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Galdino

NA BATIDA DO BOM FUTEBOL

Já no ritmo do Carnaval, a equipe do Museu foi até a quadra do Salgueiro entrevistar um personagem maravilhoso do futebol: Galdino. Baixinho enjoado e ensaboado, com passagens por Vasco, Botafogo, Ferroviária e seleção pré-olimpica em 71, o ponta-esquerda é o atual presidente da bateria da velha guarda do Acadêmicos do Salgueiro, onde já desfila há mais de 40 anos.

Criado em uma família de salgueirenses, a fera desfilou pela primeira vez em 73, ao lado de ninguém menos que Jairzinho. No ano seguinte, entrou para a bateria da escola e ali começava uma paixão que promete durar até os últimos dias de sua vida!

Praticamente em casa, Galdino nos recebeu sem camisa e com um belo chapéu da “Bateria Furiosa”, ao lado de Orelha e Uchôa, responsáveis pela manutenção dos instrumentos.

– Sem as mãos deles, a escola não vai para a avenida! – disparou!

Durante a longa resenha, Galdino apresentou fotos dos tempos de jogador e relembrou cada momento nos gramados. Para quem não se lembra, o ponta deu seus primeiros passos na escolinha do treinador Neca, do Botafogo, e foi lançado nos profissionais com apenas 16 anos por Zagallo!

Após uma excelente passagem pelo alvinegro, Galdino foi negociado com o Vasco em 74 e não demorou a cair nas graças da torcida. No meio do vascaíno Sergio Pugliese e do botaguense Guilherme Careca, o craque foi colocado em uma sinuca de bico: torce para Botafogo ou Vasco?

– Minha vida toda foi no Botafogo, desde o dente de leite até os profissionais! Não vou mentir, meu pai era vascaíno e me levava aos jogos do Vasco, mas a última vez que fui torcer o jogo terminou 4×0 para o Botafogo naquela decisão.

No Vasco, foi companheiro dos valentões Moisés e Miguel e seguia à risca as recomendações da dupla de zaga. Geralmente, o pedido era para enfrentar os zagueiros rivais sem medo e o ensaboado ponta fazia fila!

– Se eu não fosse para cima dos rivais, eu ia apanhar nos vestiários! – revelou.

Com a amarelinha, Galdino foi campeão pré-olímpico na Colômbia, vencendo o Peru na final por 1 a 0. Além dele, a equipe contava com Nielsen, Aloísio, Abel Braga, Wagner e Celso, Rubens Galaxe e Marquinhos, Ângelo, Enéas e Zico.

Voltando ao assunto Carnaval, relembramos o famoso Bloco das Piranhas e Galdino entregou Moisés. Idealizador da festa, o zagueirão não deixava a folia começar enquanto não terminasse a sua caprichada maquiagem!

– Ele nos deixava esperando duas ou três horas! Só saia de viúva, vinha todo de preto! Ele era terrível! Depois do bloco, todos iam para a quadra do Império Serrano, que fervia aos sábados!

Com outra entrevista marcada, precisamos ir embora, mas, do jeito que a resenha estava boa, seria capaz de render mais umas cinco horas! Que personagem bacana!

Assista ao vídeo e confira a resenha completa!

BUIÃO FEZ DA BOLA DE FUTEBOL UM ÔNIBUS. E FICOU RICO

por André Felipe de Lima


Os colegas caçoavam do menino João Bosco dos Santos por ele ser baixinho e um pouco gordinho. Logo passaram a chamá-lo de Bujão.

O técnico do time da garotada, o Juca Sapateiro, gostava de mandar publicar no jornal de Vespasiano, cidade mineira onde nasceu o garoto João Bosco, as proezas e as escalações do seu time, inclusive com os apelidos de cada menino. Todo mundo tinha um. Ninguém ficava impune.

Em uma daquelas resenhas do Juca Sapateiro, saiu “Buião” em vez de “Bujão”. Dali em diante João Bosco seria “Buião” para sempre.

O menino gordinho, mas muito bom de bola, nasceu no dia 31 de janeiro de 1946. Desde pequeno, com apenas sete anos (apesar do sobrepeso), se insinuava um ponta-direita veloz. Aos 10, estava no Vespasiano e, aos 16, no Independente, na segunda divisão do campeonato mineiro. Trabalhava como garçom em Vespasiano, mas mantinha a esperança de, um dia, jogar futebol à vera. O sonho não estava tão distante. Havia olheiros do Atlético Mineiro e do Cruzeiro assediando pai de Buião.

