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DADÁ E A ‘SOLUCIONÁTICA’ QUE DRUMMOND ADORAVA

por André Felipe de Lima


Poucos são os circos que existem hoje, que encantam crianças e despertam sonhos nelas. Esperança. Raro vê-los nas grandes cidades. Estádio de futebol era igualzinho ao circo de antigamente. Vivia lotado, sobretudo, com crianças. E nem precisava ser Fla-Flu, SanSão, AtleTiba, BaVi ou GreNal. A casa estava sempre cheia. Mas quem atraía essa meninada? Os craques, naturalmente. Alguns deles, nem tão craques assim, mas folclóricos. Jogadores impagáveis, que divertiam com gols e… frases. Nisso, Dario, o “Dadá Maravilha”, foi insuperável. “O povo quer pão, terra e circo. O Dadá dá o circo”. E dava mesmo. Impossível sair do estádio sem rir e se deleitar com os seus gols, uns com a popular paradinha no ar. E tome gol e frase também: “Só existem três coisas que param no ar: beija-flor, helicóptero e Dadá”. E não era galhofa do centroavante, que cumpria o prometido.

O carioca Dario José dos Santos nasceu no dia 4 de março de 1946 com uma missão: dar espetáculo sem, contudo, esquecer o marketing pessoal que compensava a pouca técnica em campo. Fazia gols pra burro, é verdade, mas não era craque. O próprio reconhecia a limitação. “Eu me preocupei tanto em fazer gols, que não tive tempo de aprender a jogar futebol”. Mas Dadá era um marqueteiro de mão-cheia. O primeiro jogador a se autopromover com desenvoltura. Durante os 21 anos em que jogou bola como profissional, não houve nada parecido com Dadá “Peito-de-aço”, apelido que recebeu do locutor Vilibaldo Alves. Dario foi herdeiro da alegria e espontaneidade de Garrincha. E só. Simplesmente porque Garrincha não deixou herdeiros de seu futebol. “Depois do Garrincha, Dadá é a maior alegria do povo”. Como discordar de Dario, se para tudo ele encontrava resposta? Se precisavam de artilheiro, lá estava. Mas se a ocasião clamava por um festeiro para alegrar a torcida, Dadá “ao seu dispor”. Esse era o “Rei” Dadá… cuja infância foi traumática e nem um pouco romântica.

Ao ouvi-lo ou vê-lo jogar nem percebíamos que antes do alegre e simpático Dadá Maravilha existiu o menino Dario. Um garoto muito pobre que cresceu nas ruas de Marechal Hermes, subúrbio carioca. A mãe ateou fogo ao próprio corpo. Dario viu tudo. Tinha apenas cinco anos de idade quando a mãe morreu de forma tão trágica. Muito difícil para uma criancinha assimilar. Muito doloroso. Até hoje Dario evita falar sobre o episódio. Todos entendemos.

Sem referencial na família, criado em um orfanato longe do pai e irmãos, o menino encontrou na rua o seu “lar”. Tinha fome, não tinha dinheiro. Lógica pérfida, mas não tinha escolha. Dario então roubava para comer. Foi preso, ainda menor de idade, e levado para antiga Funabem. Na instituição conheceu uma bola de futebol. Santa providência. A bola mudou o destino de Dario, que prometera a si mesmo nunca mais assaltar ninguém. Esforçou-se e até um emprego na Light, erguendo postes e esticando fios condutores de energia elétrica, ele arrumou. Mas queria mesmo é jogar bola. Fez testes em praticamente todos os clubes do Rio. Nenhum o aprovou o garoto desengonçado, que se embaralhava com as próprias pernas.

O único clube a abrir as portas para o jovem foi o Campo Grande, em 1965. Dario é quem fez a oferta. Se lhe dessem um prato de comida, treinaria e jogaria pelo clube, sem problemas. No ano seguinte, foi promovido dos juniores à equipe principal. Antes, porém, ouviu do treinador do Campo Grande, Gentil Cardoso, uma desanimadora opinião: “Sai pra outra, garoto. Futebol não será o teu forte. Se for depender dele, vai morrer de fome. Arranja rápido outra profissão.” Dario ouviu, em parte, o “conselho” de Gentil. Arrumou um emprego na fábrica de bebidas Dubar e manteve-se no clube para dar a volta por cima. Até 1968, a grande sensação do time da zona oeste do Rio era Dario, que marcou 15 gols na temporada.


Jorge Tavares Ferreira, diretor do Atlético Mineiro, viu em Dario algo muito especial. Talento, com certeza não. Mas era uma aura, um carisma que nenhum outro jogador da época ostentava. Pagou 110 mil cruzeiros e o levou para Belo Horizonte. Superava as deficiências técnicas com extrema e comovente força de vontade. Em 1968, Dario encantou a todos no Galo. Bem, quase todos. Encantou poucos, para sermos sinceros.

Os primeiros treinadores com os quais trabalhou em Belo Horizonte, Aírton Moreira — este, seu primeiro treinador no Galo e quem solicitou à diretoria do Atlético a contratação de Dario, deixou-o meses na reserva — e Fleitas Solich, nunca repararam nas qualidades de Dario. Para eles, um jogador “bonde” como ele, que se atrapalhava com a bola, deveria procurar outra coisa para fazer ao invés de insistir com o futebol. Muitos jogadores do elenco ridicularizavam-no. Exceção feita a dois deles. “Tive dois companheiros que me estenderam a mão no Atlético: o Lola, que tentava me enturmar, e o Ronaldo Drummond, que acreditou em mim desde o começo”.

Dario, ainda rapaz, muito pobre e com um histórico familiar dos mais complicados, encontrava forças sabe-se Deus onde para suportar as humilhações a que era submetido. “Cheguei a levar pedrada de torcedor […] chorava no vestiário, tamanha a humilhação”.

Novos tempos viriam e com eles a primeira oportunidade sob a tutela do técnico Dorival Knippel, o Yustrich, que chegou ao Galo para comandar o time durante o Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 69. Durão a toda prova. Não amolecia com nenhum jogador. Por isso uma vez sim e outra também era odiado por profissionais do futebol. Na lista, jogadores, médicos, preparadores físicos, auxiliares, massagistas… principalmente treinadores, como João Saldanha.

