FORÇA, ABEL
por Zé Roberto Padilha
Abel Braga, 67 anos, meu amigo, partiu para disputar o mundial de clubes, em 2006, não com Diego Alves, Rafinha, Felipe Luís, Arrascaeta e Gérson com bagagem internacional. Foi enfrentar, em Yokohama, o poderoso Barcelona de Valdez, Rafa Marques, Puyol, Deco, Xavi, Iniesta e Ronaldinho Gaúcho com Ceará, Índio, Edinho, Rubens Cardoso e Iarley. E venceu o mundial com um gol não de Gabigol. Mas de Gabiru. Com todo o respeito.
Se Vanderlei Luxemburgo anda tirando leite das pedras, tirou uísque 12 anos do assentado asfalto japonês.
Neste momento de sua saída do Cruzeiro pelo túnel dos fundos, mais desvalorizado que o Real frente ao Dólar, gostaria de lhe dizer que o futebol, onde iniciamos juntos nossa trajetória aos 16 anos, nas Laranjeiras, continua sendo cruel e impiedoso com seus personagens. Mereçam eles ou não.
Neste momento de plena glorificação de um novo Messias, perda de tempo lembrar aos entorpecidos e anestesiados rubro-negros que foi você quem montou a base deste espetacular time. Levou-o, na pré-temperada, ao túnel de vento com Bruno Henrique e Gabigol, e olha que não havia chegados os pneus laterais de última geração, Rafinha e Felipe Luís.
Mesmo assim venceu na Flórida, levantou o estadual e classificou o time para a Taça Libertadores.
Traído por Landim após Caim, viu seu substituto encontrar o Diego Ribas no departamento médico, que acabou com a dúvida de todo mundo se era ele quem começava ou Arrascaeta. O Gerson chegar e os laterais se assentarem na pista.
Não é questão de tirar os mérito de Jorge Jesus. É de lembrar a todos que Moisés já havia chegado antes, aberto o mar ao meio e levado sua gente à terra prometida. Enquanto deixaram você dirigir o time.
Se deixou uma base sólida no Flamengo, encontrou a do Cruzeiro com prazo de validade vencida. Mano Menezes não foi capaz de renovar seu time, deixando-o mais envelhecido que sua escalação caberia direitinho no time de máster do Luciano do Valle, caso este ídolo ainda estivesse entre nós. Infelizmente, Fábio, Edilson, Egídio, Henrique, Fred e Thiago Neves eram titulares por lá. E aí…
Sei que já está no Leblon. Então, tome um bom café e vai caminhar. E aprecie a paisagem. E saiba que se o futebol é cruel e injusto, seus amigos estarão sempre de plantão para elevar o seu astral. Afinal, amigo jornalista é para essas coisas. Como, por exemplo, tentar lhe fazer justiça. E exaltar o seu valor como um dos treinadores mais vitoriosos da história do futebol brasileiro.
Afinal, apenas cinco deles alcançaram um título mundial de clubes entre os 783 registrados, hoje, na CBF. Não é pouco!
Grande abraço
O XODÓ DE MOURINHO E JORGE JESUS
A pedido do parceiro Marcus Mattos, a equipe do Museu foi até Cabo Frio bater um papo com Macigol, campeão mundial pelo Porto e xodó de Mourinho e Jorge Jesus! Apreciando uma bela Caldeireta no restaurante Vira Verão, batemos um papo para lá de divertido com o goleador.
Vale ressaltar, no entanto, que até chegar à glória, o artilheiro rodou por vários times do Brasil, como Cruzeiro, Ituano, Bangu e Volta Redonda. No Voltaço, durante um Campeonato Carioca, ocorreu o jogo que mudaria a sua vida.
– Fomos enfrentar o Flamengo, que tinha Gamarra e Juan na zaga, e logo depois surgiu o convite para jogar em Portugal!
Embora tenha perdido por 1 a 0, o goleador revelou que nunca correu tanto, mesmo com o sol escaldante do Rio de Janeiro. O convite para Portugal era de ninguém menos que Jose Mourinho, treinador do União de Leiría na época. O técnico português ainda não era o fenômeno que conhecemos, mas todos já sabiam que o sucesso era questão de tempo.
Com moral com o português, Maciel chegou sob desconfiança dos demais. Tanto que assinou um contrato com um valor bem abaixo do esperado, mas bastou um jogo para conquistar o respeito e ganhar o salário esperado.
Após uma temporada de sucesso, Mourinho foi convidado a treinar o Porto e prometeu levar o atacante junto. Inicialmente, não foi possível por conta do excesso de contratações, mas meses depois o atacante chegou para fazer história no clube português.
