentes e corações no mundo inteiro.
As partidas entre Liverpool 4 x 0 Barcelona e Tottenham 3 x 2 Ajax pela semifinal da Champions League foram dois belos exemplos disso. O terceiro momento foi a partida entre Fluminense 5 x 4 Grêmio pelo Brasileirão. Em todas elas, mais que nunca, um jargão do futebol esteve em alta: o jogo só acaba quando termina. Todos os jogos foram decididos no segundo tempo. Os favoritos desceram para o vestiário no intervalo como vencedores (mesmo o Barça, que podia perder de 1×0) e terminaram a partida como derrotados.
O futebol é uma “caixinha de surpresas” , para usar outro clichê dos boleiros. Aí mora seu segredo: na possibilidade de David derrotar Golias, do fraco derrubar o forte, do improvável prevalecer. Nenhuma outra modalidade esportiva carrega consigo esta dose de incerteza. Por isso se rói unhas até o minuto final. Por isso as lágrimas escorrem ao fim do jogo, seja na vitória ou na derrota, como foi visto na partida entre o jovem time holandês e a milionária equipe inglesa.
São momentos como estes que ressaltam a magia do futebol. Os lances de improvisação acabam por superar a organização tática e decidem uma partida (como foi Lucas Moura hoje para o Tottenham) ou o capricho de uma bola que acaba acertando a trave (como o chute de Ziyech, do Ajax) transforma o esplendor do triunfo em agonia da derrota.
È isso que nos faz amar o futebol, para além do nosso time de coração. Nada supera o encanto de ver uma partida bem jogada, carregada de emoção.
Se for com as cores da nossa camisa, aí é a glória. Viva o futebol!
O FUTEBOL SOBREVIVE
por Luis Filipe Chateaubriand
Este signatário não costuma, normalmente, escrever sobre o futebol da atualidade, prefere proceder narrativas sobre o futebol do passado. Considera o futebol dos tempos atuais chato, enfadonho, monótono.
Contudo, vimos, nos últimos dias, jogos que trouxeram alento aos amantes do futebol bem jogado.
Em Porto Alegre, jogaram Grêmio x Fluminense, pelo Campeonato Brasileiro. Na casa do adversário e perdendo por 3 x 0 com 21 minutos de jogo, o Fluminense foi buscar uma improvável virada, ganhando o jogo por inacreditáveis 5 x 4.
Em Liverpool, jogaram Liverpool x Barcelona, o segundo jogo de uma das semifinais da Champions League. Precisando vencer por quatro gols de diferença para se classificar à final, o Liverpool “sapecou” um contundente 4 x 0 em Messi em companhia, promovendo um triunfo quase que milagroso na terra do Beatles.
Em Amsterdã, jogaram Ajax x Tottenham, o segundo jogo da outra das semifinais da Champions League. Ao estar perdendo por 2 x 0 ao final do primeiro tempo, o clube londrino fez, no segundo tempo, os três gols que precisava para ir à final, virando o jogo para 3 x 2, na casa do adversário, com o gol decisivo no último minuto, em jogo que envolveu técnica, emoção, deslumbramento, surpresa e encantamento.
Em quatro dias, presenciamos três jogos de futebol inesquecíveis. Desses que ficarão lembrados pelas próximas décadas, certamente.
É pena que poucas vezes o futebol do presente seja assim, pois se puder sê-lo mais amiúde, essa invenção extraordinária do ser humano terá, certamente, vida eterna!
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.