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Wendell

LEMBRANÇAS NA PALMA DA MÃO

A primeira missão de 2020 que Sérgio Pugliese incumbiu a equipe do Museu da Pelada em Santa Catarina de cumprir foi muito especial por várias circunstâncias. Primeiramente, pelo entrevistado, claro, mas dele falaremos mais adiante, pois havia uma longa viagem a fazer. E lá fomos eu e o cinegrafista Fernando Gustav a bordo do Pelada Móvel pilotado por Vander Schons, de Florianópolis a São Lourenço do Oeste, ou seja, mais de 600km de estrada cortando o Estado, do Leste ao Noroeste, quase na divisa com o Paraná. No entanto, o esforço da reportagem valia muito, pois teríamos a entrevistar um grande goleiro que vi muitas vezes atuando contra o meu time no Maracanã e que já havia entrevistado algumas vezes quando ele iniciava a sua carreira de treinador de goleiros no Vasco, e eu, a minha de repórter do Jornal dos Sports.

Reencontrar Wendell, portanto, já tinha um motivo especial para mim, e ganhou um aditivo quando comecei a fazer a pesquisa sobre ele e percebi que sua vitoriosa carreira como treinador de goleiros está muito pouco ou mal contada na internet. Fui então com mais esta incumbência, a de ressaltar esta parte da sua história na seleção, que tem em Taffarel um prolongamento que foi também dos gramados à comissão técnica.


Para os que não sabem ou não se recordam, Wendell foi da tristeza do corte às vésperas da Copa do Mundo de 1974, na qual – tudo indica – seria o titular, à extrema alegria de fazer parte da comissão técnica da seleção brasileira que conquistou o tetracampeonato mundial, 20 anos depois, nos Estados Unidos. O destino resolveu compensar o ex-goleiro, colocando-o na delegação, em substituição a Nielsen, poucos meses antes da viagem para a Copa de 94.  

Antes de partirmos para o Grande Oeste catarinense já sabíamos pelo filho do ex-goleiro, de mesmo nome que o pai, que Wendell vem enfrentando alguns problemas de saúde. Então, tivemos a ideia, eu e Pugliese, de colhermos depoimentos de ex-companheiros e adversários para que ele assistisse ante do início da entrevista. Consegui o do ex-zagueiro Jayme de Almeida, que atuou com ele no Guarani, e do Rio vieram vídeos com afagos e perguntas de Carlos Roberto e Paulo Cezar Caju, que jogaram com ele no Botafogo; Moreno, ex-América-RJ e Coritiba, e Rafael Casé, historiador do Botafogo. Pelo que pudemos observar nas conversas antes, durante e depois da gravação (ficamos até 2h30 da madruga papeando não só sobre futebol, mas sobre samba e as escolas do Rio também), Wendell ficou extramente feliz com a nossa visita, o que foi confirmado posteriormente pelo seu filho. Saímos de lá melhores do que chegamos, agradecendo imensamente a recepção, o carinho e a hospedagem de ambos. Isso tudo só confirmou o que já intuíamos: cumprir esta missão seria muito gratificante. E assim foi

 

HELENO, O ‘FILHO DE ARES’, OU O CENTENÁRIO DE UM DEUS ALVINEGRO

por André Felipe de Lima


No período em que fui repórter do já extinto Jornal do Commercio, no Rio de Janeiro, tive o imenso prazer de ter como colega o monstro sagrado da imprensa carioca Carlos Rangel, o querido “Rangelão”, que, como denota o apelido, tratava-se de um camarada alto no tamanho e, evidentemente, na competência como repórter. Na camaradagem também. “Rangelão”, uma figura sempre amável, infelizmente, não está mais entre nós, e lamento profundamente nas várias vezes que conversamos, entre intermináveis doses de café no botequim em frente à redação, não termos abordado sobre a figura de Heleno de Freitas. Falávamos de política, economia e cultura, mas jamais sobre Heleno. Pena…

Carlos Rangel escreveu uma biografia sobre Heleno intitulada “O Homem que sonhou com a Copa do Mundo”. Livro que este jornalista incauto só leria muitos anos depois para escrever sobre Heleno para a enciclopédia “Ídolos-Dicionário dos craques”, hoje recolhida em meus drives, gavetas e estantes da minha redação particular. Os empenhos pioneiros de Carlos Rangel e, pouco antes dele, de João Máximo e Marcos de Castro foram fundamentais para que entendêssemos (ou começássemos, pelo menos, a compreender) a incomum trajetória de Heleno. Mas foi a obra singular de Marcos Eduardo Neves, ao seguir o caminho da excelente investigação após um papo com Luiz Mendes, que revelou de vez quem foi Heleno de Freitas.