– Ganhamos o Campeonato Português, a Liga dos Campeões e o Mundial!
Assista ao vídeo acima e confira a resenha completa com o artilheiro!
DINAMITANDO GERAL
por Luis Filipe Chateaubriand
O redator destas linhas não costuma escrever sobre assuntos anteriores, no futebol, a 1978, ano em que começou a acompanhar este apaixonante esporte.
Mas toda regra tem sua exceção, e esta parece valer a pena…
Em 1976, Vasco da Gama x Botafogo jogavam pelo primeiro turno do Campeonato Carioca.
Era um jogo fundamental para ambas a equipes, se quisessem conquistar o título do turno.
Um empate deixava ambos os clubes sem condições de conquistar o título, apenas quem vencesse teria alguma chance de disputar a taça com o Flamengo.
O Botafogo vencia por 1 x 0 quase até o final do jogo, até que Roberto Dinamite – sempre Roberto Dinamite – empatou.
A partir desse momento, o Vasco da Gama tomou conta do jogo e foi em busca do tento que lhe daria a vitória e a possibilidade de se manter vivo na disputa do título.
Jogo acabando, derradeiros momentos, Zanata faz um cruzamento ao lado direito da grande área, com o pé trocado – todo torto mesmo, com pressa de cruzar, pois o jogo está no fim.
A bola sobe, descai no centro da grande área, vindo em direção a Roberto Dinamite.
O muito bom, mas muito pretensioso, Osmar Guarnelli, zagueiro botafoguense, chega para bloquear o atacante vascaíno.
Com frieza, e muita categoria, Dinamite mata a pelota no peito, dá um chapéu indescritível em Osmar, avança, vê a bola descair novamente em sua frente, e fulmina de direita para as redes do clube de General Severiano!
Um golaço! Aço! Aço!
Roberto Dinamite – sempre Roberto Dinamite!
O Vasco da Gama, com este gol antológico, vencia o Botafogo por 2 x 1 e iria decidir o título do turno com o Flamengo – onde se sagrou campeão, mas isso é outra história…
Não vi in loco, tinha apenas cinco anos quando aconteceu, ainda nem sabia o que era futebol.
Mas, desde que comecei a acompanhar futebol, aos oito anos, vi muitas vezes – na televisão, depois no vídeo tape, depois em dvd, depois no youtube.
Tecnologias se sucedem.
O golaço fica.
Fica e ficará eternamente.
Tal qual o gol, o seu autor é eterno.
Dinamite sempre!
Dinamite forever!
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais de 40 anos e é autor de vários livros sobre o calendário do futebol brasileiro.
OXE, MESTRE, BOBÔ É O REI DO ARERÊ!
por André Felipe de Lima
“Quem não amou a elegância sutil de Bobô?” O refrão da música “Reconvexo”, composta por Caetano Veloso e interpretada por Maria Bethânia, diz tudo.
Como frisa o jornalista Bob Fernandes – no livro “Bora Bahêeea! A história do Bahia contada por quem a viveu”, da Coleção Camisa 13 (DBA, 2003), há quem afirme peremptoriamente que a personagem da famosa letra não é Bobô e sim Bubu, outrora dono de um botequim em Salvador onde Caetano teria ouvido pela primeira vez a música de João Gilberto e se encantado com a Bossa Nova.
Mas quem ousaria dizer que a letra não fala de Bobô? Que torcedor do Bahia acharia o contrário? Talvez nem Caetano mexesse nesse vespeiro para contrariar milhões de torcedores do amado Tricolor. A música fala do craque… e ponto final! Fala do maior jogador que o Bahia já teve em todas as suas fileiras. Fala de Bobô. Fala de Raimundo Nonato Tavares da Silva, seu nome de batismo, recebido no dia 28 de novembro de 1962, quando veio ao mundo na baianíssima Senhor do Bonfim.
O incomum apelido partiu da irmã caçula Rita, que não conseguia chamá-lo de Raimundinho, como faziam os outros seis irmãos. O que ninguém imaginaria, porém, é que aquele menino seria o mais badalado baiano do final dos anos de 1980. Mais até que Jorge Amado, João Ubaldo, o próprio Caetano ou Antônio Carlos Magalhães. Na Bahia daquela virada de década só se falava de Bobô.
Bobô que, ainda garoto, começou no futebol de salão, em 1980, no intermunicipal da cidade natal. No ano seguinte, a Associação Desportiva Catuense o descobriu. Fez sucesso e fez do clube do interior um dos melhores do campeonato local. Mas isso se restringia à boa terra. Fora da Bahia, Bobô ainda era um mero desconhecido.