Ao completar 18 anos, em 1964, o arisco ponta foi levado pelo treinador Afonso Bandejão para Atlético Mineiro, que confirmara a contratação com o pai de Buião, antes do rival Cruzeiro. A estreia aconteceu no jogo contra o Paraense, de Pará de Minas. E não é que o garoto Buião fez o gol da vitória?

Torcida entusiasmada e cartolas felizes, uma fórmula que rendeu, no dia seguinte ao primeiro jogo, um contrato de dois anos com o Galo. E Bandejão, que, como zagueiro, também defendera o Atlético por mais de uma década, conseguiu ser contrato como técnico do Atlético.

Buião mal sabia, mas já era ídolo da torcida. Deixara de ser apenas um dos 15 filhos de uma humilde família para brilhar no futebol. Mais tarde, com o sucesso na posição, chamariam Buião de “o novo Garrincha”. Mesmo com a exagerada comparação, ele foi, com inteira justiça, relacionado entre os 44 pré-selecionáveis para Copa do Mundo de 1966.

Como o futebol de Minas pagava pouco, Buião – mesmo reconhecendo o carinho dos atleticanos e querendo permanecer em Belo Horizonte – transferiu-se para o Corinthians em 1968, permanecendo no clube até 1970.

Muitos o queriam. Buião era cobiçadíssimo, de Norte a Sul. São Paulo e Flamengo eram os mais fortes adversários do Timão no páreo pelo Buião. O Tricolor paulista, por exemplo, ofereceu três jogadores por empréstimo: Benê – craque, mas já em fim de carreira —, Carlos Alberto e Fábio. Mas foi no Corinthians em que ele ficou e onde ganhou, de cara, muito dinheiro.

A ida de Buião para o Corinthians foi uma das maiores transações da época no futebol brasileiro. Algo na casa dos 400 milhões de cruzeiros. Somente ele, que tinha apenas 20 anos e fama de melhor ponta-direita de Minas, teve direito a 15% de luvas. “Pra começar, fiz um contrato inédito, de três anos. Como era proibido, assinei dois contratos: um de dois anos e outro de um.”

Como todo mineiro que se preze, Buião chegou ao Parque São Jorge vestindo um terno de casimira escura e uma camisa social, sem gravata. O Sol naquela tarde de sábado estava forte. O craque tirou o paletó e sentou-se à beira do gramado para assistir ao jogo do Timão contra a Ferroviária, de Araraquara. Concedeu entrevistas, autografou à vontade e foi paparicado por jornalistas, carolas e torcedores. Tornara-se ídolo de véspera.

Buião tinha fé de que traria alegrias para a torcida tanto quanto Paulo Borges, o titular da ponta-direita: “Não perco missa e minha madrinha, Nossa Senhora da Aparecida, haverá de me ajudar. Já pensaram se, na noite de minha estreia, o Corinthians vence o Santos?”.

Chegara para tirar a vaga de Paulo Borges – ídolo incontestável, sobretudo por ter sido o principal ator da epopeica vitória de 2 a 0 sobre o Santos, que pôs fim a um jejum de longos e tenebrosos onze anos (e 22 partidas) sem vitória sobre o rival.

E foi naquele jogo que Buião estreou no Corinthians, com ele na ponta e Paulo Borges sendo deslocado para meia-direita. Pé-quente, esse Buião…

O dinheiro das luvas que recebera do Corinthians, Buião deu ao pai, José Sérvulo, o Barão, para comprar algumas kombis e montar uma frota de transporte escolar. O previdente Buião já pensava no futuro longe do futebol.

Enquanto ainda tinha lenha para queimar nos gramados, Buião disputava a ponta-direita do Timão com Paulo Borges.

Acreditava que seria facilmente o titular. Principalmente após ouvir de Wadih Helu, então presidente do clube, que não contrataria Paulo Borges, pois estava emprestado pelo Bangu e teria de voltar ao Rio de Janeiro.


Mas a pressão da torcida para que Paulo Borges assinasse em definitivo com o Timão foi grande, sobretudo após a vitória contra o Santos. Além da ascensão de Paulo Borges, outros fatos foram decisivos para que Buião perdesse espaço no time.