Yustrich não era fácil. Mas foi o alemão grandalhão quem primeiro acreditou em Dario, que havia chegado ao Atlético como contrapeso de uma negociação que envolvia outro jogador que acabou não dando certo no Alvinegro. Yustrich lapidou Dadá, que passou a ler a Bíblia sob recomendação de Cleice, sua esposa. Dali em diante, tudo mudaria, como descreveu Ricardo Galuppo. “Eram 150 cabeçadas e pelo menos duzentos chutes a gol por dia: Dario seguiu a orientação ao pé da letra. Todos os dias, chegava à Vila Olímpica às seis da manhã, duas horas antes dos outros. O roupeiro Walter Lopes sempre estava lá para ajudá-lo […] terminada a sessão, tomava um banho rápido e se alimentava com uma vitamina de leite, banana e biscoito Maria. Depois, voltava ao campo com outros jogadores para mais quatro horas de atividade”.

A imprensa mineira implicou com a contratação de Dario, que, cansado do achincalhe, partiu para o contra-ataque retórico: “Todo mundo metia a ronca em mim. Diziam que o futebol mineiro trouxe mais um bonde do Rio de Janeiro. Aí pensei, se não sou eu que falo bem de mim ninguém mais vai falar! E comecei a abrir a boca”. Naquele momento o Dario “publicitário” dava os seus primeiros passos. Começou a falar e não parou mais. De falar e fazer gols. Gols que, primeiramente, abalaram a União Soviética em sua estreia no Mineirão em 2 de março de 69.

Estava com medo de entrar em campo para enfrentar os soviéticos e milhares de pessoas na arquibancada. Yustrich ameaçou aplicar-lhe umas porradas. Dario mudou de ideia e jogou. Fez os dois gols da vitória e saiu sob a maca, com o supercílio sangrando e ouvindo um Mineirão enlouquecido ecoar o seu nome. Pronto, o patinho feio agora era cisne. Yustrich, no fundo, o admirava muito. “É o melhor goleador do Brasil. Não tem a classe de Tostão, nem o toque de bola do Dirceu Lopes. Mas é o jogador mais eficiente, o que rende mais, seja qual for o time”.

Difícil contestar Yustrich e os fatos.

Quando o Galo e o Uberlândia entraram em campo no dia 1º de maio de 1969, Dario e Tostão dividiam a artilharia do campeonato, ambos com 17 gols. Lá pelas tantas do jogo, o juiz apitou um pênalti a favor do Atlético. Yustrich mandou Amauri bater o penal, mas a torcida protestou. Queria Dario, que bateu na bola para marcar seu quinto gol na peleja e decretar a vitória pelo placar de 6 a 3. Fim de jogo, ele foi carregado pelos torcedores e confessaria, em seguida, ter sido aquele um dos dias mais felizes de sua vida.

São gols como estes que começaram a desbancar Tostão, o grande ídolo e goleador cruzeirense, e o consagraram artilheiro do campeonato mineiro de 69, com 29 tentos assinalados [recorde da Era Mineirão], e o levaram à seleção brasileira. Uma convocação, no entanto, polêmica.

A seleção de 70 foi um panteão de craques. Tostão, Pelé, Carlos Alberto, Piazza, Rivellino, Gérson… lista infindável. Dario destoava. Só chegou ao escrete — uns confirmam, outros não — por influência política do então presidente, o general Emílio Garrastazu Médici, que teria intimado João Saldanha para que pusesse o nome de Dario na lista, sabe-se lá o porquê. Saldanha bateu o pé e disse não ao militar ou ao AI-5, quem sabe. Quando se preparava para decolar para o México, foi retirado do avião por agentes do governo e, em seu lugar, puseram Zagallo.

João Saldanha contou, em 1983, a sua versão do caso “Dario” ao repórter Geneton Moraes Neto: “Fui convocado para a seleção brasileira no governo Costa e Silva. E Costa e Silva, estranhamente, morreu no meio do caminho. O governo mudou. Houve uma série de modificações na cúpula. E entrou o governo Médici — que, como precisava de uma frente bem ampla, resolveu usar a seleção, como vários governos usam até hoje […] Quiseram impor a convocação de Dario — por sinal, um bom jogador. Era de alto nível, mas não de tão alto nível como eram os jogadores de que a seleção precisava, como Pelé, um Tostão, um Dirceu Lopes, um Gérson, um Clodoaldo, um Rivellino, um Jairzinho. Embora Dario fosse um bom jogador do ranking brasileiro, não existia lugar para ele nessa turma”.

O ex-treinador insinuou que a convocação de Dario consistiria em uma tentativa do governo militar em mostra-se mais simpático aos olhos dos mineiros. “Mas, como Dario era do Atlético Mineiro e o governo naquele tempo precisava uma barretada [N: mesura, elogio exagerado] pra Minas Gerais, quiseram botar Dario à força. Recusei. Puseram para fora Toninho — do Santos — um grande goleador com quase novecentos gols, por causa de uma sinusite”.

A resposta de João “Sem medo”, como definiam o gênio impetuoso e franco de Saldanha, foi curta e grossa, mas as consequências do gesto altivo não foram nada profícuas para o técnico: “Não convoquei. Convoquei até homens de meio-de-campo. Neste momento, entrei num atrito desvantajoso […] Pressão direta se fazia através dos homens da CBD. Era indireta em relação a mim. A pressão direta era lá com os homens. Diziam: ‘Ou bota Dario ou sai fora’. Chegaram e me disseram: ‘João, não podemos aguentar mais! Faça isso!’”.

João Havelange, presidente da CBD na época, estava desesperado com a tal pressão atribuída ao Médici, como narrou João Saldanha: “João Havelange dizia: ‘Pelo amor de Deus, convoque Dario! Convoque pelo nome!’ Se convoco Dario, tudo bem. Eu ia me avacalhar! Mas não tenho hábito de me avacalhar. Não me avacalhei. A seleção brasileira, felizmente, ganhou a Copa do Mundo no México, em 70. Se não, eu não poderia nem voltar para o Brasil [N: na época da Copa, João Saldanha já tinha sido substituído por Zagallo]”.

