‘JULINHO É O MELHOR BRASILEIRO NA COPA DE 54’. SE PUSKAS FALOU, TÁ FALADO!
por André Felipe de Lima
Imagine se Garrincha não tivesse existido ou jamais gostado de jogar futebol. Imagine se, por uma obra descarada do acaso, além de outros clubes cariocas, o Botafogo também dispensasse o Mané e ele decidisse manter-se recluso na pequena Pau Grande, no pé da Serra do Rio, pescando e jogando suas peladas na terra batida no campo enfurnado dentro do mato. Imagine… quem seria afinal o melhor ponta-direita brasileiro (e mundial) em todos os tempo? A resposta, e todos os palmeirenses sabem disso, é única e insofismável: Julinho.
E, vejam só, igualmente ao que Mané, Julinho também teve quem o ignorasse. O Corinthians, quem diria, o desperdiçou. Com 19 anos, teimavam em escalá-lo na ponta-esquerda. Julinho foi parar no clube da camisa grená, na rua Javari, no bairro da Mooca. Apesar de ter começado a carreira no Juventus, Júlio Botelho, que nasceu em São Paulo no dia 29 de julho de 1929, apareceu para o futebol brasileiro pela Portuguesa, que o contratou em 15 de fevereiro de 1951 por 50 mil cruzeiros. Estreou contra o Flamengo, no Maracanã, no dia 18 de fevereiro de 1951. A Lusa perdeu por 5 a 2, mas ganhou um craque, que dias após o primeiro jogo, exatamente no dia 24 do mesmo mês, marcou os seus dois primeiros gols pela Portuguesa, na vitória de 4 a 2 sobre o América do Rio, no Pacaembu. Foram 191 jogos e 101 gols pela Lusa, uma ótima média para alguém que era muito mais armador que finalizador de jogadas.
A Portuguesa que Julinho defendia foi um dos melhores times já vistos no futebol brasileiro. Aquele timaço conquistou dois torneios Rio-São Paulo, em 1952 e 55. Um timaço capa de provocar uma avalanche de gols sobre o Corinthians, como aconteceu em 25 de novembro de 1951. Foi 7 a 3 para a Lusa, com quatro gols de Julinho. Até hoje os torcedores da Portuguesa não esquecem essa escalação: Muca, Nena e Noronha; Djalma Santos, Brandãozinho e Ceci; Julinho Botelho, Renato, Nininho, Pinga e Simão. Um time inigualável. Mas o sucesso de Julinho superou o daquele esquadrão. Ultrapassou fronteiras.
Em 1955, após a Lusa conquistar mais um torneio Rio-São Paulo, a Florentina pagou uma quantia abaixo do que Julinho valia e o levou, em julho, para a Itália. Mal aportou na “Bota”, ajudou a equipe a conquistar o primeiro campeonato italiano da história do clube, na temporada 1955/ 56, e continuou brilhando com a camisa violeta nos vices-campeonatos de 1956/ 57 e 1957/ 58. A temida Fiorentina de Julinho também chegou à final da Copa dos Campeões europeus, em sua segunda versão, no certame de 56/ 57, perdendo [2 a 0] o título, no campo do adversário, para o Real Madrid, com gols de Di Stefano [de pênalti] e do ponta-esquerda Gento. Embora a Fiorentina saísse derrotada para o poderoso Real Madrid, Julinho já estampava as manchetes dos jornais italianos como um dos grandes craques do futebol europeu daquela época.
O lateral–esquerdo sueco Sven Axbom, após a tortuosa tarefa de “marcar” Garrincha na final da Copa do Mundo de 1958, confessou a uma emissora de TV de Estocolmo que tudo ficaria ainda mais difícil com Julinho: “Há um ponta na Fiorentina melhor que Garrincha e que, felizmente para todos nós, não veio a esse Mundial”.