Após o craque mineiro estrear bem em 1968, o técnico Dino Sani o deixou na reserva no jogo seguinte. Protestou publicamente, especialmente durante entrevistas, e acabou sendo pouco utilizado nos jogos seguintes àquele contra o Santos. Para piorar, discutiu duas vezes com Rivellino, durante os treinos. Em um dos bate-bocas, por pouco não houve briga corporal.

A situação complicara no Corinthians, com Buião tendo o passe emprestado à Ferroviária, de Araraquara, em 1970. Uma curta temporada de apenas quatro meses, que só serviu para desestimulá-lo ainda mais.

Buião regressou ao Corinthians, que já não tinha mais Paulo Borges, mas tinha o jovem Vaguinho (Wagno de Freitas) despontando na ponta-direita. Buião acabaria deixando o Parque São Jorge e seguindo para a Gávea, em 1971. No Flamengo, ficou por empréstimo durante um ano, alternando grandes atuações com outras sofríveis.

O Flamengo se interessou em mantê-lo, mas o Corinthians pediu os mesmos 400 mil cruzeiros que pagara ao Atlético Mineiro quatro anos antes. Os cartolas rubro-negros desistiram de Buião, que voltou ao Parque São Jorge, imaginando uma nova fase, de gols e estabilidade. Nada deu certo para ele.

A segunda passagem pelo Corinthians foi menos auspiciosa que a anterior e, em 1972, acabou emprestado ao Atlético Paranaense, levado por Almir de Almeida, que ainda acreditava em seu futebol. Buião não voltaria mais ao Corinthians, que defendeu em 57 partidas , marcando apenas dois gols.

“Eu me acomodei. Se tivesse pegado firme, estaria lá até hoje, como o Vaguinho, que chegou depois. Mas não dava, eu não tinha ânimo. O banco era duro demais para quem tinha 22 anos e estava em plena forma. Cada vez que eu me lembrava da minha saída do Atlético, eu chorava. Mas a culpa foi minha, eu não lutei como devia pra sair daquela situação de reserva.”

No Rubro-Negro da Baixada, Buião foi apontado o grande destaque do campeonato paranaense de 1975. No ano seguinte, deixou o clube com o qual jamais conquistou títulos; o que não lhe impediu de manter grande empatia com a torcida e tornar-se ídolo, um dos maiores nos anos de 1970.

Se a torcida o idolatrava, não se pode dizer o mesmo do então presidente do Atlético Paranaense, Anísio Khouri, que ofereceu ao Buião menos do que recebia como salário para permanecer no clube. Buião por pouco não aceitou, não fosse uma proposta do já extinto Colorado. O duro foi ter de pagar ao Atlético 60 mil cruzeiros de rescisão contratual, pois Buião era o dono do próprio passe ao deixar o Corinthians.

Depois do Furacão da Baixada, outros clubes passaram pela vida de Buião, ou vice-versa: Grêmio, Rio Negro (Manaus), Sampaio Corrêa (Maranhão)  e Noroeste (Bauru). Sem sucesso.

Nem o Timão, nem o Mengão, tampouco o Atlético Paranaense lhe deram um título. O único troféu que Buião levantou foi pelo Colorado, mesmo assim dividindo o campeonato paranaense de 1980 com o Cascavel.

Mas pode-se dizer que Buião é um dos maiores ídolos da história do Colorado. O começo no clube, em 1977, foi pedreira. Por pouco, não foi dispensado. Só seria reconhecido no ano seguinte, quando o escolheram o melhor ponteiro do futebol paranaense, feito que repetiria em 1979.

No ano seguinte, o Coritiba o queria no time. Pedido do treinador do Coxa, Mario Juliato, ao presidente do Coritiba, Amauri dos Santos. Mas as negociações não avançaram.

Quando encerrou sua carreira, em abril de 1982, no próprio Colorado, que inesperadamente o dispensou, Buião, sem clube que o quisesse, retornou a Vespasiano.

Em abril do ano seguinte, cartolas do Atlético Mineiro e do Colorado, talvez por remorso, decidiram homenageá-lo com placas e um jogo entre os dois clubes, no Mineirão, que contou com um público de mais de 50 mil pessoas. Do meia Marinho, ídolo do Colorado como ele, recebeu uma placa; de Éder, também ídolo do Galo e seu conterrâneo, recebeu outra.

Foi tudo inesperado. Buião chegara ao estádio apenas para assistir ao jogo, mas os dirigentes dos dois clubes o obrigaram a entrar em campo e a vestir as duas camisas para a merecida homenagem ao grande ídolo que foi no passado. Buião foi um dos melhores ponteiros que Minas Gerais e Paraná já viram jogar.

