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O ACORDO DOS GÊNIOS

por Luis Filipe Chateaubriand


Em 1994, o craque Romário jogava no Barcelona, onde tinha como técnico o ex jogador genial Johan Cruijff. Era um time fantástico, composto de grandes jogadores do futebol internacional, mas em que o Baixinho despontava como a estrela da companhia.

Certa vez, próximo do Carnaval chegar, o abusado Romário fez o pedido inusitado ao técnico Cruijff: ao invés de três dias de folga no Carnaval, queria a semana inteira no Brasil.

A boa e velha marra do Baixinho…

Se fosse um líder autoritário e sem sensibilidade, Cruijff simplesmente negaria o pedido e o assunto estaria encerrado.

Mas Cruijff não era um líder medíocre, e sim um inteligentíssimo motivador de grupo. Voltou-se para Romário e disse assim:

– Ah, você quer uma semana de folga no Brasil? Tudo bem! Mas faz um favor para mim: faz dois gols nesse jogo que vamos ter contra o Atlético de Madrid e, depois, pode ir sossegado!

Imaginam o que aconteceu? Vou lhes contar…

Ao final do primeiro tempo, o Barcelona vencia o Atlético de Madrid por 3 x 0, três gols do Baixola!!!

Missão cumprida, Romário rumou para o aeroporto… com destino ao Rio de Janeiro, onde ficou por uma semana.

Quando voltou a Barcelona, na semana seguinte, ainda fez dois gols no próximo jogo, para o qual tinha chegado poucas horas antes.

Pois é: a habilidade de Cruijff para ser um excelente gestor de grupo, tirando do craque do time o melhor que ele pode dar, é proporcional à habilidade do Gênio da Grande Área (como o próprio Cruijff o apelidou) para fazer gols.


Nunca esquecerei que, naquele sábado, caminhava à tarde pelas ruas do bucólico bairro da Urca, no Rio de Janeiro, ouvindo futebol pelo walkman (nossa, que coisa velha…), quando foi anunciado o terceiro gol de Romário no jogo. O comentarista Sérgio Noronha, o Seu Nonô, resumiu tudo:

– O Baixinho é enjoado!!!

Por incrível que pareça, depois do intervalo, o Atlético de Madrid virou o jogo, e ganhou do Barcelona por 4 x 3; mas, motivado pela atitude do líder Cruijff, o Baixinho jogou o fino até o fim da temporada, levando o Barcelona à conquista do título Espanhol.

Craques, e líderes, decidem títulos.

Esclarecimento:

Segundo a versão de um canal de streaming, esta seria uma estoria mentirosa, pois Romário diz que saiu no intervalo do jogo em direção ao aeroporto, para embarcar para o Rio de Janeiro, logo após fazer os três gols.

O que posso afirmar é que não é mentira que ele fez os três gols, não é mentira que o Atlético de Madrid virou o jogo, não é mentira que ele veio para o Carnaval e ficou uma semana. Lembro perfeitamente, e ainda não estou gagá… Por outro lado, não creio que alguém com a credibilidade de Johan Cruijff fosse inventar algo desse tipo. A moral da estoria é verdadeira: craques, como Romário, e líderes, como Kruijff, fazem a diferença no futebol.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.

TODOS IGUAIS, MAS UNS MAIS IGUAIS QUE OS OUTROS

por Ivan Gomes


O título acima nos remete a uma frase de George Orwell em seu fantástico livro “A Revolução dos Bichos”, lançado em 1945. A frase também foi utilizada em 1992 pela banda gaúcha Engenheiros do Hawaii, na música “Ninguém é igual a ninguém”, que nos remetia ao final do governo Collor e seus escândalos. 

E em 2019, ela pode ser utilizada para o time, para mim seleção não existe mais, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que puniu Douglas Costa, de maneira correta, após cuspir em um adversário, mas não irá punir Neymar, que atingiu um torcedor com um soco há algumas semanas.

Por qual motivo a agressão de Douglas Costa foi punida e a de Neymar não? Acredito que o futebol reflete em muito a sociedade na qual está inserido e, com essa atitude, mostra que realmente as regras no Brasil não são para todos. Como diz um antigo ditado, “aos amigos a lei, aos inimigos os rigores da lei.”