Heleno faria 100 anos neste dia 12 de fevereiro. Nenhum jogador teve a vida tão bem desenhada, perfeita para roteiros de cinema, teatro, novela, livros ou seja lá que meio de arte for possível nestes dias tão midiáticos em que vivemos. Cada momento da vida do Heleno tinha um norte trágico que pedia a boa palavra, o bom texto, a narrativa precisamente calculada pela arte que tão bem pintou-o como craque da pelota. Sim, desde a infância essa verve contornava Heleno. Um animismo sempre pareceu ladeá-lo.

Não diria que o grande craque noir brasileiro vivia às turras com o destino. O destino sim é que estava domado por ele. Pelo menos era assim que pensava Heleno e foi assim que o gênio genioso (como o definia Luiz Mendes) viveu. Brigando e vivendo, sejamos sinceros. Guerreando consigo mesmo, assim construía-se sua verdade. A cada grito com um companheiro de time ou treinador, Heleno parecia gritar com seu próprio ego.

Mas o irascível Heleno era o grito encarnado. Se não descarregava sua fúria contra alguém, despejava-a em seus chutes ou cabeçadas fulminantes. Sua face apolínea era a máscara para um Ares essencialmente enrustido, mas que o movia intensamente. E foi este mesmo deus grego que o batizou, que parece tê-lo adotado logo no primeiro grito do Heleno antes mesmo da pia batismal. Foi Ares quem definitivamente o desenhara. Pintou Heleno, sem tintas dionisíacas; pintou-o um grego guerreiro, que não poderia ter outro nome senão este que recebera em São João Nepomuceno e que foi devidamente imortalizado nos gramados e na Pérgola do Copacabana Palace, onde fumava seu cigarro e bebia seu uísque, observando o tempo e as beldades na sofisticada piscina. 

O interminável sonho chamado Heleno jamais nos deixará, como bem o descreveu Nelson Rodrigues: “Não há no futebol brasileiro jogador mais romanesco”. Como discordar do “Anjo pornográfico”? Como discordar do Rangelão? Como discordar do João Máximo e do Marcos de Castro? Como discordar do Marcos Eduardo Neves? Todos (ao seu modo) viram Heleno jogar, sobretudo Marcos Eduardo, que sequer era nascido quando Heleno foi acolhido por seu pai Ares, no Olimpo. Marcos, como nenhum outro, esteve perto de Heleno. Foi, talvez, seu melhor amigo. Amigo do solitário filho de Ares. Heleno tinha o mundo a sua volta, mas não as pessoas deste mundo.

Definitivamente, se houvesse futebol na Grécia Antiga, a Grécia das odes ao belo, ao harmoniosamente belo, certamente o seu deus da bola seria aquele solitário alvinegro. Seria Heleno.

HELENO DE FREITAS: 100 ANOS DE SOLIDÃO

por Marcos Eduardo Neves


Mítico personagem da sociedade carioca dos anos 40, se estivesse vivo Heleno de Freitas celebraria hoje 100 anos de idade. Certamente, ele adoraria ver seus familiares na festa, mas treinadores, árbitros, companheiros de time… mandaria todos para o mais longe possível.

Heleno era irascível, temperamental. Mario Vianna, principal árbitro brasileiro da sua geração, era fã da sua elegância, de seus trejeitos de cidadão grã-fino, de boa família, estudante do São Bento que se formou em Direito. Em campo, porém, era sempre obrigado a expulsá-lo.

O rebelde centroavante recebia cartão vermelho não por conta de desentendimento com adversários. Na maior parte das vezes, as vítimas eram seus próprios colegas de time. Heleno desejava que fossem tão habilidosos quanto ele. Perfeccionista, precisava ter outros dez Helenos no time. 

Nascido em São João Nepomuceno, interior mineiro, mas carioca por adoção, Heleno circulava pela high-society nos grandes cassinos e no Copacabana Palace. Amigo de João Saldanha e Carlinhos Niemeyer, era admirado e invejado. Admirado por ser jogador de seleção brasileira – se houvesse Copa do Mundo em 1942 e 1946, não fosse a Grande Guerra, seria forte candidato ao posto de artilheiro em ambas as competições. Afinal, se Leônidas da Silva foi o goleador do Mundial de 1938, e Ademir Menezes o de 1950, não há como duvidar do potencial de Heleno.