SERIA IMPLICÂNCIA DE SALDANHA?


Há quem acredite que antes da indisposição entre Médici e Saldanha, o segundo implicava com Dario e com o Atlético desde os tempos em que era colunista esportivo do jornal Última Hora, do Rio. Galuppo afirma que a rusga começou quando o Botafogo perdeu no cara e coroa para o Atlético uma vaga na fase seguinte da Taça Brasil de 1967. Indignado com a desclassificação do “seu” Botafogo, Saldanha alfinetou o clube mineiro em sua coluna.

A antipatia de Saldanha pelo Atlético dirigido por Yustrich era flagrante. Alheio aos bastidores políticos, Dario acirrou-a ao marcar o segundo gol do Galo na vitória de 2 a 1 sobre a seleção brasileira, já com o João “Sem medo” de técnico, no dia 3 de setembro de 1969. Vale destacar que o Atlético entrou em campo com o uniforme vermelho da Federação Mineira. Após a partida, Dadá levantou a camisa e mostrou à torcida a blusa do Atlético que vestia por baixo. Começava a pressão para que Saldanha o convocasse.

Galuppo cita que a origem, de fato, do clamor por Dario no escrete de 70, foi involuntária. Que Médici não teria feito tal pressão, pelo menos num primeiro momento, quando foi entrevistado por Armando Nogueira, que assinava uma coluna de esportes no Jornal do Brasil: “Repórter de muitos quilates, não perdoou a chance de fazer algumas perguntas sobre futebol — j[a que outros temas estavam fora de cogitação naquele tempo. A respeito do centroavante atleticano, Médici disse, única e tão-somente, que admirava suas qualidades de artilheiro. Não falou mais que isso, e foi exatamente o que Nogueira publicou — nem meia palavra mais. Na boca dos que conspiraram contra Saldanha, a frase ganhou uma tradução: ‘O presidente quer Dario no lugar de Tostão’”.

A seleção voltou a campo no dia 4 de março de 70 contra os argentinos, que sacudiram as “feras” do João derrubando-as por 2 a 0. Lá pelas tantas um repórter perguntou ao Saldanha como estava a saúde de Tostão, que por pouco não perdeu a visão do olho esquerdo ao levar uma bolada em outubro de 69. O treinador respondeu que estava tudo bem com ele. O repórter insistiu e emendou que Médici queria Dario no time. Foi sintomático. Contrariado, o impulsivo João Saldanha desferiu: “O presidente escala o ministério dele e eu escalo meu time”.

Yustrich, que gostava muito de Dario “Peito-de-aço”, trocou o Galo pelo Urubu. No Flamengo, o “alemão” começou a falar mal de Saldanha. Duas semanas após a derrota das “feras” para os portenhos, Yustrich acirrou o discurso contra o treinador da seleção, que foi à concentração do Flamengo atrás do ex-técnico do Atlético com um revólver na mão e decidido ir às vias de fato. Mas não o encontrou. O episódio precipitou a demissão de Saldanha. João Máximo, que o biografou, assinalou que gente de dentro da própria comissão técnica conspirava contra o treinador. E deu nome aos bois. “Os demais membros da comissão técnica — Passo, Chirol e Lídio — tinham apenas participado da farsa para derrubar Saldanha”. Mas o que surpreendeu mesmo em meio ao imbróglio foi a afirmação de Máximo de que Médici “gostava” de João Saldanha. “É segredo guardado em caixa-forte que o general Emílio Garrastazu Médici tinha por João Saldanha uma admiração sem limites”. Durma-se com um barulho desses…

Dadá, que não tinha nada a ver com a briga de Saldanha com Yustrich e Médici, acabou embarcando para o México. Foi como espectador privilegiado. Sequer entrou em campo. Na final contra os italianos até tentou convencer o supersticioso Zagallo de que sonhara com três gols que marcaria na Itália. Zagallo não caiu na conversa fiada de Dario. Mas não perdeu a esportiva: “Olha, gente, o Dadá sonhou que vai fazer três gols na final. Não tem ninguém que queira dar o lugar para ele?”. Embalado no bom humor de Dario, que contagiou a todos, Pelé levantou o braço: “Por mim tudo bem, se a gente já começa a final ganhando de 3 a 0”. Dario ficou no banco e o resto, bem… Brasil 4 a 1 e Pelé coroado Rei do futebol. Dadá sempre respeitou Pelé: “Garrincha, Pelé e Dadá têm de ser currículo escolar”. O goleador do Atlético fazia, no entanto, uma ressalva: “Pelé foi o maior jogador do mundo de todos os tempos. Mas nunca vou dizer que é melhor do que Dadá”.

Dadá Maravilha vestiu canarinho em 13 jogos e marcou dois gols. Pouco para a extraordinária média dele, que sempre criou o costume de batizar cada gol que assinalava. Quem lhe deu a dica para nomeá-los foi um professor de língua portuguesa com quem Dario bateu um papo no centro de Belo Horizonte.

Dia de jogo, aquela convenção de jornalistas empoleirada em Dario, que contou a historinha do tal professor aos atentos homens de imprensa: “Em homenagem ao professor, vou marcar o ‘gol cultura’ contra o América”. Dadá marcou o “gol cultura” e todos os jornais estamparam a notícia no dia seguinte. Também estampariam tempos depois fotos de Dario, o grande destaque do Galo campeão do Brasil em 1971, autor do gol [de cabeça!] do título em jogo contra o Botafogo. Dadá calou um Maracanã apinhado de gente e terminou a competição como artilheiro do certame ao assinalar 15 gols, feito que repetiria no Brasileirão seguinte, com 17 gols.

O próprio Dario destacou, no entanto, outro motivo que o fez frasista incomum no futebol brasileiro: ciúmes de Pelé. “A imprensa só falava dele e achava injusto. Havia um tempinho para os outros jogadores que chamavam a bola de você. Como eu chamava de Vossa Excelência, precisava arrumar um jeito de despertar a atenção do público e da mídia. Foi um sucesso. A imprensa do Brasil todo queria saber na sexta-feira qual era o nome do gol do domingo. O público aumentou nos estádios. Minha torcida ia conferir se eu marcaria o gol prometido. Os rivais iam para me xingar”.

