OS SONHOS, AGORA, SÃO DO MARCÃO
por Zé Roberto Padilha
Quem jogou bola sabe que, quando vira treinador, os sonhos passam a ser compartilhados. Não é mais ir lá trocar de roupa, ir a campo e defender o seu. Ou o grupo se abriga debaixo do mesmo cobertor, ou cairão juntos da cama, embora apenas o treinador acorde na rua.
Em 1994, foi a minha vez. Sonhei que iria dirigir uma clube de futebol da segunda divisão, no caso o da minha cidade, o Entrerriense FC, e o levaria para disputar o mais cobiçado estadual carioca de todos os tempos. O de 1995. Ano do centenário do Flamengo, que formaria seu ataque dos sonhos com Edmundo, Romário e Sávio, e o Botafogo seria tão forte com o Túlio que levantaria o título brasileiro. Recordes de renda seriam batidos e todos nós, jogadores e comissão técnica desconhecidos do interior, acordaríamos no paraíso.
O sonho parecia mesmo sonhado. Subimos junto ao Friburguense e nos classificamos para o octogonal decisivo. Cheios de moral e responsabilidade após tanto tempo sonhando juntos, abolimos a concentração e nos demos ao luxo de visitar nosso adversário do dia seguinte, o Vasco, em Paraíba do Sul, no Hotel Salutaris. Meu amigo Abel Braga, que dirigia o clube, nos apresentou Carlos Germano, goleiro da seleção brasileira, quando este se recolhia aos seus aposentos. E nem eram dez da noite.
Na apresentação do nosso elenco, às 10h da manhã para a preleção antes do almoço, seu Carlos, porteiro do clube, nos despertou da complicada experiência de sonhar compartilhado: nosso goleiro chegara à concentração, onde morava, às 5h da manhã. Foi expor sua breve fama na Exposição Agro Pecuária e Industrial de Três Rios. E comprometer, com sua vigília alcoolizada, os sonhos de todo um grupo.
Nesta partida decisiva às nossas pretensões, transmitida para todo o país pela Rádio Globo, nem o Gérson, que virara comentarista, sabia que o melhor goleiro do Brasil fora dormir cedo. E seu adversário desconhecido de luvas pouco dormiu. Sem saber se estava dormindo ou acordado, assisti do banco Gian desferir um petardo de fora da área, aos 21 minutos do primeiro tempo, e nosso goleiro cair com bola e tudo dentro da meta. Placar Final: Vasco 3 x 0 Entrerriense.
Quando despertei, perfurado pela agulha de um soro, estava deitado em uma maca no Pronto Socorro do Hospital da minha cidade. Não havia repórteres ou torcedores, apenas a minha família. O campeonato havia terminado com um gol de barriga do Renato, e a depressão anestesiado nosso sonho de ser um treinador tão respeitado como fui como jogador de futebol.
Moral da história: ou todos no Fluminense esquecem os seus e vão sonhar abraçados aos sonhos justos do Marcão, ou uma outra exposição, seja ela do ego do Ganso, dos clubes europeus e suas ofertas em volta do travesseiro do Allan, vão nos fazer acordar, outra vez, na segunda divisão.
AS MARCAS ESPORTIVAS NO FUTEBOL EM 2019-20
por Idel Halfen
A 6ª edição do estudo elaborado pela Jambo Sport Business acerca das marcas esportivas que vestem os principais clubes de futebol do mundo, além de nos brindar com o panorama deste mercado, põe luz sobre dois fatos bastante interessantes.
O primeiro diz respeito à aparente postura mais criteriosa das principais marcas globais (Adidas, Puma e Nike) no tocante aos investimentos em clubes futebol. Os números apresentados nos levam a crer que tais marcas perceberam que o retorno deste tipo de patrocínio tem ficado aquém do planejado em grande parte dos clubes que estão presentes.
