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CAREQUINHA, O BOTECO E O FUTEBOL

por Paulo Escobar


Num boteco de madeira debaixo de um viaduto na radial leste é possível ver a paixão nas paredes daquele canto. Sentado no seu sofá, olhando aquela TV de tubo é possível pedir um cigarro solto ou uma dose de cachaça.

Carequinha, como é conhecido, serve cada maloqueiro daqueles quase 300 que passam por dia, alguns para desabafar e outros para pedir fiado, apesar da placa: “Fiado nem na bala”.

Ali foi construído um verdadeiro altar ao Palmeiras, ali é sofrimento e alegria rolando solta. Naquela radial leste sentido Itaquerão, muitos corintianos já gritaram alguma provocação a caminho do estádio.

E justamente nos clássicos que Carequinha não permite que os rivais assistam o jogo no seu boteco, pois dá azar o rival no mesmo ambiente.

A seleção da CBF naquele espaço não é tão importante quanto os jogos do Brasileiro. Sagradas são as rivalidades e zoeiras em dias de jogos.

Para Carequinha, Palmeiras tem mundial, e naquela parede de madeira encontra-se uma foto de revista com Ademir da Guia, pois cada um tem seu Deus e nós, como inter religiosos, o respeitamos.

Um dia, um ônibus da Mancha Verde a caminho do estádio parou naquele boteco, e levou Carequinha ao estádio. Foi o dia que Carequinha conheceu a Arena. Lugar no qual só poderia estar graças a essa atitude.

Em dias de jogos decisivos, os moradores de rua da maloca prestam atenção ao que ocorre no boteco. Acontece que em dias de jogos decisivos ou de títulos, Carequinha abre uma caixa de corote e distribui para a geral. Acredito que mais de um torcedor rival torceu pelo Palmeiras, pois cachaça de graça pra quem tem dificuldade em comprar não é todo dia.

No bar do Carequinha debaixo do viaduto Alcântara é vivido o futebol da forma mais raiz possível, ali aonde os deixados à margem dos estádios e canais fechados ainda vivem suas paixões no rádio.

Sim ali no boteco da maloca ouvir jogo no rádio ainda é tradição. Ali a paixão é vivida de forma muito intensa, pois muitas vezes debaixo de um viaduto de uma cidade rica, que destina milhares à pobreza, a única coisa que não se tira é a paixão.

Por mais que muitos insistam em transformar o futebol em esporte de gente rica, nas malocas a paixão intensa e de coração não será roubada.

 

PORTUGAL CAMPEÃO DA EUROPA

por Luis Filipe Chateaubriand


Muitos não imaginam isso, mas não sou brasileiro. Embora more no Brasil há 45 anos, dos meus 48 de vida, nasci na cidade do Porto, em Portugal.

Assim, as raízes portuguesas fazem parte de meu ser. Isso me levou, por exemplo, a ser torcedor do Vasco da Gama, o clube da maioria dos portugueses do Rio de Janeiro.

Fã, amante e apreciador das coisas de Portugal que sou, em 2004 me direcionei para assistir à final da Copa Europeia de Seleções. Na casa do meu pai, nos preparamos para ver Portugal x Grécia, a final, realizada em Lisboa, pela TV.

A jornada não foi feliz: Portugal perdeu. Fomos vices, derrotados jogando em casa. Gosto amargo na boca, para mim e para meu querido pai.

Se passaram 12 anos e, em 2016, Portugal chega novamente à final da Copa Europeia de Seleções, em uma final em Paris contra a França.

Jogamos na casa dos anfitriões, o time deles era melhor, perdemos Cristiano Ronaldo ainda no início do jogo. Ainda assim, contra tudo e contra todos, vencemos de 1 x 0.

Ao momento que Helder faz o gol que viria a ser o do título, grito e choro como uma criança! Ao apito de fim de jogo, danço de alegria!


E penso em meu pai, falecido em 2015, ano anterior, e falo a ele mentalmente: “Meu velho, essa é para você!”.

É curioso, pois há muito tempo não tenho esses arroubos com glórias ou decepções futebolísticas – seja quando o Vasco da Gama está em ação, seja em relação à própria Seleção Brasileira. Mas, quando Portugal vence e se sagra campeão, é como voltasse a ser criança. Por que será? 

Sem dúvida, homenagem ao meu velho, por quem choro de saudades enquanto escrevo estas linhas. Ao povo português, do qual tenho honra de fazer parte. E a Portugal, nação valente e imortal!

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.