Dario balançou as redes pelo Atlético 211 vezes em 290 jogos. Marca que faz dele, atrás de Reinaldo, o segundo maior artilheiro da história do Atlético Mineiro, clube que defendeu de 1968 a 73 e em 74, 78 e 79. Além da artilharia do campeonato mineiro de 1969, Dario repetiu o feito em 1970 [16 gols], 1972 [21] e 1974 [24]. Em clássicos contra o Cruzeiro, foram oito gols de Dadá.

Mas quem pensa que a vida de Dario no Galo era maré mansa, enganou-se. A amigos revelou que as conquistas pelo Atlético e o tricampeonato mundial no México não engordaram seu cofre. O salário era tão minguado que Dario mal conseguia pagar contas de luz, que invariavelmente acabava cortada por falta de pagamento.

Após o título de 1971, a crise financeira do Atlético era bastante incômoda. Insustentável. O clube devia 1 milhão de dólares ao Banco Mineiro do Oeste, que acabara de sofrer intervenção do Banco Central. A debandada foi geral. Vaguinho foi para o Corinthians e Minas Gerais inteiro bradava que sem o ponta-direita, o Galo estaria “morto”. Em resposta, as frases de Dario tornaram-se mais constantes. E contundentes, emblemáticas. A um repórter que perguntou sobre a saída de Vaguinho, Dario respondeu a célebre “não venha com a problemática, que eu tenho a solucionática”. Dadá disse isso no dia 15 de agosto de 1971, um domingo em que o Atlético disputava um jogo amistoso contra o Corinthians. A semana inteira Dario foi a pauta principal dos jornais e colunistas esportivos. Motivo de chacota para os jornalistas, mas não para um gênio literário: Carlos Drummond de Andrade. “Eis aí. Dario disse mais do que disse, dizendo apenas sobre futebol. […] sua frase me parece digna de ser inscrita entre as manifestações mais autênticas de sabedoria”.

Vida de craque do passado não era fácil. Um dia o inferno, noutro o paraíso garantido, por exemplo, em palavras redentoras como as escritas pelo poeta.

Com o preço do passe estipulado para quem quisesse pagar, Dario acabou deixando o Atlético em 1973 e trocando-o pelo Flamengo. “Agradeço sempre a Deus pela dádiva que pelo Atlético em minha vida. E sinto muito orgulho de ter marcado o gol mais importante da história do clube”.


Em curtíssima temporada na Gávea, Dario assinalou 35 gols e teve o passe emprestado ao Galo, que cedeu Vantuir ao Flamengo como compensação. Mal esquentou a posição no ataque alvinegro, foi novamente negociado para o futebol pernambucano. E o Sport Clube Recife encantou-se com Dario, que não foi campeão, mas marcou muitos gols entre 1974 e 76. Foram 94. Dez deles num só jogo durante goleada de 14 a 0 sobre o Santo Amaro. Um recorde absoluto. Nada de Pelé, ou Jorge Mendonça, que marcaram oito numa só partida. Dadá é o maioral. Foi artilheiro dos estaduais de 74 e 75, com 32 e 30 gols respectivamente.

Missão cumprida em Pernambuco, hora de arrumar as malas e botar o pé na estrada. Em 1976, o goleador iniciou expediente no Beira-Rio.

Se o Galo foi importante na vida de Dario, o Internacional de Porto Alegre não ficou atrás. No clube gaúcho, repetiu o sucesso de 1971 e foi campeão brasileiro e artilheiro da competição, com 16 gols. O Colorado tinha um timaço: Manga; Cláudio, Figueroa, Marinho e Vacaria; Caçapava, Falcão e Batista; Valdomiro, Dadá e Lula.

Entre 76 e 78, Dario foi também campeão gaúcho em 76 e marcou 28 gols pelo Alvirrubro. Era o que melhor sabia fazer, além das folclóricas frases, que deveriam estimular, em alguns, gargalhadas homéricas, em outros, profunda reflexão. “Num time de futebol existe nove posições e duas profissões: o goleiro e o centroavante”. Dublê de craque e também filósofo. Dadá é uma figura…

GOLS… MUITOS GOLS

“Com Dadá em campo não existe placar em branco” ou “Enquanto os beques ladram, Dadá passa”. Não se sabe se é por brincadeira, mas Dario garante que marcou 926 gols. As estatísticas oficiais apontam, no entanto, 559. E foram gols de todos os jeitos. Com ele, o que importava era ver a rede balançar. “Não existe gol feio, feio é não fazer o gol”. Essa virou clichê, mas é do repertório vastíssimo de Dario, que, na Ponte Preta, ajudava a Macaca a brilhar em 1977, com 21 gols. Enquanto o seu querido Atlético, amargava no mesmo ano — sem perder um jogo sequer — o bicampeonato brasileiro para o São Paulo.

O craque do time era Reinaldo, que acabou se machucando no ano seguinte. “Chamem o Dadá!”, alguém da diretoria do Galo deve ter bradado. E o artilheiro das causas impossíveis estava, novamente, no Atlético. Seu pé-quente era infalível. Marcou gols, falou bastante e abriu a série de títulos do Galo, em 78, que levaria o clube ao hexacampeonato estadual. “Tenho o olho balístico da águia para vislumbrar o gol, a velocidade do falcão para ultrapassar os marcadores e a impiedade do abutre para estraçalhar os adversários”. Dadá era demais!

O Sudeste e o Nordeste, “Beija-Flor” já os conhecia bem. O Sul, idem. Faltava desbravar o Norte. De mala e cuia para Belém, em 79, onde vestiu o belo uniforme do Paysandu e marcou 17 gols. Depois veio o Náutico, em 80, com um Dario inspirado: 26 gols. Permaneceu por Recife e, no ano seguinte, vestiu tricolor. No Santa Cruz, Dadá não foi bem. Escassez de gols. Apenas sete. Mas o artilheiro gostava do futebol nordestino. Defendeu os grandes de Pernambuco. Precisava compor o currículo com algum time baiano. O Bahia foi ideal.

