THALLES
por Marcos Vinicius Cabral
A morte quando chega – apesar de ser um processo natural na nossa existência – causa estranheza.
O desaparecimento físico de Thalles nesse primeiro sábado de inverno, deixou reflexões e aprendizados.
Thalles nasceu Thalles Lima de Conceição Penha, era um garoto pobre e morador de favela.
Viu com seus próprios olhos, amigos trocarem lápis e caderno nas salas de aula por madrugadas perdidas nos bailes funks, regado à drogas e bebidas alcoólicas.
No meio do caminho, perdeu alguns e achou outros.
Como todo garoto de sua idade, ser jogador de futebol era a chance de mudar de vida.
Sonhava tirar os pais do gueto gonçalense e comprar uma boa casa para eles.
Passou dificuldades mas não desistiu.
Aos 11 anos, aprovado na peneira do clube cruzmaltino, persistiu.
Em 2013, então com 17 anos, deixou de ser promessa e vestia profissionalmente a camisa do Vasco da Gama para no ano seguinte ser convocado para a Seleção Sub-20.
Forte fisicamente e com bom chute, o atacante que usava a camisa 9 ou a 39 nos jogos, enfrentou duas lutas impossíveis de vencer: o peso, que lhe tirou a titularidade, e os “amigos” de infância, de quem fazia questão de estar perto nas folgas.
Thalles já era famoso e podia (quase) tudo.
E essa sensação de poder tudo, o fez perder a vida precocemente aos 24 anos.
Morreu na madrugada de sábado em um acidente de moto na Avenida Almirante Pena Boto, no bairro Monjolos, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio, quando voltava de um baile funk conhecido como Cerâmica, em Monjolos.
Contudo, ao lado de Denner, morto também em acidente automobilístico em 1994 e Valdiram, em abril deste ano, estarão para sempre no coração do torcedor vascaíno.
AS NOSSAS MULHERES FORMIGAS
por Zé Roberto Padilha
Apesar do descaso das pessoas daquele lugar, do abandono em que são constante vitimadas, as mulheres formigas não são uma espécie em extinção. Elas desaparecem e surgem em igual tempo e espaço pelas principais arenas do mundo. Seja durante uma Olimpíada ou em uma Copa do Mundo. As mulheres formigas do futebol brasileiro são espécies para serem estudadas pela Nasa. Pois são todas sobreviventes heroínas. E parecem surgir do nada com a missão de dar a seu povo orgulho demais.
Sem campeonatos municipais para realizar sua preparação de base, raras ligas desportivas à disposição, poucos estaduais e fora do calendário nacional, não contam com uma formação básica nos colégios. Como as americanas, as inglesas e as suecas. E ainda enfrentam um preconceito dentro de suas tocas que não cabem debaixo das suas saias. Jogar futebol? Escutam dentro de casa: isto é coisa para homem!
Assim pensam os habitantes do lugar aonde sobrevivem ocupando diversas profissões para sustentar a família. E comprar a própria chuteira. Quem pensava diferente, o jornalista Luciano do Valle, precocemente deixou sua espécie sem o único meio de comunicação que lhes dirigia atenção, campeonatos e oportunidades. Bandeirantes, o canal do esporte.
Durante a hibernação, algumas espécies saem pelo mundo em busca de uma equipe que as mantenha com os pés em movimento. Mas a maioria fica mesmo por aqui, jogadas à própria sorte. Vendo isto, Deus, sempre justo, fez de uma mulher formiga daquele ingrato lugar a abelha rainha. E Marta se tornou a melhor do mundo. Pouco adiantou. Continuaram esquecidas.
Domingo, as mulheres formigas do futebol voltaram a campo. Os cartolas do futebol brasileiro mal sabiam os seus nomes, de onde vieram, que equipe defendiam e desconhecem a superação que as fizeram chegar até ali. Devem achar que elas surgem de um toque de Marta, digo, de um passe de mágica, e mesmo assim, estavam sorrindo na Tribuna de Honra porque receberam um mês em Paris com tudo pago. Com o suor que não foram seus mas com a cara de pau que tem a cara, a marca e o descaso da CBF com o futebol feminino.
Liberdade, de jogar bola no colégio. Igualdade, nos clubes de futebol do país. Fraternidade, de uma sociedade machista que passe a reconhecer sua vocação e talento. Inaugurado pelos antepassados de suas adversárias durante uma revolução social, quem sabe um dia tais conceitos, de solidariedade e respeito, sejam também lhes concedidos?
Mulheres formigas do futebol brasileiro, nós temos orgulho de vocês.
Bráulio
O GAROTO DE OURO
entrevista: André de Oliveira | texto: Freddy Paz | vídeo: Alex Racor
Marcamos o nossa entrevista na Federação Gaúcha de Futebol, local onde o Bráulio trabalha, nos recebeu super sorridente, enquanto a equipe arrumava os equipamentos para a captação já íamos conversando, estava bem empolgado com a entrevista.
