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Wágner + Léo Russo

AS MÃOS DO TÍTULO E DO CAVACO

texto: Mauro Ferreira | vídeo e edição: Daniel Planel

Peixe, samba, cerveja, Léo Russo e Wágner. A mistura ferveu no caldeirão do Museu da Pelada. No tradicional Mercado de São Pedro, em Niterói, no também tradicional restaurante do ex-goleiro e ídolo botafoguense na década de 90, música e confidências temperaram a moqueca de namorado. Enquanto Léo Russo confessava sua paixão desenfreada pelo Botafogo, nascida justo em 1995, ano do segundo título brasileiro do clube, Wágner lembrava da decisão com o Santos e de tantas outras histórias.

Mesquita, Bonsucesso e Bangu foram seus clubes antes de assinar contrato com o Botafogo. Considerado pé-quente pela torcida, estava no banco de reservas na conquista da Copa Conmenbol de 93. O goleiro na final contra o Peñarol foi William Bacana. Mesmo no banco, naquele jogo nascia mais um torcedor apaixonado. Alto, mãos enormes, Wágner é mais um representante de uma longa lista de goleiros negros do clube.

Ídolo

“Na pelada que eu jogo, quando vou pro gol e faço uma defesa, o grito que sai é Wááááágneeerrrr”. Léo Russo vai além. Lembra da defesa salvadora no segundo jogo da final contra o Santos, no Pacaembu. Os dois ou três centímetros a mais da mãozona direita empurraram a bola do ninho da coruja para a linha de fundo. Da garganta dos locutores saiu o mesmo grito do sambista quando travestido de goleiro na pelada: “Wááááágneeerrrr”!

A conquista do Brasileiro entregou a Wágner outro título: é um dos ídolos máximos da torcida. Está no patamar de Manga e Jefferson – “na ordem, Manga, Jefferson e eu”. Mesmo assim, desce constantemente do pedestal – até por não ser lugar confortável para ele – para debater via redes sociais os jogos e as decisões da diretoria. Soube antes de muitos da contratação de Paulo Autuori e comemorou a chegada do treinador, também campeão em 95.

Torcedor de bandeira, carteirinha e camiseta, só não conseguiu realizar um sonho. Os olhos marejam quando diz que gostaria de terminar a carreira no Botafogo. A diretoria não quis. “Era o meu sonho… era o meu sonho” recorda, enquanto a memória se perde no nada como se lembrasse de uma despedida que não aconteceu.

Aliás, recordações não faltam. São muitas, todas ainda muito vivas, e garantem a história de Wagner dentro do Botafogo e do futebol brasileiro. E elas vão escapando, aqui e ali, todas enormes em importância, do tamanho de seu contador. Entre panelas, pratos e talheres, Wagner ainda é o goleiro do Botafogo. 

Seu restaurante pode ser pequeno pra tantas recordações, mas o peixe de 95 é saboreado até hoje.  

O PEQUENO PRÍNCIPE DE SÃO JANUÁRIO

por Luis Filipe Chateaubriand


Geovani Silva, o Pequeno Príncipe, era daqueles jogadores que se sentia êxtase em ver atuar, a classe e inventividade no trato com a bola. 

Capixaba, muito cedo deixou a Desportiva Ferroviária, de Cariacica, rumo ao Vasco da Gama, onde sua fama assim se fez. 

Com passagens pela Itália e pelo México, sempre voltava a São Januário, seu porto seguro. 

Jogador de impressionante controle de bola, era capaz de aparar uma bola descendente com o bico da chuteira. 

A redonda parecia grudar em seus pés, gostando de ser bem tratada. 

Os passes eram executados com categoria ímpar, pois o Pequeno Príncipe botava a esfera onde queria. 

Passe curto, passe longo, tabelinha, lançamento, alçada de bola, tudo – rigorosamente tudo – feito milimetricamente. 

Visão de jogo privilegiada, era capaz de antever o companheiro que ficaria bem posicionado, lhe acionando antes mesmo que este tivesse noção de que estava bem posicionado. 

Certa vez, em um Flamengo x Vasco da Gama de 1984, fez um espetacular gol de cobertura em nada mais nada menos que Ubaldo Fillol, que está procurando a bola até hoje… 

Na Seleção Brasileira, foi injustiçado, especialmente por não ter sido convocado para a Copa do Mundo de 1990. Jogou bem menos com a “amarelinha” do que merecia. 

De todo modo, o Pequeno Príncipe será lembrado eternamente, por vascaínos ou não, como craque de bola!