Com o Tricolor, conquistou o campeonato baiano de 1981, marcou 48 gols até 1982 e tornou-se o “Rei da Massa”. Quem sofreu com o “Beija-Flor” foi o rival Vitória. Em jogos do clássico Ba-Vi, ele marcou três gols. Uma curta, porém gloriosa jornada baiana, que fez de Dario um líder de audiência do quadro Gols do Fantástico, da revista eletrônica dominical da TV Globo. Muita gente hoje na casa dos 40 anos ficava acordada até tarde só para ver os gols narrados por Leo Batista.

Depois da façanha na Bahia, Dario defendeu Goiás em 1983, sendo campeão estadual. O seu último título na carreira. O craque passou também por Coritiba [83], América Mineiro [84], Nacional de Manaus [84 a 85], XV de Piracicaba [85], Douradense do Mato Grosso do Sul [86] e Comercial de Registro, no interior paulista, onde descansou os pés e guardou as chuteiras para sempre em 1986. Mas sem trauma ou depressão. Nada disso. Levou numa boa o fim da carreira. “Quando eu era profissional, tinha uma grave lesão no coração… de tanto colocar faixa de campeão”.

Dario só não foi original em uma coisa: despedir-se dos gramados decidiu ser treinador. Deu-se mal na Ponte Preta e em outros clubes menores. O dinheiro começou a sumir. Se quando jogador os salários já não eram lá aquelas coisas, imagine agora, aposentado? Havia, porém, uma solução. Se Dadá foi um showman dos gramados, por que não levar o mesmo estilo para a outra área? A TV brasileira acabou ganhando um comentarista de futebol, que cobriu pela TV Globo a Copa do Mundo de 2002. Mas a emissora da família Marinho teve de coçar o bolso para transmitir as pérolas de Dario. Pagaram a ele o triplo do que ganhava na TV Alterosa, repetidora do SBT, em Minas Gerais.

A primeira vez de Dario como comentarista aconteceu durante um jogo entre Inter e Galo, pelo Brasileirão. Os dois clubes onde a estrela reluzente de Dadá Maravilha mais brilhou. “Dadá não é eterno… mas a história de Dadá é”. Conte outra Dadá, que a galera gosta de ouvi-lo.

IDOLATRIA, APROXIMAÇÃO, AMIZADE E ADMIRAÇÃO

 por Marcos Eduardo Neves


Certa tarde, no jardim de sua casa, perguntei a ele o que achava desse negócio de 3 de março ser comemorado feito Natal pelos rubro-negros. Ele jurou que não gostava, achava fanatismo. Compreendo. Mas, confesso, todo dia 2 de março me deixa ansioso demais. É véspera de mais um aniversário de Zico. Preciso sempre escrever.

Zico completa neste 3 de março 67 anos de uma das mais belas histórias de predestinação, talento, trabalho, família e idolatria. E ídolo é algo que Zico sabe ser com I maiúsculo. Não só fora como dentro de campo.

Quem não se recorda do menino Leonardo, lateral-esquerdo então com 17 anos, chorando horrores num mágico Flamengo x Santa Cruz disputado em 1987. Eu estava lá, nas arquibancadas. Foram os únicos três gols de Zico que presenciei no Maracanã. Naquela tarde, vivi uma emoção indescritível.

Estava 2 a 1 para o Flamengo, dois de Zico, quando Alcindo sofreu falta. O juiz olhava o relógio: 45 do segundo tempo. Eu e mais umas 40 pessoas amontoados no túnel, deixávamos o estádio, quando decidimos ver dali mesmo a cobrança. Falta? Da entrada da área? Adivinha quem vai bater… Zico cobrou, a bola fez um efeito surreal, o goleiro Birigui ficou pasmo como nós, observando a redonda tocar a rede na costura lateral. Eis que aconteceu o milagre. Aqueles mais ou menos 40 torcedores, eu inclusive, saímos da boca do túnel e voltamos a nos sentar no cimento da arquibancada (não, não tinha cadeiras naquele tempo). Se Zico estava em campo e o jogo não havia sido encerrado, qualquer coisa ainda poderia acontecer.

Sou alucinado por futebol e talvez o primeiro grande nome que aprendi desse meio foi Zico. Minha primeira lembrança dele que trago na memória é do dia em que pulei entusiasmado por enfim ter conseguido a figurinha dele para o álbum da Copa de 1982. Nunca masquei tanto chiclete Ping-Pong quanto naquele tempo. Eu tinha quase 7 anos, não completei o álbum, mas, azar do álbum, eu queria era a figurinha do Zico!

Aos 10 anos, lembro do golaço que ele fez no Paraguai pelas Eliminatórias. No dia seguinte, todos os meninos da sala tentamos na escola levantar a bola na velocidade com a parte externa do pé e chutar de primeira. Ninguém conseguiu.

Aos 11, entrei de sócio no Flamengo e passei a ver Zico das arquibancadas treinando na Gávea. No ano seguinte virei gandula. Ficava atrás do gol até de noite – porque Zico era o único que permanecia ao fim das atividades, para cobrar faltas. Eu só não devolvia as bolas para os goleiros Zé Carlos, Cantareli, Hugo ou Milagres quando elas morriam no fundo das redes. Quase não tive trabalho.

Nessa época, comecei a ir aos poucos ao Maracanã. Na minha família, meu pai era Botafogo e meu avô, tricolor – assim sendo, eu ia com um porteiro do prédio ao lado, não era sempre. Fui ao Caio Martins vê-lo marcar, de pênalti, exatamente um ano após a maior dor que passei com a seleção brasileira: vê-lo perder a cobrança diante de Bats, da França, pela TV. Nunca mais chorei pela seleção; gastei todas as lágrimas naquela fatídica tarde.

Em 1989 cheguei a meu ápice como gandula. Vi de dentro de campo Zico dar uma aula de civilidade ao goleiro Maurílio, do Nova Cidade, que gritava para seus zagueiros pararem na porrada o ataque do Flamengo, quando o jogo estava 6 a 0. Zico, dedo em riste, saiu da sua posição caminhando até o arqueiro para dizer algo como “Estamos aqui jogando bola e vocês, aprendendo. Ninguém vai bater em ninguém, não”. Acabou 8 a 1. E ele ainda deu um lançamento de bicicleta cinematográfico para Zinho na ponta esquerda. Que aula!