Invejado por de seu Cadillac sair quase sempre a mulher mais cobiçada do pedaço, Heleno parecia ator de novelas, modelo, capa de revistas. Cabelos glostorados à base de gomalina, ternos cozidos pelo requisitado alfaiate do Presidente Getúlio Vargas, era um figurão. Mas a vida desregrada por entre as rodas boêmias do profano ‘Clube dos Cafajestes’, seus amigos milionários, mulherengos e brigões, não necessariamente nessa ordem, levaria o galã ao vício do lança-perfume, que o conduziria a inalar éter puro antes dos trinta anos de idade. Assim, de paralisia geral progressiva, aos 39 anos Heleno morreria esquálido, deformado, em um melancólico manicômio de Barbacena. Cobaia e vítima das consequências finais de uma sífilis adquirida em alguma das inúmeras noitadas promíscuas.


Personalidade fascinante que seduziu de Armando Nogueira a Nelson Rodrigues, de Vinicius de Moraes a Gabriel García Márquez, Heleno de Freitas foi o grande ídolo do futebol brasileiro nos anos 40. Não ganhou nenhum título pelo clube do coração, o Botafogo, somente pelo Vasco da Gama, graças ao formidável ‘Expresso da Vitória’. Estrela da seleção, defendeu também o Boca Juniors, o Junior de Barranquilla, e fez pelo América uma partida icônica: o que seria a sua épica estreia no Maracanã acabou se tornando, devido à loucura que lhe corroía a mente, a sua triste despedida dos gramados.

Uma história dramática, que virou peça de Miguel Paiva. Um enredo cinematográfico, que virou filme com Rodrigo Santoro. Uma tragédia grega, como sugere o seu nome, que virou livro – cuja terceira edição sairá em março agora, sob o selo MUSEU DA PELADA. 

Pela primeira vez, um livro de esporte traz, em plena capa, a imagem de um atleta fumando. Mais uma prova de que como era diferente. De que era uma força da natureza. De que nunca houve um homem como Heleno.

NIKE + CENTAURO, COMO FICA O MERCADO?

por Idel Halfen


Os mercados de material esportivo e varejo se viram na semana passada surpresos com a aquisição da operação da Nike do Brasil pela rede varejista Centauro. O valor pago foi de R$ 900 milhões por 10 anos, o que  incluiu estoques e pontos físicos – 24 próprios e 15 com parceiros –, não fazendo parte da transação a propriedade intelectual.

Situação semelhante já tinha ocorrido com a Vans cujo controle da operação brasileira pertence agora à Arezzo e com a Under Armour tendo a Vulcabrás à frente.

Esse movimento parece indicar uma fragilidade das marcas estrangeiras em atuar no Brasil sem ter o domínio de mais de um ponto da cadeia de consumo, esta conclusão parece ainda mais evidente ao se olhar para o mercado e ver que das grandes marcas, apenas Adidas, Asics e Puma mantém a operação no país.

Há que se destacar que desde 2017 já existia um contrato entre Nike e Centauro, o qual concedia ao varejista prioridade no recebimento dos produtos, isto é, os lançamentos aconteciam primeiramente em sua rede de lojas.

Diante do evento, os analistas começaram a divagar em torno dos efeitos que o mercado sofrerá.


Grande parte afirma que a Nike melhorará sua capacidade comercial e de distribuição, o que é verdade em função das lojas físicas e virtuais da Centauro, além da boa integração entre elas. Outro ganho diz respeito à possibilidade de conhecer melhor quem são seus “consumidores”, o que anteriormente ficava restrito ao ambiente Nike.

O grupo proprietário, por sua vez, aufere vantagens competitivas, caso queira realizar ações exclusivas com os produtos da marca norte-americana. Além disso, passa a ter um maior conhecimento da concorrência, já que terá acesso às informações de compras destes, o que permite não apenas monitorá-los como também avaliar melhor os pontos e respectivas localizações.

Aqui, no meu modo de ver, reside o maior problema para os concorrentes, tanto os varejistas como as demais marcas esportivas.

A união do maior varejista de artigos esportivos, cujas vendas advém 25% dos produtos Nike, com a marca que detém a maior participação em receitas neste mercado – em volume a líder é a Olympikus – exigirá certamente uma reação dos demais players, de forma a criarem ações que promovam seus fortalecimentos.


Em suma, os exercícios de futurologia que simplesmente analisam os impactos da transação sobre o mercado, apesar de corretos, são carentes de estudos mais detalhados que simulem cenários, onde, ainda que não existam mais aquisições e/ou fusões, surjam parcerias que protejam as marcas concorrentes em detrimento à Nike e Centauro.