Julinho não teve tanta sorte com a camisa amarelinha. Mas brilhou em algumas ocasiões. Foi campeão pan-americano em 52 e disputou a Copa do Mundo de 54, na Suíça, quando foi eleito o melhor ponta-direita da competição. Sobre ele, disse Puskas, o extraordinário craque húngaro, durante a Copa de 54: “Julinho é o melhor de todos os brasileiros nesta Copa”.
Sempre foi lembrado pelo treinador Vicente Feola, até as vésperas da Copa de 1958. Era um dos intocáveis na lista prévia do treinador, mas um gesto incomparável norteado pelo bom caráter de Julinho deixaria Feola perplexo. Julinho virou-se para ele e disse que não merecia ser convocado. Alegara não ser justo defender a seleção se, naquele momento da carreira, não jogava no Brasil. Diante de um irredutível Julinho, Feola riscou o nome do craque da lista e levou para a Suécia Joel, grande ponta do Flamengo, e Garrincha.
Mas Julinho queria regressar ao Brasil. Saudades de São Paulo e da Penha, bairro onde nasceu e cresceu. O craque não estava feliz em Firenze apesar do carinho que recebia do clube e dos torcedores. Um período em que Julinho era chamado de “Senhor Tristeza”. Mas a diretoria da Fiorentina não queria deixar Julinho partir e fez ao ídolo uma proposta irrecusável para mantê-lo. Julinho ficou por mais um ano, mas infeliz. Com a morte do pai, decidiu: “Volto ao Brasil”. Deixou saudades na Fiorentina, onde é considerado um dos maiores craques da história do clube.
PALMEIRAS FOI MAIS RÁPIDO
Os clubes brasileiros ao saberem do interesse de Julinho em retornar ao país trataram de mexer nos cofres. E chovia proposta de todos os cantos. Era Vasco, era Corinthians… mas o Palmeiras antecipou-se. E em agosto de 1958, logo após a Copa, Julinho chegava ao Parque Antarctica. Agora, enfim no Brasil, a ética de Julinho lhe permitiu vestir a camisa canarinho novamente. Em um amistoso contra a Inglaterra, no dia 5 de maio de 1959, no Maracanã, entrou em campo debaixo da vaia de mais de 140 mil pessoas, que se acotovelavam para ver Garrincha. O tropeço no degrau do vestiário parecia o prenúncio de uma queda também dentro de campo, mas Nilton Santos, grande lateral-esquerdo e compadre de Mané, chegou ao seu lado e disse: “Vai lá e faça-os engolirem esta vaia”. Não precisa nem escrever muito para saber o que aconteceu em seguida nos gramado. Para encurtar a história, no dia seguinte as manchetes inglesas apontavam: “Brasil agora tem dois Garrinchas”. Na vitória por 2 a 0 fez um gol e deu o passe para outro. Saiu aplaudido pelas mesmas 140 mil vozes que o vaiaram. Ali, diante daquele palco, ovacionado, Julinho mandou às favas a ignomínia a qual foi submetido naquele injusto Maracanã e… chorou.
Mas o que Julinho ouvia constantemente da torcida do Palmeiras foi aplauso durante oito anos de amor incondicional. Quando esteve no clube, conquistou vários títulos, como os campeonatos paulistas de 1959 e 1963; os torneios Rio-São Paulo de 1965 e 67 e a Taça Brasil — o campeonato brasileiro da época — de 1960. Em 1962, Julinho iria à Copa do Mundo do Chile, mas novamente demonstrou o bom caráter que o tornou um dos mais respeitados jogadores brasileiros na história. Com o joelho machucado, falou para o técnico Aymoré Moreira que não deveria ir. Aymoré não concordou: “Vá assim mesmo. A sua simples presença incentiva o grupo”. Julinho, que jamais prejudicaria companheiros, agradeceu ao insistente treinador e sugeriu que convocasse o jovem e talentoso Jair da Costa.