Muitos podem dizer que o jogador do PSG não pode ficar fora, pois trata-se de uma competição importante, que a “seleção” precisa do título, entre outras desculpinhas insignificantes. Mas não podemos esquecer que o futebol é o esporte mais popular do país e adentra às casas de milhões de brasileiros e praticado por muitos jovens e crianças que aspiram um dia tornarem-se profissionais e defender a seleção.


Devido a quantidade de pessoas que são afetadas por essa modalidade esportiva, acredito que ela poderia ser utilizada para mostrar às crianças e adolescentes que todo ato tem consequências. Neymar é tido como ídolo por muitos desses jovens, que mau exemplo ele deu e exemplo pior dá a confederação ao não puni-lo.

Quem é amante do futebol sabe que não é somente um jogo, é muito mais do que isso, mas a competitividade não pode estar acima de questões morais e éticas. Se bem que a CBF e a maioria da classe política brasileira são antros de péssimos exemplos e estão muito longe de valores éticos/morais, basta lembrarmos dos escândalos que envolvem Ricardo Teixeira, Marin e Marco Polo, os três últimos presidentes desta entidade.

Mas se alguém está preocupado com a competição, basta lembrarmos que na Copa do Chile, em 1962, Pelé, o rei do futebol, se contundiu e não disputou a fase final, mesmo assim o Brasil sagrou-se bicampeão do mundo. Também sem Pelé, em 1963, Almir Pernambuquinho substituiu o rei e o Santos conquistou o bicampeonato mundial de clubes. Esses exemplos mostram que quem vence é o grupo, não somente um jogador.

Além de ser péssimo exemplo de comportamento fora de campo, o atacante do time da CBF também o é dentro. Trocar o Santos pelo Barcelona é até compreensível nos dias atuais, devido ao neocolonialismo que sofremos, como se tudo que fosse feito na Europa seja o correto e o restante do mundo tem que seguir seus padrões. Mas trocar o Barcelona por um PSG, aí vemos que algo não está relacionado somente ao futebol… 

Talvez por isso hoje seja difícil termos ídolos no futebol. Os últimos são Rogério Ceni e Marcos, que sempre defenderam com honra e orgulho as cores de seus clubes. Cássio, o atual goleiro do Corinthians, trilha esse caminho, todos eles com carreiras feitas nos clubes e conquistas importantes.


Acredito que para que o futebol brasileiro e o sul-americano no geral melhorar (afinal, são sul-americanos os maiores craques de todos os tempos: Pelé, Garrincha, Maradona, Di Stéfano) é preciso que ocorram mudanças nas gestões dos clubes, profissionalismo é fundamental, incentivo às categorias esportivas dentro das escolas e que os jovens parem de usar os principais clubes de seus países como trampolim para ser contratados por times médios e pequenos de outros continentes. 

Quando criança nos anos 80, o sonho da molecada era ser jogador e ídolo no Santos, Corinthians, São Paulo, Palmeiras… ninguém falava em Europa. Hoje, a maior parte só pensa em jogar fora do Brasil. Precisamos deixar o eurocentrismo de lado e valorizar mais nosso povo e cultura. E, fundamentalmente, fazer com que as regras sejam aplicadas a todos e todas, independentemente da ocasião.

Ivan Gomes é jornalista e professor

 

 

FALTOU APENAS A AULA DO EVARISTO

por Zé Roberto Padilha


Em nossa Universidade da Bola, o Fluminense FC, tivemos grandes e inesquecíveis mestres. O curso, para nossa geração, durou sete anos e quem teve o quadro negro à nossa frente foram professores do nível de Pinheiro, Telê Santana, Sebastião Araújo, Célio de Souza, Duque, Zagallo, Carlos Alberto Parreira, Didi, Paulo Emílio e Jair da Rosa Pinto. Mas no jogo de sábado, contra o Atlético MG, faltou ao nosso melhor aluno, que alcançou o Mestrado na Libertadores, o Doutorado no Mundial de Clubes, Abel Braga, uma aula do Evaristo de Macedo. Sua apostila, de como enfrentar um time com um jogador a mais, foi realizada na concentração do Ninho das Cobras, do Santa Cruz FC, no bairro de Águas Finas, em Recife. Neste dia, Abel se encontrava longe dali. Fazia seu intercâmbio em Paris.

