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TONINHO CEREZO, O ARTISTA DA BOLA

por Luis Filipe Chateaubriand


Antônio Carlos Cerezo surgiu no Atlético Mineiro, em meados dos anos 1970. 

Depois de um empréstimo ao Nacional de Manaus, voltou ao Galo para ser um dos principais artífices dos grandes times do clube na segunda metade da década.

Jogou no clube mineiro até meados dos anos 1980, quando foi negociado com a italiana Roma. 

Jogou, ainda, pela Sampdoria, pelo São Paulo, pelo Cruzeiro, pelo Lousano Paulista, novamente pelo São Paulo e encerrou a carreira no Galo mineiro.

Era o jogador peladeiro, no bom sentido da palavra. 

Com técnica excelente e preparo físico fenomenal, movimentava-se por todos os lados do campo, sendo opção segura para receber a bola e, ao mesmo tempo, um ofertador de bola aos companheiros como poucos.

Seus passes eram “açucarados”, muitas vezes magistrais. 

Tanto era capaz de fazer passes curtos para o ponto futuro, deixando companheiros em situações vantajosas para arremate ou criação de jogadas perigosas, como fazia passes longos, às vezes de mais de 40 metros, que deixavam colegas na cara do gol.

Ao longo dos anos 1970 e 1980, tornou-se cérebro de grandes times atleticanos, que contavam com nomes de destaque como Marcelo, Luisinho, Éder e Reinaldo. 

Era ele que fazia uma engrenagem quase perfeita ser colocada em ação.

Já veterano, no São Paulo dos anos 1990, continuava a ser um dínamo, um cara que fazia a diferença diversas vezes. 

Como na final do Mundial de Clubes de 1993, em que só faltou fazer chover.

Na Seleção Brasileira, teve uma carreira notável, com 73 atuações com a “amarelinha”. 

Junto com Falcão, Sócrates e Zico, compôs um dos maiores meios de campo da história de nossa Seleção.

Filho de um palhaço de circo, tinha um futebol refinado, vistoso e elegante e, assim, não deixava de ser um artista, como o pai. 

Artista da bola, produziu lembranças sobre o seu futebol exuberante que ficaram eternizadas não só para atleticanos e são paulinos, mas para os amantes do bom futebol em geral.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais 40 anos e é estudioso do calendário do futebol brasileiro e do futebol europeu. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.

LEMBRANÇAS DO MARACA SETENTÃO

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Na semana passada, lembrei que em 2020 comemora-se os 50 anos da conquista do Tri, uma data especialíssima. Assim que a coluna foi publicada várias pessoas me enviaram zaps alertando sobre o aniversário de 70 anos do Maracanã.

Mas, peraí, como me esqueceria disso se eu e o ex maior estádio do mundo temos algo em comum? Eu e o Maraca nascemos no mesmo dia, 16 de junho!!! Por isso, amo tanto esse lugar e me revoltei com a plástica de quinta categoria que o submeteram. Virou uma arena como outra qualquer, bonitinha mas ordinária.

Os estádios precisam ter alma, devem nos arrepiar da cabeça aos pés e despertar a emoção dos cronistas. A magia deve prevalecer. A arquibancada pode ser de cimento desde que seu coração esteja confortável. Quando eu corria pela ponta-esquerda (beirinha é o…..) e o geraldino me xingava a resposta vinha com um drible desconcertante, um balão, uma caneta. A ira transformava-se em idolatria e eu virava rei. Radinhos de pilha eram arremessados no campo, mas no fim do jogo eu ganhava um motorádio e tirava onda. Ganhei mais de 20!

Na minha estreia, no Maracanã, pelo meu Botafogo, guardei três contra o América e saí campeão! Perdi as contas de quantos gols fiz no Andrada e de quantos pisões levei do Moisés. Quando Francisco Horta me trouxe de volta ao Brasil e troquei o Olympique de Marselha pela Máquina Tricolor, a diretoria do clube preparou uma grande festa no Maraca e vencemos o poderoso Bayern de Munique, 1×0.

Esse estádio meu deu muitas alegrias, mas também sofri. E não foi pouco. Estava naquele desastroso 6×0 do Flamengo contra o Botafogo e na dura derrota do Botafogo contra o Fluminense na final do Carioca de 71. Nesta última, fomos prejudicados pela arbitragem e fiquei dez minutos chorando no campo sem conseguir levantar, após o apito final. Waldir Amaral narrava um tempo e Jorge Curi o outro. Mário Vianna comentava e Armando Marques distribuía cartões. Quanta saudade, meu Deus!