Neste mesmo ano, eu ficava horas na garagem da Gávea aguardando Zico sair para lhe pedir autógrafos. Praticamente, todos os dias. E nunca um só. Eram dois, virou três, e nas últimas vezes eu chegava a pedir oito autógrafos (julgava que 10 era esculacho). Certa vez, ele saiu do sério e me disse: “Você deve estar vendendo, né?” Acertou em cheio. Minha merenda na escola era autógrafo dele. Se fosse só “Zico”, eu ganhava do comprador uma Coca-Cola. “Com abraço, Zico” era coca e hambúrguer. E se fosse dedicatória, com nome e tudo, ganhava o melhor dos lanches: hambúrguer, batata frita e refrigerante.

Sofri como 90 mil pessoas in loco e milhões Brasil afora na sua despedida do futebol. Guardo até hoje o canhoto do bilhete – comprei dois: um apenas para colar num caderninho de preciosidades. Depois daquele fevereiro de 1990 demorei a voltar a ver Zico. Até que ele deixou de ser o herói das tardes de domingo, o meu primeiro ídolo no esporte, para começar a se tornar meu amigo.

Em 2003 fui ao lançamento de seu livro sobre os 50 anos de vida, aproveitando que era aluno de Jornalismo Esportivo de Roberto Assaf, um dos coautores da obra. Me apresentei, como todos da fila. Garanto que ele nem se lembra. Dois anos depois, pela primeira vez liguei para ele, quando editava revistas para o jornal Lance!. Nunca suei tanto antes de discar números e apertar o derradeiro enter no celular.

Em 2011 comecei a escrever um livro sobre os fundadores da construtora Servenco. Numa ocasião, ele foi entregar o cheque da renda do seu ‘Jogo das Estrelas’ na instituição filantrópica dessa empresa, o Instituto Rogério Steimberg. Só eu sei a comoção que Zico causou quando apareceu no escritório naquele dia.

Em 2012 lancei a biografia do Heleno. Um de seus filhos tinha namorado uma das netas do craque alvinegro. Zico seguramente soube da minha existência por volta dessa época. No ano seguinte, fui chamado para editar a Revista Zico 10, um projeto da marca que ele espalha em todo país, disseminando cidadania e esporte a meninos do Brasil. Pronto, entrei para a equipe Zico. Conheci o CFZ, fiz amizade com seu compadre Fagner, fui aos poucos chegando mais perto. Logo, fui convidado a conhecer sua casa, me aproximei de seus filhos, cheguei a jogar como goleiro reserva cinco ou seis partidas pelo interior do país junto com Zico – uma delas, transmitida ao vivo por um canal de TV a cabo. Que glória!

Num desses jogos, achei que o mundo tinha virado ao avesso. Saí do banco para o gol e Zico deixou na mesma hora o campo para descansar. Eu tinha levado uma câmera profissional, que Zico pegou e começou a tirar fotos minha agarrando. Veja você: eu sendo fotografado pelo Zico! Esse cara não existe.

Numa dessas viagens tive total dimensão da grandeza de Zico não mais como jogador, mas como pessoa, vendo as situações pelas quais passava, nunca se negando a atender um fã, gravar um depoimento, atender o telefone de um desconhecido para dar um alô a outrem mais desconhecido ainda. Zico era perturbado até em restaurante, entre uma garfada ou outra, mas nunca deixava de dar um carinho àqueles que lhe entregavam carinho. Fiz baterias de entrevistas com Zico, sanando todas as minhas dúvidas de jornalista. Conversei também sem gravador, sanando minhas questões como amigo. Que caráter!

Numa manhã, fui acordado por ele. Tinha dormido tarde e estava prestes a estourar com quem estava discando, quando vi no celular: ZICO. Meu dia começou bem. Em 2014, horas antes do histórico 7 a 1, conversamos pelo telefone. Ele, otimista como eu, acreditava na tarefa ingrata que teríamos pela frente: “Não tem essa, Marcos. Hoje é Brasil e Alemanha, tudo pode acontecer”. Mais tarde, realmente aconteceu.

Minha ex-mulher chegava quase a implorar para eu interromper minha vida sedentária e voltar ao peso ideal. Eu postergava. Mas no momento em que Zico se virou para o time, no interior do Pará, e brincou dizendo que o goleiro que defenderia a equipe naquela noite estava “gordinho”, pronto, entrei até na academia.

Depois de ter jogado a favor, no ano passado tive o privilégio de enfrentar Zico. Saí frustrado de campo. Não pelos dois gols que sofri dele. Mas por não conseguir fazer uma única defesa.

Nos livros que escrevi, tive a honra de gigantes como Ruy Castro, Paulo Coelho, Arnaldo Jabor, James Taylor, Marina Colasanti, Luiz Mendes, Rivellino, Tostão e Paulo Vinícius Coelho, dentre outros, assinarem prefácio, orelha ou quarta capa. No entanto, apenas um nome repeti em mais de um livro. Zico assinou a quarta capa de um livro meu sobre o Flamengo e a orelha da biografia do Alex. Além da biografia que editamos, da Marilene Dabus. Espero que ainda volte a dar o ar de sua graça mais vezes.

Hoje não sei se Zico me deu mais alegrias dentro ou fora de campo. Sincero, honesto, íntegro, é das pessoas mais humanas que conheci. Não se nega a ajudar o próximo. Numa véspera de Natal, fui ao Qatar entrevistá-lo. Como forma de presentear amigos, imprimi imagens de uns 20 camaradas meus, alguns com os filhos, e levei na bagagem. Na casa onde morava, perguntei se se importava de me deixar fotografá-lo segurando as imagens. Ele tirou foto com todos. E ajudou os meus próximos a terem um Natal ainda melhor.

Ou um Carnaval. A única vez que desfilei foi quando Zico virou enredo da Imperatriz. Nunca esqueço que, ao invadir a pista dos sonhos, na Marquês de Sapucaí, vi Zico sorrindo, feliz, num cantinho, curtindo enquanto não subia no último carro, cantando seu samba, agradecendo a gente. E nós, que passávamos, ficávamos mais felizes ainda. Por desfilar. Por ser Zico na Avenida. Por ver Zico na avenida.