Pelo Verdão, o “Flecha Dourada” Julinho, como foi apelidado pelo radialista Geraldo José de Almeida, disputou 267 jogos e marcou 80 gols. Despediu-se durante a partida em que o Palmeiras derrotou o Náutico por 1 a 0, no dia 12 de fevereiro de 1967. No escrete nacional, atuou 27 vezes, com 18 vitórias, dois empates e 15 gols assinalados. Chegou a vestir a camisa do São Paulo uma única vez, em 9 de outubro de 1960, na festa de inauguração do Morumbi, quando o Palmeiras o emprestou e também Almir e Djalma Santos ao São Paulo, que derrotou o Nacional de Montevidéu por 3 a 0.
Nunca foi esquecido. Nem pelo Palmeiras, tampouco pela Portuguesa, muito menos pela Fiorentina, que o tornou famoso na Itália a ponto de precisar se esconder para fugir do assédio dos torcedores. Um restaurante de Firenze, o reverencia até hoje. Em uma placa no estabelecimento está escrito “Aqui almoçava Julinho”.
Ademir da Guia confidenciou ao maestro e escritor Kleber Mazziero de Souza [bi[ografo do Divino] que Julinho, quando retornou da Itália para o Palmeiras, em 1958, exigiu uma cláusula no contrato que o dispensaria da concentração para os jogos. “Aqui, no Palmeiras, ele não se concentrava. Ficava na casa dele, na Penha. Na hora do jogo [quando aqui em São Paulo, Jundiaí ou Santos] ia direto para o estádio ou [quando fora de São Paulo] para o embarque do ônibus ou avião. Isso funcionava perfeitamente. Ele não se desgastava. Não ia para as noitadas, nem nada. Ficava em casa e ia para o jogo. Teve até uma história espetacular que envolveu Júlio. Ademir recorda: “A cada ano que passava, o Júlio gostava, cada vez menos, de ir jogar no interior. Nos jogos na capital ele brilhava. Jogava como nunca, mas para o interior ele não gostava de ir. Algumas vezes, tínhamos um jogo no interior na quarta-feira e um clássico aqui no Pacaembu no domingo. O que fazia o Júlio? No treino da terça-feira, ele dizia que estava sentindo uma contusão. Nem daria para terminar o treino ou para viajar para o jogo de quarta-feira e ficava em tratamento. Tratava da contusão e no domingo dizia para o treinador que estava quase bom e pronto para o clássico. O treinador tinha de espernear para acertar a situação pois, invariavelmente, o Gildo substituía o Júlio e jogava muito bem.”
O treinador na ocasião era Geninho, outrora craque do Cruzeiro e do Botafogo. Segundo Ademir da Guia, Geninho escalou Gildo na ponta-direita e Nilo, egresso do América campeão carioca de 1960, na esquerda, em jogo realizado em uma quarta-feira. No domingo seguinte, clássico contra o Corinthians. Julinho disse a Geninho ter “melhorado” da contusão e que “estava oitenta por cento”. Geninho respondeu que era preciso estar cem por cento. E barrou o craque do time. Ademir da Guia presenciou o episódio: “Ninguém esperava que ele dissesse aquilo. Foi espantoso! O Júlio era um homem de uma integridade inabalável. Quando foi convocado para a Copa de 58, recusou a convocação porque estava jogando há muito tempo fora do Brasil e não achava correto ser preterido um jogador que vinha atuando no Brasil. É uma atitude rara, muito especial mesmo.”
Depois que parou de jogar, Julinho ainda treinou as categorias de base da Portuguesa, Palmeiras e Corinthians, mas largou tudo para se dedicar ao clube de futebol de várzea que fundou, o Rio Branco, no bairro onde nasceu e morreu, a Penha, na zona leste de São Paulo. Hoje, em homenagem ao genial ponta-direita, ergueram na Penha uma escola batizada com o nome do craque, que mantém um memorial do ídolo alviverde, com camisas e fotos da carreira de Julinho pelos clubes que defendeu e seleção.
Um derrame o deixou com o corpo parcialmente paralisado. Ao invés da bola como companheira, Julinho viveu seus últimos dias em uma cadeira de rodas.