O Maracanã, patrimônio do futebol, jamais poderia ter sido modificado. Era um templo, virou boutique. Pelo Flamengo, ganhei um Torneio de Verão contra o Santos, de Pelé, e o Benfica, de Eusébio. Ouviram bem isso? Pelé e Eusébio! Também no Maraca, participei de um treino aberto da seleção brasileira, preparatório para 70. No intervalo, Zagallo me chamou e disse que colocaria Arílson no meu lugar. Na frente de Arílson, avisei ao Velho Lobo que não sairia, que ele escolhesse outro, Kkkk!!! Me dava muito bem com Zagallo e para evitar confusões ele pediu para Arilson dar mais um tempinho no banco.

No Vasco, formei meio-campo com Guina e Pintinho, tá ruim? As charangas nos injetavam emoção, bandeiras gigantes coloriam o velho Maraca e os camisas 7, 8, 10 e 11 davam seus shows particulares. Os cinegrafistas do Canal 100 à beira do campo flagrando as pernas bailando, o povão extasiado, Brito dando uma espanada na área, Eduzinho furando as defesas e Fio Maravilha inspirando Jorge Ben…”Fio Maravilha faz mais um pra gente ver…”.

Ele fazia e o Maraca tremia como tremiam nossos corações.

RAFAEL, O ‘TURRÃO’… O BANGU PAROU NELE

por André Felipe de Lima


Imagine um corintiano em uma família onde todos torcem pelo Palmeiras. Todos italianos e descendentes. Algo quase impossível aconteceu na casa dos Cammarota, no bairro São Judas, em São Paulo. O menino Rafael era corintiano. Exceção. E queria ser goleiro. Encasquetou que defenderia, um dia, o Corinthians. Ninguém tirava ideia tão fixa de sua mente. Quem ousaria?

Em 1969, Rafael, já com 19 anos, realizou seu sonho. Um professor o levou para uma peneira no Parque São Jorge. Foi aprovado, mas teve de esquentar banco durante quase cinco anos até algum treinador oferecer uma oportunidade. “Ei, você aí. Hoje é o teu dia. Vai estrear, garoto”. Deve ter sido mais ou menos isso que Durval Knippel, o mitológico e polêmico Yustrich, então técnico do Corinthians, disse para Rafael naquela tarde de 1974 em que o Timão disputava um amistoso em Poços de Caldas contra a Caldense. O menino fez bonito embaixo das traves. Titular do time, o goleiro Ado, tricampeão mundial em 70, rasgou elogios ao rapaz.

Mas a permanência de Rafael no Timão não durou muito tempo. Foi emprestado à Ponte Preta. Chegou a ser reserva de Carlos na final do campeonato paulista de 1977. Foram cinco anos no clube de Campinas até ser emprestado ao Grêmio Maringá, o primeiro clube paranaense na vida de Rafael. E o rapaz não decepcionou a torcida. Tornou-se ídolo. Era a grande revelação do certame local. Teve gente do Corinthians atrás dele.

Levaram Rafael novamente ao Parque São Jorge, em 1981. Perguntem ao goleiro se ele gostou? É claro. Afinal, tratava-se de um corintiano nato. Irrevogavelmente alvinegro. A estada foi, porém, pouco auspiciosa para Rafael. Sentou no banco para ver o baixinho goleiro César, companheiro de time, jogar. Não havia Democracia Corinthiana que amenizasse a decepção de Rafael com o seu clube de coração. Gostava dos companheiros. Desejava permanecer no clube, apesar da reserva. Lutava pela vaga com brio, técnica e esmero nos treinos. Esforço que nunca foi problema para Rafael. Mas havia um problema sim: Rafael batia de frente com a Democracia Corinthiana, movimento político dos jogadores do clube que, para o goleiro, soava falso. “Só três” falavam e o resto dizia “amém”. Era o que Rafael dizia naquela longínqua época.


Memória em dia, vamos lá: os pilares da Democracia eram Sócrates, Wladimir e Casagrande, com aval, ressalte-se, do então diretor de futebol, Adilson Monteiro Alves.

Não houve jeito. Rafael colheu desafetos no Timão. Wladimir — em reportagem de 1984, assinada por Roberto José da Silva — chegou a dizer naquele período: “O Rafael prejudicava o bom ambiente que estávamos formando na época. Foi expelido pelo grupo.”

Rafael acabou negociado em 1982 para outro clube do Paraná. O Atlético.

