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QUANDO ISSO TUDO PASSAR

por Leo Russo

Mais um dia de quarentena, mal entrei no banheiro e dei de cara com o espelho. Encarei, dei um sorriso falso, falei “Qualé, compadre?” e cansei da óbvia reciprocidade. Tentei intimidá-lo. Olhei uma ruga aqui, outra acolá, e viajei nas lembranças. Vi um menino que jogava bola na praça, subia em pé de carambola, comia caqui e repetia, corria suado e ofegante cantando o hino do time do coração nessas festas infantis nas quais os recreadores tocam as músicas, ia pra escola, recreio simmm, prova nãoooo, se comporta Leonardooo, não fala palavrão. Depois esse menino cresceu, vieram os verdadeiros sonhos, um cavaquinho, as paixões platônicas, aquele frio na barriga…depois as festinhas, prova um drinque aqui, outro acolá, aquela me olhou, beijo bom, bebe mais uma…Depois as responsabilidades, a profissão, show aqui, outro acolá, mais uma música, gravação, viagens, programa de TV, rádio, gravação de novo, alô produção…

Saí do banheiro, entrei no quarto e deitei na cama. Sem pé de carambola, sem recreio, sem os amigos no bar, sem festas, sem futebol, sem samba, sem as viagens, sem shows. Levantei do colchão. Vou voltar pro espelho.

EVARISTO DE MACEDO

por Zé Roberto Padilha


Tive bons treinadores ao longo da minha carreira O azar dela, da minha carreira, que encontrei o melhor de todos em Recife. Já havia deixado o eixo central onde tudo acontece e tudo é transmitido, narrado, comentado. Ou o treinador da seleção vai a Recife como vai ao Maracanã? Ao Morumbi e ao Olímpico? E o melhor de todos foi, sem dúvida, Evaristo de Macedo.

Primeiro, antes de assumir o comando do Santa Cruz no Brasileirão de 78, Evaristo foi nos observar no Mineirão após a demissão de Jouber Meira. Atlético MG 1×0 Santa Cruz, gol do Reinaldo. E na apresentação disse o que viu, analisando cada desempenho. Quando chegou a minha vez, perguntou: você era o 11? Observei você em todos os lugares do campo e não resolveu nada. Vou fazer o seguinte: vou riscar uma linha do meio de um gol ao outro. E foi ao quadro negro e dividiu com giz o campo ao meio. E sentenciou: se passar para o lado direito tiro você do time!

Desde então, passei a canalizar minha energia de peladeiro em uma metade do campo. Se corria ele todo imagine a metade? Até gol comecei a marcar, minha produção subiu e atacava e defendia com mais intensidade. Até ser dirigido por ele achava que treinador ajudava muito, mas quem resolvia éramos nós mesmos lá dentro. Depois que ele nos dirigiu, passei a pensar diferente. Treinadores como Evaristo realmente ganham jogos.

Exemplo, fomos enfrentar o Palmeiras no Pacaembu. Quem vencesse estava nas semifinais de 78. E ele disse na preleção: é do Rosemiro, lateral direito, que partem a maioria das jogadas ofensivas que o Toninho transformava em gol. Então, Zé Roberto, você vai colar nele e os dois não vão jogar. E brincou: como você não joga nada, eles perderão muito mais.

Privilegiado fisicamente como o lateral palmeirense, ele era uma espécie de Pikachú quando chegou ao Vasco (não o que se acomodou com os encantos da Cidade Maravilhosa e passou a pensar que era um craque) e colei nele. Ia beber água, eu ia junto. Quando ia bater, lateral ficava ao lado.

Marcação homem a homem de verdade, sem espaço, sem brincadeiras, com ou sem a bola. Daí ele foi ficando nervoso, dando empurrão, faz o teu que eu faço o meu, e antes de partir para a agressão tirei um trunfo da cartola.

– Não tenho culpa se o treinador mandou marcar o melhor do time!

Vaidoso, perguntou:

– É mesmo?

E completei a maldade:

– E não foi qualquer treinador. Foi Evaristo de Macedo. A lenda!

Daí caiu vertiginosamente de produção. Resultado? Santa Cruz 3 (Luiz Fumanchú 2, Nunes) x 1 Palmeiras, contra um do Toninho.

Recife parou para nos receber. E eu a pensar: aonde estava este homem que não surgiu antes para enquadrar um peladeiro como eu dentro de campo?

JOGO NÃO RECOMENDADO PARA CARDÍACOS

por Luis Filipe Chateaubriand


Em 1980, Flamengo e Atlético Mineiro decidiam o título nacional, no Maracanã. O empate bastava para o Galo Mineiro ser campeão, o Urubu precisava da vitória para conseguir o título.

