JOGOS SURREAIS
por Jorge Lasperg
Alguma vez você, amigo leitor, já assistiu a alguma partida de futebol que, de tão bizarra, parece que nunca aconteceu de verdade, que foi apenas um sonho? Pois foi assim que eu me senti algumas vezes assistindo partidas que beiravam o absurdo. Exatamente como aquela na noite de 21 de Fevereiro de 1973 (há exatos 47 anos). Naquela ocasião, o Flamengo estava disputando o “Torneio do Povo”, que reunia os clubes de maior torcida em seus estados, e naquela noite, o Flamengo enfrentava o Bahia, clube de maior torcida da boa terra. Nunca mais esqueci o nome do juiz que apitou aquela partida: Garibaldo Matos.
Corria o jogo, e o tal juiz já havia expulsado um jogador de cada time: Paulo Cezar Caju pelo Flamengo (o craque do time), e Washington pelo Bahia (quem?). Jogo perto do final, e o Flamengo vencia por 1×0 até os 45 minutos do segundo tempo, gol do Dadá Maravilha (ou “Peito-de-Aço”, como o grande Jorge Cury costumava chamá-lo), quando o tal juiz marca um pênalti pra lá de maroto contra o Flamengo. Confusão, empurra-empurra, protestos, invasão de campo, o escambau. Roberto Rebouças apresenta-se para cobrar o pênalti para o Bahia. Estranhamente, o juiz Garibaldo Matos permitiu que todos os invasores do gramado ficassem atrás do gol defendido por Renato, pressionando e tentando desconcentrar o nosso goleiro. Jorge Cury narrou “caminha para a bola Roberto Rebouças, correu, apontou, atirou, e DEEEEEEFENDEEEEEEEU RRRENATOOOOOO!”, que chuta a bola para longe e celebra a defesa (e a manutenção da vitória) com os companheiros. Mas a alegria durou pouco. Pressionado pelos invasores do campo e pelos jogadores do Bahia, Garibaldo Matos mandou voltar a cobrança, alegando que Renato havia “tirado um dos pés da linha do gol antes que Roberto Rebouças tocasse na bola”. Muitos protestos, reclamações, mas nada adiantou. Novamente os invasores do gramado estavam atrás do gol defendido por Renato, novamente a bola na marca de cal, novamente Roberto Rebouças preparado para a cobrança, novamente Jorge Cury narra “caminha para a bola Roberto Rebouças, correu, apontou, atirou, e DEEEEEEFENDEEEEEEEU RRRENATOOOOOO!”, que novamente chuta a bola para longe, e celebra a nova defesa com os companheiros. E, absurdo dos absurdos!, novamente o tal juiz manda voltar a cobrança, novamente alegando que Renato havia “tirado um dos pés da linha do gol antes que Roberto Rebouças tocasse na bola”. Aí foi demais, e a coisa descambou para confusão e pancadaria. No auge do surrealismo, Fred, zagueiro do Flamengo e irmão de Paulo Cezar Caju, partiu para cima do juiz. A polícia baiana apresentou suas armas: com escudos transparentes, cassetetes e capacetes reluzentes, partiu para cima de Fred que, desesperado, correu e subiu no alambrado, mas não pode pular para fora do campo, porque a torcida do Bahia esperava-o do outro lado para iniciar o linchamento. Imaginem só o bizarro da situação: Fred em cima do alambrado, sendo hostilizado pela torcida por um lado e pela Polícia Militar da Bahia pelo outro lado. A essa altura, não havia mais nenhum controle sobre o jogo, e o número de invasores tinha dobrado, segundo estatísticas da época. Quando houve, enfim, um mínimo de ordem, novamente a pequena multidão postou-se atrás do gol de Renato, novamente a bola foi colocada na marca de cal, e novamente Roberto Rebouças encaminha-se para a cobrança. Só que, desta vez, depois de uma rápida conversa com o juiz, ele desiste da cobrança e cede a vez para Fito, que cobra o pênalti e, finalmente, marca o gol de empate do Bahia, e o tal juiz encerra o jogo sem dar nova saída.