Foi um ídolo na Itália e no Brasil, mas não fez fortuna. Muito doente, não conseguiu juntar R$ 25 mil para custear um aparelho que seria inserido em seu coração. Tentou-se de tudo para obter a quantia. Os médicos não ouviram o apelo da família e até a diretoria do Palmeiras rechaçou a sugestão para que um torneio entre os clubes que Julinho defendeu fosse disputado e a renda destinada para o tratamento do craque. Preocupados, dirigentes da Fiorentina ligavam com freqüência para saber do estado de saúde de Julinho, aquela altura já internado no Centro de Tratamento Intensivo.
Todo o descaso tem um preço. E Julinho pagou com a vida a falta de solidariedade. Morreu de parada cardiorrespiratória no dia 11 de janeiro de 2003, no Hospital Nossa Senhora da Penha, em São Paulo. No enterro de seu corpo, mais de 150 pessoas lotaram o Cemitério da Penha.
“Não tive a oportunidade de jogar ao lado do Julinho. Mas o enfrentei em várias ocasiões, principalmente quando ele defendia a Portuguesa. Tratava-se de um ponta muito rápido, que tinha uma característica singular: não conseguia driblar parado. Além disso, em campo era muito educado. Não me recordo de tê-lo visto participando de discussões […] Ele entrava em campo apenas para jogar. Não desviava o foco jamais. Lembro que no início da década de 50 o Palmeiras estava prestes a conquistar a Taça dos Invictos e teve uma seqüência de 17 partidas sem perder interrompida pela Portuguesa do Julinho. Mas as melhores lembranças que guardarei dele são da época em que atuava pelo time de veteranos do Palmeiras. Será difícil esquecê-lo”. As palavras são do maior goleiro da história do Palmeiras: Oberdan Catani, um dos poucos ex-craques palmeirenses que compareceram ao enterro em meio a muitos torcedores da Lusa e do Palmeiras.
Longe de seu eterno ídolo, os tifosi da Fiorentina também renderam homenagens ao craque. Bandeiras da equipe da região da Toscana foram enviadas à família e alguns torcedores do time que viviam em São Paulo compareceram ao enterro. O saudoso locutor esportivo Fiori Gigliotti lembrou com carinho do craque Julinho: “Certa vez, durante uma viagem para Florença, fui convidado pelo Julinho para almoçar. No caminho até o restaurante, pude perceber o quanto ele era amado pela torcida local. Os guardas simplesmente interrompiam o trânsito para que passasse. No restaurante, Julinho e seus convidados foram tratados como reis”. Um ídolo incontestável, que recebia todos os anos passagens aéreas para ser reverenciado em Firenze.
Na Itália, já fizeram muito sucesso o ex-lateral-esquerdo cruzeirense Nininho, na década de 30, Mazzola — para os tifosi, simplesmente “Altafini” —, Falcão, Zico, Careca, Aldair, Cafu, Kaká… mas Julinho Botelho foi o maior deles. Talvez, apenas Falcão tenha sido tão idolatrado como ele. Mas somente Julinho tinha uma camisa número sete da Fiorentina com o seu nome escrito em uma época em que jamais escreveriam o nome dos jogadores além dos números. Em um dos quartos da casa em que Julinho viveu em São Paulo, na parede havia jornais italianos emoldurados e a flâmula de um clube peruano, o “Club Atlético Julinho”, que enalteciam o talento de Julinho Botelho, uma verdadeira instituição do futebol. “O Júlio Botelho talvez tenha sido o maior ídolo da história do Palmeiras e também da Fiorentina […] Quando foi jogar na Itália, ele chegou e era o craque que se destacava. Só dava ele, foi mais ídolo ainda. O Júlio era uma pessoa muito correta, muito simples. Não bebia, se dedicava sempre o máximo que podia”. Palavras de Ademir da Guia.