Ao fim do desfile, claro, para ‘sobreviver’, seguranças imediatamente cercaram Zico blindando-o da multidão que o aguardava para fotos. Eu vinha com uma amiga e fiz um sinal, tímido, para ver se pelo menos com ela Zico tirava uma. Ele deixou. Foi um arranca-pau para conseguir, mas ela saiu feliz pela realização de um sonho. O Super-Zico foi incrível mais uma vez.

Voltando ao Qatar, passei cinco dias ao lado de Zico. Ele me levou de carro para conhecer os melhores cartões-postais de Doha. Eu estava quase em transe: Zico dirigindo e eu na carona. Peguei o celular e gravei, sem que ele visse, uns 15 segundos desse passeio, com ele me apresentando prédios futuristas. Não para mostrar a alguém ou tirar onda. Mas para eu me certificar de que não era sonho. Acabei de rever esse vídeo agora. Não foi sonho mesmo. Aconteceu. Tomara que ele nunca saiba que fiz isso sem o consentimento dele. Como se fosse criança. E quem não vira criança diante dele?

Ainda durante essa viagem, teve vezes que Zico ficou treinando o Al-Gharafa e eu rodava pela cidade. Todas as noites Zico ligava para o meu quarto de hotel perguntando se correu tudo bem e me dava boa noite. Inacreditável. Meu ídolo, meu camisa 10, um dos maiores nomes do futebol, do mesmo patamar de Beckenbauer, Cruijff, Zidane, Eusébio, Puskas, me ligando para saber como foi o meu dia. Zico, você não existe.

E é por não existir, e por existir para o todo e sempre, que venho aqui, mais uma vez, demonstrar toda a minha admiração e, por que não, o meu amor por você. Você me fez chorar e me fez sorrir quando jogava. Hoje me faz chorar e sorrir por me dar o privilégio de me colocar dentre os seus amigos.

Por você eu discuto, brigo, faço campanha, só não coloco as mãos no fogo porque sou goleiro e escritor – duplamente preciso delas. No resto, conte sempre comigo, Zicão. Fui, sou e sempre serei grato a ti. E, consequentemente, a Deus, por ter me dado estas oportunidades: primeiro, poder te ver jogar; depois, por ter nos aproximado. Que Ele ilumine seus caminhos neste novo aniversário. Que te proteja eternamente. Escrevi linhas e linhas e tenho a impressão de que não disse nada. Porque é impossível dizer tudo o que sinto. Obrigado, Deus. Feliz aniversário, Zico.

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A BOLA, LEANDRO, URI GELLER E ZICO

por Marcos Vinicius Cabral 


A bola, em um esporte onde tudo é relativo, ainda é, possivelmente, a única paixão existente na vida de um jogador de futebol.

Paixão essa que faz garotos irem buscar um sonho a ponto de deixar para trás Cabo Frio, Favela da Praia do Pinto e Quintino.

Mas sempre há algo a mais a se esperar dela e de quem a trate com zelo, antes do apito final do árbitro, que enlutado pela cor de seu uniforme, tem numa das mãos o minuto interrompido. 

Esfera redonda que direciona o caminho que leva cada um de nós, pusilânimes e passionais torcedores ao estádio, onde sorrisos e lágrimas se digladiam no jogo das emoções no campo acinzentado e acimentado das arquibancadas.

Ali, somos crianças e precisamos ser. 

Talvez a bola, seja a cabeça, o jogador o corpo e o torcedor o coração. 

Talvez, quiçá, seja a leveza de uma folha caída da árvore e soprada pelo vento para longe, bem longe.

Quem sabe, esse objeto criado no século IV a.C. por Fu-Hi, um dos governantes da antiga China, seja na sua inocência, mais esplendorosa que o tatalar das borboletas no campo ou o das mariposas em seu giro frenético pelas luzes da cidade.

De uma coisa eu tenho certeza: a bola romantiza e precisa de carinho, precisa de atenção.

Ser carinhoso neste esporte em que o contato físico é frequente, é para poucos.

Ser atencioso, quando todos se preocupam em vencer a partida a qualquer custo na busca desenfreada pelo gol, mais ainda. 

A bola sofre o pior de seu aviltamento, pois há sim, escassez de jogadores que não dão a ela o valor merecido.

Mas o mês de março nos traz à memória alguns carinhosos e atenciosos jogadores que foram ‘gentleman’ com a bola.

Dois deles fazem aniversário hoje: Júlio César Uri Geller, que completa 64 anos, Zico, 67 e  daqui a duas semanas, Leandro, que vai fazer mais um ano de vida, chegando aos 61.


Um, vestiu a camisa 2, e foi ao lado de Djalma Santos e Carlos Alberto Torres, um dos mais completos laterais da história do futebol brasileiro. 

Tão bom que passou boa parte de sua carreira no ‘Tempo de Bastilha’ com seus joelhos, e mesmo assim, chegou a níveis surpreendentes com os que produziu dentro das quatro linhas.

Vestindo a 3 em seus últimos anos de vida futebolística, saiu de cena contra o Bangu, na derrota por 2 a 1, em Moça Bonita, em 1990.

Foi gigante por natureza.

O outro, eternizou seus dribles e fez de uma tragédia pessoal (o incêndio da Favela da Praia do Pinto onde morava), o combustível para vencer como jogador de futebol.

Com a 11 rubro-negra, ajudou a conquistar o primeiro (1980) dos sete títulos brasileiros do Clube de Regatas do Flamengo. 

Alegre, sempre com um sorriso no rosto quando recebia a bola e partia para cima de seus marcadores, Uri Geller não lembrava nem de longe o menino pobre que vendia amendoim na rua e guardava os carros dos frequentadores do Jockey Club.

Pulou os muros do seu clube de coração para fazer com Adílio, uma das parcerias mais sinceras do mundo da bola.

Hoje não são mais parceiros, pois viraram irmãos. 

Monstro.

Já Zico… ah, o Zico, o Zico foi exemplo de dedicação, de amor à profissão, de companheirismo, de humildade.