A TAÇA DE CRISTAL

por Zé Roberto Padilha


Nielsen Elias foi um grande goleiro. Chegou em 1968 às Laranjeiras com 16 anos. E foi ficando junto comigo, Abel Braga, Marinho, Rubens Galaxe, Silvinho e Marco Aurélio até 1975. Ganhamos muitos títulos, perdemos outros e nos tornamos grandes amigos. Mas o que nos chamava a atenção era a sua dificuldade de jogar na linha. Não sabia driblar, chutava mal, tinha mesmo que ser goleiro. E que goleiro. Nos treinos recreativos divertia a gente jogando de centroavante. O gol não era mesmo a sua praia. Em compensação lá, debaixo de paus, vi poucos arqueiros parecidos.

Dezoito anos depois nos reencontramos nas Laranjeiras. Era o treinador de goleiros dos profissionais e eu técnico dos Juniores. E ao vê-lo bater bola com o Wellerson, fiquei impressionando: já chutava tão bem ou melhor que o treinador profissional, que era nada menos que o Edinho. Nielsen se aprofundou neste fundamento, essencial para sua nova profissão e importante nos dias de hoje na vida de um grande goleiro.


Foram dezoito anos, não seis meses. É neste exíguo tempo que o Fernando Diniz quer exigir que aquele cara ruim de bola, que desde criança, por falta de habilidade com os pés, foi convidado a ir para o gol e usar as mãos, se adapte ao seu sistema de jogo. E saia jogando com os pés. O resultado? São obrigados a fazer o que não sabem.


E os treinadores, como o do Bahia, orientam seus Gilbertos para dar o bote. Uma vez perdida a bola, não há cobertura. Eles, os goleiros, são nossas ultimas fortalezas.

Não culpem nossos goleiros tricolores. Esta nova função precisa ser repassada, em Xerém, aos treinadores de goleiros dos infantis, juvenis e juniores. Iniciar tal jogada pelos profissionais, é como entregar nas mãos de seu neto, de 3 anos, uma taça de cristal inglesa que pertenceu a seus avós. Como em toda bola atrasada pelos zagueiros tricolores, vamos ficar rezando na sala para que eles não a deixem cair.

PALMEIRAS 1993/1994

por Marcelo Mendez


Domingo, 19h15min da noite, Vale do Anhangabaú, numa boca da noite de 1992. Triste.

De rosto colado na janela de um velho ônibus da Cmtc caindo aos pedaços, eu ouvia o silêncio. Talvez o único barulho que pudesse ser escutado ali era nosso orgulho alviverde despencando por mais um ano de fila. Eu voltava do Morumbi após mais uma derrota.

Havia sido um ano duro.

O Brasil passava por transformações, a pátria verde amarela acabara de sofrer um impeachement, um governo caiu de podre e de tudo mais. A nossa moeda chamava cruzado novo, viraria uma outra coisa que a gente não sabia o nome, os amores eram de plástico e o time, meu Palmeiras… Ahhhh o Palmeiras…

Naquele domingo, o Palmeiras tinha acabado de levar um passeio do São Paulo que voltava do Japão campeão do mundo, para fazer a festa em cima da gente. Perdiamos a decisão do Campeonato Paulista e mais um ano de fila havia sido somado à nossa conta. Já eram 17 ao todo. Tava doendo.

Ali, naquele bar do vale, eu afogava minha dor num balde de Dreher com cacau, ouvindo músicas suspeitas e vendo rostos pouco receptivos à minha pessoa. Não sabia o que podia acontecer, o que viria pela frente, a sensação era que aquela dor jamais ia acabar. Mas eis que chega 1993 e pra nossa alegria, as coisas mudariam por conta desse time que falaremos hoje.

ESQUADRÕES DO FUTEBOL BRASILEIRO traz a vocês a máquina verde do Palmeiras 1993/1994

FUTEBOL E FÁBRICA DE LEITE?


Ninguém sabia muito bem que diabo era aquele troço, “Parmalat”.

Sabíamos que vendiam leite e tal, mas no futebol? O que queriam? Nos falaram de uma nova concepção de gestão esportiva, uma melhora na administração do futebol do clube e tudo mais, todavia, os primeiros indícios foram estranhos.

Começa pela mudança na camisa do Palmeiras, que deixou de verde da cor do mar de Amalfi, para ser uma camisa riscadinha, verde clara, meio triste, estranha. Depois os jogadores, tudo bem, Jean Carlo, Maurilio, Carlinhos, Edinho, bons jogadores, mas caramba, era isso que queriam que acreditássemos?

Pois bem. 1992 acabou com um honroso segundo lugar no Paulista, mas precisávamos de mais. Sendo assim 1993 veio para o patrocinador abrir o bolso. Chegam no Parque Antartica, Roberto Carlos, lateral esquerdo vindo do União São João de Araras, Antonio Carlos voltando da Espanha, Edmundo do Vasco, Edilson do Guarani, para se juntar a Mazinho, Sampaio, Zinho. O time encorpava e o resultado não podia ser diferente…

ACABOU A MISÉRIA

A final do Paulista 1993 foi o titulo para lavar a alma.