Isso ocorre não apenas em função das vendas dos produtos por eles licenciados não atingirem a um patamar que remunere o investimento, como também por entenderem que o retorno menos tangível – aquele que se consegue através da exposição, ativação e associação da marca – não está a contento. Nesse contexto dão mostras efetivas de estarem priorizando a qualidade das equipes – onde se incluem aspectos técnicos, torcida e popularidade – do que a quantidade.
Auxilia essa conclusão um quadro onde se vê claramente que na temporada analisada, nove das vinte ligas viram a concentração das três citadas marcas descer ao pior percentual desde que o trabalho vem sendo realizado.
O segundo ponto a se destacar é o aparecimento das marcas próprias, pois, ainda que praticamente restrita ao Brasil, onde está presente em quatro dos clubes contemplados no estudo, e na Itália suprindo o Lecce, essa forma de suprimentos começa a apresentar alguma significância. Exemplificando, caso agrupássemos as quatro marcas que vestem clubes no campeonato brasileiro em apenas uma, essa seria a 2ª mais presente.
Tal fato está provavelmente ligado à observação anterior, ou seja, ao desinteresse das marcas globais, o que faz com que as propostas de fornecimento por parte destas fiquem abaixo das expectativas dos clubes ou nem sequer existam.
É cedo para afirmar se tal movimento irá perdurar, devendo ser ressaltado que, ao contrário do segmento varejista que controla e domina o ponto de venda – tendo assim ingerência para ofertar, expor e armazenar seus produtos -, os clubes de futebol serão sempre dependentes de investimentos comerciais.
Todavia, independente da fragilidade do setor sob esse prisma, é provável que haja a curto e médio prazo uma perspectiva de manutenção ou até crescimento da presença das marcas próprias, cenário que ganha ainda mais força se o desinteresse no fornecimento aos clubes se estender às demais marcas. Outra dúvida diz respeito à internacionalização de tal movimento, o que, dependerá da situação econômica de cada país, de forma que a demanda pelos produtos licenciados possibilite o retorno dos investimentos das marcas.
Cumpre relatar que o presente estudo identificou a presença de 53 marcas como fornecedoras, sete a menos do que na temporada 2018-19.
São inúmeras as análises disponibilizadas no citado trabalho, dentre as quais podemos destacar as que trazem a Nike na liderança geral, a Adidas sendo a marca mais presente entre os cinco clubes mais ricos do mundo e a Puma aumentando sua participação em número de campeonatos.
Caso desejem acessar o estudo façam pelo link https://www.slideshare.net/jambosb/as-marcas-esportivas-nas-20-principais-ligas-20192020 .
MEU CASTIGO
por Rubens Lemos
Não, mil vezes não. A idade é a luz da lucidez contrariando todos os meus princípios infantis e irredutíveis. Vascaíno de herança e paixão, tenho que ser verdadeiro, pois a verdade é dos inegociáveis patrimônios imateriais que guardo comigo: o Flamengo está jogando do jeito que a escola dos campinhos de várzea manda e só não será campeão de tudo nesta reta final de 2019 por incompetência própria.
Um amigo percebeu e disse assim: na primeira das semifinais da Libertadores, o Grêmio, em casa, parecia time pequeno, fechado, medroso e prestes a surtar de medo. Confere. O Flamengo redescobriu no Brasil um detalhe catedrático: a saída de bola no toque, no passe medido, na colocação adequada de cada jogador, do avanço guerreiro e ordenado de artilharia, seus laterais e volantes auxiliando os homens de frente, criando uma estrutura humana móvel que se desloca tal casal grudado em plena gafieira.
É bacana ver o Flamengo de Jorge Jesus. É uma força de trator sobre os medrosos adversários. O Flamengo reaviva suas tradições moleques obedecendo à disciplina tática bem nítida pela ofensividade. Defesa, meio-campo e ataque. Nos bons tempos, eles abusavam do enredo. O Flamengo joga para ganhar, não faz do empate, represa de covardia ou carnaval por um mísero ponto.
Por mais que se tente enxergar algo novo nos outros, prevalece a escola gaúcha de machismo Minuano, da chegada primeiro no oponente do que a busca radical pela bola, para dominá-la e exercer o que é ensinado ou praticar a magia da improvisação.
