CORINTHIANS, ODEIO TE AMAR
por Marcelo Mendez
Dando uma volta pela vida, parei em um ponto de ônibus no final de 2012, onde escutei um sujeito dizer a outro o seguinte:
– Rapaz vou te falar; Não peço nada a Deus. Não quero dinheiro, não quero um trabalho melhor, não quero aumento de salário, não quero mulher bonita nem nada. A única coisa que peço ao divino é que o Corinthians perca amanhã para o Chelsea…
Discretamente dei um sorriso, peguei meu ônibus e me pus a pensar a respeito. Que coisa maravilhosa e maluca é essa coisa do futebol. O sujeito, independente de qualquer outra coisa da vida, acima de qualquer suspeita ou razão, em detrimento até de sua própria alegria, de seu possível bel prazer, quer porque quer a todo custo o azar de um outro clube rival. Mas a questão é essa mesmo, não é qualquer clube esse que falamos.
Corinthians.
Lembrei-me de minha relação com esse clube e de como isso tudo começou. Era o longínquo ano de 1976, quando eu era um menino. Um onírico e belo menino de 6 anos de idade, num subúrbio de sonhos. De um tempo que infelizmente não existe mais. Dado momento daquele ano, lembro de meu saudoso Tio Bida, irmão de minha mãe que chegou em casa com um embrulho e me disse:
– Olha só, isso pra você jamais esquecer do ‘nosso’ Corinthians”.
Achei estranho o nome, mas gostei porque era uma palavra que não fazia parte de meu tenro vocabulário, “Corinthians”, coisa pomposa! Então, ele me deu o embrulho, não sem antes recomendar:
– Não fala nada pra teu pai, hein?
Disse isso com entonação de detetive da famigerada KGB. Via das dúvidas disse a ele que seguiria tal conselho, mais por conta do meu interesse pelo embrulho, do que por espírito de corpo de parceiros. Então abri…
Uma bola de capotão! Novinha, 32 gomos, nº5, coisa linda! Meus olhos brilharam! Imediatamente saí a correr pelo velho quintal do Parque Novo Oratório feliz da vida. Brinquei a tarde toda como o mais feliz dos homens, com uma alegria que jamais sentirei na vida. Nem me lembrei, no entanto, do compromisso firmado do segredo e então quando meu pai chegou, eu bati na bola pra o velho me devolver o passe. Ele recebeu a pelota, controlou com classe e elegância, de repente parou e viu alguma coisa que o deixou bastante irritado. Pegou a bola, segurou debaixo do braço e veio em minha direção:
– Quem te deu isso?!
– Foi o Tio Bida!
– E por que você aceitou?!”l
– Ué, porque eu gosto de jogar bola. Me devolve ela! – Falei com força!
– Não! Eu mesmo vou te dar uma bola, mas a bola certa! Você ta vendo esses nomes aqui escritos nela?? Tobias, Basílio, Zé Maria, Vaguinho, Romeu, Geraldão… São nomes de jogadores do Corinthians!! Meu filho, nunca mais na sua vida queira nada do Corinthians!! Deixa que eu vou te dar uma bola do PALMEIRAS!!
– Mas eu gostei dessa!
– Não me fala mais isso! Essa eu vou levar pro seu primo Serginho, que sei lá o porquê, gosta desse time. Aproveito e compro outra bola pra você!
Resoluto, eu chorei. Acho que foi a primeira vez na minha vida que fiquei bravo com meu pai. Claro que na inocência de criança isso passou logo que chegou a bola do Palmeiras. Mas aí, meio que meu pai conseguiu. Me deu uma raiva danada daqueles tais nomes de jogadores do Corinthians escritos na bola.
– Chatos, me tomaram meu brinquedo! Também não gosto mais deles, sou palmeirense!”– E assim começou nossa relação de rivalidade:
– Eu sou Palmeirense e não devo gostar desses caras do Corinthians!
Mas logo saquei que seria difícil…
De menino, vi a festa que eles fizeram um ano depois em 1977. Vi meu primo Serginho chorando, correndo em minha direção pra me abraçar e dizer:
– Primo, sou campeão, porra!
E como eu fiquei feliz por ele! Fiquei, mas não contei pra ninguém! Afinal, como palestrino não pegaria bem! Aí começou a dureza de minha vida de torcedor. Enquanto meu time amargava a escassez de títulos, o tal do Corinthians era campeão ano após ano. E eu lá… torcendo contra!