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais 40 anos e é  estudioso do calendário do futebol brasileiro e do futebol europeu. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com

O ESTOPIM DO GRE-NAL DO SÉCULO

por Wendell Pivetta


Há 31 anos, o Internacional de Porto Alegre conquistava mais uma vitória em clássicos Gre-Nais, mas essa foi especial. Em um domingo de calor perto dos 40ºC, quase 80 mil espectadores presenciaram o aclamado Gre-Nal do Século. O colorado venceu o Grêmio por 2×1, dois gols do centroavante Nilson, e conquistou a vaga às finais do Campeonato Brasileiro e um lugar na Copa Libertadores da América. O feito entrou para a galeria das grandes vitórias em Gre-Nais.

Para os colorados, o Carnaval daquele 12 de fevereiro foi ampliado, e a partir daquele jogo, mesmo com um atleta a menos em campo e com a desvantagem do placar, o até então pouco conhecido treinador Abel Braga entrou para o vestiário e fez o Internacional retornar para o segundo tempo fulminante, iniciando uma história gigante.

O gre-nal do século foi o primeiro a valer vaga em âmbito nacional, além do Gaúchão, e depois veio outras disputas como na Copa do Brasil de 1992, quando o colorado também passou pelo Grêmio nas quartas de final e sagrou-se campeão ao superar o Fluminense na final. Em 1999, deixou o adversário para trás na Seletiva para a Libertadores. Nas edições de 2004 e 2008 da Copa Sul-Americana, o Inter também encontrou o Tricolor em fases eliminatórias e levou a melhor nas duas oportunidades. Recentemente, na Copinha, a rivalidade tomou conta logo no aniversário de São Paulo, e o colorado se sagrou campeão com seus jovens talentos.

Em 422 encontros, o Colorado venceu 156, empatou 134 e foi derrotado 132 vezes. São, portanto, 24 vitórias a mais sobre o Grêmio. O gre-nal do século marcou a trajetória da maior rivalidade do sul do país, e uma das maiores do país.

Internacional no Gre-Nal do Século: Taffarel; Luis Carlos Winck, Aguirregaray, Nenê e Casemiro; Norberto, Leomir (Diego Aguirre), Luis Carlos Martins e Mauricio (Norton); Nilson e Edu Lima.

Wendell

LEMBRANÇAS NA PALMA DA MÃO

A primeira missão de 2020 que Sérgio Pugliese incumbiu a equipe do Museu da Pelada em Santa Catarina de cumprir foi muito especial por várias circunstâncias. Primeiramente, pelo entrevistado, claro, mas dele falaremos mais adiante, pois havia uma longa viagem a fazer. E lá fomos eu e o cinegrafista Fernando Gustav a bordo do Pelada Móvel pilotado por Vander Schons, de Florianópolis a São Lourenço do Oeste, ou seja, mais de 600km de estrada cortando o Estado, do Leste ao Noroeste, quase na divisa com o Paraná. No entanto, o esforço da reportagem valia muito, pois teríamos a entrevistar um grande goleiro que vi muitas vezes atuando contra o meu time no Maracanã e que já havia entrevistado algumas vezes quando ele iniciava a sua carreira de treinador de goleiros no Vasco, e eu, a minha de repórter do Jornal dos Sports.

Reencontrar Wendell, portanto, já tinha um motivo especial para mim, e ganhou um aditivo quando comecei a fazer a pesquisa sobre ele e percebi que sua vitoriosa carreira como treinador de goleiros está muito pouco ou mal contada na internet. Fui então com mais esta incumbência, a de ressaltar esta parte da sua história na seleção, que tem em Taffarel um prolongamento que foi também dos gramados à comissão técnica.


Para os que não sabem ou não se recordam, Wendell foi da tristeza do corte às vésperas da Copa do Mundo de 1974, na qual – tudo indica – seria o titular, à extrema alegria de fazer parte da comissão técnica da seleção brasileira que conquistou o tetracampeonato mundial, 20 anos depois, nos Estados Unidos. O destino resolveu compensar o ex-goleiro, colocando-o na delegação, em substituição a Nielsen, poucos meses antes da viagem para a Copa de 94.  

Antes de partirmos para o Grande Oeste catarinense já sabíamos pelo filho do ex-goleiro, de mesmo nome que o pai, que Wendell vem enfrentando alguns problemas de saúde. Então, tivemos a ideia, eu e Pugliese, de colhermos depoimentos de ex-companheiros e adversários para que ele assistisse ante do início da entrevista. Consegui o do ex-zagueiro Jayme de Almeida, que atuou com ele no Guarani, e do Rio vieram vídeos com afagos e perguntas de Carlos Roberto e Paulo Cezar Caju, que jogaram com ele no Botafogo; Moreno, ex-América-RJ e Coritiba, e Rafael Casé, historiador do Botafogo. Pelo que pudemos observar nas conversas antes, durante e depois da gravação (ficamos até 2h30 da madruga papeando não só sobre futebol, mas sobre samba e as escolas do Rio também), Wendell ficou extramente feliz com a nossa visita, o que foi confirmado posteriormente pelo seu filho. Saímos de lá melhores do que chegamos, agradecendo imensamente a recepção, o carinho e a hospedagem de ambos. Isso tudo só confirmou o que já intuíamos: cumprir esta missão seria muito gratificante. E assim foi