Em 1982, durante a transmissão radiofônica de um jogo da Catuense contra o América carioca, no Maracanã, em jogo válido pela Taça de Prata (segunda divisão nacional), o repórter e comentarista Washington Rodrigues, então na “Rádio Globo”, não conteve a gargalhada: “O time baiano tem até Bobó”, debochou o radialista, fazendo alusão ao prato típico baiano.
Bobô é filho de Florisvaldo Tavares da Silva, o “seu” Flori, e Antonieta, a “dona Tieta”, como a chamavam em Senhor do Bonfim. O médico Pedro Amorim, grande ponta-direita do passado e ídolo do Fluminense no começo dos anos de 1940, foi grande amigo do pai de Bobô e um dos primeiros incentivadores do rapaz ainda nos tempos em que começou a despontar na Catuense, ainda bastante franzino. Fisicamente tão fraco que outro apelido pegou mais que Bobô: “Tinquim”, nome de um pássaro muito frágil comum no norte baiano.
“Ele era bem fraquinho”, recordou João Corrêa, que descobriu Bobô em uma quadra de futebol de salão em frente à sua casa, em Senhor do Bonfim. Já em 1980, olheiros de vários clubes queriam levá-lo. Por pouco o Vitória, time para o qual Bobô torcia desde pequeno (por influência de “seu” Flori), levou a melhor; mas um amigo da família acabou desviando-o para a Catuense.
Em dois meses, Bobô já estava no time principal. Quando começou a se firmar no time titular, rompeu os ligamentos do joelho direito. Foi operado em Salvador e intrigou os médicos com um impertinente inchaço no pé-direito que o incomodava todas as manhãs. Jamais os médicos conseguiram explicar o misterioso inchaço e um desesperado Bobô quase largou o futebol. Foi demovido da desastrada ideia e tocando a carreira até que em 1984, a Catuense trouxe como treinador o renomado Aymoré Moreira. Sucesso absoluto do time, Bobô não cabia apenas na pequena Senhor do Bonfim.
Quatro anos após o deboche de Washington Rodrigues, exatamente em janeiro de 1986, o Bahia pagou 1100 cruzeiros pelo passe de Bobô. Um valor muito criticado pela torcida da época. Junto com ele seguiram para o Tricolor os laterais Zanata e Alcir. E logo no primeiro ano, o craque mostrou a que veio. Formou excepcional dupla com Claudio Adão (juntos marcaram mais de 40 gols na temporada) e foi campeão estadual em 1986.
No ano seguinte, o do bi, João Saldanha empolgou-se com o futebol esbanjado por Bobô: “Um bolão. Trata-se de um cara em condição de ganhar prêmios em qualquer partida.”
E a bola de Bobô não parou de crescer, mesmo com uma grave lesão no menisco, em 1987, que o afastou sete meses do futebol. Quase foi negociado com o Cruzeiro, mas manteve-se no Bahia e comandou o time no tri em 1988. Chegara, portanto, ao olimpo baiano ao conduzir o time ao inédito título da nova versão do Campeonato Brasileiro. O segundo em escala nacional do Bahia, que já havia destronado o Santos de Pelé, na final da Taça Brasil de 1959.
Um dos heróis da conquista do título brasileiro de 88, Bobô marcou nove gols na competição. Dos 27 jogos do Bahia, foram 13 vitórias e 11 empates. O tricolor despachou o Fluminense na semifinal e, na final, mandou às favas o Internacional de Porto Alegre, na casa dos gaúchos, em um empate sem gols com o estádio Beira-Rio para lá de lotado. Deu pra ti, Colorado!
“O bom disso tudo foi a chegada ao estádio: fizeram uma macumba e puseram na porta do nosso vestiário. Macumba de gaúcho. Era um boi, cara! Um boi com farinha (…). Puta merda, era um pedaço enorme de boi!. Não era um frango, um bodinho, como é aqui. Na porta do nosso vestiário, com velas acesas e tudo mais. Aqui (no primeiro jogo da final, em Salvador), tinham feito no vestiário deles, e os caras ficaram assustados”, disse Bobô ao repórter Bob Fernandes.
Apesar da notoriedade, o craque não teve tantas oportunidades para se firmar na Seleção Brasileira. Quando se esperava uma convocação, era esquecido. Apenas Sebastião Lazaroni lembrou-se dele, logo após o título brasileiro; mas foram poucas vezes.
Deixou o Bahia em 1989 e seguiu para o Morumbi. Na transação, o São Paulo pagou um milhão de dólares por Bobô e cedeu os passes do centroavante Marcelo e do zagueiro Wágner Basílio.