FAMÍLIA ACIMA DE TUDO

Desde os tempos em que viajava o Brasil por conta da carreira de jogador de futebol, Buião fazia sempre o possível para ficar perto da numerosa família, em Vespasiano, onde, após pendurar as chuteiras, dedicou-se apenas à sua empresa. Até como motorista de sua própria frota ele trabalhou.

Tinha a convicção que vida de jogador de futebol é curta e sucesso nela é efêmero. Ganhar dinheiro com o futebol era até possível, mas investir bem depois de deixar a bola é que representa o grande desafio.

Muitos, mesmo com idade avançada para um atleta, ainda insistem. Buião sempre definiu a postura como falta de consciência do ridículo, como declarou, em 1980, ao repórter Jorge Eduardo , de “O Estado de S. Paulo”:

“Quando o profissional deixa de servir, em qualquer circunstância, aí sim, chegou a hora; e se ele insiste no erro, passa a ser motivo de chacota e humilhações. E eu não quero que isso aconteça comigo.”


O pai e dois irmãos (dos 15 filhos de “seu” Barão) sempre trabalharam com ele na Viação Buião. Além do ex-ponta, dois de seus irmãos também foram jogadores de futebol: um, defendeu o Valeriodoce de Itabira (MG) e o Goiânia; enquanto o outro não passou de juvenil do Atlético Mineiro.

A esposa, a paranaense Maria Aparecida Barros dos Santos, com quem Buião se casou em 1974, trabalhava como trocadora no ônibus em que o ex-jogador dirigia. Formada em Engenharia Química, ela deixou o emprego público no Paraná para acompanhar o marido no novo empreendimento. Infelizmente, Maria faleceu. Com ela, Buião teve três filhos.

Buião, que montou seu negócio durante os 18 anos de carreira, tem hoje dezenas de ônibus e a Viação Buião é concessionária do transporte coletivo de Vespasiano.

Mas o futebol permanece na vida do ex-craque. Quando lhe sobra um tempo, assiste aos treinos no centro de treinamento do Atlético Mineiro e arrisca uma pegada de treinador. Dirigiu o Valença, clube amador da sua cidade, mas sem compromisso formal. 

Buião achou que política era tão fácil quanto jogar futebol. Arriscou-se nas eleições de 1998, mas não conseguiu eleger-se a deputado estadual por Minas Gerais.

Foi melhor mesmo permanecer cuidando do empreendimento e curtindo as lembranças de que um dia ele, o craque Buião, foi ídolo do futebol brasileiro comparado até mesmo com Garrincha.

BUFFON, DO PLAYSTATION PARA A REALIDADE

por Wendell Pivetta


Uma das maiores lendas do futebol mundial, completou mais um ano de vida durante a semana, e este lendário goleiro é com certeza um genuíno vinho: quanto mais velho, melhor.

Desde criança, quando estava entendendo o futebol e iniciando o amor de torcedor com o Sport Club Internacional, foi através do recém chegado, na época, Playstation 1 que me foi apresentado equipes europeias, e que facilmente se destacavam virtualmente com os melhores jogadores do mundo. O rankeamento feito nestes jogadores eram altos, porém, dentre eles havia um goleiro em destaque, ainda mais se tratando de uma posição pouco valorizada naquela época que estava iniciando a era dos games de CD.

Gianluigi Buffon é um dos poucos atletas que está presente até o momento, em todas as edições do futebol virtual, sempre muito bem valorizado, a muralha se tornou marca registrada de inúmeras equipes campeãs tanto no virtual, quanto na vida real.

Um goleiro que encanta a todos dentro e fora de campo, multicampeão, fez parte da Squadra Azzurra campeã do mundo em 2006, fazendo parte de uma máquina futebolística que do meio campo para frente produzia belos gols, e a linha defensiva formava uma verdadeira guilhotina para os adversários que se aventuravam a tentar passar. O goleiro está na ativa muito em função do único título que falta em sua estante, um título que no video-game ele conquistou inúmeras vezes, na vida real faz o goleiro persistir e ainda sonhar com a famosa Champions League.

Será que o destino, ou algum pacto faz dele ser preservado de erguer a tão sonhada orelhuda? Um dos maiores crimes do futebol mundial persiste, logo com quem mais ergueu a taça, virtualmente falando.