Finalmente a carreira, após mais de 10 anos, decolaria. É o que imaginava. No Furacão, Rafael não chegou a fazer história logo de cara. Sofreu grave contusão em 1982. Rompeu o tendão do pé esquerdo. Por isso fazia outra coisa: sombra para o goleiro titular Roberto Costa, mais um que não morria de amores pelo irascível Rafael. “Ele tem um gênio de lascar, costuma alardear pelos corredores que é o melhor em tudo, o mais profissional. Enfim, uma pessoa difícil de se relacionar”, disse Roberto Costa. No final das contas, Costa saiu e Rafael ficou.

Além do gênio intempestivo, as constantes contusões podem ter sido o grande entrave para que Rafael mantivesse a regularidade nos clubes que defendeu até a chegada ao time da Baixada. Na matemática desesperadora, foram oito. A mais grave em 1978, ainda na Ponte Preta. Rafael treinava quando se chocou com um atacante e teve afundamento do malar. Por pouco não perdeu a visão do olho esquerdo. Teve também a fratura na clavícula, quando defendia o Maringá. Vários meses no estaleiro.

Apesar de ser reserva de Roberto Costa e da contusão no pé esquerdo, Rafael defendeu bem as cores do Atlético. Mas pressentia que algo mudaria a sua carreira. E de forma positiva. Seria drástico. Da água para o vinho. Mudou mesmo. Em 1985. De clube, inclusive. Rafael já não era mais corintiano tampouco rubro-negro. Era Alviverde.


A saída do goleiro de um rival para outro da mesma cidade provocou a ira de muitos torcedores do Atlético. “Rafael é traidor!” ou “Os cartolas não poderiam vendê-lo para o Coritiba…”, bradavam.

O que teve de gente rasgando a carteira de sócio do Atlético não estava no gibi. Quem ria à toa era o velho “Chinês”. Evangelino Costa Neves era só festa. Tirar um goleiro do rival bicampeão estadual em 1982 e 83, não tinha preço. E o predestinado Rafael finalmente encontrou sua verdadeira casa.

No Coritiba, conquistou a vaga de titular. Intocável, frise-se. Foi campeão estadual em 1986, mas no ano anterior, a maior glória da história dele e do Coxa: o título de campeão brasileiro. Não teve Bangu, não teve decisão de pênaltis, não teve nada que tirasse a convicção daquele goleiro turrão.

Turrão? sim. Desde pequeno, quando torcia pelo Timão em uma família palmeirense; quando era contrário à Democracia Corinthiana por considerá-la elitista; por superar as graves contusões ao longo da carreira. Rafael tinha certeza: “Seremos campeões brasileiros”. O cara defendeu até pensamento. Não passava nada. Foi decisivo no jogo semifinal contra o Atlético, o Mineiro — tirou uma bola em cima da linha que garantiu o 0 a 0 e classificação —, e contra o Bangu, na finalíssima.

Rafael calou a boca de quem o definia como “velho”. Para a crônica esportiva, ninguém o superou debaixo das traves naquela reluzente temporada.

Quando o juiz apitou o final do jogo contra o Bangu, no Maracanã, ele não se conteve. Esbravejou. Retirou do fundo do armário os fantasmas que o assombravam: “O Rafael é campeão brasileiro. Onde está o Corinthians da Democracia?”. O Corinthians o revelou. Mas disputou apenas 31 jogos com camisa alvinegra, como destaca o Almanaque do Corinthians, do Celso Unzelte. O Corinthians nunca quis Rafael, essa é a verdade. Mas o Coritiba o queria. E muito.

Foram tantos os grandes goleiros que despontaram no Coxa…

José Fontana, o Rei, foi o primeiro. Jogou no Vasco e consagrou-se na seleção brasileira em um tempo em que era improvável qualquer jogador que não fosse do eixo Rio-São Paulo vestir a camisa do escrete nacional. Teve também o Ari. Goleiro papa-fina. Ainda no Coxa chegou à seleção. Depois foi para o Botafogo ser reserva de Osvaldo Baliza. Quem não se recorda de Joel Mendes? Já com a camisa do Santos vestiu a faixa de bicampeão paranaense pelo Coritiba. Ou também de Manga, na casa dos 40 anos de idade, fechou o gol do Alviverde em 1978. E o que falar de Jairo, uma verdadeira “muralha”?… mas nenhum deles foi como Rafael. Ele era especial. Afinal, foi campeão brasileiro.