Veio 1982 e a Democracia Corinthiana. E o legal era ser corinthiano por motivos muito maiores que o jogo de bola. O Corinthians era o time da moda. E eu torcendo contra… E como era gostoso ganhar deles! Teve la o 5 a 1 de 1986, no mesmo ano teve a virada pela semifinal do Paulistão, também o 3 a 0 e, cara, como eu ficava contente! Queria eu ir lá zuar os caras, vê-los tristes e até conseguia. Até a página 2, porque eles já levantavam a cabeça, tocavam o bonde e diziam…
– Ser Corinthiano é bom toda hora. Se não der agora, vai dar o ano que vem!
E seguiam lidamente apaixonados.
No meu íntimo de palmeirense eu pensava “Como deve ser bom sentir isso. Mas isso é coisa do corinthiano, eu não sei como é e não quero saber!”. Ilusão, doce ilusão…
Caro amigo leitor que aqui me acompanha, vos digo; como palmeirense alucinado que sou bem conheço as coisas desse meu nobre rival. O time do Parque São Jorge é a maior representação popular de tudo que tem de mais brasileiro. Um time que agrega naturalmente brancos, pretos, amarelos, judeus, árabes, pobres, ricos, homens, mulheres, crianças, palestinos, azuis, amarelos… Que teve em sua administração ao longo de sua história, controvérsias, contestações e turbulências como em tudo que temos aqui no Brasil. Uma nação de 30 milhões de pessoas, um sentimento a parte ou como dizia Sócrates:
“Mais que um clube, o Corinthians é um estado de espírito”.
E bem mais…
O Corinthians é um pouco de tudo que há em nossas vidas. É a catarse que precede o prazer, é a gota d’água que explode em sentimento, é a lagrima que por vezes não escorre a face, para ficar guardada eternamente nos corações apaixonados de seus fiéis torcedores, é o sorriso no escuro onde só tem choro, é o contrário que pode acontecer é a hora que a razão pode não ser nada além de um capricho dispensável e tolo.
O Corinthians é a única chance que a paixão tem de ser para sempre.
Diante disso tudo, tenho certeza que nem seria necessário um título mundial para o amigo corintiano ser feliz. Porque ele é naturalmente feliz. Mesmo assim, Yokohama mereceu parabéns porque teve a honra de conhecer o Corinthians. Porque teve a chance de ver o paradoxo belo que há no fato de ter como herói, um centroavante rompedor peruano e um goleiro que defendeu até os pensamentos do time do Chelsea. Pois é amigo corinthiano, em detrimento de tudo, dessa coisa aí do que se diz ser Anti, tu és campeão do Mundo e mais um monte de coisas…
Ontem foi teu 109º aniversário.
Vai, amigo corinthiano, vai para a festa em Itaquera porque você merece. Vai ser feliz e depois volta. Volta, porque o futebol seria muito chato sem você. Volta para a gente dizer que torce contra você Corinthians, que a gente não gosta de ver esse teu povo alvinegro feliz. E vou até te dizer que é verdade isso, mas por um viés que os cartesianos não vão saber explicar. Nossa diferença é que nos define Corinthians, nossa torta diferença.
Porque enquanto vocês odeiam nos amar, nós amamos odiar vocês…
A PRIMEIRA COPA DO BRASIL FOI AZUL, PRETA E BRANCA
por Claudio Lovato
Em 2 de setembro de 1989, há exatos 30 anos, o Grêmio conquistava a primeira edição da Copa do Brasil. Mais de 62 mil pessoas assistiram o Tricolor Gaúcho comandado pelo técnico Cláudio Duarte derrotar o Sport Recife de Nereu Pinheiro por 2 a 1, no Estádio Olímpico, em Porto Alegre. A primeira partida da final, em 26 de agosto, na Ilha do Retiro, terminou em um 0 a 0 que deu ao time pernambucano a vantagem de poder empatar com gols no segundo jogo.