Luisinho Quintanilha
o libertador da colina
entrevista e texto: Marco Antonio Rocha | fotos e vídeo: Daniel Planel
Era uma tarde de quarta-feira ensolarada em São Januário. Mas não iluminada o bastante para ofuscar as histórias do personagem que logo chegaria.
Maior campeão com a camisa do Vasco, Luisinho logo surgiu brincando com todos. Anos após sair do Vasco, era como se o Vasco jamais tivesse saído dele.
A convite do Museu da Pelada, um dos maiores cabeças-de-área da história do clube falou sobre a conquista da Libertadores de 1998. Para Luisinho, o mais difícil neste bate-papo foi manter a concentração a cada interrupção feita por funcionários do Vasco. A cada um que passava, a saudação era inevitável. Ele estava, de fato, em casa!
IN LUXEMBURGO WE TRUST
por Zé Roberto Padilha
Chegava às Laranjeiras de Xerém, no final dos anos 80, quando recebi a notícia de que havia sido promovido. O treinador dos Juniores tinha ganho a Taça São Paulo e recebera um convite de uma equipe do interior de lá. O Bragantino. Daí Rubens Galaxe, que treinava a equipe Juvenil, foi para o seu lugar e eu, dos infantis, ocupei o lugar do Rubens. O nome do treinador: Vanderlei Luxemburgo.
Vanderlei embarcou para o Bragantino levando a base da sua equipe que não teria chances tão cedo nos profissionais: João Santos, Carlos Ivã, Robert, Franklin e Silvio. Estavam na ponta dos cascos e acabaram levantando o título estadual paulista. Foi aí, nesta meteórica aparição, que Vanderlei recebeu o convite do Palmeiras. E sua estrela, desde então, jamais deixou de brilhar.
No palestra, formou uma equipe difícil de se comparar. Nenhuma outra marcou 100 gols no Campeonato Paulista, mais até do que o Santos, de Pelé e Coutinho. E jamais outro clube cedeu tantos jogadores à seleção: Marcos (Veloso), Cafú, Antonio Carlos, Cléber e Roberto Carlos; César Sampaio, Mazinho, Djalminha e Zinho; Edmundo e Rivaldo. De quebra, Evair, Edilson, Luisão. Para representar o Brasil, bastava trocar a camisa verde e branca pela camisa verde e amarela.
Joguei na Máquina Tricolor 75 onde Félix, Toninho, Edinho, Marco Antonio, Gil, Paulo César e Rivelino serviram à seleção. Como poucos, sei o valor deste time inesquecível, bicampeão carioca, Campeão do Torneio de Paris e duas vezes semifinalista do Campeonato Brasileiro. E realizei, um ano depois, na Gávea, coletivos aprontos que já mostravam a preciosa geração que alcançaria, alguns anos depois, a hegemonia do futebol carioca e o título do mundial de clubes.
O Leandro era meu marcador e Toninho Baiano se virava tentando marcar Júlio César. No meio campo, o duelo era entre Tadeu Ricci, Geraldo e Zico contra Andrade, Adílio e Tita. E o Mozer, sozinho, tomava conta do Caio e do Luizinho. Quando este elenco se juntou nos profissionais e recebeu a arte do Junior e o oportunismo do Nunes, chegaram perto da perfeição. Esta, na minha opinião, foi alcançada pelo Palmeiras, de Vanderlei Luxemburgo.
Vanderlei treinou a seleção brasileira e o clube mais poderoso do mundo, o Real Madrid. Depois de tudo isto, poderia parar, se tornar uma lenda, ir até o Palestra Itália apenas para inaugurar a sua estátua. Mas o amor pelo futebol não o deixou, felizmente, parar. E no último sábado, quando o Vasco virou sobre o nosso tricolor, muitos comentaristas disseram que foi na garra e porque estavam no alçapão de São Januário. Esqueceram que no banco tinha um treinador mais do que vencedor. Tinha um estrategista. E desde Tim o futebol carecia de um que sabia mexer no tabuleiro.
