FALTOU APENAS A AULA DO EVARISTO
por Zé Roberto Padilha
Em nossa Universidade da Bola, o Fluminense FC, tivemos grandes e inesquecíveis mestres. O curso, para nossa geração, durou sete anos e quem teve o quadro negro à nossa frente foram professores do nível de Pinheiro, Telê Santana, Sebastião Araújo, Célio de Souza, Duque, Zagallo, Carlos Alberto Parreira, Didi, Paulo Emílio e Jair da Rosa Pinto. Mas no jogo de sábado, contra o Atlético MG, faltou ao nosso melhor aluno, que alcançou o Mestrado na Libertadores, o Doutorado no Mundial de Clubes, Abel Braga, uma aula do Evaristo de Macedo. Sua apostila, de como enfrentar um time com um jogador a mais, foi realizada na concentração do Ninho das Cobras, do Santa Cruz FC, no bairro de Águas Finas, em Recife. Neste dia, Abel se encontrava longe dali. Fazia seu intercâmbio em Paris.
Nosso sábio mestre nos dizia que a primeira providência de quem tem um jogador a mais é “desafunilar” o jogo. O adversário vai se fechar, como um funil, e você precisa aumentar o campo para ter o espaço concedido pela ausência deste jogador a seu favor. Isto é, manter sua espinha dorsal intacta para não ceder ao impulso natural de se atirar à frente, não mexendo com seus dois zagueiros, tendo um Cuellár iluminado à frente, seus armadores, Arrascaeta ou Diego, em campo com Gabigol centralizado para garantir o equilíbrio e o toque de bola arduamente alcançado.
Depois, aumentar o peso dos flancos, trocando René pelo Éverton Ribeiro e Pará pelo William Arão. Estes dois teriam a missão de criar jogadas com Bruno Henrique e Vitinho pelos flancos para alargar a boca do funil. E dizia mais, quanto mais atacante você colocar, mais a zaga e o goleiro adversário irão se consagrar, virar heróis depois da partida, pois o bombardeio será realizado com bolas lançadas de frente. Não tabelada pelos lados e trabalhadas às costas da zaga atleticana.
Evaristo de Macedo costuma ser constantemente exaltado, com toda justiça, pelos seus feitos como jogador. Porém, poucos sabem do mestre estrategista que se tornou. Das sábias lições que sobem à tona quando um adversário perde um soldado e seu exército, no lugar de procurar os flancos, passa a atacar de frente com um monte de atacantes que jamais realizaram juntos esta missão. Portanto, se confundem, perdem gols, e o relógio vai passando a irritar quem tem mais. E motivar quem tem um a menos.
Uma pena que nosso melhor aluno tenha perdido justo esta aula. E desmontado seu belo time quando tinha tudo para matar o galo e servi-lo à sua nação em lugar mais confortável na mesa de classificação.
Cléo Hickmann
O TALISMÃ COLORADO
A equipe do Museu da Pelada veio fazer uma resenha com o Cleo Hickmann, uma das revelações da época em que o Inter era tricampeão brasileiro. O novo Beira-rio foi o cenário ideal pra contemplar o papo, relembrando os tempos de caldeirão infernal do anos 70.
Na primeira tentativa, tivemos a “sorte” do Gigante estar com as tradicionais luzes desligadas para uma manutenção. Azar de gravação, mas sorte nossa de poder trocar uma ideia com o simpático Cléo de forma irreverente como se fosse um velho amigo.
A segunda tentativa deu tudo certo: final de tarde com gigante iluminado pra ilustrar a epopeia do gaúcho de Venâncio que comandou o meio do campo do Internacional nos anos 80 e foi parar até no Barcelona!
NOS OMBROS DO PAI
por Claudio Lovato
O menino está sentado nos ombros do pai.
O pai está de pé, no primeiro degrau do anel inferior, e o menino olha para o campo, ouve o canto da torcida – coração disparado, olhos arregalados, a incapacidade de compreender tudo aquilo fazendo aumentar seu assombro.
É uma disputa por pênaltis. Instantes antes da última tentativa na série de cinco cobranças. Se o time do pai e do menino mandar a bola lá dentro será campeão. Senão, cobranças alternadas.
O pai fala alguma coisa para o menino, que só o menino ouve.
Há muito tempo, o pai do menino já esteve nos ombros de seu pai, naquela mesma situação. Ele faz agora com seu filho o que seu pai fez com ele, neste mesmo estádio, há muito tempo.
Mas ele, seu pai, o avô do menino que agora tem o coração aos galopes, nunca teve um pai que o colocasse nos ombros num estádio de futebol.
O pai do pai começou a ir aos estádios sozinho, por conta própria. No início, pulando muros, passando por buracos em cercas; depois, pulando catracas e então, mais tarde, pagando seu ingresso com o dinheiro suado dos primeiros empregos mixurucas, na companhia dos amigos.
O centroavante do time do pai e do menino corre para a bola.
A cabeça erguida.
O pé de apoio – o esquerdo – bem ao lado da bola, como deve ser.
O chute seco, rasteiro.
A bola rápida no canto.
O goleiro vencido.
A explosão da torcida.
A corrida dos jogadores em direção ao centroavante.
O time campeão.
O menino não resiste e chora nos ombros do pai, que pula e pula e pula, sendo agora o menino que nunca deixou de ser; naquele momento, pai e filho são dois meninos.
O pai do menino é um elo mágico, milagroso entre passado e presente, assim como o menino, seu filho, também será um dia.
Mas agora eles são apenas alegria, pura alegria.
Agora eles são dois espíritos em festa.
Na verdade, um só.