Quando ergueu o troféu máximo do futebol nacional e foi paparicado pela imprensa, Rafael percebeu que a seleção brasileira não seria algo improvável. A Copa do Mundo de 1986 estava à sua porta. Mas o técnico Telê Santana priorizou a turma — sina infeliz — do eixo Rio-São Paulo. Na lista, Carlos, o titular, do Corinthians; Leão, do Palmeiras, e Paulo Victor, do Fluminense. Valdir de Moraes, então preparador de goleiros da seleção, indicou Rafael à Telê, mas o goleirão do Coxa havia recebido uma punição e, por isso, teria ficado de fora da lista. Seria efeito retardado da implicância de Rafael com alguns companheiros da antiga Democracia Cotinthiana?

Rafael Cammarota nasceu no bairro São Judas, na capital paulista, no dia 7 de janeiro de 1953. Quando encerrou a carreira, tentou se alocar em algum clube para treinar goleiros. O Guarani o recrutou.

O ídolo do Coritiba morou um tempo na capital paulista, onde manteve a escola de futebol “São Rafael”, no bairro do Ipiranga. Dividia o tempo com a garotada e com os seus carros, uma paixão de longa data. Mas retornou à Curitiba, onde todo o dia 12 de outubro abraça seu clube querido em mais um dia de aniversário.

‘MUNDIAL’, ‘LIBERTADORES’ E MUITA CHORUMELA

por André Felipe de Lima


Provocar. Não há verbo mais adequado no dia a dia dos apaixonados debates clubísticos. Ora, em 1948, o Vasco conquistou o memorável Torneio Sul-americano, no Chile, o “irmão mais velho” da Taça Libertadores da América, feito devidamente reconhecido pela Conmebol. Pois bem, o Vasco da Gama é o primeiro campeão continental das Américas e fim de papo. Aliás, a Fifa, também reconheceu, enfim, o “título mundial” do Palmeiras, conquistado, no Maracanã, em 1951. Deveria fazer o mesmo com o Fluminense, que levantou a mesma Copa Rio, no ano seguinte, ou também fazer do Vasco um legítimo campeão do mundo, após a conquista do Torneio Octogonal Rivadavia Corrêa Meyer, competição que substituiu a Copa Rio, em 1953, e nem destaco aqui o badaladíssimo Torneio Internacional de Paris, realizado em 1957, quando o Vasco desbancou o poderoso Real Madrid, de Di Stéfano, Puskas, Gento e muitos outros craques, o Racing Paris e o alemão Rot-Weiss Essen. O fato é que todas estas grandes competições — destaco apenas a Copa Rio e o “Rivadavia” — contaram com mais de seis clubes oriundos dos principais centros futebolísticos do mundo. Torneios muitos mais disputados e infinitamente mais empolgantes que o insosso Mundial de Clubes bancado pela Fifa desde 2000. E, convenhamos, a International Soccer League, disputada em 1960, em Nova Iorque, e conquistada pelo Bangu, também é uma “copa do mundo” de clubes, ora essa. Nosso Alvirrubro carioca é, sim, em tese, campeão mundial, e ponto final. Pensou que parou por aqui? Nada disso. A mesma competição seria disputada até 1965, sendo que o “campeão do mundo” de 1962 — mesmo ano em que o Santos conquistava a sua primeira edição da Copa Intercontinental ou Mundial Interclubes, como queiram — foi o querido América do Rio de Janeiro.

Por aqui, a CBF decidiu que a Taça Brasil, várias vezes conquistada por Santos e Palmeiras, deveria ingressar na lista de campeonatos nacionais iniciada com o título do Atlético Mineiro, em 1971. É justo, em termos. A Taça Brasil, em sua fórmula, assemelha-se mais à atual Copa do Brasil. Já a antiga Taça de Prata, ou Torneio Roberto Gomes de Pedrosa, disputada entre 1967 e 1970, está mais adequada ao modelo deflagrado em 1971. O que muita gente esquece é que o Atlético Mineiro seria, em tese, o legítimo primeiro campeão nacional de clubes ao levantar heroicamente a Copa dos Campeões, de 1937, organizada pela extinta Federação Brasileira de Futebol (FBF). O Galo disputou a taça, em pontos corridos, contra outras cinco equipes, dentre elas Fluminense e Portuguesa de Desportos. Mérito indiscutível.


Essa barafunda de conquistas pode ser motivo para o Flamengo requerer junto à Conmebol o título de “Campeão Sul-americano”, de 1961. Isso porque, em fevereiro daquele ano, o rubro-negro foi campeão do primeiro Torneio Octogonal de Verão, que reuniu a nata do futebol continental. Em campo estiveram Boca Juniors, River Plate, Nacional de Montevidéu, Cerro Porteño, Corinthians, São Paulo e Vasco da Gama. Todos contra todos, ponto corrido para valer. Longe da fórmula do mata-mata da Libertadores, que é até emocionante, mas que pode resultar em algumas injustiças históricas.