Não é Jesus, o Messias, mas dos treinadores que conheci de perto, foi o que mais entendeu a língua dos Deuses do Futebol. E, por isto, Vanderlei merece o nosso respeito. Because, “In Luxemburgo we trust”.
DIRRAN, A LENDA FRANCESA. SÓ QUE NÃO
por Jonas Santana
Foto: André Teixeira
Não havia naquele perímetro nenhum jogador mais habilidoso que o Dirran. A bola parecia que “grudava” no seu pé e era quase que impossível pará-lo quando ele, com exímia destreza, disparava rumo à meta adversária. Era só pegar na pelota que começava o desespero dos beques (o pessoal “das antigas” sabe o que é isso) porque Dirran sempre ignorava o seu marcador, fosse pela direita ou esquerda pois, ágil como ele só, deixava o coitado do defensor “a ver navios”. E podia ser lateral, zagueiro, meio campo, não tinha problema, era só baixar a cabeça e quando se dava conta estava o nosso craque na cara do gol.
Nem Todo-Duro, zagueiro famoso pelo seu jeito delicado de tratar a bola e os corajosos que ousavam saracotear na sua frente, escapava dos dribles acachapantes que no mais das vezes deixava o oponente de traseiro no chão, pouco importando se fosse grandalhão ou técnico. Sua habilidade e visão do jogo o faziam desejado por todos os times de várzea da região.
Baixinho, atarracado, meio agalegado, pernas tortas, nem parecia o mesmo quando colocava as chuteiras Club Sul que comprou a prestação. Dirran trabalhava na fábrica e no fim de semana ganhava uns trocados defendendo um ou outro clube, sem vínculo com ninguém, embora fosse objeto de desejo de todos os dirigentes amadores que o conheciam.
Além de rápido e habilidoso, Dirran também sabia lançar como ninguém e talvez perdesse apenas para Zé Rosca (famosos pelos seus chutes de trivela). Era considerado o terror da defesa naquela época e o xodó da torcida que gritava a cada drible: ”ão, ão, ão” Dirran é seleção” numa clara alusão aos jogadores que seriam convocados para a Copa das Copas, torneio que reunia os melhores atletas de cada município numa disputa tão acirrada que até a polícia tinha que ser convocada para conter os ânimos.
E aconteceu a tão desejada convocação. Dirran e Nêrroda, outro jogador de renome na redondeza, apelidado assim por ser a antítese do centroavante tcheco, embora jogasse na mesma posição, foram chamados para a seleção do município.
E assim foi. Jogo decisivo, Dirran estava inspirado levando à loucura a torcida com suas proezas futebolísticas. E a empolgação acabou contagiando o narrador. O jogador mal podia pegar na bola que o narrador gritava seu nome. E era Dirran pra cá, Dirran pralá, que o homem acabou sendo o destaque do jogo.
Diante daquela manifestação em que o estádio todo gritava o nome de Dirran, e depois de receber o título de “melhor em campo”, cercado por microfones, o atleta só agradecia.
Ao se aproximar da beira do gramado, terminada a disputa em que sua seleção saíra vencedora, um jovem repórter corre em sua direção, admirado com tamanha homenagem. Assim a primeira pergunta foi: você tem parentes na França? Isso depois de dizer ao público que estava entrevistando o astro do dia. Antes que este respondesse tasca outra pergunta: E esse seu nome é de descendência francesa?
O jogador, vendo-se assediado e assustado responde de pronto: Não, não, sou daqui mesmo, do interior. E qual a origem desse seu nome? Sem pestanejar o atleta reponde: é que meu apelido é C* de Rã, mas como não podem falar no rádio eles me chamam da segunda parte. E seguiu para o vestiário deixando atônito o repórter.