Apesar do desempenho distante do que rendeu no Bahia, foi campeão paulista de 1989. No São Paulo, jogou 63 vezes, venceu 27, empatou 23 e marcou apenas 11 gols. Um ano após o título paulista, foi emprestado ao Flamengo. Um fiasco! Ficou à disposição do São Paulo em 1991, que preferiu trocá-lo pelo ponta-esquerda Rinaldo, do Fluminense. Nas Laranjeiras realizou alguns bons jogos ao lado do atacante Ézio. Em 1993, regressou a São Paulo para defender o Corinthians. Não deu certo. Foi para o Internacional, de quem foi algoz em 1988, e voltou para a Catuense em abril de 1995, após permanecer quase um ano inteiro sem jogar futebol.
Encerrou a carreira em 1997 no clube que o projetou no cenário nacional: o Bahia, com o qual marcou 81 gols e onde figura no 16º. lugar no ranking de artilheiros do clube.
Dos gramados para as cabines de transmissões esportivas de rádio e TV nos estádios. De craque, Bobô transformou-se em comentarista de jogos de futebol. Não durou muito tempo. Resolveu que a carreira de treinador lhe cairia como uma luva.
Vem tentando, mas sem resultados extraordinários. Chegou a dirigir o próprio Bahia, que não consegue abandonar de forma alguma. Sua responsabilidade no clube era a de acompanhar e organizar as divisões de base do clube. Afinal, um grande time de futebol que se preze tem de fazer “Bobôs” todos os anos.
Em 2007, o jogador viveu, contudo, uma das piores fases de sua vida. Conclusão do inquérito da Polícia Civil sobre a queda da arquibancada da Fonte Nova, em novembro daquele ano, que causou a morte de sete pessoas, indiciou quatro autoridades esportivas por homicídio doloso (quando se tem intenção de matar), com pena que poderia chegar a dez anos de detenção. Entre essas autoridades, estava Bobô que, à época da tragédia, era diretor-geral da Superintendência de Desportos do Estado da Bahia (Sudesb), órgão responsável pela manutenção da Fonte Nova.
O Ministério Público Estadual pediu o afastamento das diretorias da Sudesb e do Esporte Clube Bahia. Para o MP, a instituição e o clube eram responsáveis diretos pela tragédia. No caso da Sudesb, por manter o estádio sem condições de funcionamento; no do Bahia, por omissão em aceitar jogar no estádio e não elaborar um plano de segurança para a ocasião. O MP também considerou a Polícia Militar, a Federação Baiana de Futebol e a Confederação Brasileira de Futebol culpadas pela tragédia.
O alívio para Bobô viria no dia 18 de agosto de 2009, com o juiz-substituto da 10ª Vara Criminal de Salvador, José Reginaldo, absolvendo-o e permitindo que se mantivesse no cargo de diretor-geral da Sudesb.
Um ano depois da absolvição em primeira instância, exatamente no dia 15 de julho, a desembargadora Aidil Conceição, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia, reconheceu a decisão do juiz José Reginaldo e entendeu que o ídolo do Tricolor baiano não poderia ser responsabilizado pelas sete mortes ocorridas no episódio que ficou conhecido como “a tragédia da Fonte Nova”.
Ao longo da carreira, Bobô marcou 258 gols, e isso não se apaga da memória dos torcedores. Mesmo com o triste episódio do estádio marcado na lembrança de muitos baianos, não somente a Justiça, mas a imensa torcida baiana o absolveu.
A trajetória de Bobô é gloriosa. E, indiscutivelmente, o maior ídolo do Bahia em toda a linda história do clube. Em qualquer rua de Salvador um cidadão da boa terra e responderá: “Oxe, mestre, Bobô é o rei do arerê!”.
“E EU VOS DECLARO CAMPEÕES DA LIBERTADORES”
por João Carlos Pedroso
Tive 12 anos de novo no sábado, 23. E fé, do jeito que só uma criança pode ter. O destino quis que passasse todo o tempo de um dos jogos mais importantes da história do Flamengo em um casamento na Bahia, marcado cruelmente para praticamente a mesma hora, num lindo cenário à beira mar, mas sem televisões e com sérias restrições de postura e comportamento – isso mesmo o noivo sendo um rubro-negro apaixonado mas em momento de mostrar maturidade e compromisso com outro amor, ao contrário dos outros 40 milhões de companheiros de sofrimento. Entre eles, eu!