O Flamengo jogou com: Raul; Toninho, Manguito, Marinho e Junior; Andrade, Carpegiani  (Adílio) e Zico; Tita, Nunes e Júlio Cesar. O Atlético Mineiro jogou com: João Leite; Orlando (Silvestre), Osmar Guarnelli, Luisinho (Geraldo) e Jorge Valença; Chicão, Toninho Cerezo e Palhinha; Pedrinho Gaúcho, Reinaldo e Éder.

Jogo nervosíssimo, o Atlético perde duas chances logo no início da partida. Mas, ainda antes dos dez minutos de jogo, o Flamengo abre o placar quando, depois de saída de jogo desastrada de Osmar Guarnelli, Zico recebe a bola na altura do meio de campo e mete lançamento precioso para Nunes que, ainda fora da área, toca na saída de João Leite.

Flamengo 1 x 0.

A alegria rubro negra duraria muito pouco, pois, um minuto depois, Reinaldo recebe a bola no bico esquerdo da grande área, chuta, a bola desvia em Manguito e vai morrer no fundo do gol, no lado direito de Raul.

Igualdade em 1 x 1.

E a partida segue, as chances se sucedendo lado a lado, mas com o Galo Mineiro sendo mais perigoso, especialmente Reinaldo, que inferniza a defesa carioca.

Já ao final do primeiro tempo, Junior chuta de fora da área, a bola bate em Zico, que, de virada, chuta no alto, indefensável para João Leite.


Flamengo 2 x 1.

O segundo tempo começa com pressão atleticana, em busca do gol do empate.

Reinaldo se machuca e, como o Galo não pode mais fazer substituições, fica em campo apenas fazendo número.

Ainda assim, mesmo machucado, escora cruzamento pela esquerda de Éder, para, por volta da metade do segundo tempo, heroicamente empatar o jogo novamente.

Nova igualdade, em 2 x 2.

O jogo fica cada vez mais dramático. O “Mais Querido” vai atrás do gol que lhe garante o título, fornecendo generosos espaços para o contra ataque atleticano.

Em uma dessas situações, Palhinha sai de frente para o gol com Raul, mas, erradamente, o árbitro marca impedimento. Na sequência, Reinaldo atrapalha a cobrança do impedimento e, para alívio da nação rubro negra, é expulso de campo.

O jogo caminha para o fim, quando Osmar Guarnelli, novamente, resolve sair jogando. Erra o passe e, antes que consiga voltar, Junior lança Nunes em profundidade. Nunes, com Silvestre o marcando à direita e a linha de fundo à esquerda, consegue enganar Silvestre e, em lance típico de Garrincha, passa entre ele e a linha de fundo e, chegando à  frente de João Leite, completamente sem ângulo, toca por cima do goleiro mineiro –  um gol que, para muitos, contraria as leis da física.

Flamengo 3 x 2.

O Atlético Mineiro não se entregou, foi para cima do Urubu e, no último minuto de jogo, quase empata.

Mas deu Flamengo, em seu primeiro título nacional.

O jogo foi tão dramático que, à época, bateu o recorde de atendimentos médicos em um jogo de futebol no Maracanã.

A massa rubro negra penou com Reinaldo e companhia, mas, ao fim da estória, pode sorrir aliviada.

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada.

“IR NO ARPOADOR E NÃO VER O MAR”

por Nielsen Elias (@nielsen_elias)


Nesse fim de semana, o futebol alemão voltou a atividade. Claro, preparei a Giullietta e coloquei a linguiça pra queimar. Entre um gole e outro, liguei rapidinho a tv, não ia perder essa, né!? Futebol de novo e ao vivo! Ainda por cima o campeonato alemão…

Logo surgiram as primeiras imagens, e dois fatos me chamaram a atenção: o primeiro foi ver os jogadores em campo, de agasalhos e máscaras fazendo o reconhecimento da “relva”, como diria o nosso querido Jorge Jesus, e o segunda, foi não ver qualquer sinal da torcida muralha amarela nas arquibancadas do estádio do Signal Iduna Park, do Borussia Dortmund. Como diria o grande Januário de Oliveira: “tudo muito sinistro!!!!”.

Linguiça pronta pela churrasqueira elétrica Giullietta, um presente muito útil da Patrícia, minha irmã. Não tem fumaça, show de bola! Jogado no sofá, comecei assistir ao jogo. A linguiça, numa mão e a taça na outra. A linguiça de frango estava muito boa, especialmente entre os goles do Pinot Noir, enquanto jogo rolava na telinha. Rapidamente o Borussia fazia 2×0, em menos de 10 minutos. 