Jonas Santana Filho, gestor esportivo, escritor, funcionário público. Apaixonado e estudioso do futebol. Jonassan40@gmail.com, Skype – jonassan50
PROMOÇÃO. NÃO PODE FALTAR…
por Idel Halfen
Dois dos patrocinadores da Confederação Brasileira de Futebol – Ambev e Gol – elaboraram uma ativação bem interessante para a Copa América 2019: durante duas horas, mais precisamente no horário de um jogo do Brasil, seriam vendidas passagens aéreas para destinos da América do Sul através do site da Gol pelo preço de uma cerveja (R$ 3,90).
A promoção, além de reforçar a estratégia de cobranding, teve ótima repercussão, no entanto, também gerou uma enorme quantidade de pessoas insatisfeitas por não conseguirem acessar o site da empresa. Tamanha insatisfação acabou envolvendo o órgão de proteção ao consumidor, que em sua investigação apurou que 167 passagens foram comercializadas, sendo que 47% destas estavam vinculadas a agências de turismo.
A citação a essa promoção tem unicamente o objetivo de chamar a atenção para a complexidade envolvida em qualquer tipo de iniciativa nesse sentido, ou seja, ter simplesmente uma ideia “criativa” é muito pouco diante dos desafios que a operacionalização exige. Aliás, penso que para uma ideia ser considerada realmente criativa, ela já deve vir devidamente avaliada no tocante a riscos e necessidades para sua execução.
Na verdade, a história do marketing está repleta de casos em que a falta de uma avaliação mais minuciosa de alguma ideia trouxe resultados totalmente diferentes dos que eram esperados, dentre os quais mencionaremos alguns a título de ilustração.
Para nos mantermos no segmento de aviação, vale citar o caso da American Airlines que na década de 80 ofertou uma espécie de assinatura para voos ilimitados, o AAirpass, onde por US$ 250 mil o cliente poderia voar de 1ª classe quantas vezes e para quais destinos quisesse e por mais US$ 150 mil poderia adicionar uma pessoa. A quantidade de voos por assinatura ficou de tal forma alta – teve cliente que em 25 dias fez 16 voos dos EUA para Londres, fora os casos de fraudes e revenda dos bilhetes relativos ao acompanhante -, que em 1990 a empresa subiu o valor do pacote titular mais acompanhante para US$ 600 mil, em 1993 para US$ 1 milhão e em 1994 descontinuou o produto devido ao prejuízo que lhe causava.
Outro caso emblemático foi o do McDonald’s nos Jogos Olímpicos de 1984 em Los Angeles com a promoção “US wins, you win”, em que ofereceu aos clientes uma raspadinha – um cartão com o nome oculto de uma modalidade que, ao ser descoberta, dava ao cliente gratuitamente algum produto caso os EUA tivessem conquistado medalhas naquele esporte. Se fosse de ouro o consumidor ganharia um Big Mac, prata uma batata frita e bronze um refrigerante. Não há como negar que se tratava de uma ativação bastante interessante, já que associava a marca ao evento e promovia o tráfego de clientes aos seus estabelecimentos. O problema se deu ao basear a estimativa de medalhas na performance dos EUA em Montreal-76 (34 de ouro, 35 de prata e 25 de bronze), onde todos as principais nações participaram, não contemplando que em Los Angeles-84 a União Soviética, principal rival dos americanos, boicotaria e não participaria dos Jogos Olímpicos, o que fez com que o número de medalhas conquistadas pelos EUA ultrapassasse as expectativas (83 de ouro, 61 de prata e 30 de bronze).
Casos iguais aos narrados não faltam à literatura do marketing, muitos dos quais frutos da ansiedade para se colocar em prática alguma ideia supostamente genial, o que leva a ignorar, ou não conseguir elencar os possíveis cenários e obstáculos. Mesmo porque, alguns destes talvez exigissem soluções que inviabilizassem a promoção, tamanho o prazo ou até investimentos necessários.
O fracasso em iniciativas como essa pode causar, além de prejuízos financeiros, severos danos à imagem e credibilidade da empresa, o quais, provavelmente, não serão compensados através dos ganhos auferidos com a promoção, razão pela qual deve se priorizar o planejamento antes de qualquer ação.