O VASCO DO JOÃO; O JOÃO DO VASCO
por André Felipe de Lima
O garçom Tiãozinho, do bar Degrau, no Leblon, quase que diariamente, durante pouco mais de 40 anos, entregava quentinhas no apartamento do recluso músico e cantor João Gilberto, que partiu neste sábado, 6. Construíram uma amizade, mas não graças à música que João ajudou a revolucionar com sua nota diferenciada ao violão. O papo era quase que restrito aos dramas, vitórias e títulos do Vasco da Gama, o time do coração de ambos. Sempre que retornava de um show, João telefonava para o Degrau e perguntava à moçada do bar qual foi o resultado do jogo do Vasco, como bem lembrou o ótimo blog Kike da Bola.
João Gilberto jamais escondeu que gostava do Vasco, mas se dizia um torcedor tímido. Mas vamos combinar, meus caros. Uma timidez inegavelmente eloquente. Falar do Vasco era um prazer para ele, que gostava de papear sobre futebol. Em uma entrevista que concedera à revista Veja, disse que Neymar era o “cara” e que estava encantado pelo time do Santos, que papava tudo no futebol paulista. Talvez, nos últimos anos de vida, essa admiração por Neymar tenha ido pras cucuias.
Com João Gilberto protagonista, a Bossa Nova começou a ganhar o mundo no final dos anos de 1950. O Vasco dele também lhe proporcionava alegrias com os títulos inesquecíveis de campeão carioca em 1956 e 58 e, especialmente, com a dupla de zaga Orlando Peçanha e Bellini do escrete campeão do mundo na Suécia, em 58. Na década seguinte, enquanto João era mundialmente reverenciado, o Vasco amargava a escassez de títulos, mas, supreendentemente, em 1965, ano em que João se casou com a cantora Miúcha, irmão do fanático tricolor Chico Buarque, o Cruz-maltino foi campeão da primeira edição da charmosa Taça Guanabara. O genial músico certamente se sentiu realizado com o Vascão.
Como precisamente escreveu o Kike da Bola, João Gilberto foi um cruz-maltino bossa nova.
Macedo
multicampeão
por Marcelo Soares
Marcamos o encontro num shopping da cidade de Americana. No dia em que eu ficava mais velho tive o privilégio proporcionado pelo Museu da Pelada de almoçar e passar um dia com Macedo. Bicampeão da Libertadores e do Mundial de clubes pelo São Paulo.
Após o almoço, fomos até o estádio Décio Vitta, casa do Rio Branco. Clube que o revelou para o futebol. No Rio Branco, conquistou o acesso à primeira divisão e foi artilheiro do campeonato paulista pelo clube com 14 gols, campanha que o fez ser contratado pelo São Paulo, onde viu sua carreira decolar.
De família humilde, Macedo pode ajudar seus pais e seus irmãos através do futebol. E, como ele mesmo diz, teve a oportunidade de conhecer o mundo através do esporte e de jogar com grandes craques.
Macedo nos contou como era dividir o campo com craques no histórico time tricolor do início dos anos 90, os melhores companheiros que teve dentro de campo, histórias com Ronaldo Fenômeno e Ronaldinho Gaúcho, a vitória no Maracanã sobre o Flamengo e muitas histórias curiosas protagonizadas por ele e Telê Santana.
Confira no Museu da Pelada!
MENDONÇA, A BOLA, O BOTA E O MUNDO
por Leandro Costa
A paixão de Mendonça pela bola veio de berço. Filho do ex-zagueiro do Bangu, também conhecido como Mendonça, Milton da Cunha Mendonça iniciou sua carreira, aos 12 anos, no dente de leite do alvirrubro mas logo transferiu-se para o Botafogo, onde chegou aos 13 anos, em 1969, para marcar seu nome na história do Glorioso. Muitas pessoas pensam que Mendonça não conquistou nenhum título de expressão pelo alvinegro, ledo engano. Mendonça foi Campeão Mundial Juvenil em Croix, na França, em 1973, campeonato oficial, organizado pela FIFA, defendendo o seu amado Botafogo.