O narrador se esforçava para dar a emoção, mesmo com pequenos tropeços, afinal ficou muito tempo em quarentena. Mas faltava alguma coisa, apesar da partida ser bem movimentada, além do entusiasmo da transmissão. Fiquei encucado que não estava com a minha atenção totalmente voltada pra telinha e comecei a procurar o motivo. Foi nesse momento que tocou no rádio uma música da banda de rock Skank, que diz assim: “é como ir Arpoador e não ver o mar..”. Aí estava o motivo, futebol sem torcida é igual: “Romeu sem Julieta”, “no ar sem mergulhar“ e como “mergulhar no rio e não se molhar”.


A torcida é o grande combustível do futebol! Por mais que o narrador grite “goooooooooollllll”, sempre faltará os abraços na arquibancada, a alegria estampada no rosto de cada torcedor e, finalmente, a explosão frenética no grito de gol da torcida. Faltou a alma do futebol, o torcedor! Só assim a transmissão ganhará a real emoção.

Futebol sem torcida é igual ir no Arpoador e não ver o mar!

OS TIMES DO SUBÚRBIO

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Se tem um lugar que eu adoro, no Leblon, é o Na Venda, da Ana e Cris, que fica pertinho do meu prédio. É ali que sempre dou uma escapada da quarentena, de máscara, claro. Outro dia desci rapidinho para comprar uns queijinhos e quando estava voltando, entrando em minha portaria um rapaz com a camisa do Bangu me repreendeu e pediu que eu falasse mais sobre os times do subúrbio em minha coluna. Fiz sinal de positivo e veio em minha mente Ubirajara Mota, Fidélis, Mario Tito, Luís Alberto, Ari Clemente, Jaime, Ocimar, Paulo Borges, Parada, Bianchini e Aladim. Depois ainda teve Cabralzinho e Ladeira. E não precisei consultar o Google porque esses craques vieram morar em minha memória de mala e cuia e nunca mais saíram. Ainda tiveram Décio Esteves e Nívio. Acompanho futebol desde 61/62 e o nível das disputas era maravilhoso.

Duvido que algum jovem de hoje consiga escalar um time, que não seja o seu, inteirinho, daqui a 40 anos. E vou escrever essa coluna sem pesquisar nada. Teve o América de Arésio, Serjão, Alex, Aldeci, Zé Carlos, Renato (Ica), Joãozinho, Antunes, Edu e Eduardo. Mas também teve o América de Ari, Jorge, Djalma Dias, Sebastião Leônidas (Wilson Santos), Ivan, Amaro, João Carlos, que jogava de meiões arriados e fazia embaixadinhas com sabonete, Calazans, Quarentinha, Antoninho e Nilo. Mas o América ainda teve Jeremias, Ivo, Bráulio, Moreno & Cia. E o Olaria? Lembro de Murilo e Nelson, que depois foram para o Flamengo, Ernani, Haroldo, Cané, que foi para a Itália, e Rodarte. Sem falar no de 71, que ficou em terceiro no Estadual, que tinha Afonsinho, afastado do Botafogo por se negar a tirar a barba, Miguel, Altivo, Roberto Pinto, que não usava tornozeleira, nem caneleira, e Fernando Pirulito. Depois ainda teve Lulinha e outros bambas.

Estreei no futebol profissional em 67 e me lembro de um jogo maravilhoso do Botafogo contra o Madureira, em Conselheiro Galvão. Tinha Frazão, Nair, Farah e Lorico, que depois foi para o Vasco. Sem esquecer que Didi e Evaristo foram lançados pelo Madureira. E o Bonsucesso de Moisés, Rene, Nilson, Nilo, Gibira, Paulo Lumumba e dos goleiros Cláudio e Jonas? E o São Cristóvão de Ivo Sodré, um meia esquerda espetacular, Fio e João Paulo, que depois foi para o Santos? E o meio-campo do Campo Grande com Alves e Dominguinhos? A Portuguesa de Foguete? E o Canto do Rio que lançou Gerson, Jair Marinho, Altair e Fefeu? Impossível não chorar ao lembrar-se dessa turma. Todo time tinha um meia-esquerda talentoso, que desfilava em campo. A bola obrigatoriamente tinha que passar por eles: Roberto Pinto, Décio Esteves, João Carlos e Gonçalo, do Fluminense, que treinava dando a volta no campo fazendo embaixadinhas. A preocupação era com a técnica.

Muitos morreram sem o devido reconhecimento, a grande maioria não enriqueceu, mas posso garantir que todos encheram os olhos da torcida, todos fizeram nossos corações baterem com emoção, todos jogaram bola, mas muita bola, e a todos esses talentos dedico essa coluna, que deve ter alguns errinhos porque, como disse, não consultei nenhuma fonte de pesquisa, apenas fechei os olhos e sonhei.