 

HELENO, O ‘FILHO DE ARES’, OU O CENTENÁRIO DE UM DEUS ALVINEGRO

por André Felipe de Lima


No período em que fui repórter do já extinto Jornal do Commercio, no Rio de Janeiro, tive o imenso prazer de ter como colega o monstro sagrado da imprensa carioca Carlos Rangel, o querido “Rangelão”, que, como denota o apelido, tratava-se de um camarada alto no tamanho e, evidentemente, na competência como repórter. Na camaradagem também. “Rangelão”, uma figura sempre amável, infelizmente, não está mais entre nós, e lamento profundamente nas várias vezes que conversamos, entre intermináveis doses de café no botequim em frente à redação, não termos abordado sobre a figura de Heleno de Freitas. Falávamos de política, economia e cultura, mas jamais sobre Heleno. Pena…

Carlos Rangel escreveu uma biografia sobre Heleno intitulada “O Homem que sonhou com a Copa do Mundo”. Livro que este jornalista incauto só leria muitos anos depois para escrever sobre Heleno para a enciclopédia “Ídolos-Dicionário dos craques”, hoje recolhida em meus drives, gavetas e estantes da minha redação particular. Os empenhos pioneiros de Carlos Rangel e, pouco antes dele, de João Máximo e Marcos de Castro foram fundamentais para que entendêssemos (ou começássemos, pelo menos, a compreender) a incomum trajetória de Heleno. Mas foi a obra singular de Marcos Eduardo Neves, ao seguir o caminho da excelente investigação após um papo com Luiz Mendes, que revelou de vez quem foi Heleno de Freitas.

Heleno faria 100 anos neste dia 12 de fevereiro. Nenhum jogador teve a vida tão bem desenhada, perfeita para roteiros de cinema, teatro, novela, livros ou seja lá que meio de arte for possível nestes dias tão midiáticos em que vivemos. Cada momento da vida do Heleno tinha um norte trágico que pedia a boa palavra, o bom texto, a narrativa precisamente calculada pela arte que tão bem pintou-o como craque da pelota. Sim, desde a infância essa verve contornava Heleno. Um animismo sempre pareceu ladeá-lo.

Não diria que o grande craque noir brasileiro vivia às turras com o destino. O destino sim é que estava domado por ele. Pelo menos era assim que pensava Heleno e foi assim que o gênio genioso (como o definia Luiz Mendes) viveu. Brigando e vivendo, sejamos sinceros. Guerreando consigo mesmo, assim construía-se sua verdade. A cada grito com um companheiro de time ou treinador, Heleno parecia gritar com seu próprio ego.

Mas o irascível Heleno era o grito encarnado. Se não descarregava sua fúria contra alguém, despejava-a em seus chutes ou cabeçadas fulminantes. Sua face apolínea era a máscara para um Ares essencialmente enrustido, mas que o movia intensamente. E foi este mesmo deus grego que o batizou, que parece tê-lo adotado logo no primeiro grito do Heleno antes mesmo da pia batismal. Foi Ares quem definitivamente o desenhara. Pintou Heleno, sem tintas dionisíacas; pintou-o um grego guerreiro, que não poderia ter outro nome senão este que recebera em São João Nepomuceno e que foi devidamente imortalizado nos gramados e na Pérgola do Copacabana Palace, onde fumava seu cigarro e bebia seu uísque, observando o tempo e as beldades na sofisticada piscina. 

O interminável sonho chamado Heleno jamais nos deixará, como bem o descreveu Nelson Rodrigues: “Não há no futebol brasileiro jogador mais romanesco”. Como discordar do “Anjo pornográfico”? Como discordar do Rangelão? Como discordar do João Máximo e do Marcos de Castro? Como discordar do Marcos Eduardo Neves? Todos (ao seu modo) viram Heleno jogar, sobretudo Marcos Eduardo, que sequer era nascido quando Heleno foi acolhido por seu pai Ares, no Olimpo. Marcos, como nenhum outro, esteve perto de Heleno. Foi, talvez, seu melhor amigo. Amigo do solitário filho de Ares. Heleno tinha o mundo a sua volta, mas não as pessoas deste mundo.

Definitivamente, se houvesse futebol na Grécia Antiga, a Grécia das odes ao belo, ao harmoniosamente belo, certamente o seu deus da bola seria aquele solitário alvinegro. Seria Heleno.