O meia, aos 17 anos, foi um dos principais destaques da equipe. A competição contou com os seguintes participantes: Nancy, Nantes e Iris, todos da França, Milan (Itália), Glasgow Rangers(Escócia), Benfica (Portugal), Schalke 04 (Alemanha), Legia (Polônia), Anderlecht (Bélgica), Ajax (Holanda) e Dynamo de Kiev (União Soviética).
Confira abaixo a campanha do alvinegro carioca:
Fase classificatória:
Botafogo 1×0 Nancy (Gol: Antônio Carlos)
Botafogo 1×1 Schalke 04 (Gol: Tiquinho)
Semi-final:
Botafogo 0x0 Milan (3×0 em escanteios)
Final (11/06/1973):
Botafogo 2×0 Dynamo de Kiev (Gols: Tiquinho (2), na prorrogação).
Os campeões:
1. Zé Carlos – José Carlos Pessanha
4. Nei Barros – Antônio Carlos de Oliveira Barros
2. Carlinhos
3. Bruno Ferretti
6. Dodô – Salvador Jerônymo da Silva
5. Luizinho Rangel – Luiz Ronaldo Nunes Rangel
8. Mílton da Cunha Mendonça
7. Leônidas
9. Sérgio
10. Antônio Carlos Araújo de Figueiredo
11. Tiquinho – Onofre Aluízio Batista
12. Júnior (goleiro)
13. Róbson Peres do Nascimento (zagueiro-central)
14. Mário (volante e zagueiro-central)
15. Letinho (ponta-de-lança)
16. Severino (ponta-de-lança)
Técnico: Manoel dos Santos Victorino (Neca)
Mendonça se profissionalizou no alvinegro em 1975 e jogou até 1982. Viveu boa parte do incômodo jejum de 21 anos sem títulos no futebol profissional, apesar de participar de grandes times do alvinegro, como por exemplo, o time de 1977/1978 que possui a maior invencibilidade do futebol brasileiro: 52 jogos, ao lado rival da Gávea e também do time que eliminou o rubro-negro nas quartas-de-final do Brasileiro de 1981, quando marcou o histórico gol “Baila Comigo”.
Dono de uma rara categoria, simbolizou a esperança de toda uma geração de Botafoguenses. Hoje ele nos deixa no plano físico para entrar no panteão dos imortais botafoguenses.
Ídolo, craque, imortal, Campeão Mundial Juvenil. Nada significava mais para Mendonça do que o título de: Mendonça do BOTAFOGO. Como ele mesmo declarou, não era jogador do Botafogo, era torcedor do Botafogo.
Fontes de consulta:
Site: http://rsssfbrasil.com/miscellaneous/botaout.htm#croix
Site: http://www.melhoresdabase.com.br/noticias/botafogo-campeao-infantil-do-torneio-de-croix-de-1973.html
MENDONÇA, A ESTRELA SOLITÁRIA
por Luis Filipe Chateaubriand
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, o meia atacante Mendonça, que morreu ontem, era o único jogador de qualidade técnica elevada do Botafogo carioca e, por isso mesmo, o único ídolo da torcida alvinegra.
Uma das características de seu excelente futebol era o chute preciso. Finalizava com as duas pernas com precisão, a curta ou a longa distância.
Outra característica de seu excelente futebol eram os passes e lançamentos, precisos tanto a perto como a longe.
Mais uma característica do craque eram os dribles, audazes, maliciosos, insinuantes!
A fera também correspondia nos cabeceios, precisos, angulares, certeiros.
E o monstro ainda tinha visão de jogo privilegiada, enxergando à frente de seus pares.
Como uma andorinha só não faz verão, Mendonça não conseguiu dar um título ao Botafogo. Assim, seguiu seu rumo para terras paulistas – Portuguesa, Palmeiras, Santos. Sempre encantando as torcidas com seu futebol de rara beleza.
Sua carreira ficou eternizada por um golaço que fez, jogando pelo Botafogo, contra o Flamengo, em jogo pelo Campeonato Brasileiro de 1981. Terceiro gol de uma vitória de 3 x 1, no final do jogo, eliminou o rival e colocou o alvinegro nas semifinais. Um drible humilhante em Junior, que está procurando a bola até hoje, concluindo para o gol.