O Grêmio entrou em campo para a finalíssima naquela tarde de 2 de setembro, um sábado, com o ídolo Mazaropi no gol. Os laterais eram Alfinete e Hélcio, eficientes na marcação e no apoio, com o primeiro se destacando pela qualidade dos passes e cruzamentos. A zaga tinha o ótimo Luís Eduardo, hexacampeão gaúcho com o Tricolor (1985-90), e o capitão Edinho, veterano de três Copas do Mundo (1978, 82 e 86). Jandir e Lino se encarregavam da proteção à zaga e da saída de bola. Mais à frente, dois meias habilidosos, inteligentes e goleadores formavam o centro técnico do time: Cuca, que se tornava um terceiro atacante quando o time estava com a posse de bola ofensiva, e Assis. Eles municiavam Nando, que desempenhava a função do centroavante clássico, homem de referência na área, e Paulo Egídio, ponta-esquerda rápido e driblador.No segundo tempo, o zagueiro uruguaio Trasante entrou no lugar de Alfinete e o atacante Almir substituiu Nando.
Assis, o irmão mais velho de Ronaldinho Gaúcho, e Cuca marcaram os gols do Grêmio. Aírton anotou para a equipe pernambucana, contando com um erro de Mazaropi. Foi um episódio que retratou com precisão o tipo de relação da torcida gremista com seu time.
O jogo estava 1 a 0 para o Grêmio, gol de Assis, aos 9 minutos do primeiro tempo – um balaço de canhota, da entrada da área, pegando um rebote. Aos 31 da etapa inicial, o lateral-esquerdo Aírton, do Sport, cobrou escanteio, bem fechado. Mazaropi errou o soco e mandou a bola para dentro do gol. Uma falha bizarra cometida pelo grande goleiro, um dos heróis da Libertadores e do Mundial de 1983,cujo reconhecimento e carinho a ele dedicados pelos torcedores ficaram comprovados na hora. Passado o choque inicial, o Olímpico lotado começou a gritar o nome do seu grande goleiro.
Trecho do depoimento de Mazaropi ao GloboEsporte.com e à RBS TV em novembro de 2016:
– Eu sempre fui de manter a tranquilidade. Você tem que pensar no jogo como um todo. Eu fiquei brabo comigo, mas não deixei transparecer. Mas teve um detalhe. Quando eu fiz o gol, houve um silêncio geral no Olímpico. Em seguida, a torcida começou a gritar meu nome. Aquilo me deu uma força. O mais importante foi que conseguimos a conquista, mesmo com a falha. Tive essa sorte. Foi a primeira Copa do Brasil. Aquilo é um marco. Vai perguntar quem foi o campeão da primeira Copa do Brasil? Foi o Grêmio. Estamos com nosso nome na história.
Aos 7 minutos do segundo tempo, Cuca, que viria a se tornar um dos principais treinadores do país, fechou o placar. Luís Eduardo fez boa jogada pela direita do ataque, cruzou para a área e a bola acabou se oferecendo para Cuca que, bem posicionado, quase dentro da pequena área do Sport, mandou para as redes de Rafael.
O Tricolor conquistou de maneira invicta a Copa do Brasil no ano de estreia da competição. Foram 10 jogos disputados, com oito vitórias e dois empates. A campanha incluiu três goleadas, entre elas um 6 a 1 em cima do Flamengo, na segunda partida da semifinal, em Porto Alegre.
Depois de 1989, o Grêmio voltou a conquistar a Copa do Brasil em outras quatro edições: 1994, na decisão contra o Ceará; 1997, em duelo com o Flamengo; 2001, superando o Corinthians, e 2016, em cima do Atlético/MG.
O Grêmio é recordista em participações em semifinais da Copa do Brasil: chegou a essa fase em 14 oportunidades – ou seja, em praticamente metade das edições do torneio.
Neste 4 de setembro de 2019, o Imortal Tricolor disputa a segunda partida da semifinal da 30ª edição da Copa do Brasil, contra o Athletico/PR. O primeiro jogo foi 2 a 0, na Arena, em Porto Alegre, gols de André e Jean Pyerre. A trajetória copeira do Grêmio, celebrada com orgulho e justiça por sua imensa e apaixonada torcida, terá um novo e inesquecível capítulo nesta quarta-feira em Curitiba.
FICHA DO JOGO
Grêmio 2 X 1 Sport
Data: 02/09/1989 – 16h
Local: Estádio Olímpico, Porto Alegre
Público: 62.807
Árbitro: José Assis Aragão (SP)
Gols: Assis (9’), Marazopi (contra, 31’) do 1ºTempo; Cuca (7’) do 2º Tempo
Cartões amarelos: Alfinete, Assis e Aírton; cartão vermelho: Betão
Grêmio: Marazopi, Alfinete (Trasante), Luís Eduardo, Edinho e Hélcio; Jandir, Lino, Cuca e Assis; Nando (Almir) e Paulo Egídio. Técnico: Cláudio Duarte.