No noticiário do dia seguinte, a imprensa baiana alegou que Roberto Rebouças foi perguntar ao juiz se ele podia ceder a cobrança para outro companheiro, no que foi prontamente atendido. Já a imprensa carioca, inconformada com os absurdos ocorridos durante quase todo o jogo, afirmou que foi o próprio Garibaldo Matos que impediu que Roberto Rebouças cobrasse o pênalti, e ordenou que Fito efetuasse a cobrança. Mas isso, amigos, já é uma outra história…
ÍNDIO, TUA ÁREA, SUA CASA
por Wendell Pivetta
O zagueiro multi-campeão pelo Inter, completou neste mês 45 anos e, junto de seu aniversário, um legado vive no clube colorado dos pampas. Começou a jogar futebol nos times de várzea de Maracaí, no interior de São Paulo, quando ainda era um cortador de cana de açúcar. O apelido ‘Índio’ foi ganho em virtude dos seus cabelos compridos, que lembravam uma figura indígena. Contratado junto ao Juventude em 2005, Índio logo assumiu a titularidade.
Aos 39 anos, se aposentou do futebol, deixando um legado inesquecível pelo clube do povo. Completou 10 temporadas, com 391 partidas e 33 gols. Superou nos gols, a marca que antes pertencia ao lendário zagueiro Figueroa, ídolo da década de 70, autor de 26 gols. É o defensor que mais gols marcou na história do Colorado.
Deixou marcas inesquecíveis para a torcida, como a de ser carrasco em clássicos gre-nais, sempre deixando sua marca no placar. Era só pintar o clássico que a torcida já sabia que teria gol do zagueiro. Em 2006 foi de seu sangue derramado no gramado de Yokohama que começaram a pintar o mundo de vermelho. Mesmo com o nariz quebrado após uma dividida, o zagueiro se levantou, estancou o sangue e ajudou com toda sua raça o clube gaúcho conquistar o mundo.
Nos 13 títulos conquistados (contando com o mundial), estão duas Libertadores, duas Recopas e uma Sul-Americana. Hoje, nosso aniversariante segue a vida, ajudando a espalhar o nome do clube pelo Brasil com ações consulares, cuja qual, conheci o zagueiro, sempre sorridente e humilde.
PONTO DE ENCONTRO
por Claudio Lovato Filho
Leio tua mensagem e começo a seguir tua instrução: “Me encontra no portão 4”.
Guardo o celular no bolso da calça e começo a dar a volta no estádio.
É quarta-feira, já passa das 9 da noite, apresso o passo do mesmo jeito que faz a maioria dos torcedores em minha volta.
Está quente e um vento atravessado insinua a possibilidade de pé-d’água a qualquer momento.
Vejo um ambulante com o isopor lotado de água mineral e cerveja, penso em tomar uma, mas desisto da ideia, porque quero chegar logo ao nosso ponto de encontro.
Um casal vai à minha frente. Um rapaz e uma moça de seus 20 anos. Estão abraçados e caminham quase saltitando, excitados, eufóricos, felizes de um jeito que só é possível nessa idade e nessas circunstâncias.
Em sentido contrário ao meu se aproxima um homem, ainda jovem, com dois meninos agarrados aos seus braços. Todos vestem a camiseta do time e os meninos se esforçam para acompanhar o passo do adulto, que, ao que tudo indica, é o pai. Quando passam por mim ouço um dos guris dizer: “Hoje a gente tem que ganhar!” Então penso nas vezes em que estive naquela mesma situação, dizendo a mesma coisa. Pra ti.
Chego por fim ao portão 4, o nosso ponto de encontro. Acendo um cigarro, mesmo sabendo que reprovas esse meu mau hábito, e releio no celular a tua mensagem de e-mail, e a releio e releio e releio, e digo para mim mesmo que não importa que ela tenha sido escrita e enviada por ti há um ano, quando ainda tínhamos entre nós tua presença alegre e forte e teu braço para segurar (para te amparar e nos sentirmos amparados).