Na época, passava a novela “Baila Comigo”, em que Tony Ramos interpretava magistralmente dois irmãos gêmeos. Como, no golaço, Mendonça botou Junior para dançar, e o rival rubro-negro dançou, este ficou conhecido como “O Gol Baila Comigo”. Genial!
Mendonça morreu. Mendonça é eterno!
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.
MEU SARRIAZO PARTICULAR
por Rodrigo Octavio Souza
O dia 5 de julho de 1982 foi o primeiro em que me lembro de ter visto os meus pais chorando. Do alto dos meus cinco anos incompletos, sabia apenas que tinha a ver com a Copa do Mundo e com o “Canarinho”. Algo estranho para quem tinha se acostumado a viver em meio à euforia nos 20 dias anteriores.
A chuva de papel picado caía das janelas e inundava as ruas de Icaraí, onde eu morava, à medida que o genial escrete (ainda se usava essa palavra) do igualmente genial Telê Santana enchia as redes dos rivais de gols. E haja trabalho para os garis, afinal, foram 15 em cinco jogos.
Mas, de repente, o colorido das paredes pintadas e dos bandeirões pendurados de um lado ao outro da rua virou cinzas. A alegria e os gritos de gol transformaram-se em um nó na garganta. No máximo, em um pranto sentido e sofrido.
Sofremos pelos pés de um atacante que ficará mais de um ano suspenso, acusado de envolvimento com manipulação de resultados no “calcio”. Pela primeira vez na minha vida, ouvi a palavra “carrasco”. Palavra cujo sentido, descobri depois, é empregado em contextos muito piores. Mas que se aplicava perfeitamente ao que aconteceu naquele verão mediterrâneo.
Havia, e há, coisas piores no mundo. O próprio Brasil vivia o início da “década perdida”, nos estertores de um regime falido e atolado na hiperinflação e na dívida externa. Mas sob a ótica particular do futebol, que tudo vê com uma lente de aumento, o que se passou no Sarriá foi, sim, uma tragédia.
Como tal, ainda dói quando se remexe, em especial, nas efemérides como essa dos 37 anos da fatídica partida contra os italianos. Mas, contraditoriamente, tanto tempo depois da dramática peleja, posso dizer que o que aquele time me deixou mesmo é um enorme sentimento de orgulho e gratidão por ter me acendido a fagulha da paixão por esse esporte, tão divino quanto diabólico.
Para além do resultado, aquela equipe legou ao mundo o ideal do “jogo bonito”, que volta e meia é emulado por equipes como o histórico Barcelona de Guardiola do começo desta década. Aliás, sempre que pode, o treinador faz questão de falar do impacto que aquela seleção teve sobre o então menino catalão de 10 anos, na gênese do esquadrão blaugrana de Messi e no seu próprio conceito do jogo.
Quase tudo já foi dito ou escrito sobre aquela partida, mas o fato é que a Itália jogou melhor. Tirou os espaços, anulou nossos pontos fortes, fez o jogo perfeito.
Aliás, ninguém jogou mais bola do que a Azzurra na primeira quinzena de julho de 1982. Não tinham a magia brasileira, mas eram organizados e, sobretudo, excelentes tecnicamente. Só obediência tática não seria capaz de deter Zico, Sócrates e companhia.
Não ter ganho aquele Mundial deixa o coração dolorido, claro. Poucas não foram as vezes que, num exercício de imaginação, “vi” o Doutor erguer o caneco depois de botarmos na roda a ótima, mas exausta, Alemanha (olha ela aí!) de Rummenigge, Briegel e Magath. Jamais saberemos o que aconteceria com o futebol mundial caso o Brasil conquistasse a Copa. Nada garante que, ainda assim, não seria trilhado o caminho da cautela defensiva, que resultou no pífio Mundial de 90, coincidentemente disputado na Velha Bota.
A única certeza que eu tenho é que nunca mais vi meus pais chorando por causa de futebol desde aquele dia 5 de julho de 1982.