A fila acabava com o Palmeiras voando para cima do Corinthians, foi um 4×0 inapelável. Dessa forma, o time cria casca e com os reservas, vence o Corinthians novamente no Rio-São Paulo e entra com tudo no Brasileirão.

Campeão em cima do Vitória, nadando de braçada. Acabava a miséria; O Palmeiras voltava a ser campeão.

1994, A MÁQUINA VERDE!


Fernandez, Claudio, Antonio Carlos, Cleber e Roberto Carlos. Cesar Sampaio, Mazinho, Rincon e Zinho. Edmundo e Evair.

!!!!

Esse time do Palmeiras de 1994 no primeiro semestre daquele ano, foi um espetáculo.

Passearam em cima de todo mundo, venceu o Campeonato Paulista, amassou o Boca Juniors na Libertadores e mesmo após a débâcle após a Copa, seguiu firme e venceu o Campeonato Brasileiro daquele ano, conquistando um bi com sobra, com elegância, com força.

Passou por todas as fases jogando um futebol com excelência, venceu o Corinthians na decisão e marcou o seu lugar na história com 5 títulos conquistados em 18 meses. Passa a fazer parte do seleto grupo de grandes times do Palmeiras e aqui nesse humilde espaço também.

Esquadrões do Futebol Brasileiro saúda aqui o Palmeiras de 1993/94

O TIC TAC TAMBÉM É FILHO DE XERÉM

por Zé Roberto Padilha


Sei, como jornalista e estudante de História, o trabalho que dá pesquisar rastros e pegadas sobre qualquer ação humana realizada no passado. Os arqueólogos que o digam. Pior, só mesmo quando você é quem construiu a Pirâmide e está vivo observando a memória frágil do futebol encobrindo-a. E entre deixar que cada vez mais a nossa construção tática se afunde, e sejamos taxados de vaidosos, até prepotentes, ou retirar cada pó que encobre nosso trabalho tático, o 55 Reversível, optei em lutar, três décadas após sua concepção, por sua autoria. O Pep Guardiola que nos perdoe e não durma esta noite sob o fog londrino. E o Fernando Diniz que se orgulhe de ter criado depois um sistema parecido. O que importa é mostrar a vocês que o Tic Tac, bem como Pedro e o João Pedro, é também filho de Xerém.

Ao começar nossa carreira de treinador por lá, em 1987, sentimos que nossos atletas, 80% deles vindos do Futsal das Laranjeiras, tomavam um susto com as dimensões do seu novo campo de ocupação. Hábeis, talentosos e acostumados a atuarem próximos uns dos outros, levavam um enorme tempo para se adaptar. E o campeonato carioca infantil estava chegando e começaria o julgamento do nosso trabalho. Então, criamos três quadras de futsal dentro do campo demarcadas por duas linhas intermediárias. E treinamos sua ocupação ordenada à exaustão. Na quadra do meio, era obrigatório dar dois toques na bola.


Deu tão certo que levantamos os títulos infantis, em 87, o juvenil, 89, e editamos um fascículo naquele ano denominado “Tríplice Ocupação com Dupla Função”. Segundo nossos atletas, “era uma toqueira danada para cima dos adversários não tão compactados.” Em 90, com o apoio da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, apoiado pelo professor Ivan Cavalcanti Proença, editamos o livro “55 Reversível”, sistema tático de futebol. E o lançamos em uma palestra no Salão Nobre do Fluminense FC.

E quando esta talentosa geração alcançou os juniores, e encantava Telê Santana nos treinamentos coletivos com sua posse de bola, um diretor do clube, o ex-árbitro Walquir Pimentel, pagou do próprio bolso o salário do mês dos funcionários e atletas. Numa sociedade cada vez mais capitalista, se tornou um semideus nas Laranjeiras e passou a receber de volta passes dos atletas. Surgira ali o diretor empresário no lugar do diretor amor à camisa e….o sonho terminou. Fui dispensado e poucos jogadores foram aproveitados. Era melhor trazer o Bobô, do Bahia. E Juninho e Macula, do Bangú. Estavam há algum tempo no mercado, dava para negociar. Quanto aos meninos e seu treinador, melhor esperar ou dispensar.

Hoje, quando o time do Fluminense realiza no Maracanã o que sepultaram lá atrás, em Xerém, Paulo Alexandre, nosso ponta que se tornou professor e escritor, Cadú e Leonardo, que foram campeões em 95, nos ligam e postam sua indignação. “Professor, nós fazíamos isto lá atrás!” E eu, antes tarde do que nunca, que já lutei pelas Anistia, Diretas Já e saio às ruas por Lula Livre!, resolvi lutar pela autoria da própria obra. Que, acima do nosso amor pelo clube, é tricolor. O Tic Tac, acreditem, também é um filho talentoso e esquecido de Xerém.