Nosso sábio mestre nos dizia que a primeira providência de quem tem um jogador a mais é “desafunilar” o jogo. O adversário vai se fechar, como um funil, e você precisa aumentar o campo para ter o espaço concedido pela ausência deste jogador a seu favor. Isto é, manter sua espinha dorsal intacta para não ceder ao impulso natural de se atirar à frente, não mexendo com seus dois zagueiros, tendo um Cuellár iluminado à frente, seus armadores, Arrascaeta ou Diego, em campo com Gabigol centralizado para garantir o equilíbrio e o toque de bola arduamente alcançado.


Depois, aumentar o peso dos flancos, trocando René pelo Éverton Ribeiro e Pará pelo William Arão. Estes dois teriam a missão de criar jogadas com Bruno Henrique e Vitinho pelos flancos para alargar a boca do funil. E dizia mais, quanto mais atacante você colocar, mais a zaga e o goleiro adversário irão se consagrar, virar heróis depois da partida, pois o bombardeio será realizado com bolas lançadas de frente. Não tabelada pelos lados e trabalhadas às costas da zaga atleticana.

Evaristo de Macedo costuma ser constantemente exaltado, com toda justiça, pelos seus feitos como jogador. Porém, poucos sabem do mestre estrategista que se tornou. Das sábias lições que sobem à tona quando um adversário perde um soldado e seu exército, no lugar de procurar os flancos, passa a atacar de frente com um monte de atacantes que jamais realizaram juntos esta missão. Portanto, se confundem, perdem gols, e o relógio vai passando a irritar quem tem mais. E motivar quem tem um a menos.

Uma pena que nosso melhor aluno tenha perdido justo esta aula. E desmontado seu belo time quando tinha tudo para matar o galo e servi-lo à sua nação em lugar mais confortável na mesa de classificação.

Cléo Hickmann

O TALISMÃ COLORADO

A equipe do Museu da Pelada veio fazer uma resenha com o Cleo Hickmann, uma das revelações da época em que o Inter era tricampeão brasileiro. O novo Beira-rio foi o cenário ideal pra contemplar o papo, relembrando os tempos de caldeirão infernal do anos 70.

Na primeira tentativa, tivemos a “sorte” do Gigante estar com as tradicionais luzes desligadas para uma manutenção. Azar de gravação, mas sorte nossa de poder trocar uma ideia com o simpático Cléo de forma irreverente como se fosse um velho amigo.

A segunda tentativa deu tudo certo: final de tarde com gigante iluminado pra ilustrar a epopeia do gaúcho de Venâncio que comandou o meio do campo do Internacional nos anos 80 e foi parar até no Barcelona!
 

 

NOS OMBROS DO PAI

por Claudio Lovato


O menino está sentado nos ombros do pai.  

O pai está de pé, no primeiro degrau do anel inferior, e o menino olha para o campo, ouve o canto da torcida – coração disparado, olhos arregalados, a incapacidade de compreender tudo aquilo fazendo aumentar seu assombro.

É uma disputa por pênaltis. Instantes antes da última tentativa na série de cinco cobranças. Se o time do pai e do menino mandar a bola lá dentro será campeão. Senão, cobranças alternadas.

O pai fala alguma coisa para o menino, que só o menino ouve. 

Há muito tempo, o pai do menino já esteve nos ombros de seu pai, naquela mesma situação. Ele faz agora com seu filho o que seu pai fez com ele, neste mesmo estádio, há muito tempo.

Mas ele, seu pai, o avô do menino que agora tem o coração aos galopes, nunca teve um pai que o colocasse nos ombros num estádio de futebol. 

O pai do pai começou a ir aos estádios sozinho, por conta própria. No início, pulando muros, passando por buracos em cercas; depois, pulando catracas e então, mais tarde, pagando seu ingresso com o dinheiro suado dos primeiros empregos mixurucas, na companhia dos amigos.

O centroavante do time do pai e do menino corre para a bola.

A cabeça erguida.

O pé de apoio – o esquerdo – bem ao lado da bola, como deve ser. 

O chute seco, rasteiro.

A bola rápida no canto.

O goleiro vencido.

A explosão da torcida. 

A corrida dos jogadores em direção ao centroavante.

O time campeão.

O menino não resiste e chora nos ombros do pai, que pula e pula e pula, sendo agora o menino que nunca deixou de ser; naquele momento, pai e filho são dois meninos.

O pai do menino é um elo mágico, milagroso entre passado e presente, assim como o menino, seu filho, também será um dia. 

Mas agora eles são apenas alegria, pura alegria.

Agora eles são dois espíritos em festa. 

Na verdade, um só.