Sport: Rafael, Betão, Márcio, Aílton e Aírton; Rogério (André), Lopes (Edinho) e Joécio; Barbosa, Marcus Vinícius e Édson. Técnico: Nereu Pinheiro.
FUTEBOL CARDS PING PONG
Se a febre hoje em dia são os smartphones, na década de 70 o passatempo preferido da garotada era a coleção do Futebol Cards Ping Pong. São 486 figurinhas de jogadores de 22 clubes do Brasil e o curioso é que no verso de cada card contém várias curiosidades sobre o jogador em questão.
Nos dias atuais, encontrar um card dessa coleção é missão quase impossível. Por isso, ficamos encantados com o colecionador Manoel de Mello Júnior. Paulista de Jundiaí, a fera não só contém todos os card, como roda o Brasil e o mundo atrás dos autógrafos dos jogadores.
– Comecei a buscar esses autógrafos tem uns dez anos. Já acumulei muita história, muita resenha!
Folheando o álbum do colecionador, relembramos os áureos tempos do futebol brasileiro, quando cada time reunia diversos craques no elenco. Cada página virada, uma viagem no tempo e muitas saudades!
– Vejo esse álbum várias vezes por dia, de manhã, de tarde, de noite! Só admirando e pensando quando vou conseguir o próximo autógrafo – revelou.
Vale destacar que a busca pelos autógrafos ultrapassa fronteiras. Durante uma viagem de férias para a Espanha, Manoel aproveitou a ocasião para procurar dois jogadores que faziam parte da coleção e obteve sucesso. Após longas viagens, encontrou Guina em Madrid e Pintinho em Sevilla.
– Cada vez que eu encontro um jogador é um prazer inenarrável. Não importa se é top ou é mediano.
Diante daquela relíquia, é claro que a equipe do Museu fez questão de ajudá-lo. Aproveitando que estávamos com uma resenha marcada com o lendário Ruy Rey e levamos Manoel para participar!
Ao chegar em Ipanema, no restaurante “Paz e Amor”, ganhou não só os autógrafos do craque, mas também um beijo na careca!
Que dia!
Ruy Rey
DORES E AMORES DE UM CARIOLISTA
entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Felipe de Lima | fotos e vídeo: Daniel Planel
Foram tortuosos 22 anos com o grito de campeão sufocado. A noite de 13 de outubro de 1977 determinara o ponto final da agonia. Corinthians 1, Ponte Preta, 0. Gol “santo” do Basílio. Mas há uma personagem que entrou para a história pelo lado mais polêmico e obscuro daquela final, talvez a mais emblemática em toda a história do Campeonato Paulista. O jogador em questão chama-se Ruy Rey, que, ao lado de Dicá, constituía-se na principal arma da Macaca para manter o Timão entregue a sua sina. Mas naquela noite Ruy Rey não era o Ruy Rey que todos conheciam, ou seja, o bem-humorado, o das comemorações cênicas, o do beijinho para a torcida. Ele gritava, esbravejava, erguia os braços a todo instante reclamando do apito do juiz Dulcídio Wanderlei Boschila. Parecia “pedir” um cartão amarelo. E foi o que aconteceu lá pelos 15 minutos do primeiro tempo. Ruy Rey meteu a mão na bola e prosseguiu a jogada. Boschila apitou, ele não ouviu. Quando se deu conta que o lance parara, reclamou. Chiou à beça. Boschila irritou-se. Todas as quase 100 mil pessoas naquele Morumbi estavam tensas, afinal. O juiz puxou o cartão vermelho. Ruy Rey expulso e a Ponte Preta refém daquela situação lastimável. Dali em diante, o Timão tomou conta do jogo. Era visível o nervosismo dos jogadores da Ponte. Havia raça, mas faltava luz, quesito que sobrava do outro lado. Deu Timão. Fim da espera. Quanto ao Ruy Rey, que marcara 19 gols pela Ponte na competição, um contrato o aguardava no Parque São Jorge. Seria, portanto, uma das mais polêmicas transferências em todos os tempos no futebol brasileiro.