Nossa conversa fluiu super bem, as vezes nem precisava fazer a próxima pergunta para o ex-jogador, ele mesmo já ia contando com todos os detalhes. Na conversa falou do seu gol antológico no antigo estádio dos Eucaliptos e que por esse feito recebeu o apelido de Garoto de Ouro, falou também das suas sequências de campeonatos gaúchos, das passagens pelos times do Rio de Janeiro, América-RJ e Botafogo, e da sua rápida passagem pelo Universidade do Chile.
No final da entrevista nos mostrou todas as salas da Federação, um anfitrião completo.
Assistam!
O ACERVO PRECIOSO DE ORLANDO PINGO DE OURO
texto: Breno Mulinazzi | vídeo e edição: Daniel Plael
Com a ajuda da encadernadora Chris Lee, da Manufatura, e da colaboração de amigos Mauro Magalhães, Luis Fernando, Heraldo Nunes e André Paraizo, a equipe do Museu restaurou o acervo precioso de Orlando Pingo de Ouro, o segundo maior artilheiro da história do Fluminense, e entregou a caixa para Breno Mulinazzi, neto do craque.
Nunca tive muito contato com o meu avô. Ele morreu quando eu era muito novo, então o que eu sei dele, é por meio de historias, geralmente contadas pela minha vó e pela minha mãe. Dessa forma, a experiência que tive com o Museu da Pelada foi muito importante para conhecer o meu avô melhor. Todo o material que eles resgataram estava há muito tempo guardado e eu nem sabia da existência de algumas coisas. Vi contrato, cartões de colecionador, além de fotos que nunca tinha visto antes. Tudo muito bem restaurado e com um acabamento muito bem feito.
Então, eu só tenho a agradecer ao Museu da Pelada, por me permitir vivenciar isso, por preservar todo um passado. Muito obrigado a todos.
VINTE E UM DE JUNHO, O FIM DO JEJUM
por Leandro Costa
Vinte e um de junho de 1989, o Botafogo entra em campo para a segunda partida das finais do Campeonato Carioca contra o Flamengo.
Nas mãos de Ricardo Cruz, a segurança de não ser vazado.
Na tranquilidade de Josimar, a certeza de boas jogadas.
Na raça de Gottardo, a vontade de dar fim à agonia.
Na classe de Mauro Galvão, a tranquilidade de um craque de Seleção.
Na regularidade de Marquinhos, a confiança em uma boa marcação.
Na categoria de Carlos Alberto, a saída de jogo com qualidade.
Na força de Luisinho, a paixão do torcedor em campo.
Na alma de Vitor, a garantia de muita entrega.
Nos dribles de Maurício, a mística da camisa 7.
No oportunismo de Paulinho Criciúma, a chance do gol.
Na habilidade de Gustavo, a força do ataque.
No comando de Espinosa, a estratégia da vitória.
Em casa, na geral, nas cadeiras ou nas arquibancadas, a esperança de toda uma torcida que há vinte e um anos não via seu time ser campeão.
Os corações alvinegros disparam Brasil afora. Jogo duro, pegado, o adversário chega mais perto do gol. Gustavo sai contundido no final do primeiro tempo. Mazolinha entra em seu lugar com um ímpeto de incendiar a partida.
No intervalo, Maurício, com 40 graus de febre, pede para sair. O comandante Espinosa convence o ponta a continuar no jogo dizendo que havia sonhado que o Glorioso venceria com um gol dele. Anos mais tarde Espinosa revelou que não sonhou mas que não poderia perder Maurício naquele jogo. Realmente seria impensável o Botafogo sem o seu camisa 7 no jogo mais importante do clube em 21 anos.
Começa o segundo tempo e logo aos 12 minutos, Mazolinha, aquele mesmo que havia entrado no final do primeiro tempo, cruza para Maurício, o sete, que apesar da febre não saiu no intervalo, escorar a bola para o fundo das redes do adversário.
Quando finalmente o árbitro encerra a partida, chega ao fim um jejum de 21 anos sem títulos. Vibra a criança, chora o homem, ri a mulher, se abraçam os jogadores, se liberta uma geração que não sabia o que era ser campeão. Comemora a torcida, por vinte e um dias, vinte um meses, vinte e um anos, ou trinta, como fazemos agora. Comemora porque não há nada mais Botafogo do que renascer. E se o clube tem três datas especiais para comemorar seu aniversário (dia da fundação do Regatas, dia da fundação do Football e dia da fusão dos dois clubes) por que não comemorarmos para sempre o dia do fim do jejum? Parabéns, Botafogo!! Ah, obrigado pelo presente de aniversário para o menino que acabara de completar nove anos na véspera da decisão. Inesquecível e incomparável a qualquer brinquedo da época ou de qualquer época. Coisas da bola, coisas do Botafogo.