O Flamengo pode ser imprevisível, ao tomar as rédeas da partida fora de casa ou emboscar o concorrente, esperando-o, em quase clímax de filmes de Hitchcock para fustigá-lo no erro e matá-lo de forma impiedosa.
Poucas vezes – no nivelamento rasteiro – houve tanto desequilíbrio. Nos anos 1970 e 80, uns oito a dez times podiam ser cotados como possíveis campeões. Na década de 1990, o São Paulo de Telê Santana e o Palmeiras de Wanderley Luxemburgo arrasavam quarteirões.
O Vasco de Romário aos 34 anos em 2000 foi o último a me fazer cantar de coração. E sem o brilho de anos antes, com Geovani vestindo smokings invisíveis de tão elegante na condução intelectual dos outros dez companheiros.
O Vasco de 2000 e o Cruzeiro de 2003, comandado pelo absoluto Alex, nunca levado a uma Copa do Mundo, assim como Geovani e o malabarista Djalminha, foram os últimos a paralisar a Velha Guarda.
O Flamengo de hoje, claro, devido à escassez de talento, é um time difícil de superar por não ter concorrente e por contar com o melhor elenco em campo ou na reserva. Jorge Jesus conseguiu devolver a satisfação de se ver um jogo no Brasil.
Enquanto o Vasco sobrevive no sacrifício e na expertise de Luxemburgo, o Flamengo é habilidade. O Flamengo é top. Ou um time como só uma bela mulher sabe ser. Charmosa, inabordável, elegante e mediterrânea em beleza. Mulher, de primeira.
FALTA O BÁSICO PARA A GAROTADA
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Não sei vocês, mas eu assisto até Terceira Divisão do campeonato norueguês. Sempre brinco aqui dizendo que troquei o futebol pelo Animal Planet e Os Trapalhões, mas a bola está em nossa vida, não tem jeito. Assisti vários jogos dessa última rodada do Brasileirão e volto a afirmar: a garotada sobe para o profissional sem ter aprendido o básico. Nem falo sobre os mais velhos em atividade, que nasceram tortos e ninguém consertará mais. Vejam atentamente os jogos e concluam se estou louco.
Os atacantes do Vasco, por exemplo, Talles Magno e Marrony, são extremamente úteis ao time porque são jovens, tem vigor, vão, voltam, mas não sabem concluir. O Marrony tem dificuldade até para dominar. Será que o Luxemburgo ainda não viu isso? No Fluminense, Botafogo e Flamengo a mesma coisa, podem reparar as atuações da meninada que sobe. Por isso, insisto para os professores de Educação Física irem dar aula na faculdade. O próprio Marcinho, convocado pelo Tite, é nulo em vários fundamentos.
Estou falando sobre futebol, longe de querer atingir a imagem desse ou daquele profissional. Mas se você perguntar em qualquer roda de botafoguenses ninguém entendeu essa convocação. Algum empresário já deve ter alguma negociação em andamento, certamente. E outra coisa, o futebol já está transbordando de brucutus e o Botafogo ainda me lança um atacante chamado Vinícius Tanque??? Se bem que antigamente tinha o centroavante Beijoca, que pelo apelido poderia ser um amor de pessoa, mas metia medo até nos mais temidos xerifões ds zagas, Kkkkk!!!
Só vitalidade não nos levará a lugar algum. Reparem o Gérson, do Flamengo, como saiu do Brasil e como voltou da Europa. Certamente muitos jogadores talentosos estão sendo desperdiçados na base porque os professores nunca chutaram uma bola na vida! Como vão ensinar??? Por isso, me irrita nas mesas redondas os ex-jogadores que ficam cheios de dedos para comentar, intimidados com os jornalistas das bancadas que se acham os donos da verdade. Se é para ter medinho é melhor ficar em casa. Manda a letra e pronto, doa a quem doer!!! Mas e o emprego?