Temendo pela integridade da família, Ruy Rey deixara Campinas. Partiu para o Rio de Janeiro e recusara até mesmo uma tentadora proposta do Toluca, do México. A turbulência era demais. Não teve cabeça para pensar em nada a não ser nas calúnias que desferiram contra ele. Soube da notícia do interesse do Timão quando visitava a Cruzada São Sebastião, no Leblon, comunidade onde crescera jogando peladas até parar na Gávea e ser incorporado à base do Flamengo. Abraçou o irmão Ronald e o amigo Sotero, e disse:
– Olha, a Cruzada é o meu mundo. Sou casado, tenho dois filhos, amarguei demais nesses últimos quatro meses. Comi o pão que o diabo amassou. Em alguns lugares, as pessoas me olhavam, me reconheciam, faziam um ar superior pra cima de mim. Eu não queria sair da Ponte, pelo menos da forma como estava saindo ou queriam me fazer sair. Os mexicanos do Toluca me dariam 700 mil de luvas, 40 mil mensais, durante dois anos. Com bichos e prêmios, eu ganharia quase dois milhões e meio. Seria quase uma independência financeira. Mas não topei. Se topasse, estaria passando recibo de que tinha me vendido. Seria uma fuga, um ato covarde. Resolvi ficar e provar, dentro do meu país, que toda a campanha que faziam contra mim era injusta. Os dirigentes ficaram surpresos. Como eu poderia recusar uma pequena fortuna como aquela? Minha consciência, porém, não ia ficar em paz. Tinha de provar na minha terra que tudo aquilo era uma tremenda injustiça. Fiquei sem saber o que dizer. Pô, o Corinthians querendo me contratar? Mas depois pensei: será que alguém contrataria uma pessoa que soubesse que tinha se vendido? Mas graças a Deus surgiu o Corinthians na minha vida: vou provar a todos que me acusaram o quanto estavam errados. Vai ser a minha forra.
Companheiro dele na Ponte Preta, o retíssimo volante Wanderley Paiva jamais desconfiara de Ruy Rey, mas disse revista Placar (em brilhante reportagem assinada pelos grandes Luiz Augusto Chabassus, José Roberto de Aquino e Roberto José da Silva) que a transferência do Ruy Rey para o Corinthians “pegou bem mal”. Treinador da Ponte naquela final, Zé Duarte reconheceu que a expulsão do Ruy Reu foi decisiva para o resultado final do jogo, mas também o defendeu das acusações:
– Não foi intencional a expulsão. Foi um acidente da partida, como costumamos dizer. Ele tinha sido lançado pelo alto e, como não poderia alcança-la, deu um leve toque com a mão. O Dulcídio apitou. Talvez o Ruy Rey não tenha ouvido, devido ao barulho daquela multidão toda. Só sei que, rapidamente, ele fez a volta e continuou jogando. O Ademir, então, fez a falta nele, mas a jogada não estava valendo mais nada. É, o Ruy foi afastado porque o clima em Campinas ficou violento.
Da Cruzada São Sebastião, Ruy Rey seguiu para São Paulo, bateu um papo com Vicente Matheus, que também sempre o defendeu das acusações, e assinou o propalado contrato.
Ruy Rey defendeu outros times após o Corinthians. Fez muitos gols e comemorou conquistas, mas, infelizmente, aquela noite de 17 de outubro de 1977 nunca o deixou em paz. Coube a ele, uma defesa que não parecia mais ter fim. Ergueu a cabeça, fez curso universitário, criou (e muito bem) os filhos, enfim, Ruy Rey tocou a vida. Não havia outra forma mais apropriada para deixar o passado de forma mais tranquila e no lugar dele. Na memória virtuosa e honesta. Pelo menos, para o Ruy Rey funcionara assim.
TRISTE REALIDADE – O EXÔDO
por Jonas Santana
“Craques novos e vendas prematuras: Por que as joias brasileiras são vendidas tão cedo?’.
Essa pergunta saiu em um dos semanários esportivos e é uma questão que já vem sendo discutida há muito tempo. Para respondê-la, temos que considerar diversos aspectos.
O principal deles é que embora nosso país seja um “celeiro de craques” é também um campeão de desperdício. Quantos jogadores brasileiros, promessas com grandes probabilidades de sucesso, já foram rejeitados ou excluídos quando na busca de oportunidades nos clubes de futebol? Mesmo entre os das categorias de base, poucos ou nenhum são aproveitados pelos clubes preferindo-se, na maior parte das vezes, apostas em “medalhões” ou em “salvadores da pátria”.