BONS TEMPOS DE CARIOCA

por Marco Antonio Rocha


O Chevette marrom 1982 cruza a Avenida Brasil, enquanto o barulho da bandeira do Vasco, tremulando do lado de fora, invade o carro. É preciso aumentar o som do rádio para ouvir os repórteres dando as informações sobre o jogo que começará em algumas horas. Geovani, Dinamite e Romário confirmados!

O caminho entre a Ilha do Governador e Olaria é curto o bastante para o menino registrar cada cena em sua memória: carros cobertos por bandeirões, torcedores uniformizados nos pontos esperando o ônibus.

Doalcey Bueno de Camargo anuncia que o pequeno estádio já está apinhado de gente. Não demora para as palavras do velho locutor ganharem vida (e cores) na forma de Fuscas laranjas, Brasílias verdes, 147 azuis, Opalas vermelhos… Todos tentam encontrar uma nesga de vaga que seja para estacionar.

Por anos minhas tardes de domingo foram assim. Na Rua Bariri, em Moça Bonita, no Ítalo del Cima ou no quintal de casa, no Luso-Brasileiro. Não foram poucas as vezes que vi de perto (e bota perto nisso!), no acanhado estádio da Portuguesa, o Flamengo de Zico; o Fluminense de Romerito; o Botafogo de Mendonça; e, claro, o Vasco! Foi ali que Ronaldo Theobald fez a foto ”Deus de calção e chuteira”, que ganhou o Prêmio Esso em 1977 pelo Jornal do Brasil: no túnel que levava ao gramado, fiéis tentam encostar em Dinamite.

Cenas assim ficaram no passado, em um preto e branco cada vez mais desbotado. Vejo a tabela do Carioca e me surpreendo que as partidas entre Bangu x Fluminense e Madureira x Botafogo tenham sido marcadas para Moça Bonita e Conselheiro Galvão. Pequenos que enfrentam grandes em suas casas, com charanga, papel picado e faixas com declarações de amor são exceção de uma regra que privilegia (com perdão da palavra) arenas.

O Chevette marrom 1982 segue cruzando uma Avenida Brasil que só existe na cabeça do menino. Shhhh… Doalcey já vai anunciar as escalações!

ALTA RESISTÊNCIA

texto: Pedro Barcelos | fotos: Alex Ribeiro


Aviso importante para as areias cariocas: a altinha virou Patrimônio Cultural Imaterial da cidade do Rio de Janeiro na última semana. Apesar de toda a frescura alheia e de sua quase proibição (só podendo ser praticada legalmente a partir das 17h na beira da água), este esporte se mantém vivo e mais valorizado do que nunca.

Se nossos futebolistas ainda frequentassem as praias cariocas, nosso jogo continuaria atrativo para o expectador. Penso que se o domínio com elegância ainda fosse uma marca do nosso futebol, o Brasil permaneceria como o melhor do mundo. Se Heleno, Romário, Júnior e tantos outros não treinassem num terreno desnivelado e arenoso, sem dúvidas teriam mais dificuldade para jogar no gramado do Maracanã. 

Com todo o respeito aos jogadores do hemisfério norte, mas não se entra nas praias cariocas vestindo botinas. Nosso futebol se formou descalço e conquistou o mundo muito antes de se pensar que amortecedores nos calcanhares elogiariam nossos joelhos. Isso é besteira! O que acalma nossos joelhos é a areia, a estabilidade inconstante de posicionar os pés nela para um melhor controle da redonda. A imprevisibilidade do vento, a água do mar chegando justamente naquele momento de plasticidade e o grito dos ambulantes numa tentativa ingênua de desconcentrar nossos praticantes. A altinha se joga em roda e todos se ajudam. 


Por falar nisso, talvez as expressões culturais de matrizes africanas também estejam presentes aqui. A cultura de roda: roda de samba, roda de capoeira, roda de jongo, roda de altinha… A altinha é jogada por apenas um time e todos se esforçam pelo coletivo. Não é uma competição, está mais para uma dança praticada com uma esfera conectando seus artistas. 

E no nosso mundo, como tudo que não é competitivo, como tudo que só funciona através da cooperação total de seus participantes, a altinha sofreu diversas tentativas de proibição. Fracassaram! A altinha continua resistindo aos grã-finos e seus sapatos amortecidos. 

Viva a altinha carioca e o futebol genuinamente brasileiro!