Venceu com bravura os maiores desafios da difícil carreira que escolheu para sua vida.

Sim, fez isso com a mesma classe que driblava seus adversários e com a simplicidade de quem sempre buscou o gol.

Com a bola nos pés, foi o arco e a flecha e como a água, havia fluidez ao ultrapassar os obstáculos. 

Nada o parava.

Se despediu do futebol naquela fatídica noite de 06 de fevereiro de 1990 e para muitos rubro-negros apaixonados por esse esporte, um dos maiores camisas 10 do futebol mundial de todos os tempos, deixou um buraco no peito tamanha saudades.

Zico foi grande e sua grandeza o tornou humano demais para se relacionar com as pessoas. 

Sua vitória é ser um ser humano de carne e osso e de ser simples, sua maior (dentre tantas) virtude.

Chamado de bichado pela torcida tricolor em um Fla-Flu, fez três na única vez em que disputou um clássico ao lado do saudoso Dr. Sócrates. 

Xingado, respondia à altura, porém, na bola.

Não foi campeão do mundo pela Seleção, pudera, é bem verdade, mas valorizou Cariocas, Guanabaras, Rios, Brasileiros, Libertadores e o Mundial. 

No mais, qualquer definição que não seja gênio, soa como insanidade e causa irascibilidade em quem teve a chance de vê-lo jogar.

Craques, extrasséries, gênios, ou seja lá o que tenham sido, Leandro, Uri Geller e Zico, nada seriam sem ela: a bola.

Parabéns e muitos anos de vida!

SAFRA SOFRÍVEL

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Por saberem que sou um crítico ferrenho do futebol atual adoram me provocar nas ruas com perguntas variadas. “PC, quem você escalaria do time do Flamengo de titular na seleção brasileira?”, me questionou um jovem, no metrô. Sem pensar, respondi ninguém. E sem qualquer clubismo gostaria que os rubro-negros respondessem também. O jogador mais inteligente do Flamengo, Arrascaeta, é uruguaio e nem titular de sua seleção é. A fase do Flamengo é maravilhosa e o torcedor tem mais é que comemorar, mas isso não me impede de continuar dizendo que há alguns anos a nossa safra de jogadores é sofrível, no Brasil e no exterior. Podem perceber que os grandes destaques dos clubes brasileiros são estrangeiros ou veteranos. Fluminense é Nenê, Botafogo é o Gatito e, agora, trouxe o Honda, e o Vasco tem o Guarín e o Cano. Corinthians é o Boselli, Atlético Mineiro tem Cazares, Otero e trouxe Diego Tardelli, no Internacional os ídolos são D´alessandro e Guerrero, e o São Paulo tem Hernanes, Daniel Alves e Pato. Uma ou outra revelação, mas renovação de qualidade é baixíssima.

Mas vou abrir um parêntese para falar do São Paulo, afinal sou admirador confesso dos times treinados por Fernando Diniz. O primeiro tempo contra a Ponte Preta foi muito bom de assistir, mas se ele não fizer um intensivão de finalizações seu projeto pode ir por água abaixo para felicidade de muitos jornalistas que torcem contra, esses mesmos que usam expressões “repertório de ataques” e “cara da bola”. Tanto que os “especialistas das bancadas” preferiram elogiar Santos 0 x 0 Palmeiras, jogo horroroso! Torço muito para esses heróis da resistência, como Diniz, por isso vibrei por mais um título do Manchester City, de Guardiola, e gostei da derrota sofrida pelo retranqueiro Mourinho: Tottenham 2 x 3 Wolves. Não consegui assistir Real Madrid 2 x 0 Barcelona porque já não se sabe mais onde os jogos serão transmitidos. É um tal de clube brigando com emissora e o torcedor fica perdido.

Me indicaram um aplicativo, mas preferi desistir e encontrar meu amigo Rildo, lateral lendário do Botafogo e da seleção de 1966. Há anos mora nos Estados Unidos e nosso papo foi muito mais divertido, afinal ele é um dos grandes contadores de história do futebol, sem falar que foi capitão no Santos, de Pelé, e no Botafogo dos áureos tempos, não é para qualquer um. Adorei Jorge Sampaoli, outro de quem sou fã, no Atlético mineiro. Torço para quem inova, quem consegue transformar pó em ouro. Mais tarde soube que na vitória do Real Madrid Vinícius Jr. abriu o placar e não tenho dúvida que hoje, em algum momento do dia, me perguntarão se o menino já está merecendo uma vaga na seleção. Taí, acho que vou aderir ao modismo dos fones de ouvido, imitar os jogadores da nova geração e, dessa forma antipática-estilosa, consigo evitar perguntas como essa. Sempre tive fama de marrento mesmo e acho que um fone de ouvido daqueles gigantões vai cair bem em mim, Kkkk!!!

Agnaldo Timóteo + PC Caju + Léo Russo

OS TRÊS TENORES

Quem acompanha o trabalho do Museu da Pelada sabe que reunir é com a gente mesmo! Seja craque, músico ou peladeiro, gostamos daquela resenha compartilhada que rende horas e horas! Mas não tem como negar que quando juntamos um boleiro com um música dá samba! Recentemente, reunimos o craque PC Caju, o lendário Agnaldo Timóteo e o cantor e compositor Léo Russo para um papo de outro patamar e o resultado vocês podem conferir no vídeo acima!

O último, aliás, fez questão de deixar um depoimento bacana sobre o encontro que promete deixar os amantes da bola de queixo caído:

“Foi um enorme prazer estar com esses dois amigos. Um craque, super campeão pelo Botafogo e campeão mundial pelo Brasil naquela seleção espetacular de 1970; e o outro, dono de uma das maiores vozes da música brasileira e também botafoguense de coração.

Agnaldo já havia participado de um show meu no Teatro Rival. E o PC já estivemos juntos várias vezes, em gloriosas resenhas com Jairzinho, Carlos Roberto, Stepan Nercessian, dentre outros.

Música e futebol tem tudo a ver comigo e com a maioria dos brasileiros. Eu estava ali ao lado deles ouvindo e aprendendo, ouvindo e aprendendo, e viajando no tempo…”

Viva a resenha!