Então apago o cigarro, guardo o celular e começo a caminhar em direção à rampa de acesso.
‘SÓCRATES É O CAPRICHO DO FUTEBOL’
A frase proferida por Dida, ídolo do Zico e outro gigante do futebol brasileiro, mostra com exatidão quem foi o gênio que brilhou no Corinthians e na seleção brasileira. Veja outros importantes testemunhos autorizados sobre o nosso saudoso “Doutor” colhidos pelo mestre do jornalismo José Maria de Aquino.
por André Felipe de Lima
Sócrates faria anos hoje. Dos grandes craques vi jogar e que já se foram é dele que sinto mais saudade. Com o “Doutor”, aprendi a gostar do futebol bonito, bem jogado e também fiquei bastante atento com a política. Hoje, dia 19, recordo opiniões sobre Sócrates ditas por feras da crônica e da bola ao repórter José Maria de Aquino, em 1979, e publicadas pela revista Placar.
O querido Sergio Noronha resumia o “Magrão” como a “simplificação do futebol” e que não havia nenhum outro em passado mais remoto parecido com o seu estilo. Ou seja, Sócrates era um sem igual para o Noronha. O treinador Flávio Costa já o achava semelhante, em estilo e físico com Ipojucan, ex-craque do Expresso da vitória vascaíno dos anos de 1940 e 50, e o gênio holandês Johann Cruyff. Lembro-me do meu pai sempre dizer o mesmo, sobretudo em relação ao Ipojucan, que magistralmente fazia passes de calcanhar como Sócrates faria décadas depois.
O escritor Ignácio de Loyola Brandão talvez tenha sido um dos mais empolgados com Sócrates quando o doutor começou a despontar no Corinthians, em 1979: “Do modo como está evoluindo, falta pouco para ser um novo Pelé. Seu modo espigado, sua postura em campo, seu modo de ver o jogo e as coisas, tornam Sócrates uma figura com características muito pessoais. Tem o tipo de genialidade que fez de Pelé e de Leônidas casos únicos. Gênio não se compara a ninguém.”
João Saldanha tinha fama de durão e exigente. E era mesmo e um pouco mais. Por isso, mandou às favas um ditador brasileiro quando o defenestraram da seleção brasileira antes da Copa de 70. Sobre Sócrates, Saldanha dizia ser o “melhor one touch man (jogador de um toque só) do mundo”. O técnico e cronista sabia das coisas, Sócrates foi um jogador de estilo refinado e rápido. A bola corria com ele sem delongas, como sempre recomendara outro mestre, o meia Didi. “Ele se parece demais com Tostão, embora seu biotipo nada tenha a ver com o daquele ex-jogador”, sentenciara o João “Sem medo”.
Ídolo maior do Zico, Dida definiu o nosso querido doutor da bola de forma poeticamente perfeita: “Sócrates é o capricho do futebol”. Brilhante opinião de um dos melhores jogadores do Flamengo em todos os tempos. Para o grande Dida, que tanto inspirou o Galinho, Sócrates se parecia bastante com Ipojucan na elegância com a bola nos pés: “Compridão. Engana muito: parece lento e não é.”
O também escritor e jornalista Roberto Drummond achava o mesmo, Sócrates e Ipojucan pareciam ser o mesmo craque, mas em épocas distintas. O mineiro foi, contudo, um pouco cético em relação ao doutor quando o craque despontara no Timão. Achava certo exagero da imprensa defini-lo como um fora de série. O jogador — criticava o jornalista — resumia-se a um “tigre de papel fabricado em São Paulo e transformado por Placar em personagem de ficção”. Ao olhar ríspido do mineiro, Magrão era apenas uma “esperança magra e alta”. Mas bastaram somente dois anos para que mudasse drasticamente de opinião: “Eu me enganei. Ele é um gênio.”