Cheguei puro linho, calça e camisa – o manto sagrado, estilo vintage (década de 70, o 8 de Geraldo Assoviador às costas) guardado numa sacola. Uma rápida sondagem mostrava celulares potentes captando transmissões piratas de Flamengo x River Plate. Vimos os times entrarem em campo (Gabigol bolinando a taça, safado) os times se perfilando… mas aí todas se perderam, sinal cortado, coração partido.
Era nossa hora de se perfilar, para ver a noiva entrar em campo. O noivo à espera num arranjo que parecia um gol – juro, não é delírio, ele no meio daquilo esperando, eu com um olho nele e outro no celular, acompanhando tempo real… Até que apareceu Flamengo 0 x 1 River no alerta do telefone.
Olhei para trás e meus companheiros de torcida encaravam estarrecidos para um tablet que resistia bravamente transmitindo o jogo – com delay. Me recusei a ver, dispensei um fone de ouvido oferecido, me concentrei na cerimônia. Chorei um pouco, misturando emoção e medo, talvez. Mas as porcentagens maiores eram de emoção e empatia: bonito ver um noivo com cara de bobão recebendo a mulher de sua vida. Mas angústia estava lá.
Amigo casado, hora de festa. Flamengo começou o segundo tempo um pouco melhor. O tablet resistia numa mesa e me e recusava a acompanhar por ele, queria estar junto, torcer com delay era vibrar pelo que já aconteceu, energia desperdiçada. Queria jogar junto, carai!
Peguei meu celular, fui para o YouTube e botei na Tupi. A câmera fica no Garotinho e no Apolinho, não tem imagem de jogo, mas é “ao vivo”. Rejeitei definitivamente o tablet. Voltei aos 12 anos, radinho colado no ouvido, com rápidas pausas para checar o semblante cada vez mais preocupado de Washington Rodrigues, o jornalista que rompeu a quarta parede ao ser técnico de seu clube de coração e o decoro ao mergulhar na banheira do vestiário numa comemoração.
O tempo passava e o coração apertado. Estava numa festa, gente e música, muita comida – e alguns torcedores descarados reunidos diante do tablet marcha lenta. Eu já era um pária naquele evento, mas consegui me isolar ainda mais: quando faltavam uns dez minutos para o fim do jogo, me escondi atrás de uma estátua de papagaio (o lugar da festa se chamava “Barraca do Lôro”) e entrei em outra dimensão, a dos meus 12 anos, em 1974, o ano em que mais torci por futebol na vida – o ano do primeiro estadual conquistado na era Zico (ele entrava no time desde 71, mas…) já com Júnior, na época na lateral direita.
Eu regredi, sim. Mas na verdade ia e voltava no tempo, conforme a necessidade apertava. E abraçava todos os credos. Rezei forma convencional, criei algumas orações originais naqueles poucos minutos. Lembrei do meu pai, zagueiro do Flamengo e que me passou tanto amor, pela vida e pelo clube. E do meu filho, hoje um homem de 22 anos e que no título de 2009 “batia” escanteios da arquibancada (ainda) nos jogos mais difíceis. Rezei para os dois, também.
E então aconteceu. No meio da narração confusa e picada, quando já estava quase em lágrimas (“isso não vai ser assim, não pode ser assim”) José Carlos Araújo gritou “goooooooooooooooool do Flamengo”. Surtei, saindo do meu esconderijo aos pulos e esgotando todo os palavrões acumulados em anos de vida pacata e ordeira, para espanto da incrédula turma do tablet, que só “viu” minha profecia mais de 20s depois. Peguei a camisa do Fla da bolsa e coloquei nas costas.
Eu quase foquei de vez na prorrogação, em parte satisfeito e totalmente exausto, já de volta ao meu esconderijo. Mas aí, quando tirei o telefone do ouvido para respirar um pouco, vi o Garotinho se esgoelando e Apolinho COLOCANDO A FAIXA! Gol de novo, milagre realizado e eu novamente sabendo antes de todo o mundo.
Mesmo escaldados, meus colegas de sofrimento voltaram a não acreditar na minha euforia solitária e só vibraram quando a tola objetividade das imagens garantiu que era fato. Eu arranquei do corpo o linho branco e vesti o manto. Campeão. Como se fosse pela primeira vez…
Ps: Só soube que os gols eram do Gabriel um bom tempo depois. Até porque requisito coautoria neles.
Ps1: O noivo vibrou como um louco, tirando dos ombros a “culpa” de trocar o Flamengo pela mãe de seus futuros filhos. A noiva agradeceu que o Flamengo esperasse o fim da cerimônia para marcar seus gols.
Ps2: Sempre fui medium, só nunca desenvolvi, segundo minha mãe.
Ps3: Obrigado, Raoni e Carol (os noivos), pela experiência única e inesquecível.