Se o “Mundial” valeria para o Palmeiras, vale também para Fluminense e Vasco. Se Santos e Palmeiras assumiram a pecha de maiorais em taças nacionais, reconheça-se (ou, pelo menos, deveriam) o pioneiro título do Galo mineiro. Se a Conmebol reconheceu o Vasco de 1948, por que não reconhecer o Flamengo de 1961? Seria o rubro-negro, portanto, “tricampeão” continental após levantar a Taça Libertadores de 2019?

Tudo é realmente polêmico, mas um prato cheio para fazermos do futebol um inesgotável manancial de saudáveis e acalorados bate-papos. O que desejamos, realmente, é que nossos times sejam campeões. Se a Fifa ou a CBF não reconhecem as conquistas… azar delas, e, garçom, traga, por favor, outra gelada, porque o papo só está no começo.

ENTÃO RESCINDE

por Idel Halfen


Um dia após fazer o lançamento dos novos uniformes, em tese para 2020, o Cruzeiro anunciou que irá rescindir o contrato com o fornecedor.

Apesar de estranho em função do espaço de tempo, trata-se de um direito que ambas as partes contemplam em contrato. Faltou acrescentar à informação acima que não apenas a coleção era nova, mas também o fornecedor, pois, seria a estreia da Adidas no clube mineiro em substituição à Umbro.

A inusitada situação lança luz sobre as mudanças que o mercado de fornecimento de material esportivo vem passando nesses últimos anos.

Após um aquecimento causado não apenas por uma avaliação um pouco distorcida sobre o retorno dos investimentos, mas também, no caso do Brasil, pela proximidade de megaeventos como Jogos Olímpicos e Copa do Mundo, as marcas passaram a ser mais criteriosas em suas ações e propor modelos de negócios diferentes.

Se no passado os principais clubes recebiam das marcas valores fixos mais variáveis baseados em performances esportivas e de vendas, além de um número de peças de vestuário que permitia suprir com folga suas necessidades, agora a maioria ganha basicamente a parte variável e/ou as peças – mesmo assim numa quantidade inferior ao que era no passado.


É natural que toda mudança traga insegurança e insatisfação em um primeiro momento, o que se agrava em clubes de futebol, pois as alterações costumam ocorrer em mandatos presidenciais diferentes, o que deixa a gestão que sofre a mudança vulnerável quando comparada com a anterior. Em resumo, além do impacto que é causado no orçamento em função da redução de receitas, há que se justificar internamente pelo ocorrido, pois, certamente será colocado em dúvida o poder de negociação dos envolvidos.

O problema se agrava na medida em que não há mais muitos caminhos para buscar por se tratar de um movimento das marcas globais, o qual acaba se refletindo nas menores. Diante desse quadro, passa a surgir como opção as chamadas “marcas próprias”, aliás, bastante forte no Brasil.

Os clubes que aderiram a essa “modalidade” se dizem satisfeitos, devendo ser ressaltado que nenhum deles está entre os chamados doze grandes e tampouco têm parte significativa da torcida fora do próprio estado.

Dessa forma fica difícil afirmar se, caso o Cruzeiro venha a optar por ter uma marca própria, ele conseguirá tão bons resultados, até porque, uma marca global traz entre seus benefícios intangíveis o conceito de co-branding – a associação com marcas de relevância.


O mais curioso nessa história é que os clubes que optam pelas “marcas próprias” usam como uma das justificativas para a troca: “a distribuição ruim das grandes marcas”, e o pior é que tanto a imprensa quanto a opinião pública embarcam nesse sofisma, certamente por desconhecerem que para haver distribuição é necessário que o varejo compre, isto é, para o produto chegar ele precisa ser pedido. Partindo desse corolário, um clube como o Cruzeiro deve refletir bastante se será capaz de ter uma equipe comercial que atenda boa parte dos pontos de vendas onde precisa estar presente para suprir seus torcedores e, aí sim, se terá condições de entregar.

Independentemente dos desafios que se enfrentará com esse tipo de fornecimento, a avaliação sobre sua efetividade passa antes de tudo por um comparativo entre as alternativas disponíveis – se é que existem -, tal avaliação deve vir despida de qualquer tipo de paixão ou parametrização com o que era no passado, e tendo como premissa básica a consciência de que o mercado mudou.