Esse tal de sistema muda o comportamento das pessoas, impressionante! Sobre Brasil x Senegal estou doido para ver……o Senegal. Adoro o futebol praticado pelos africanos! E joguei com dois senegaleses na minha época de França, Jules Bocande e Saar Boubacar, talentosíssimos! Mas do Senegal gosto mesmo é de meu amigo Youssou N´dour, compositor e intérprete, espetacular!
Muita pena o nosso futebol estar sendo comandado por engessadores, gente que nunca colocou uma atadura na vida, quebrou uma vidraça, jogou descalço, driblou hidrante. A arte do improviso foi enterrada, mas a turma dos cifrões nos olhos precisa fazer a máquina rodar, vender a garotada para o exterior cada vez mais cedo, encher os burros de dinheiro e depois dar uma coletiva explicando mais um fracasso.
O JAZZÍSTICO FUTEBOL DE RONALDO, O IMPERADOR DO MORRÃO
por Marcelo Mendez
São várias as razões que aproximam o futebol de várzea do jazz. Afirmo isso sem pestanejar e reitero:
Assim como o futebol do campo de terra, o jazz é dentre todas as imperfeições, sem dúvida, a mais charmosa.
Nada nele é linear tampouco nada é previsível. No seu improviso mais insano, na sua métrica mais sinuosa, em suas melodias mais improváveis, decerto esta toda a beleza de séculos, paixões e bênçãos profanas. Penso nisso no trólebus que me leva para a pauta enquanto meu iPod toca “Take Five” de Dave Brubeck em meus ouvidos
Todas as vezes que ouço “Take Five” sou transportado para essas elucubrações todas e ao chegar no campo fazer o jogo entre Nacional e Unidos do Morro em São Bernardo, ainda sobre efeito da musica do grande pianista e dos solos flamejantes de Paul Desmond a acompanhá-lo, libertei meus pensamentos para um encontro transcendental imaginário:
Imaginei os solos certeiros do piano de Brubeck, junto da fúria cadenciada emitida pelos instrumentos de samba das torcidas dos times em questão; O resultado de tal parceria me pareceu algo que beiraria o estado poético de Dionísio. Um grande banquete humano regado por drinks psicodélicos, vinhos e arte, sendo contemplado por ávidos rostos colados no alambrado de um campo de várzea.
Eis então a Poesia. A arte veio quando olhei para o campo.
Em meio a todos os suores e chuteiras coloridas não poderia faltar um personagem a fechar toda essa grande ópera-bufa que era o jogo em questão. Neste momento dos primeiros 10 minutos jogados, olhei para todos, mas não consegui ver absolutamente nada que não fosse Ronaldo, o camisa 4, capitão do time do Unidos do Morro.
Não me chamava atenção pela estampa. Ronaldo não tinha uma grande altura, um peito de pombo estufado, brincos, moicanos, gel em cabelo nem nada do tipo. Não fazia caras, nem bocas, não gritava asneiras, nem perdia tempo com falácias.
Ronaldo era a personificação da classe.
Com a altivez dos grandes, o camisa 4 do time do Unidos do Morro, jogava futebol, da mesma forma que Dave Brubeck tocava jazz. Tinha uma elegância natural, uma sobriedade, uma aura elevada, daqueles que tem plena consciência da exuberância que é sua existência entre os mortais. Jogava futebol de maneira lindamente fácil.
Sem sofrer por nada, desarmava seus atacantes na bola usando para isso, nada que não fosse apenas o futebol. Não corria; Flutuava, bailava, tinha em seu jogo, passos de bailarino, caminhava pelo campo como um Fred Astaire que acabara de ouvir um samba de Monsueto, com uma leveza de um milhão de monges budistas em êxtase.
Determinado momento do jogo, me abstraí de todo o entorno ali no campo da Vila Vivaldi para apenas ver Ronaldo jogar. Nessa hora a trilha sonora que me veio a mente foi novamente Take Five e então concluí o inevitável:
Dave Brubeck dedicaria “Take Five” para Ronaldo se o visse jogar futebol na várzea.
Tenho certeza que de alguma forma, ele já deve ter feito isso…