OS ESPECIALISTAS DA CAMISA 5
por Zé Roberto Padilha
Na vida de um atleta profissional de futebol, o objeto de cobiça, e de frustração, se apresenta empilhado na mão dos treinadores, em cores de coletes diferentes, a cada apronto da semana. Quando recebemos o colete reserva, tentamos provar a todo pique que o professor se enganara na escalação. Já com o de titular, bastava correr e provar que ele estava completamente justo e certo. Hoje, é o Diego é quem vive no Flamengo, semanalmente, este dilema.
No meu começo no Fluminense, não havia dúvidas: a 11 titular era do Lula. A mim, cabia receber o colete reserva da ponta, da meia ou, para colaborar e não sobrar do treino, na lateral esquerda. E as arquibancadas se divertiam com as investidas mortais de Wilton e Cafuringa para cima de mim. Era aprender a marcar, diminuir o espaço, ou pagar espetáculo para aposentados ou desocupados que sequer pagavam ingressos.
Como Rubens Galaxe, nosso coringa oficial, para sobreviver fui me virando em algumas posições, e até a camisa 7 no Bonsucesso usei, no estadual de 85, segundo as estratégias do meu treinador para tentar conter, no Maracanã, o lado esquerdo tricolor mortal formado por Branco, Tato e Assis. Foi em vão diante do tricampeão carioca. Aos 36 anos, me despedi por ali. A única camisa que não consegui jogar, mesmo em amistosos e, até na equipe de Master, foi a 5.
Cabeça de área não é lugar para ser ocupado por qualquer um. Você precisa ser, antes de tudo, um especialista na posição.
Os especialistas da camisa 5, que recebem bolas quadradas da zaga, e agora dos goleiros de linha, e, sem perde-las a repassam mais à frente aos pés dos que a tornam redondas, tem um segredo. Que vem do berço, ninguém ensina, e é o seu pulo do gato. Que os equilibra, mantém seu time de pé: eles dominam a bola com o pé de apoio, e deixam a perna boa, destra ou canhotinha, à feição para dar o passe. Um canhoto e não especialista como eu, precisa dominar a bola com a perna boa, dar o apoio na outra, buscar o equilíbrio e daí passar com a mesma canhotinha. São milésimos segundo preciosos na saída de bola.
Momentaneamente desequilibrado, você já ficou apertado, cercado e à mercê de um bote adversário mortal ante sua zaga desprotegida. E eles, os especialistas, realizam este movimento tão naturalmente que poucos notam. Só os que tentaram jogar por ali, como eu, sabem o valor deste segredo. Das artimanhas deste pulo do gato.
Denílson, o Rei Zulú, Carlos Alberto Pintinho, Zé Mário, Givanildo, Índio, do Americano, e Fio, do Esporte Clube Areal, foram os maiores especialistas que vi jogar nesta difícil posição. Sérgio Araújo vive a se virar por ali, Aírton às vezes se impõe e Guïnazu deu maus exemplos no Vasco não ficando em pé, abusando dos carrinhos, quando ele é quem deveria equilibrar a espinha dorsal.
Quarta, assistindo a Flamengo x Corinthians, descobri que há uma novo gênio da camisa 5 buscando espaço neste seleto grupo de especialistas. Uma pena que não é brasileiro. Cuéllar, é, hoje, no futebol brasileiro, o maior especialista da camisa 5. Uma espécie em extinção. Que o Abel, e a nação rubro-negra, o conserve em barris de carvalho. Pela reverência e espeito a mais difícil posição que vi ser ocupada no futebol.
O DIA EM QUE ROBERTO DINAMITE PROVOCOU A MAIOR EXPLOSÃO DE SUA VIDA
por Luis Filipe Chateaubriand
Depois de curta e fracassada passagem pelo Barcelona, Carlos Roberto de Oliveira, o Roberto Dinamite, voltava ao seu amado Vasco da Gama.
O reencontro entre ídolo e clube quase não aconteceu, pois o rival Flamengo queria o artilheiro.
Tornou-se célebre o diálogo entre o presidente rubro-negro e um repórter:
– Quanto o Flamengo pagará ao Barcelona? – pergunta o repórter.
– O Flamengo pagará ao Barcelona o mesmo valor que o Barcelona pagou ao Vasco da Gama! – responde Márcio.
– Mas o Barcelona ainda não pagou nada ao Vasco! – diz o repórter.
– Então, não será necessário o Flamengo pagar nada ao Barcelona! – responde Márcio, aos risos.
O fato objetivo é que, se o Bob Dinamite fosse para o Flamengo, formaria com Zico uma dupla das melhores de todos os tempos.
Mas, como o bom filho à casa torna, acabou voltando mesmo para o Vasco da Gama, nos idos de 1980.
A reestreia do ídolo foi em Recife, contra o Náutico, em um meio de semana, vitória cruz maltina por 1 x 0, gol de Guina.
Mas o melhor da festa estava reservado para o domingo seguinte… Em um Maracanã abarrotado de gente, com direito a Flamengo x Bangu na preliminar, o clube da cruz de malta sapecou cinco gols no Corinthians, com cinco gols do artilheiro de São Januário, um 5 x 2 que deixou o Timão na lona!
Dinamite fez gol de tudo quanto é jeito: gol da pequena área, gol com ajuda do “montinho artilheiro”, gol em passe magistral de Guina, gol em rebote do goleiro Jairo, gol lá do meio da rua!
Um, dois, três, quatro, cinco… Não contra um timinho mequetrefe, mas contra o timão de Sócrates!
A torcida vascaína, extasiada, comemorava o feito nas dependências do então Maior do Mundo. E, justamente no dia da sua volta, o artilheiro do sorriso largo e fácil tinha o seu dia de Pelé.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.