E não podemos encerrar a crônica com o velho, porém justo chavão: “Obrigado, doutor”. E obrigado também ao mestre José Maria de Aquino por ter pinçado todos estes depoimentos que ajudam a mostrar aos mais jovens que Sócrates foi um dos maiores e melhores jogadores da história do futebol brasileiro. Um gênio inquestionável.
70 ANOS DE PRAIA
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Minhas estreias sempre foram marcantes. Em todas, aquele friozinho na barriga e o desejo de entrar logo em campo. Em 67, pelo Botafogo, primeira vez no Maracanã, marquei os três gols da vitória contra o América, na final da Taça Guanabara. Aquele momento ainda está congelado em minha memória. Cinco anos depois, estreava pelo Flamengo, também no Maraca, no Torneio de Verão, enfrentando o Santos, de Pelé, e o Benfica, de Eusébio. O Fla tinha Renato, Moreira, Chiquinho, meu irmão Fred, Reyes, Rogério, Fio, Caio Cambalhota e Arílson. Fomos campeões! Em 74, me mandei para o Olympique de Marselha e fiz o gol da vitória contra o Strasbourg. Não falava a língua, não conhecia ninguém e fomos vice-campeões. Aí, em 76, o Horta me trouxe para integrar a Máquina Tricolor. A estreia foi no maior do mundo contra o poderoso Bayern de Munique, base da seleção alemã, e vencemos por 1×0, com show de Cafuringa e Mário Sérgio. Da Máquina para o Time do Camburão, no Botafogo, com Rodrigues Neto espanando e os delegados Hélio Vígio e Luís Mariano, na comissão técnica. Ficamos 52 jogos invictos. Depois teve Grêmio, Vasco e, claro a seleção brasileira. Aos 17 anos, fui convocado por Zagallo para um jogo contra o Chile, em Santiago. Vencemos por 1×0, gol de Roberto Miranda. O curioso era que essa seleção era formada apenas por jogadores do Bangu, campeão de 66 e Botafogo, de 67, e o chefe da deleção foi Castor de Andrade, que reprovou o hotel escolhido pela federação chilena e, com dinheiro do próprio bolso, nos levou para o melhor da região, Kkkk!!!
Fora de campo, trabalhei no Pasquim, Diário de SP e, recentemente, Globo, mas a Placar é aquele time em que todos sonham jogar. E eu nem teria motivos para sonhar porque apanhei muito dos cronistas paulistas, Kkkk!!! Minha relação com São Paulo sempre foi de amor e ódio. Era vaiado quando chegava ao Aeroporto de Congonhas e rebatia dizendo que não gostava da cidade, suja e poluída. Fui contratado pelo Corinthians, mas odiei e apesar de me dar muito bem com Sócrates, não me encaixei com a filosofia da Democracia Corinthiana, até porque eu adorava treinar, Kkkk!!! Anos depois, comprei um apartamento, no Morumbi, onde morei 20 anos com minha mulher, Ana Reis, e, hoje, amo esse estado. Estive em várias capas da Placar e em incontáveis matérias, ganhei quatro Bolas de Prata, mas nunca entendi não ter levado uma de Ouro. Sempre colecionei Placar, El Gráfico, France Football e L´Équipe. Se eu não fosse o Caju, negão marrento, 70 anos de praia, talvez eu falasse aos leitores da Placar que “vou dar o meu máximo”, “seguir as orientações do professor” e “lutar pelos três pontos”, mas prefiro dizer que chego para falar de futebol na linguagem do boleiro, sem esse discurso professoral que tomou conta do futebol e o deixa cada vez mais chato, chego para zunir os quadros-negros e as pranchetas da sala e falar de futebol-arte, de pelada, de sonhos, de memória, personagens e jogos inesquecíveis. E a Placar está na memória afetiva dos amantes do futebol. Que esse jogo desperte a chama adormecida do torcedor e dure para sempre! Viva a Placar!