Ora, se o atleta não é valorizado em sua própria casa, como podem exigir que ele seja fiel quando surge uma oportunidade de mostrar seu valor, ainda mais se essa oportunidade vier traduzida em euros? Por ser o Brasil mundialmente conhecido como gerador de jogadores de qualidade os clubes, principalmente europeus, vem “garimpar” jogadores com talento, geralmente com baixo custo e com retorno financeiro garantido.
Aliada a esses fatores, a possibilidade de ganho, geralmente para pagar dívidas deixadas por gestões anteriores (pelo menos é o que dizem) ou mesmo a possibilidade de obtenção de lucro advinda da comercialização de atletas, incentiva o dirigente a se desfazer do que seria quiçá uma solução para os problemas do clube em longo prazo, não se importando com os investimentos feitos na base. Há que se ressaltar também que a centralização do futebol apenas nos grandes centros, a ausência de um plano nacional para categorias de base, o apoio, no caso a ausência dele, para os clubes que trabalham com essas categorias, funcionam como instrumentos auxiliares ao êxodo de grande parte dos jogadores que começam a despontar nos nossos clubes.
Desta forma, muitos clubes europeus estão preenchidos com jogadores brasileiros e muitos até com contrato de crianças, que desde já se vêem na obrigatoriedade de “virar adultos” antes do tempo. Parafraseando Daniel Alves quando falou que jogar futebol era “apenas crianças brincando de bola”, o que de uma maneira metafórica tem todo sentido, o esporte tem que ser um prazer, não uma obrigação por conta de euros ou reais, embora exija disciplina própria da atividade.
Em um artigo escrito anteriormente e publicado no Museu da Pelada (museudapelada.com) falei no sonho de muitas crianças e jovens no sentido de que eles encaram a profissão como uma maneira de proporcionar uma vida melhor aos seus. E é com o pensamento de que “lá fora” essa chance se concretize, ainda que em times com pouca ou nenhuma expressão, mas com possibilidades reais de ser descoberto, que esses jovens se lançam na aventura, muitas das vezes sem garantia alguma e se desfazendo muitas vezes também de bens ou contraindo dívidas para sonhar.
Dizem que brasileiro só tranca a porta depois de roubado. Embora seja um ditado pessimista ele é uma verdade quando se refere ao futebol. Nossos dirigentes ainda não atentaram para o perigo do êxodo. Além disso, muitos entendem que investir na base “é custo” e que não “vale a pena” já que é investimento de longo prazo . E quando menos se espera são surpreendidos por “joias” que muitas vezes foram dispensados de uma “peneira” ou até mesmo não jogaram aqui no Brasil sendo negociados a peso de ouro lá fora e os clubes brasileiros ficam no mais das vezes a ver navios.
É tudo uma questão de visão. Investir na base é investir em sonhos e demonstra a visão do gestor. Todo menino já sonhou em ser um jogador de futebol. Mas nem todos tiveram oportunidades de ser.
As campanhas dos grandes clubes europeus principalmente tem sido cada vez mais cativantes e incentivam a cada vez mais torcedores mirins. Já não se imitam mais os Pelés, Garrinchas, e mais recentemente Cafus, Robertos Carlos, mas os Modric’s e Mbappés da vida. As camisas não trazem mais nomes como Ronaldinho, Rivaldo, Neymar, mas Hazard, Messi, etc… .
E como em todas as coisas vamos nos acostumando e se moldando a isso. E nossa “fábrica de craques” está falindo. Somente quando estivermos no fundo do poço, quando nosso último talento estiver desembarcando no “Velho Continente”, na China, Austrália ou onde quer que se “ganhe a mais”, é que se perceberá que é tarde.
Quando o Brasil do futebol começar a olhar para as categorias de base e começar a investir nos seus talentos, não digo atletas, mas principalmente profissionais abnegados que lapidam os jovens como joias preciosas talvez possamos conter o Êxodo.
Mas enquanto isso não acontece “bye bye Brasil”.
Jonas Santana Filho, gestor esportivo, escritor, funcionário público. Apaixonado e estudioso do futebol.
Jonassan40@gmail.com, Skype – jonassan50