Há inúmeros casos, principalmente em alimentos e eletroeletrônicos, em que a indústria concede vantagens a varejistas menores para que as líderes não assumam total controle do mercado, assim como não é raro encontrar situações em que grandes varejistas privilegiam fornecedores menores para que os maiores não tenham tanto poder nas negociações comercias.

Pelo visto, a competição pelo mercado tende a ficar cada vez mais interessante, assim como já é no campo esportivo.

A competição promete.

FRANGALHO, O GÊNIO ESQUECIDO

por Paulo Souto Cultura


(Foto: Milton Montenegro)

Sou da terra de craques. Com alguns convivi e outros ouvi dizer. Sou da terra do Mestre Ziza, Altair, Roberto Miranda, Kleber, Lulinha, Alex, Jucileie, Eduardo, Bismarck, Edmundo, mesmo que insista dizer que é de Niterói e não de São Gonçalo. Sou da terra de tantos outros, que até esqueci de Vinícius Jr.. 

Sou da terra dos craques anônimos, que fariam sucesso em clubes do Brasil e do mundo. Se não fizeram, atribuo a eles a culpa pela falta de interesse, uso do álcool, drogas e as más companhias. Lembro de Airton Rachid, Muruna, Quincas (pai), Zé Carlos (irmão), Cacique, Zequinha, Potoca, Luiz, Venâncio, Dailton, Tintin, Dionizio, Mauro, Gorge e tantos gênios vitimados pelos vícios e a falta de oportunidades. 

Em meio a tantos atletas conhecidos e desconhecidos, havia um que habitava o imaginário da cidade, tornando-se uma lenda urbana por sua genialidade e feitos. Falo de Frangalho, monstro dos anos 40 e 50, que elevou o jogar futebol a um patamar acima da média, fez da bola amiga íntima, encantando Zizinho um dos maiores craques do mundo, pois eram da mesma geração. 

Seu talento não saiu dos limites do município, pelo que lhe aconteceu na juventude. Ouvi certo dia de minha mãe, o motivo que o levou a não se notabilizar no esporte bretão. Revelou-me, quando jovem e com o casamento marcado, nosso craque ao chegar na casa da noiva para o enlace, não encontrou o bolo em cima da mesa, e sim a amada sem vida. Isso liberou nele o pior, fazendo do álcool sua companhia até o fim da vida. Durante duas décadas continuou jogando seu esporte favorito, fazendo o inimaginável dentro das quatros linhas. Era impossível entender o que aquele corpo fazia, pois a lei da gravidade não permitia transformar uma simples jogada numa obra de arte. Ele conseguia. 

Foi com certeza o mágico que o país não conheceu, vítima do vício e decepção ainda menino. Mesmo com os obstáculos de um corpo sem forças, o gênio continuou fazendo milagres nos gramados da região, encantando os amantes do futebol. Os feitos do craque, fez vítimas em outras canchas e uma delas, foi o Bangu, que tinha Zizinho como destaque. 

No ano de 1957, o Tamoio recebeu os cariocas para uma partida e o time banguense foi alertado sobre o jogador. O deboche do time não foi evitado, onde o seu nome virou piada. Estádio cheio, Zizinho machucado, assistiu ao show de Frangalho. Tamoio 3×0 Bangu, com 3 gols do gênio. Esse fato levou o mestre comentar: “Eu avisei e vocês não acreditaram. Esse é Frangalho, o melhor jogador de São Gonçalo”. 

A outra vítima foi a Seleção de Paracambi numa partida memorável de Frangalho, calando o estádio lotado. Era o ano de 1959, a Seleção de São Gonçalo jogaria uma partida decisiva. No embarque, faltou o craque e sem ele era difícil ganhar. Seguiu a seleção, o médico ficou a procurar Frangalho, o achou embriagado, o socorreu, o colocou no carro em direção a cidade onde aconteceria a partida. Segundo testemunho, injetaram glicose e colocaram a fera em condição de jogo. Chegaram e souberam do pior. A seleção perdia por 1×0 e estava no intervalo. A seleção entrou com 10, enquanto banhavam e vestiam Frangalho, que nada entendia. 

Depois de um tempo, o herói improvável entrou no gramado e o estádio veio abaixo em risos, pois estava ainda embriagado e mal se mantinha de pé. Durante a partida, fez uma jogada genial e empatou. O gol calou o estádio, temendo o pior e o pior aconteceu. No fim do jogo, Frangalho cobrou uma falta com maestria e desempatou a partida. Dizem que após o gol, desmaiou e entrou em coma. Nesse mesmo ano, foi encontrado morto, numa vala fétida. Morreu Frangalho o gênio das quatros linhas, que o mundo não conheceu.